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Revista electrónica de investigación en educación en ciencias

versión On-line ISSN 1850-6666

Rev. electrón. investig. educ. cienc. vol.14 no.1 Tandil jul. 2019

 

ARTICULOS ORIGINALES

O ensino de Matemática Financeira em atividades de modelagem matemática

 

Jeferson Takeo Padoan Seki, Lourdes Maria Werle de Almeida

jefersontakeopadoanseki@hotmail.com , lourdes@uel.br

Universidade Estadual de Londrina


Resumo

Neste artigo dirigimos nossa atenção para o ensino de Matemática Financeira em atividades de modelagem matemática desenvolvidas por alunos de uma disciplina de Matemática Financeira em um curso de Licenciatura em Matemática. As atividades de modelagem atenderam a especificidades já identificadas na literatura para caracterizar a modelagem matemática descritiva e a modelagem matemática prescritiva e são discutidas em relação aos desdobramentos para o ensino de conceitos de Matemática Financeira e para a Educação Financeira. O processo analítico segue encaminhamentos da análise de conteúdo e conduz a três categorias relativas às possibilidades da modelagem matemática: o ensino de Matemática Financeira na modelagem descritiva; o ensino da Matemática Financeira na modelagem prescritiva; e modelagem matemática como possibilidade de integrar a Educação Financeira no ensino de Matemática Financeira.

Palavras-chave: Modelagem Matemática; Matemática Financeira; Educação Financeira; Letramento Financeiro.  

La enseñanza de Matemáticas Financieras en actividades de modelización matemática

Resumen

En este artículo dirigimos nuestra atención a la enseñanza de Matemáticas Financieras en las actividades de modelización matemática desarrolladas por estudiantes de una disciplina de Matemáticas Financieras en un curso de Licenciatura en Matemáticas. Las actividades de modelización cumplieron con las especificidades ya identificadas en la literatura para caracterizar la modelización matemática descriptiva y la modelización matemática prescriptiva y se discuten en relación con los desarrollos para la enseñanza de conceptos de Matemáticas Financieras y para la Educación Financiera. El proceso analítico sigue las pautas del análisis de contenido y conduce a tres categorías relacionadas con las posibilidades de la modelización matemática: la enseñanza de Matemáticas Financieras en la modelización descriptiva; la enseñanza de la matemática financiera en la modelización prescriptiva; y modelos matemáticos como la posibilidad de integrar la Educación Financiera en la enseñanza de Matemáticas Financieras.

Palabras Clave: Modelización Matemática; Matemáticas Financieras; Educación Financiera; Literacia Financiera.

Teaching an of Financial Mathematics in mathematical modelling activities

Abstract

In this paper we turn our attention to the teaching of Financial Mathematics in mathematical modelling activities developed by students of a discipline of Mathematics Financial in a course of Degree in Mathematics. The modelling activities met the specificities already identified in the literature to characterize the descriptive mathematical modelling and the prescriptive mathematical modelling and are discussed in relation to the developments for the teaching of concepts of Financial Mathematics and for Financial Education. The analytical process follows the guidelines of content analysis and leads to three categories related to mathematical modelling possibilities: the teaching of Financial Mathematics in descriptive modelling; the teaching of Financial Mathematics in prescriptive modelling; and mathematical modelling as a possibility to integrate Financial Education in the teaching of Financial Mathematics

Keywords: Mathematical Modelling; Financial Mathematics;  Financial Education; Financial Literacy.

L'enseignement de la mathématique financière dans les activités de modélisation mathématique

Resumé

Dans cet article, nous cherchons à déterminer comment l'enseignement de la mathématique financière peut être médiatisé par des activités de modélisation mathématique développées dans un sujet de mathématique financière d'un cours de mathématique. La modélisation mathématique est caractérisée dans cet article de deux points de vue, la modélisation descriptive et la modélisation normative, et est discutée en relation avec ses développements pour l’enseignement de la mathématique financière et de l’éducation financière. Mathématiques financières en modélisation descriptive, enseignement Mathématiques financières en modélisation prescriptive et modélisation mathématique Mathématiques financières en enseignement de Mathématiques financières.

Mots-clés: Modélisation mathématique; Mathématiques financières; Education financière; Littératie financière.


 

1. INTRODUÇÃO

Discussões relativas ao ensino de Matemática Financeira em diferentes níveis de escolaridade referem-se à importância de inserir nas práticas pedagógicas o uso de conceitos dessa disciplina considerando atividades econômicas e financeiras da sociedade contemporânea, visando contribuir para a formação dos alunos com relação ao modo como eles lidam com o dinheiro nessas atividades (Muniz, 2016; OECD, 2005). Na esfera educacional, tais aspectos envolvem diferentes interfaces entre a Educação Matemática, Matemática Financeira e Educação Financeira (Campos; Teixeira & Coutinho, 2015; Hofmann & Moro, 2012)

A literatura indica que pesquisas têm explorado distintas possibilidades para o ensino de Matemática Financeira nos diferentes níveis de escolaridade, referindo-se, por exemplo, ao uso de planilhas eletrônicas e calculadoras (Marchi, 2014; Cosér Filho, 2008; Manassi, 2014), às atividades investigativas e resolução de problemas (Hermínio, 2008, Cunha & Laudares, 2017), a objetos de aprendizagem (Rolim, 2014) e também à modelagem matemática (Campos, Hess & Sena, 2017; Guimarães & Lamberty, 2013; Silva, 2014).

No ensino superior, particularmente no curso de Licenciatura em Matemática, a importância da disciplina de Matemática Financeira na formação inicial de professores de Matemática tem recebido diferentes abordagens (Regecová & Slavíčková, 2011; Somavilla, 2017).

Neste artigo dirigimos nossa atenção para o ensino de Matemática Financeira em atividades de modelagem matemática. No âmbito da sala de aula, a modelagem matemática viabiliza a abordagem de uma situação-problema por meio da Matemática (Almeida, Silva & Vertuan, 2012). A abordagem das situações econômico-financeiras a que nos referimos no artigo proporciona a introdução e o uso de conceitos da Matemática Financeira considerando diferentes particularidades de cada atividade que identificamos com base no que Niss (2015) caracteriza como modelagem prescritiva e modelagem descritiva.

Diante disso, temos como objetivo investigar a modelagem matemática como possibilidade para o ensino e a aprendizagem de Matemática Financeira e sua articulação com aspectos da Educação Financeira.

O quadro teórico em que se fundamentam nossas argumentações contempla aspectos da Modelagem Matemática na Educação Matemática, Modelagem Matemática no ensino de Matemática Financeira e Educação Financeira. Com base nesses pressupostos teóricos, analisamos duas atividades de modelagem matemática desenvolvidas por dois grupos de alunos na disciplina de Matemática Financeira em um curso de Licenciatura em Matemática. Para a análise dos dados, utilizamos encaminhamentos metodológicos da análise de conteúdo (Bardin, 2011). 

2. QUADRO TEÓRICO

2.1. Modelagem Matemática na Educação Matemática

A modelagem matemática envolve a investigação, por meio da matemática, de uma situação-problema cuja origem, em geral, não é da própria Matemática (Almeida, 2018; Blum & Niss, 1991; Pollak, 2012, 2015). Não há indicações de um caminho único para orientar essa investigação, de modo que ela pode assumir diferentes configurações conforme a abordagem teórica, os propósitos e a perspectiva de modelagem matemática (Geiger & Frejd, 2015).

Na literatura a modelagem matemática tem sido abordada sob diferentes perspectivas, conforme apontam Kaiser e Sriraman (2006). Mais recentemente, Blum (2015) ampliou este quadro de perspectivas de modelagem matemática, definindo o termo perspectiva como um tripé (objetivo/exemplos adequados/ciclo). Estas perspectivas indicam uma gama de práticas de ensino relacionadas à modelagem matemática (Frejd & Bergnstein, 2018), com diferentes objetivos, seja para o professor, seja para os alunos (Almeida, 2018).

Galbraith (2012) pondera que as diferentes perspectivas de modelagem matemática podem ser incorporadas em dois gêneros ou abordagens: modelagem como veículo e modelagem como conteúdo. Considerando a modelagem como veículo, o foco está no ensino e na aprendizagem de conteúdos matemáticos de algum programa curricular e, nesse sentido, “algumas partes do processo de modelagem, ou aspectos relacionados à modelagem, são usados para aprimorar a aprendizagem de conceitos matemáticos que fazem parte da matemática curricular” (Galbraith, 2012, p. 13). Já em relação à modelagem como conteúdo, o autor argumenta que ela "se propõe a capacitar os alunos a usar seus conhecimentos matemáticos para resolver problemas reais e dar continuidade ao desenvolvimento dessa capacidade ao longo do tempo" (Galbraith, 2012, p. 13). Esses dois gêneros de modelagem não se contrapõem, mas podem ser complementares, como argumenta Galbraith (2012, p. 5), “na tentativa de resolver problemas genuínos, novos conteúdos matemáticos podem surgir, do mesmo modo que os contextos do mundo real podem fornecer veículos legítimos para a introdução da Matemática desejada”.

Diversas pesquisas têm se dedicado a investigar tanto aspectos relacionados ao ensino e à aprendizagem da matemática mediados pela modelagem, quanto ao ensino e à aprendizagem da modelagem matemática em si (Barqueiro, Bosch & Romo, 2018; Blum & Borromeo Ferri, 2009; Borromeo Ferri, 2018; Doerr & Lesh, 2011; Guerrero-Ortiz & Mena-Lorca, 2015).  Por exemplo, Barqueiro, Bosh & Romo (2018) e Borromeo Ferri (2018), apresentam considerações sobre a modelagem matemática na formação de professores, com base em diferentes perspectivas teóricas a respeito das competências e os conhecimentos necessários para o professor introduzir a modelagem matemática em sua prática docente. Já Blum & Borromeo Ferri (2009), Doerr & Lesh (2011) e Guerrero-Ortiz & Mena-Lorca (2018), discutem diferentes perspectivas de modelagem para o ensino e a aprendizagem de matemática em diferentes níveis de escolaridade, bem como investigam as estratégias usadas por professores e alunos no desenvolvimento de atividades de modelagem matemática.

Consideramos que apesar da pluralidade de ideias e perspectivas de modelagem matemática existentes na literatura, ao discutirmos a modelagem matemática no âmbito da Educação Matemática estamos nos referindo a atividades, que conforme sugere Pollak (2015), requerem “formular uma situação-problema, decidir o que manter e o que ignorar na criação de um modelo idealizado, fazer uso de matemática na situação idealizada, e então decidir se os resultados fazem sentido face à situação original” (Pollak, 2015, p. 267). De acordo com o autor, no desenvolvimento de atividades de modelagem matemática estabelece-se um diálogo entre a matemática e situações reais. Neste ínterim, diferentes finalidades podem ser consideradas pelos alunos ao modelar uma situação real, como, descrever ou prescrever um fenômeno. A estas duas finalidades Niss (2015) associa dois tipos de modelagem e os caracteriza como: modelagem descritiva e modelagem prescritiva.

Na modelagem descritiva, o objetivo é “capturar, representar, entender, ou analisar fenômenos ou situações extra-matemáticas, geralmente como meio de responder questões práticas, intelectuais ou científicas” (Niss, 2015, p. 67). Na modelagem prescritiva por sua vez, o foco é projetar, prescrever ou estruturar certos aspectos de situações de um domínio extra matemático, sendo “o objetivo final preparar o caminho para tomar medidas com base em decisões que resultem em certo tipo de considerações matemáticas relativas à situação” (Niss, 2015, p. 69). A modelagem prescritiva, portanto, visa “identificar possibilidades de transformar o mundo ao invés de apenas entendê-lo” (Niss, 2015, p. 69) e a abordagem da situação pode ser feita em dois tipos, Tipo 1 e Tipo II. No Tipo I, “o foco está em criar descritores ou medidas”. O Tipo II, “se baseia em requisitos ou desejos de natureza pré-matemática específicos e claramente formulados” (Niss, 2015, p. 77). Essas caracterizações, segundo o autor, remetem a classificações já abordadas na literatura por Blum & Niss (1991), em relação ao modelo matemático, e Davis & Hersh (2005), referindo-se ao uso da Matemática.

O termo modelo matemático pode ser entendido como um sistema conceitual expresso por uma estrutura ou linguagem matemática (Lesh, Carmona & Hjalmarson, 2006). Segundo Doerr & English (2003), os modelos matemáticos podem ser usados para descrever, explicar ou predizer o comportamento de fenômenos.  Em Blum & Niss (1991), os autores fazem uma distinção entre dois tipos de modelos matemáticos em relação ao fenômeno sob investigação, modelos normativos (prescritivos) e modelos descritivos. Nos modelos normativos a matemática é utilizada para “estabelecer normas envolvendo juízo de valores” (Blum & Niss, 1991) e esses modelos são usados normalmente em fenômenos econômicos, envolvendo juros ou impostos, por exemplo. Nos modelos descritivos, “a matemática serve principalmente para descrever e explicar a respectiva situação” (Blum & Niss, 1991, p. 39), que está associada a fenômenos físicos, como movimentos planetários ou decaimento radioativo, por exemplo. Para Niss (2015), um mesmo modelo pode, ao mesmo tempo, ter fins prescritivos e descritivos. Nesse sentido, a caracterização do autor não se restringe a classificação do modelo, mas envolve a modelagem matemática como um todo, considerando os diferentes procedimentos envolvidos no desenvolvimento de uma atividade de modelagem matemática.

Davis & Hersh (2006) contribuem para essa discussão, caracterizando três funções da Matemática: descrever, predizer e prescrever. A função descritiva centra-se em um aspecto específico suficientemente limitado de um fenômeno e busca “resumir e substituir esse aspecto por uma equivalente descrição matemática” (Davis & Hersh, 2005, p. 116). A função preditiva está relacionada com a função descritiva, no sentido de que “descrições no simbolismo abstrato da matemática condensam uma grande quantidade de informações” (Davis & Hersh, 2005, p. 118). A previsão na Matemática decorre da ação de prever, quando essa ação “é realizada por meio da utilização de modelos matemáticos e computação” (Davis & Hersh, 2005, p. 119). Por fim, a função prescritiva refere-se “aquelas situações em que a matemática conduz a ação humana ou automaticamente a algum tipo de ação tecnológica” (Davis & Hersh, 2005, p. 120).

A classificação de Niss (2015) relativa aos tipos de modelagem matemática se aproxima da distinção de Davis & Hersh (2006) e suas diferenças, segundo o autor, se tornam mais evidentes quando consideramos as fases e os procedimentos envolvidos no ciclo de modelagem matemática. Na literatura, os ciclos de modelagem matemática são frequentemente utilizados como representações das ações associadas ao desenvolvimento de uma atividade de modelagem matemática e podem assumir diferentes configurações de acordo com o entendimento de modelagem dos pesquisadores (Doerr, Ärlebäck & Misfeldt, 2017).

No entendimento de modelagem matemática compartilhado neste artigo consideramos que uma atividade de modelagem matemática tem início em uma situação inicial (situação-problema) e termina em uma situação final (resposta para o problema identificado na situação inicial) (Almeida, 2010). Essa transição da situação inicial para a situação final envolve um conjunto de fases, caracterizadas como: inteiração (simplificação, idealização, coleta de dados e formulação de um problema); matematização (transição da linguagem natural para linguagem matemática, formulação de hipóteses e variáveis); resolução (obtenção de um modelo matemático, uso de conceitos, teoremas, procedimentos e técnicas matemáticas); interpretação dos resultados e validação (análise do modelo à luz da situação inicial, confrontação dos resultados obtidos com a situação inicial) (Almeida; Silva & Vertuan, 2012).

De acordo com Niss (2015), a inteiração com a situação inicial pode ser semelhante na modelagem descritiva e na modelagem prescritiva. A matematização pode, mas não precisa ser diferente, “uma vez que na modelagem prescritiva pode não haver de antemão qualquer indício a respeito de como chegar a um modelo coerente cumprindo com o objetivo da modelagem” (Niss, 2015, p. 76). Já a validação e a interpretação dos resultados são “muito diferentes, [...] sendo estas, em grande parte ausentes na modelagem prescritiva [...] em vez disso, uma meta-validação torna-se crucial neste tipo de modelagem” (Niss, 2015, p. 76).

Nesse contexto, um aspecto essencial que diferencia a modelagem descritiva da modelagem prescritiva reside na fase de interpretação dos resultados e validação. Segundo Souza, Oliveira & Almeida (2016), considerando que o objetivo da modelagem prescritiva é prescrever ações na situação modelada, não faz sentido uma validação no sentido de comparar o modelo matemático com a situação inicial, mas a situação modelada pode ser criticada e analisada, constituindo uma meta-validação.

A meta-validação pode ser feita com relação a pelo menos dois dos três pontos: analisar as consequências dos resultados para as questões abordadas na situação inicial; comparar e contrastar o modelo matemático obtido com modelos já usados para estudar o fenômeno; discutir o impacto dos requisitos ou desejos envolvidos na prescrição obtida pela atividade de modelagem matemática (Niss, 2015).

Seja na modelagem descritiva, seja na modelagem prescritiva, o desenvolvimento de atividades de modelagem matemática no contexto educacional envolve uma inter-relação entre a matemática e a realidade. Segundo Pollak (2015), nessa inter-relação não há soberania nem da matemática e nem da situação, mas a harmonia entre ambas é essencial para avaliar os resultados obtidos na modelagem matemática. De fato, como pondera Almeida (2018), nas atividades de modelagem matemática os alunos colocam em jogo conhecimentos tanto em relação ao fenômeno sob investigação, quanto em relação à matemática.

Em relação ao uso da Matemática em atividades de modelagem matemática, diversas pesquisas têm buscado evidenciar como a Matemática emerge no desenvolvimento de atividades de modelagem matemática. Stillman, Brown & Geiger (2015), consideram que é na elaboração de modelos matemáticos que diferentes conceitos, técnicas e artefatos matemáticos são usados pelos modeladores. Já Palharini (2007, p. 51) considera difícil ponderar um momento específico em que o uso da Matemática ocorre, tendo em vista que, para a autora, já nas simplificações realizadas pelos modeladores em uma situação inicial, “o olhar lançado sobre os conceitos matemáticos que podemos utilizar pode direcionar a idealização de uma situação matemática”. Neste cenário, entendemos que o uso da matemática em atividades de modelagem em sala de aula depende das ações dos alunos e, como sugere Almeida (2018), de suas intencionalidades.

Dentre as ações dos alunos que evocam o uso da Matemática em atividades de modelagem matemática, a matematização tem sido destacada na literatura (Almeida, 2018; Grigoraş et al., 2011, Jablonka &  Gellert 2007; Niss 2010; Stillman et al. 2015). Segundo Jablonka & Gellert (2007, p. 2), a matematização pode ser entendida como “o processo que a algo se associa mais matemática do que até então lhe havia sido associado”. Niss (2010) ressalta a matematização como uma das principais ações no desenvolvimento de atividades de modelagem matemática e destaca que a estruturação de uma situação extramatemática requer o que o autor denomina de “antecipação matemática” referindo-se à capacidade do modelador (ou do aluno) de vislumbrar qual matemática pode ser útil para a abordagem da situação por meio da matemática. Grigoras, García & Halverscheid (2011, p. 85) argumentam que “a modelagem envolve muitos processos e a matematização é crucial, se queremos que os estudantes se tornem modeladores independentes”.

Nesse contexto, o desenvolvimento de atividades de modelagem matemática oportuniza aos alunos, para além de mobilizar conhecimentos relativos a situações extramatemáticas, trabalhar com conceitos da Matemática já estudados e aprender novos conceitos (Almeida; Silva & Vertuan, 2012), possibilitando o uso de conceitos e procedimentos da Matemática para investigar situações originadas nos mais variados fenômenos sociais, econômicos, biológicos entre outros.

Neste artigo, o foco de nossa investigação é o ensino da Matemática Financeira em duas atividades de modelagem matemática desenvolvidas em uma disciplina de Matemática Financeira. Detalhamos alguns aspectos do uso da modelagem matemática no ensino da Matemática Financeira na próxima seção.

2.2. Modelagem matemática no ensino da Matemática Financeira

 A Matemática Financeira é o campo da Matemática que estuda “o comportamento do dinheiro no tempo […] busca quantificar as transações que ocorrem no universo financeiro levando em conta a variável tempo, ou seja, o valor monetário no tempo” (Santos, 2005, p. 157). Grando & Schneider (2010), argumentam que historicamente a Matemática Financeira sempre esteve ligada ao significado e o conceito de comércio e a origem do dinheiro.

Pesquisas relativas ao ensino de Matemática Financeira indicam a sua importância para a vida das pessoas e para a sociedade (Cosér Filho, 2008; Rosetti Junior & Schimiguel, 2009; Santos, 2005; Schneider, 2008). Cosér Filho (2008), destacam que a Matemática Financeira possui diversas aplicações práticas e que tais aplicações são relevantes para as mais variadas atividades pessoais e profissionais, bem como evidenciam que esta área “estimula a tomada de decisões e a consequente necessidade de fundamentação teórica para que se decida com correção” (Cosér Filho, 2008, p. 12).

Em relação as aplicações da Matemática Financeira, Puccini (2007, p. 8) destaca que “suas técnicas são necessárias em operações de financiamento de quaisquer naturezas: crédito a pessoas físicas e empresas, financiamentos habitacionais, crédito direto ao consumidor e outras”. O autor complementa, acrescentando as operações de investimentos imobiliários nos mercados de capitais. Nas duas situações, “é o uso dessas técnicas que permite conhecer o custo e o retorno dessas operações, permitindo tomadas de decisão mais racionais; são elas também que permitem determinar o valor das prestações devidas pelas transações efetuadas em parcelas” (Puccini, 2007, p. 8).

De modo geral, a relevância da Matemática e seu ensino permeia o uso de conceitos dessa disciplina em práticas econômico-financeiras do cotidiano e dos ambientes profissionais. Segundo Hermínio (2008, p. 12), a Matemática Financeira pode contribuir para “formação de alunos críticos e capazes de reconhecer as relações comerciais existentes em nosso dia-a-dia, já que se faz sempre necessário aprender a lidar com o dinheiro em suas diferentes formas”. Nesse sentido, Hofmann & Moro (2012, p. 47) ponderam que “compreender, em alguma medida, os fundamentos econômicos, sociais, legais e mesmo linguísticos subjacentes às práticas econômicas cotidianas é condição para a interação e para a socialização econômica da população”. Constitui-se um desafio para o ensino da Matemática Financeira, portanto, a formação de alunos capazes de compreender e agir em situações econômico-financeiras.

Em consonância, Rosetti Júnior & Schimiguel (2011, p. 1541) destacam que o “ensino e uso dos modelos matemáticos e financeiros em sala de aula devem estar em consonâncias com as necessidades, e os interesses e as experiências de vida dos estudantes”. Nesse sentido, de acordo com os autores, “as fórmulas prontas e os modelos acabados, com poucos atrativos para os educandos devem ceder lugar aos modelos construídos a partir de suas vivências, na busca de soluções dos problemas que fazem parte de suas relações na sociedade” (Rosetti Júnior & Schimiguel (2011, p. 141).

Consideramos que desenvolvimento de atividades modelagem matemática constitui uma alternativa para abordar esses aspectos relativos ao ensino de Matemática Financeira, uma vez que fornece “uma leitura, ou mesmo uma interpretação, de situações não matemáticas com base na matemática” (Almeida, 2018, p. 29) e dessa forma estabelece um diálogo entre a Matemática Financeira e situações-problema econômico-financeiras da sociedade e do cotidiano dos alunos.

Outro desafio do ensino de Matemática Financeira diz respeito à integração da Educação Financeira na formação dos estudantes (Campos; Teixeira & Coutinho, 2015; Cunha & Laudares, 2017). Nesse contexto, Campos, Hess & Sena (2018) propõem que a modelagem matemática no ensino da Matemática Financeira pode contribuir para essa integração, relacionando conceitos da Matemática Financeira com aspectos da Educação Financeira. Complementando essa ideia, Campos, Teixeira & Coutinho (2015, p. 564), argumentam que o ensino de tópicos da Matemática Financeira em si não basta “para cumprir o papel de formar cidadãos e promover a Educação Financeira se ele não for contextualizado em situações reais ou realísticas, próximas ao cotidiano do educando”.

Diante disso, detalhamos na próxima seção as características da Educação Financeira e da literacia financeira.

2.3. Sobre Educação Financeira

As transformações dos mercados financeiros e as atuais mudanças demográficas, econômicas e políticas no cenário mundial e seus impactos nos padrões de consumo e de investimento reforçam a importância da Educação Financeira (OECD, 2009).

Birochi e Pozzebon (2016), argumentam distinguem duas vertentes a respeito do conceito de Educação Financeira: instrumental e transformativa ou crítica. Na primeira vertente, a Educação Financeira “deve agir como uma ferramenta para aumentar a eficiência do sistema financeiro por meio de programas de treinamento baseado no domínio de capacidades operacionais”. Na segunda vertente, a Educação Financeira “deve promover a inclusão social e econômica por meio do fortalecimento das capacidades individuais, visando o empoderamento individual e a emancipação social” (BIROCHI; POZZEBON, 2016, p. 268, tradução nossa).

Por um lado, a Educação Financeira instrumental está diretamente relacionada ao desenvolvimento econômico e financeiro de um sistema. Por outro lado, a Educação Financeira transformativa tem como foco a formação financeira do sujeito, visando o seu bem-estar financeiro. Campos, Hess e Sena (2018), argumentam que é possível fazer uma abordagem combinando os dois aspectos, conforme o entendimento da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD, 2005):

[...] o processo mediante o qual consumidores/investidores melhoram a sua compreensão em relação aos conceitos e produtos financeiros, de maneira que, com informação, instrução e/ou orientação objetiva, possam desenvolver confiança e as competências necessárias para se tornarem mais conscientes das oportunidades e riscos financeiros e, então, poderem fazer escolhas bem informadas, saber onde procurar ajuda e adotar outras ações efetivas que melhorem o seu bem-estar financeiro (OECD, 2005, p. 26).

Alinhado com a OECD, por meio do Decreto Federal 7.397/2010, o governo do Brasil criou a Estratégia Nacional de Educação Financeira, cujos objetivos são: : i) “promover e fomentar a cultura de educação financeira no país”, ii) “ampliar a compreensão do cidadão para efetuar escolhas conscientes relativas à administração de seus recursos”; iii) “contribuir para eficiência e solidez dos mercados financeiros, de capitais, de seguros, de previdência e de capitalização” (ENEF, 2014, p. 20).

Entendemos que a Educação Financeira está diretamente ligada com a noção de letramento financeiro. Huston (2010, p. 308) define letramento financeiro como “ferramenta que visa melhorar a capacidade de decisão e de escolha de produtos financeiros por parte dos consumidores, contribuindo, desta forma, para a melhoria do seu bem-estar financeiro”. Orton (2007) caracteriza letramento financeiro como:

Capacidade de ler, analisar, gerir e comunicar sobre a condição financeira pessoal e à forma como esta afeta o seu bem-estar material. Ela inclui a capacidade de decidir entre escolhas financeiras, discutir assuntos financeiros e monetários sem desconforto, planejar o futuro e responder de forma competente às situações do dia-a-dia que envolvem decisões financeiras, incluindo acontecimentos na economia em geral (ORTON, 2007, p. 17);

Em uma incursão sobre as diferentes definições de letramento financeiro, Sena (2017, p. 39) assume letramento financeiro como:

habilidade de ler, analisar e interpretar situações financeiras [...] conhecimento de elementos básicos e necessários à matemática financeira pertinente ao contexto dos sujeitos [...] capacidade de assumir uma postura crítica fundamentada [...] capacidade de considerar variáveis e implicações de suas ações [...] tomada de decisões conscientes que visem o bem-estar financeiro individual e social.

Reconhecendo a possibilidade de integrar a Educação Financeira no ensino de Matemática Financeira, Cunha & Laudares (2017, p. 662) advogam por uma conceituação de Educação Financeira a partir da Matemática Financeira. Segundo os autores, para uma efetivação da Educação Financeira no contexto escolar, faz se necessário uma “transição do ensino de Matemática Financeira, para o exercício da reflexão e crítica acerca de situações que influenciam a vida financeira das pessoas” (Cunha & Laudares, 2017, p. 662).
Nesse contexto, Muniz (2016, p. 4), propõe princípios balizadores da integração da Educação Financeira no ensino de Matemática Financeira, a partir da noção de letramento financeiro: a leitura de situações financeiras que contemplem diferentes aspectos, incluindo os de natureza matemática, para que os alunos pensem, avaliem e tomem suas próprias decisões; conexões entre questões econômicas e financeiras presentes na sociedade e as questões de ensino; articulação entre a Educação Financeira e a Matemática de forma dual, em que a Educação Financeira pode se beneficiar da matemática para “entender, analisar e tomar decisões em situações financeiras, e que também permita explorar situações financeiras para aprender matemática”; e oportunizar aos alunos “oferecer múltiplas leituras sobre as situações financeiras”, por meio de “aspectos financeiros, matemáticos, comportamentais, culturais, biológicos, políticos e ecológicos”.

Esses aspectos podem ser mobilizados no ensino de Matemática Financeira mediado pela modelagem matemática, uma vez que no desenvolvimento de atividades de modelagem os alunos podem refletir e compartilhar diferentes resoluções e modos de ver a situação-problema estudada, tanto em termos do uso da matemática, quanto em relação a aspectos relevantes da situação-problema (Almeida; Silva & Vertuan, 2012; Schukahlow & Krug, 2012). Além disso, a modelagem matemática insere os estudantes em um ambiente em que tomadas de decisão são necessárias em uma via de mão dupla, na qual, por um lado, “uma tomada de decisão social, muitas vezes depende de considerações econômicas, o que cria uma consciência de matemática e modelagem” (Frejd, 2015, p. 355) e, por outro lado, as situações econômico-financeiras podem ser usadas para o ensino e aprendizagem da Matemática Financeira.

A partir dos elementos teóricos sobre modelagem matemática, ensino de Matemática Financeira e Educação Financeira apresentados no quadro teórico, buscamos possíveis relações entre estes pilares teóricos no ensino de Matemática Financeira mediado pela modelagem matemática em um curso de Licenciatura em Matemática.

3. ASPECTOS METODOLÓGICOS

 3.1. Contexto da pesquisa e coleta de dados

Levando em consideração o objetivo de investigar a modelagem matemática como possibilidade para o ensino de Matemática Financeira e sua articulação com aspectos da Educação Financeira dirigimos nossa atenção para o desenvolvimento de duas atividades de modelagem matemática realizado por nove alunos de uma disciplina de Matemática Financeira em um curso de Licenciatura em Matemática de uma universidade pública no ano de 2018.

Esta disciplina é ofertada em caráter anual para o 4º ano do curso com carga horária de 72 horas distribuídas em 2 horas/aula semanais e abrange em sua ementa os conceitos de juros e descontos simples, juros e descontos compostos, taxas, taxas equivalentes, inflação, equivalência de capitais diferidos, rendas ordinárias, antecipadas e deferidas, sistema de amortização de empréstimos, engenharia econômica, análise de investimentos e previsões financeiras.

Para o desenvolvimento das atividades com as temáticas Orçamento familiar ou pessoal e Política de preços da Petrobras, os alunos foram organizados em dois grupos, um contendo 5 alunos e o segundo 4 alunos, sendo Grupo 1 (G1) – A2, A4, A7, A8, A9; Grupo 2 (G2) – A1, A3, A5, A6

Os dados que analisamos são provenientes dos registros escritos pelos alunos, gravações em áudio e vídeo, respostas a um questionário e realização de uma entrevista. A análise das informações coletadas segue encaminhamentos da análise de conteúdo (Bardin, 2011).

3.2. Metodologia de análise de dados

Segundo Bardin (2011), a análise de conteúdo pode ser entendida como:

Um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas dessas mensagens) (Bardin, 2011, p. 49).

Conforme as orientações metodológicas de Bardin (2011), na etapa denominada pré-análise, organizamos os dados, fazendo uma leitura flutuante e constituímos o corpus da pesquisa, que se refere aos registros escritos dos estudantes e aos diálogos transcritos em relação ao questionário inicial, a entrevista e ao desenvolvimento das atividades de modelagem matemática.

A partir da constituição do corpus, na etapa exploração do material, fragmentamos os dados em unidades de análise que, segundo Moraes (1999, p. 5), “é o elemento unitário de conteúdo a ser submetido posteriormente à classificação”. Nesta pesquisa, as unidades de análise são os elementos de conteúdo presentes nos dados que dizem respeito as ações dos alunos em relação ao uso da Matemática Financeira nestas atividades.

Um movimento paralelo a unitarização dos dados é a codificação. Nessa pesquisa, atribuímos códigos, indicando a atividade (AT1 para atividade 1 – Orçamento Familiar ou Pessoal; AT2 para a atividade 2 – Política de Preços da Petrobras), o grupo de alunos (G1 para o grupo 1, G2 para o grupo 2), o instrumento de coleta de dados (sendo D para os diálogos, E para as respostas dos alunos na entrevista; Q para respostas dos alunos no questionário) e a unidade de análise seguido de um número (U.1, U.2, U.3,...,U55). Assim, por exemplo, o código AT1.G1.D.U1 diz respeito a unidade de análise 1 definida a partir de diálogos dos alunos do grupo G1 na Atividade 1.

Considerando a perspectiva de compreensão adotada nessa pesquisa, agrupamos por semelhança as unidades de análise em categorias. Esse processo de análise foi se constituindo conforme as inferências dos pesquisadores, a partir dos dados e com base no quadro teórico.

Por fim, na terceira etapa inferência e interpretação fazemos uma discussão em relação ao quadro teórico, interpretando os resultados obtidos.

3.3. Atividades de modelagem matemática

3.3.1. Atividade 1: Orçamento Familiar ou Pessoal

Na atividade Orçamento Familiar ou Pessoal, a situação inicial proposta pelo professor diz respeito à organização de elementos das finanças pessoais dos alunos, tais como receitas, despesas e investimento e como esses aspectos impactam a vida financeira dos indivíduos. Os alunos, dispostos em grupos, coletaram dados acerca do orçamento financeiro de um dos participantes do grupo, apresentados em uma planilha eletrônica, conforme indica o Quadro 1.

Quadro 1 – dados de um dos alunos do grupo G1

Fonte: registros escritos dos estudantes.

Na inteiração com a situação-problema os alunos discutiram relações entre renda, consumo e as opções de investimento em renda fixa, como a poupança e o Tesouro Direto e os dois grupos formularam um problema a ser estudado conforme segue:

G1: Considerando que o tempo de contribuição na previdência necessário para uma professora da Educação Básica se aposentar é de 25 anos, qual é o montante obtido em um investimento no Tesouro Direto em um tempo equivalente, se fosse investido mensalmente a diferença entre o salário e consumo?

G2: Qual será o montante obtido em um investimento em um título pré-fixado do Tesouro Direto com o prazo de vencimento de 5 anos e 2 meses, se investido mensalmente R$ 200,00?

No grupo G1, o problema formulado pelos alunos considerou como base o orçamento pessoal da aluna A4, professora dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Já no grupo G2, os alunos estipularam um valor fixo a ser investido mensalmente a partir do consumo e da renda mensal do aluno A3.

O propósito subjacente aos problemas formulados pelos alunos é prever o montante em um investimento no Tesouro Direto para um determinado período, considerando como base os seus orçamentos pessoais. Esse objetivo se alinha com a modelagem descritiva (Niss, 2015), na medida que, como ponderam Davis & Hersh (2005), ao realizar previsões, o modelador precisa recorrer a descrições e relações no simbolismo da Matemática, que condensam uma grande quantidade de informações.
O estabelecimento de relações entre as informações da situação-problema e a Matemática envolve a matematização. Nessa atividade a matematização envolveu a formulação de hipóteses e definição de variáveis (Quadro 2), estabelecendo relações entre consumo, renda e investimento.

G1: i) o consumo é proporcional à renda; ii) o salário será atualizado de acordo com a inflação medida pelo IPCA; iii) consideramos o índice de inflação IPCA, como a média dos últimos anos; iv) o saldo mensal do orçamento sempre será positivo; v) o capital investido mensalmente é a diferença entre a renda e consumo do mês.

G2: (i) o valor investido mensalmente é fixo (200 reais); (ii) não haverá resgate do valor investido antes do vencimento do título; (iii) o tempo de investimento é computado em meses.

Quadro 2 - variáveis da atividade 1

Fonte: registros escritos dos estudantes.

A formulação de hipóteses e a seleção de variáveis nessa atividade foram realizadas com o objetivo de estabelecer relações entre informações da situação-problema (investimento, renda e consumo) e descrever essas informações por meio de um simbolismo matemático. Essas ações dos alunos podem ser identificadas como características da modelagem descritiva, na qual, de acordo com Davis & Hersh (2005), há uma descrição e uma substituição de um aspecto limitado do fenômeno investigado por uma descrição matemática equivalente.

Para resolver o problema, ambos os grupos desenvolveram um modelo matemático a partir de equações de diferenças de 1ª ordem. A resposta matemática para o problema envolveu o uso dos software GeoGebra e Excel, no caso do Grupo G1, e no caso do grupo G2, a substituição de dados no modelo matemático. Apresentamos o modelo matemático e a resolução no Quadro 3.

Quadro 3 - Resolução Matemática da atividade 1

Fonte: registros escritos dos estudantes.

As ações dos alunos nessa atividade na elaboração do modelo matemático tiveram como finalidade o estabelecimento de relações entre as variáveis delineadas na matematização para descrever o comportamento de um aspecto do fenômeno (o rendimento no Tesouro Direto) investigado, possibilitando aos alunos realizar previsões. Podemos ponderar que essa finalidade fornece elementos para caracterizar os modelos deduzidos pelos alunos como modelo descritivo e modelo preditivo em uma mesma atividade, o que corrobora com a assertiva de Niss (2015) sobre a possibilidade de um modelo matemático possuir diferentes funções em uma mesma atividade de modelagem matemática.

Na interpretação dos resultados e validação do modelo matemático, os alunos do grupo G1 fizeram uma análise do modelo matemático em relação à matemática e a situação inicial. A validação do grupo G2 foi feita por meio de uma simulação no site do Tesouro Direto, comparando os resultados obtidos por meio do modelo matemático com dados da situação inicial. Apresentamos essa fase no Quadro 4:

Quadro 4 – interpretação dos resultados validação do modelo matemático na Atividade 1

Fonte: registros escritos dos alunos

Considerando que os modelos matemáticos elaborados pelos alunos têm como propósito descrever um aspecto específico do fenômeno, a validação desses modelos por meio de uma comparação entre os resultados matemáticos obtidos com dados da situação-problema reforça a caracterização da atividade 1 como modelagem descritiva na perspectiva de Niss (2015).

A partir do desenvolvimento da atividade os alunos do grupo G1 consideraram que em 25 anos de investimento o montante obtido será de R$ 271.578,58, que equivale a 19 anos da soma do salário da aposentadoria. Os alunos do grupo G2 obtiveram que no prazo de 62 meses, o montante do investimento será de R$ 10.503,08.

Consideramos que o encaminhamento da atividade 1 indica características da modelagem descritiva, com o propósito inicial de compreender um aspecto específico do Orçamento Familiar e, posteriormente, realizar previsões. Essa caracterização pode ser mais evidente seguindo a sugestão de Niss (2015) de olhar para as fases da modelagem matemática. Deste modo, apresentamos no Quadro 5 a caracterização da atividade 1 como modelagem descritiva segundo as fases da modelagem matemática propostas por Almeida, Silva & Vertuan (2012).

Quadro 5 - caracterização da atividade 1 como modelagem descritiva

Fonte: os autores

A caracterização da atividade 1 como modelagem descritiva apresentada no Quadro 5 se aproxima de descrições tradicionais do desenvolvimento de atividades de modelagem matemática, em que o processo, segundo Souza, Oliveira & Almeida (2016, p. 550), é geralmente apresentado por meio de fases da modelagem matemática propostas na literatura, com o objetivo de “compreender e descrever o fenômeno na forma como ele se apresenta”.  

3.3.2. Atividade 2: Política de Preços da Petrobras

O interesse em investigar a temática Política de Preços da Petrobras1 surgiu a partir da greve dos caminhoneiros que ocorreu no Brasil no primeiro semestre de 2018 e em que uma das reivindicações era mudar a política de preços da PetrobraPetrobrass. A situação inicial proposta pelo professor envolveu a formação do preço da gasolina no Brasil.

Inicialmente, na fase de inteiração com a situação-problema o professor apresentou aos alunos informações obtidas no site da Petrobras e na Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) tais como a composição do preço da gasolina e da política de preços de combustíveis da Petrobrás vigente e um relatório da composição do preço da gasolina a partir de fevereiro de 2018. A composição do preço da gasolina nas bombas inclui: a participação do custo da distribuição e revenda (13%); custo do etanol anidro (11%) que é misturado na gasolina vendida pela Petrobras; ICMS (29%); tributação de impostos como CIDE, PIS/PASEP e COFINS (15%); e a participação dos lucros e custos da Petrobras (32%).

Conforme informações do site2 da Petrobras, os preços dos combustíveis vendidos pela empresa são reajustados de acordo com os preços do barril de petróleo internacional e a taxa cambial, com objetivo de buscar uma paridade com o preço internacional. Esta política de preços tem fornecido uma alta no preço da gasolina para o consumidor e uma instabilidade na variação do preço gasolina do decorrer do tempo.

A partir dessas informações, o professor propôs o seguinte problema: que alternativa a esta atual política de preços poderia ser dada, de modo a diminuir a instabilidade do preço do combustível ao consumidor?

Este problema tem por finalidade estruturar certos aspectos da política de preços da gasolina de modo a preparar o caminho para tomar medidas baseadas em decisões que buscam prescrever a situação-problema. Nesse sentido, o desenvolvimento da atividade 2, a partir do problema proposto, pode se configurar como uma atividade de modelagem prescritiva, uma vez que busca prescrever a situação-problema estudada com base em requisitos de natureza não matemática. Tais requisitos foram formulados com base nas intenções e decisões dos alunos de como deve ser formado o preço da gasolina na Petrobras e não como de fato acontece esta formulação de preços. Neste aspecto, os dois grupos fizeram formulações dos requisitos conforme segue:

G1: (i) Fixação da taxa de ICMS; (ii) Redução dos impostos e cobrança incidindo somente ao final (sobre o preço final da gasolina); (iii) Reajuste do preço da gasolina com relação ao dólar a cada 30 dias; (iv) Aumento do preço de exportação (reajuste segundo os 50 (cinquenta) maiores preços de exportação no mundo).

G2:(i) União de todos os impostos sobre a gasolina nas bombas e diminuição na porcentagem de impostos para cerca de 13% a 18%; (ii) considerar o consumo de combustível nacionalmente, para deliberar sobre o preço do combustível nas bombas de postos; (iii) reajuste do preço da gasolina de acordo com a variação do preço do barril de petróleo internacional a cada 30 dias. 

Niss (2015) argumenta que a matematização na modelagem prescritiva tende a ser mais rudimentar do que na modelagem descritiva, dependendo do contexto da situação inicial. No caso da atividade 2, os alunos consideraram um modelo matemático usado na formação do preço da gasolina nas bombas e fizeram alterações conforme os requisitos formulados por eles. O modelo matemático considerado é apresentado no site da ANP e pode ser observado na Figura 1.


Figura 1 - modelo matemático da formação de preços da gasolina segundo a ANP (http://www.anp.gov.br/).

A partir deste modelo, o grupo G1 considerou que os impostos somados seriam reduzidos em 50% ou em 33%  e que a diferença entre o preço da gasolina anterior e o preço atual seria somado ao preço de venda da gasolina para o mercado externo. Para tornar mais estável a variação do preço da gasolina nas bombas, o grupo G1 estendeu o período de reajuste da gasolina segundo a taxa cambial do dólar para trinta dias.

O Grupo G2 também unificou os impostos e fez uma redução de 16% dos impostos atuais. Outro requisito desse grupo foi que o preço de venda da gasolina pela Petrobras deveria ser calculado de maneira inversamente proporcional ao consumo da gasolina. O terceiro aspecto envolvido no modelo matemático obtido foi o reajuste a cada trinta dias de acordo com a variação do preço do barril de petróleo.
As variáveis usadas pelos alunos do Grupo G1 foram: PV: Preço de venda ao consumidor; PD: Preço da gasolina sem impostos (Produção); IM: Impostos (Federais e Estaduais); LP: Lucro do Posto; TD: Transporte e distribuição; PT: Lucro dono da petroleira; n: tempo em meses;  variação do dólar do mês  para o mês .

As variáveis definidas pelo grupo G2 foram: Pf: Preço Final do Preço do Combustível; Pa: Preço do Produto da Gasolina; Pe: Preço do Etanol; Iu: Taxa de Imposto (IPPC); Mc: Margem de Custo; Mr: Margem de Revenda; If: impostos federais; Ie: impostos estaduais; : variação do preço do barril de petróleo internacional do mês  para o mês .

Considerando essas ponderações e essas variáveis, os alunos escreveram os modelos matemáticos conforme indica o Quadro 6.

Quadro 6 – O modelo matemático construído na atividade 2

Fonte: registros escritos dos alunos

Diferentemente da atividade 1 caracterizada como modelagem descritiva, na atividade 2 a resolução matemática dos alunos envolveu a análise de um modelo matemático já usado pela ANP para descrever a formação do preço da gasolina. No entanto, considerando os critérios e requisitos considerados relevantes pelos alunos, novos modelos foram formulados pelos alunos com a finalidade de prescrever a Política de Preços da Petrobras, isto é, transformar a situação-problema inicial e indicar como o preço da gasolina deve ser formado. Essa finalidade dos alunos na elaboração do modelo matemático pode ser entendida como uma característica da modelagem prescritiva, pois, como pondera Niss (2015), a modelagem prescritiva visa transformar e não apenas compreender ou descrever o mundo.

Os modelos matemáticos envolvidos no desenvolvimento da atividade 2 podem ser entendidos como dois tipos de modelo matemático, conforme a caracterização de Blum & Niss (1991). O modelo matemático proposto pela ANP (Figura 1) e analisado pelos alunos tem como função descrever e explicar a formação de preços da gasolina e trata-se de um modelo descritivo. Já os modelos matemáticos elaborados pelos alunos (Quadro 6) tem como finalidade estabelecer normas envolvendo juízos de valores ou requisitos para formação de preços da gasolina, tratando-se, nesse sentido, de modelos prescritivos.

A partir dos modelos matemáticos obtidos os alunos fizeram uma meta-validação, analisando as consequências dos resultados para as questões abordadas na situação inicial e comparando os modelos matemáticos obtidos com o modelo matemático já usado na formação de preços da gasolina. Considerando a caracterização de Niss (2015), podemos ponderar que a meta-validação realizada pelos alunos constitui uma aspecto-chave na caracterização da atividade 2 como modelagem prescritiva, considerando que os resultados obtidos com a prescrição da situação-problema conduzem a um outro modo de formação do preço da gasolina, diferente do que acontece atualmente.  Assim, não faz sentido um contraste dos dados da situação-problema com os resultados obtidos pelo modelo matemático para de modo a validar o modelo matemático, mas uma meta-análise, que conduz a uma análise crítica da situação modelada. Apresentamos essa fase no Quadro 7.

Quadro 7 - meta-validação na atividade 2

Fonte: registros escritos dos alunos

A partir do desenvolvimento da atividade, os alunos consideraram que o uso dos modelos matemáticos obtidos para a formação de preços da gasolina pode resultar em uma redução no preço da gasolina e uma maior estabilidade na variação dos preços no decorrer do tempo.

Entendemos que o desenvolvimento da atividade 2 pode ser caracterizado, na perspectiva de Niss (2015), como modelagem prescritiva do tipo II, pois se baseia em requisitos ou desejos específicos e claros de natureza pré-matemática. Essa caracterização não se restringe ao tipo de modelo matemático elaborado pelos alunos, mas permeia o desenvolvimento da atividade como um todo, em relação as suas fases. Nesse sentido, apresentamos no Quadro 8 uma caracterização da atividade 2 conforme características específicas da modelagem prescritiva.

Quadro 8 - caracterização da atividade 2 como modelagem prescritiva

Fonte: os autores

O Quadro 8 evidencia características da modelagem prescritiva que emergiram no desenvolvimento da atividade 2. A formulação de requisitos e a meta-validação constituem aspectos-chave que distinguem a atividade 2 da atividade 1, caracterizada como modelagem descritiva. Niss (2015) argumenta que na matematização, a formulação de requisitos pode não indicar qual o encaminhamento matemático a ser usado na atividade, mas conduz à tomada de decisões com base em certas considerações matemáticas. Quanto a meta-validação na modelagem prescritiva, Niss (2015, p. 78) pondera que:

a modelagem prescritiva é onipresente e altamente importante, com impacto científico, prático e social significativo. Isso implica que a meta-validação de modelos resultantes da modelagem prescritiva é de importância crucial.

Levando em consideração essa caracterização das atividades de modelagem matemática desenvolvidas pelos alunos, na próxima seção, apresentamos a análise dos dados e os resultados da pesquisa em relação à compreensão dos alunos de conceitos da Matemática Financeira nessas atividades.

4. ANÁLISE DOS DADOS E RESULTADOS

Levando em consideração nosso objetivo de investigar a modelagem matemática como possibilidade para o ensino e a aprendizagem de Matemática Financeira e sua articulação com aspectos da Educação Financeira, nosso foco de análise está nos usos de conceitos, procedimentos e artefatos da Matemática Financeira nas atividades de modelagem matemática e seus desdobramentos para a Educação Financeira dos estudantes.

Podemos ponderar que o desenvolvimento das atividades de modelagem matemática na disciplina de Matemática Financeira se deu, a princípio, na abordagem da modelagem como veículo de Galbraith (2012), pois o objetivo inicial do professor era o ensino de conteúdos da Matemática Financeira por meio da modelagem matemática.

Na atividade 1, com a finalidade de descrever o rendimento de um título público do Tesouro Direto em relação ao tempo, os alunos estabeleceram relações entre informações da situação-problema, familiarizando-se com a situação-problema e formulando hipóteses, como indica os excertos a seguir:

AT1.G1.R.U.1 - O consumo é proporcional à renda.
AT1.G1.R.U.5 - O capital investido mensalmente é a diferença entre a renda e o consumo do mês.
AT1.G1.D.U.33 - Olha, eu projetei minha renda para o ano que vem, nós podemos pensar em relação a porcentagens.

AT1.G2.D.U.38 - No site do Tesouro Direto, você pode investir mensalmente um determinado valor, no mínimo de R$ 100,00. Ai pensei em estipular um valor fixo de R$ 200,00 para investir, de acordo com a renda e os gastos mensais da aluna A3.

Além de estabelecer relações entre informações e variáveis identificadas na situação-problema, as hipóteses também foram elaboradas com a intenção de desencadear o uso de conceitos da Matemática Financeira na elaboração do modelo matemático, como indicado nos excertos dos alunos.

AT1.G2.R.U.8 - O tempo de investimento é dado em meses.

AT1.G1.D.U.36 - Vamos considerar o índice de inflação do IPCA para fazer o reajuste do salário.

A hipótese AT1.G2.R.U.8 indica que o período de capitalização do investimento é mensal e a hipótese AT1.G1.D.U.36 indica a taxa a ser considerada para o reajuste monetário do salário.

Na formulação de hipóteses da atividade 1 é possível indicar que os alunos buscaram identificar os aspectos mais relevantes da situação-problema, tais como receita, despesas e o tipo de investimento a ser feito, e em seguida estabeleceram relações com conceitos da Matemática Financeira, como período de capitalização e índice de reajuste monetário. Segundo Pollak (2015), em atividades de modelagem matemática, os alunos precisam inicialmente decidir quais aspectos da situação-problema são mais relevantes e mantê-los. Estes aspectos emergem nas hipóteses formuladas pelos alunos que, para Grigoras, García & Halverscheid (2011), direcionam a elaboração do modelo matemático e sua coerência com a situação inicial.

A diferença nas hipóteses formuladas pelos alunos do grupo G1 e do grupo G2 indica como os alunos idealizaram a situação-problema. Por exemplo, os alunos do grupo G1 consideraram a necessidade do reajuste salarial de acordo com a inflação e argumentaram que a despesa no decorrer do tempo não é fixa, mas proporcional ao salário do sujeito. Já os alunos do grupo G2, optaram por fixar o investimento mensal e destacaram que para obter um aproveitamento satisfatório no investimento é necessário controlar as despesas e fixar um valor a ser investido mensalmente. Estas diferentes idealizações evidenciam um dos aspectos essenciais da modelagem matemática, segundo Almeida (2018), de que percepções diferentes de uma situação inicial e critérios diferentes para o que constitui uma solução aceitável podem surgir em qualquer atividade de modelagem matemática.

As primeiras percepções dos alunos emergiram na inteiração com a situação-problema, na qual os alunos formularam um problema a ser estudado, delineando o objetivo com o desenvolvimento da atividade 1. Como destacado na seção anterior, o objetivo dos alunos alinha-se com a modelagem descritiva, de Niss (2015), de descrever e prever o comportamento de um fenômeno que, neste caso, era o orçamento financeiro dos estudantes. Este objetivo explicita qual era a intenção dos alunos na investigação sobre a situação-problema, que se considerarmos de forma conjunta com as hipóteses formuladas pelos alunos e os conceitos da Matemática Financeira usados por eles, podemos inferir que a intencionalidade dos alunos influencia a formulação de hipóteses que, por sua vez, direcionam o uso da Matemática Financeira para resolver o problema formulado, como também destacado por Almeida (2018). É, nesse sentido, que inferimos que os alunos formularam hipóteses que desencadeiam a elaboração de modelos matemáticos.

Podemos ponderar que nas diferentes percepções dos alunos sobre a situação-problema emergiram conceitos da Matemática Financeira, como período de capitalização e reajuste monetário, bem como a noção de proporcionalidade e porcentagem, indo ao encontro do argumento de Palharini (2017), de que o uso da Matemática em atividades de modelagem matemática não se restringe a resolução matemática do problema, mas pode se dar desde o início na atividade,  quando os alunos buscam dados para investigar uma situação-problema, se engajam em um trabalho de idealização da situação matemática, formulando hipóteses e identificando variáveis.

Na transição entre a situação inicial para o domínio da Matemática Financeira e da Matemática no desenvolvimento da atividade 1, é possível perceber ações dos alunos no sentido de estabelecer relações entre informações da situação-problema e conceitos da Matemática Financeira, como ilustra o excerto a seguir:

AT1.G2.D.39 eu compro um título em uma taxa de juros pré-fixada e no vencimento do título eu resgato o valor que investi mais a remuneração a juros compostos.

Estas ações dos alunos evidenciam a tentativa de estabelecer uma inter-relação entre os seus conhecimentos da Matemática Financeira e os conhecimentos a respeito da situação-problema, associando conceitos como montante, capital, inflação, taxa de juros a conceitos da situação-problema, como receita, despesa e o tipo de investimento a ser feito. Desta maneira, estas ações podem ser caracterizadas como matematização, considerando o entendimento de Jablonka & Gellert (2007) de matematização como o processo de associar mais matemática a uma situação-problema do que até então lhe havia sido associada. De fato, a própria característica da situação-problema da atividade 1 como uma situação econômico-financeira envolve conceitos que não estão necessariamente fora da Matemática Financeira, mas que fazem parte das dimensões da área de aplicação da Matemática Financeira na sociedade e nas finanças pessoas, como indicado por Puccini (2007). Desta forma, consideramos que as articulações estabelecidas pelos alunos entre informações da situação-problema e conceitos da Matemática Financeira na dedução do modelo matemático estão envolvidas no ensino de Matemática Financeira na modelagem descritiva.

Na dedução do modelo matemático, conforme o Quadro 9, os alunos usaram conceitos da Matemática Financeira, tais como regime de capitalização discreta a juros compostos (AT1.G1.R.U.9), taxa de juros nominal, efetiva e equivalente (AT1.G2.R.U.13) e inflação (AT1.G1.R.U.10).

Quadro 9 - articulações entre informações da situação-problema e conceitos da Matemática Financeira na dedução do modelo matemático

Fonte: registros escritos dos alunos

Na primeira formulação do modelo matemático do grupo G1 nesta atividade, os alunos consideraram a equação de diferenças , sendo  o montante obtido no investimento no mês  e  o capital investido no mês , associando o conceito de capitalização discreta no regime de juros compostos a hipótese de que o investimento será dado em meses. Essa primeira investida dos alunos evidencia a influência da familiarização dos alunos com conceitos de equação de diferenças e regime de capitalização a juros compostos para um tratamento matemático dos elementos presentes no orçamento financeiro e suas relações, bem como para o uso do conceito de reajuste monetário, culminando na elaboração do modelo matemático do Quadro 9. Essas ações dos alunos parecem evidenciar a importância da antecipação do potencial envolvimento da matemática para a estruturação da situação-problema em atividades de modelagem matemática, conforme Niss (2010), constituindo a base para o estabelecimento de relações entre informações da situação-problema e conceitos da Matemática Financeira na dedução do modelo matemático. Nesse sentido, o desenvolvimento da atividade 1 possibilitou aos estudantes trabalhar com conceitos já aprendidos, como regime de capitalização a juros compostos e, com novos conceitos, como reajuste monetário e inflação. Esta possibilidade também é indicada por Almeida, Silva e Vertuan (2012).  Na elaboração dos modelos matemáticos (Quadro 9), ambos os grupos usaram conceitos, artefatos e procedimentos da Matemática Financeira. Para Stillman, Brown & Geiger (2015, p. 95-96), “o domínio da Matemática inclui a elaboração do modelo matemático para a situação, questões matemáticas e artefatos matemáticos [...] utilizados na solução do modelo matemático”. Em relação ao problema formulado pelos alunos na atividade 1, o uso de conceitos da Matemática Financeira na elaboração do modelo matemático emerge na constituição de um sistema conceitual com o propósito de descrever o comportamento de rendimento de um investimento no Tesouro Direto ao longo do tempo. Em outras palavras, na ação de elaborar um modelo matemático para descrever aspectos específicos do fenômeno estudado (AT1.G1.R.U.10, AT1.G2.U.15).
.
Os sistemas conceituais expressos por meio de uma estrutura matemática constituídos pelos alunos na atividade 1 são os modelos matemáticos elaborados por eles (Quadro 9), conforme o entendimento de Lesh, Carmona & Hjalmarson (2006). Por exemplo, no grupo G1, percebemos os conceitos  de regime de capitalização a juros compostos, taxa de juros ao mês pré-fixada e equações de diferenças de primeira ordem expressas na equação , o conceito de proporcionalidade em  e os conceitos de reajuste monetário do salário de acordo com a inflação na formulação de . O modelo matemático elaborado pelos alunos para responder o problema inicial (AT1.G1.R.U.10) foi formulado a partir da relação entre estas três equações, formando um sistema de conceitos da Matemática Financeira. Um movimento parecido é usado pelos aluno do grupo G2, com a diferença de que os alunos não consideraram o conceito de reajuste monetário e utilizaram outros conceitos, como a taxa de juros equivalentes para transformar a taxa de juros nominal em taxa de juros efetiva, expressos em . Segundo Borromeo Ferri & Lesh (2013), os modelos matemáticos dependem da finalidade dos modeladores e de características da atividade, focalizando nas propriedades estruturais (ou sistêmicas) de outro sistema conceitual. Nesta perspectiva, os modelos matemáticos são sistemas conceituais usados para descrever, projetar ou desenvolver outro sistema conceitual relacionado ao fenômeno estudado. No caso da atividade 1, caracterizada como modelagem descritiva, os modelos matemáticos de ambos os grupos foram elaborados com o propósito de descrever aspectos específicos do fenômeno, expressos por meio de um sistema conceitual que relaciona os elementos do orçamento financeiro, como receita, despesa e investimento. A partir dessa descrição em uma linguagem matemática, os alunos puderam realizar previsões, como o montante obtido em um investimento no Tesouro Direto ao final de 25 anos (G1) e ao final de 5 anos e 2 meses, corroborando com a potencialidade do modelo matemático, destacada por Doerr & English (2003), para predizer o comportamento de fenômenos. Deste modo, ao elaborar o modelo matemático, os alunos estabelecem conexões entre a Matemática Financeira e o contexto da situação-problema. Conforme Blum (2015), um modelo matemático pode ser entendido como um tripé (D, M, f) consistindo de um domínio D do mundo real, um subconjunto M da Matemática e uma relação f de D para M. No caso da atividade 1, trata-se de uma situação econômico-financeira relacionada com conceitos da Matemática Financeira, com um propósito descritivo, conforme Blum e Niss (1991).
 
As explicações dos estudantes sobre o desenvolvimento da atividade de modelagem matemática também indicam um modo de expressão a respeito dos conceitos da Matemática Financeira usados na elaboração do modelo matemático. Na atividade 1, as explicações do uso de conceitos e procedimentos da Matemática Financeira na resolução matemática são ilustradas em recortes dos diálogos dos alunos conforme segue.AT1.G1.D.U.39 -  Então, no mês zero nós vamos ter a diferença entre o salário menos a despesa. No mês um, o montante vamos ter o montante do mês zero mais o juros e o que saldo desse mês, que é o salário menos a despesa, que vai ser o capital investido no mês um. No mês dois e no mês três segue essa lógica, fazendo por recorrência.AT1.G2.D.U.42 - Nós consideramos que a capitalização do título escolhido é a juros compostos e que o juros é aplicado no montante do mês anterior. Investindo duzentos reais por mês e calculando o montante sempre em relação ao mês anterior, nós fazemos por recorrência e encontramos o modelo.Estes excertos evidenciam a importância do engajamento coletivo em atividades de modelagem matemática, como destacado por Stillman, Brown & Geiger (2015). Durante o desenvolvimento da atividade, os alunos puderam discutir diferentes percepções da situação inicial, os conceitos e procedimentos da Matemática Financeira para solucionar a situação-problema. Na literatura, o trabalho colaborativo e as interações dialógicas em atividades de modelagem matemática são focos de estudo, como em Ferruzzi & Almeida (2012) e Schukajolw & Krug, (2012).A partir do desenvolvimento da atividade 1, ponderamos que o trabalho colaborativo e os diálogos entre os alunos e o professor favoreceram o uso de conceitos da Matemática já estudados pelos alunos e a introdução de novos conceitos. Se, por um lado, as discussões entre os alunos auxiliaram na elaboração de estratégias de resolução, por outro lado, fez se necessário intervenções do professor no momento em que conceitos da Matemática Financeira ainda não vistos pelos alunos eram necessários para continuar a atividade. Nesse contexto, Blum e Borromeo Ferri (2009, p. 52) argumentam que “para um ensino de qualidade, é crucial um equilíbrio permanente entre a orientação do professor (mínima) e a independência (máxima) dos alunos é mantida”. No desenvolvimento das fases de inteiração, de matematização e de resolução na atividade 1, as ações dos alunos indicam um movimento de conhecimentos da situação-problema para conhecimentos da Matemática Financeira. Contudo, de acordo com a literatura, no desenvolvimento de uma atividade de modelagem matemática, faz-se necessário um movimento de volta, interpretando os resultados obtidos à luz da situação inicial e validando o modelo matemático (Almeida; Silva & Vertuan, 2012; Blum & Niss, 1991; Pollak, 2015; entre outros). Recortes das falas dos alunos fornecem indicativos nesse contexto. AT1.G1.R.U.17, A taxa de inflação () precisa ser menor que a taxa de juros do investimento (, pois caso , o montante no mês  (é negativo durante o tempo, o que não pode acontecer pois estamos tratando de investimento e não possível realizar um investimento “negativo”.AT1.G1.R.U.18. ponderamos que o esse investimento constitui uma alternativa a previdência, uma vez que, proporcionalmente, o montante obtido equivale ao salário da aposentadoria durante 19 anos.Estes excertos evidenciam o uso de conceitos da Matemática Financeira também na interpretação dos resultados da atividade 1, por exemplo, o grupo G1 ao dizer que a taxa de inflação precisa ser menor que a taxa de juros do investimento está fazendo referência ao conceito de depreciação de produtos financeiros e indicando um critério de viabilidade de um investimento, que se aproxima do método do Valor Presente Líquido para avaliar um investimento (Puccini, 2007, Santos, 2005). Nesta fase, os resultados matemáticos obtidos precisam ser interpretados em termos da situação inicial e da Matemática. No âmbito da modelagem descritiva, conforme Souza, Oliveira & Almeida (2016) e Niss (2015), os alunos comparam os resultados obtidos a partir do desenvolvimento da atividade com os dados reais da situação-problema. Na atividade 1, a comparação dos resultados foi feita a partir de simulações no site do Tesouro Direto, conforme mostra o Quadro 4, e a interpretação em termos da situação inicial consistiu em uma análise qualitativa dos alunos a respeito do tipo de investimento considerado, da necessidade de manter as receitas maiores que as despesas, entre outros aspectos. Em síntese, os conceitos de Matemática Financeira na modelagem descritiva emergiram mediante as seguintes ações: formulação de hipóteses que desencadeiam o uso de conceitos da Matemática Financeira no modelo matemático; estabelecimento de relações entre informações da situação-problema e conceitos da Matemática Financeira; elaboração de um modelo matemático que permite descrever o comportamento específico do fenômeno em relação ao tempo; interpretação do modelo matemático com base em conceitos da  Matemática Financeira e com base no contexto da situação inicial, contrastando os resultados obtidos na atividade com dados reais da situação inicial; explicação do uso de conceitos e procedimentos da Matemática Financeira na resolução do problema.  Na atividade 2, o desenvolvimento da atividade assume características relacionadas à modelagem prescritiva, conforme Niss (2015), considerando que os alunos estruturaram uma alternativa para a pol&ia cute;tica de preços da gasolina da Petrobras vigente, de modo a tornar mais estável a variação do preço da gasolina ao consumidor. Essa abordagem foi feita com base em requisitos de natureza não-matemática formulados a partir de um conjunto de estudos acerca da formação do preço da gasolina no Brasil e de considerações econômicas e financeiras sobre possíveis alternativas à política de preços vigente. Diferentemente da atividade 1, na inteiração com a situação-problema na atividade 2, entre os dados coletados pelos alunos situa-se um modelo matemático (Figura 1) usado para descrever a formação de preços da gasolina no Brasil, desde o preço da gasolina, vendida pela Petrobras, até a gasolina disponível ao consumidor e misturada com etanol anidro. A análise deste modelo matemático foi um fator decisivo para a formulação de requisitos na atividade 2, como indica o excerto das respostas dos alunos que mostramos. AT2.G1.D.U.44 - estamos analisando o modelo matemático usado e a gente está pagando imposto sobre imposto. Olha isso, a gente paga ICMS sobre essas três coisas, no preço da gasolina da refinaria, da distribuidora e no preço do combustível vendido nas bombas. Percebemos, a partir das ações dos alunos na inteiração com a situação-problema da atividade 2, que os alunos fizeram uma análise de um modelo matemático usado para descrever o fenômeno, com o propósito de compreendê-lo e posteriormente realizar alterações. Essa característica identificada no desenvolvimento da atividade 2 tem repercussões para o modo como os alunos usam conceitos da Matemática Financeira nessa atividade, considerando que a situação idealizada pelos alunos envolve elementos já matematizados por instituições designadas para organizar e relatar a formação de preços da gasolina no Brasil. Embora a inteiração dos alunos na atividade 1 difere da atividade 2 quanto a natureza dos dados coletados, é possível apontar semelhanças na familiarização com a situação-problema. Em ambas as atividades, os alunos precisam realizar um trabalho de idealização da situação inicial, como indicado por Pollak (2015), e decidir quais aspectos serão mantidos e adicionalmente, no caso da modelagem prescritiva, quais serão alterados. A diferença nessa fase está diretamente relacionada com a finalidade dos alunos no desenvolvimento da atividade de modelagem matemática. Para compreender o modelo matemático e a formação de preço da gasolina, os alunos usaram conceitos da Matemática Financeira e da Economia, como tributação, taxa cambial e reajustes monetários a uma taxa variável. Segundo Blomhϕj (2009), a análise e a crítica de modelos matemáticos são ações de importância crucial no funcionamento e na formação de sociedades, uma vez que fornecem elementos para a tomada de decisões. Nesse sentido, a analise do modelo matemático usado para estruturar matematicamente a formação de preços de gasolina na atividade 2 fornece aos alunos um olhar para as aplicações da Matemática Financeira para além das finanças pessoais, mas também na comercialização de produtos e seus impactos para a sociedade. Tais aspectos relativos as aplicações da Matemática Financeira e seu ensino é destacado por Grando & Schneider (2010) e Cosér Filho (2008) como fatores que estimulam a tomada de decisões. A análise do modelo matemático descritivo em conjunto com outras informações da situação-problema, como o período de reajuste do preço da gasolina e opiniões de economistas, fornecem aos alunos um arcabouço de considerações e conceitos a respeito da Política de Preços da Petrobras vigente para formar juízo de valores sobre esse fenômeno. Esse juízo de valores se traduz na formulação de requisitos a partir da análise de um modelo descritivo do fenômeno, com o propósito de organizar/prescrever o fenômeno, como indicam os excertos a seguir: AT2.G1.D.U.46 - Nossa ideia é aumentar o preço da gasolina exportada e diminuir no preço da gasolina vendida no Brasil. Para a estabilidade do preço da gasolina no Brasil, temos que aumentar o período de tempo de reajuste para a cada 15 ou 30 dias. AT2.G1.D.48 - O que nós podemos fazer é considerar o consumo e diminuir os impostos. Para Niss (2015), a modelagem prescritiva visa preparar o caminho para tomar decisões com base em certas considerações matemáticas. Na atividade 2, esse caminho tem início na formulação de requisitos, que desencadeiam o uso de conceitos e procedimentos da Matemática Financeira na dedução de um modelo matemático, para organizar a situação inicial de outras formas.

A formulação de requisitos é uma ação dos alunos realizada na fase matematização e difere da formulação de hipóteses, uma vez que os requisitos podem não fornecer elementos que direcionam a elaboração do modelo matemático que prescreve a situação inicial. Na atividade 2, as ações dos alunos evidenciam que o domínio da Matemática Financeira não se restringe à elaboração do modelo matemático e na resolução matemática, mas permeia a situação inicial e a situação prescritiva.  Assim, a matematização pode ser entendida na modelagem prescritiva como a transição de uma situação inicial para uma situação prescritiva, na qual outras considerações matemáticas sobre o fenômeno são efetuadas com base no conjunto de requisitos formulados pelos alunos e conceitos da Matemática Financeira. Nessa caracterização, ainda podemos evocar a definição de matematização considerada por Jablonka e Gellert (2007), tendo em vista que os alunos associam a situação inicial outros conceitos da Matemática Financeira que ainda lhe não foram associadas. Nessa transição, os alunos estabelecem relações entre os requisitos formulados e conceitos da Matemática Financeira, conforme ilustrado no Quadro 10.

Quadro 10 - estabelecimento de relações entre os requisitos formulados e conceitos da Matemática Financeira na atividade 2

Fonte: registros escritos dos alunos

No Quadro 10, as ações dos alunos na situação prescrita são conduzidas a partir dos requisitos formulados e nas relações entre esses requisitos e de conceitos e procedimentos da Matemática Financeira na elaboração do modelo matemático. Essas relações parecem evidenciar uma característica essencial da modelagem prescritiva, na qual segundo Souza, Oliveira & Almeida (2016), a modelagem prescritiva aponta como deve acontecer, isto é, na atividade 2 indica como a política de preços deve ser organizada. Nos modelos matemáticos formulados pelos alunos do grupo G1 e G2, eles incorporaram o conceito de reajuste monetário e as noções de taxa cambial do dólar e do preço do barril de petróleo, conforme o Quadro 10, articulando os requisitos formulados a respeito do tempo de variação do preço da gasolina, buscando estruturar a formação de preços da gasolina, de modo que o preço da gasolina fosse mais estável no decorrer do tempo.  A função da Matemática Financeira nessa atividade se aproxima da argumentação de Davis & Hersh (2005), que ponderam que a Matemática na prescrição de fenômenos conduz a ação humana nesse processo a algum tipo de ação tecnológica.

Os modelos matemáticos na atividade 2 podem ser entendidos como modelos normativos (Blum & Niss, 1991; Borromeo Ferri & Lesh (2013), no qual o sistema conceitual expresso por eles têm como finalidade projetar ou estruturar outro sistema conceitual, o da situação prescritiva, estabelecendo normas e critérios para tomadas de decisões sobre o fenômeno investigado. Para Frejd (2015), uma tomada de decisão social depende, por vezes, de considerações econômicas, possibilitando o desenvolvimento de uma consciência de Matemática e modelagem.
 
Um desdobramento do estabelecimento de relações entre os requisitos e conceitos da Matemática Financeira é a meta-validação do modelo matemático realizada na situação prescritiva. Nessa fase, os alunos fazem uma análise dos impactos da prescrição do fenômeno para a situação inicial com base no uso de conceitos da Matemática financeira e comparam o modelo matemático obtido com modelos já usados para descrever o fenômeno, conforme indicado nos excertos dos relatórios dos alunos.

AT2.G1.D.U.27 - Se a gente aumentar o período de reajuste do preço da gasolina vendida pela Petrobras em relação ao dólar para 30 dias, há uma estabilidade na variação do preço da gasolina vendido ao consumidor por um período maior de tempo. Mas, temos que considerar também que com a redução dos impostos é preciso aumentar a diferença no preço de exportação para não prejudicar a empresa e ajudar o consumidor.

AT2.G2.D.U.30 – Reduzindo os 16 % dos impostos e fazendo o reajuste do preço da gasolina A de acordo com o consumo da gasolina no país e na variação do preço do barril de petróleo, atendemos o objetivo de reduzir o preço da gasolina nas bombas e incentivamos o consumo da gasolina no Brasil.

AT2.G1.R.U,31 - Considerando o preço da gasolina atual segundo o modelo matemático da ANP e comparando com os resultados do modelo, podemos perceber que o preço da gasolina tende a se tornar mais estável e mais barato.

Ao analisar os impactos da prescrição do fenômeno os alunos indicam outros modos de agir na situação inicial, ancorados nos conceitos da Matemática Financeira e nos requisitos formulados por eles. Ao realizar a meta-validação os alunos evidenciaram como usaram conceitos da Matemática Financeira no desenvolvimento da atividade 2, uma vez que organizaram o fenômeno com base em considerações matemáticas advindas do uso de conceitos da Matemática Financeira.

Vale enfatizar que nesse processo de meta-validação na modelagem prescritiva não faz sentido um contraste dos resultados matemáticos obtidos pelo modelo com os dados observados da situação inicial, a fim de verificar aproximações (Souza, Oliveira & Almeida, 2016). Ao invés disso, os alunos precisam avaliar como o modelo da situação prescritiva funciona e quais seus impactos e riscos com relação à situação inicial. Neste contexto, Frejd & Bergstein (2018, p. 121) afirmam que no uso de modelos prescritivos é relevante a negociação que diz respeito à concepção de modelagem como “atividade humana envolvendo negociações sobre o problema, variáveis, dados, como o modelo funciona e seus riscos”. Diante disso, a partir das ações dos alunos é possível ponderar a evidência da análise qualitativa do modelo e dos resultados na meta-validação da atividade 2.

Em síntese, os conceitos de Matemática Financeira na modelagem prescritiva emergem nas ações dos alunos de: formular requisitos a partir da análise de um modelo descritivo do fenômeno com o propósito de organizar/prescrever o fenômeno; analisar um modelo matemático usado para descrever o fenômeno, com o propósito de compreendê-lo e posteriormente realizar alterações; estabelecer relações entre os requisitos formulados e conceitos da Matemática Financeira; e analisar os impactos da prescrição do fenômeno para a situação inicial com base no uso de conceitos  da Matemática financeira e comparar o modelo matemático obtido com modelos já usados para descrever o fenômeno.

A análise conjunta da atividade 1 e da atividade 2 nos permite identificar ações dos alunos que indicam a modelagem matemática como possibilidade para integrar a Educação Financeira no ensino de Matemática Financeira. Dentre as ações observadas, indicamos a leitura da situações econômico-financeiras e tomada de decisões de ordem econômica ou financeira, como indicam os excertos dos relatórios a seguir:

AT1.G1.D.U.35 - Então, ela pode investir 11% por mês a diferença entre a renda e o consumo, considerando a renda sempre maior que o consumo.

AT2.G2.D.U.47 – Eu estava vendo e uma medida que os economistas sugerem é reajustar o preço de gasolina de acordo com o consumo. Então, a gente pode fazer assim, quanto maior o consumo menor o preço da gasolina. Pesquisando na internet eu vi que quanto maior é o potencial de produção de gasolina do país em relação a quantidade de petróleo.

Na atividade 1 a leitura da situação-problema levou os alunos à decisão de manter um orçamento superavitário, com renda sempre maior que as despesas, com base na sugestão do Banco Central do Brasil (2017) para a Educação Financeira de organizar o orçamento, de modo a propiciar investimentos com metas claras e objetivas. Na atividade 2, a leitura de informações da situação-problema, baseada em opiniões de economistas, foi um fator decisivo para a formulação de requisitos.

Desta forma, consideramos que o desenvolvimento das atividades de modelagem matemática atendeu a demanda da Educação Financeira de, segundo Kistemann Jr & Lins (2015), desenvolver a capacidade dos alunos de ler situações econômico-financeiras do contexto de indivíduos consumidores, contemplando o princípio proposto por Muniz (2016) de relacionar nessa leitura diferentes aspectos para que pensem, avaliem e tomem suas próprias decisões.

A capacidade de ler situações econômico-financeiras permeou as ações dos alunos no decorrer do desenvolvimento das duas atividades de modelagem matemática, não se restringindo a uma única fase ou procedimento da modelagem matemática. Por exemplo, na atividade 1 com o propósito descrever o comportamento de um investimento a partir do orçamento financeiro, os alunos precisaram realizar, inicialmente, uma leitura do fenômeno com base em informações da situação econômico-financeira e conceitos da Matemática Financeira já estudados e, posteriormente, a partir do modelo matemático formulado e na resolução matemática, os alunos realizaram uma nova leitura, interpretando os resultados matemáticos à luz da situação econômico-financeira inicial. Como indicado por Almeida (2018), a modelagem matemática fornece uma leitura de uma situação não essencialmente matemática com base na matemática. No caso das atividades analisadas, ressaltamos que o uso da Matemática Financeira fornece subsídios para essa leitura.

Quanto às decisões tomadas pelos alunos no desenvolvendo das atividades de modelagem matemática, estas são de naturezas distintas na atividade 1 e na atividade 2. Na atividade 1 a temática ‘Orçamento familiar ou pessoal’ está diretamente relacionada às finanças pessoais dos alunos, envolvendo decisões de consumo e de investimento. Já na atividade 2, o tema ‘Política de Preços da Petrobras’ abrange um espectro mais amplo em que decisões tomadas pelos alunos envolvem o funcionamento e desenvolvimento de sistemas econômicos e financeiros no âmbito da sociedade. Podemos ponderar que as características da atividade 1 se aproximam de uma vertente transformativa da Educação Financeira e a atividade 2 de uma vertente instrucional da Educação Financeira, assumindo as classificações elaboradas por Birochi & Pozzebon (2016). Nesse sentido, a modelagem matemática no ensino de Matemática Financeira emerge como uma abordagem que pode combinar as duas vertentes da Educação Financeira, alinhando-se com o entendimento da OECD (2005).

Essas articulações entre a modelagem matemática e a Educação Financeira no ensino de Matemática Financeira têm subsídio no letramento financeiro. Considerando que os alunos foram capazes de ler a situação econômico-financeira proposta e tomar decisões de ordem financeira ou social, seja por meio de uma descrição do comportamento do rendimento do Tesouro Direto, seja por meio da organização da formação da política de preços da Petrobras com base em critérios estabelecidos na forma de requisitos, podemos afirmar que a modelagem matemática possibilitou aos alunos mobilizar aspectos do letramento financeiro como a capacidade de ler, analisar e interpretar situações econômico-financeiras associadas à condição financeira pessoal e a economia geral, definidos por Orton (2007) e Sena (2017).

A partir da análise das respostas dos alunos ao questionário inicial, identificamos outro elemento que pode contribuir para a Educação Financeira dos alunos, a saber, o uso da Matemática Financeira ligado a práticas econômico-financeiras do cotidiano e da sociedade nas aulas como indica o excerto a seguir:

A6. Q.U.53- Trata-se de uma pauta constante no dia-dia, sempre estamos usando produtos envolvendo taxa de juros, compras variadas, empréstimos, alta de combustíveis, inflação dos produtos da cesta básica.

É possível identificar na afirmação dos alunos a percepção deles com relação a uma conexão entre a Matemática Financeira e pautas da Educação Financeira, como investimento, empréstimos e diversos produtos financeiros. O desenvolvimento das atividades de modelagem matemática a partir desse entendimento de Matemática Financeira atende o princípio da dualidade a que se refere Muniz (2016) para a integração da Educação Financeira no Ensino de Matemática Financeira, em que, por um lado, a Educação Financeira pode se beneficiar da Matemática Financeira para compreender e analisar situações econômico-financeiras e, por outro lado, a Matemática Financeira pode se beneficiar da Educação Financeira para explorar situações econômico-financeiras para compreender conceitos da Matemática Financeira.

O desenvolvimento de atividades de modelagem matemática no ensino de Matemática Financeira pode proporcionar aos alunos uma visão da Matemática Financeira associada ao seu uso em práticas da sociedade. Na literatura sobre modelagem matemática Blum (2015) e Kaiser e Sriraman (2006) ressaltam que a modelagem matemática pode ser abordada em uma perspectiva voltada para a compreensão do papel da Matemática na sociedade. No âmbito da Educação Financeira esta abordagem está relacionada ao entendimento da Educação Financeira como diretamente relacionada à formação para a cidadania, conforme argumentam Campos, Teixeira & Coutinho (2015) e Campos, Hess & Sena (2018).

Além disso, o excerto A6. Q.U.53 sinaliza a percepção dos alunos relativa à relevância da Matemática Financeira para a vida das pessoas. Schneider (2008), a partir de preocupações manifestadas por alunos e professores em relação ao ensino e à aprendizagem de Matemática Financeira, investigou as percepções destes sujeitos a respeito da relevância da Matemática Financeira após eles analisarem situações reais que ocorrem em estabelecimentos comerciais e instituições financeiras. Como resultado o autor destaca que os sujeitos demostraram, por exemplo, “a importância e a necessidade do conhecimento dos conceitos de Matemática para realizar uma compra consciente, ou contrair uma dívida por empréstimo sabendo quanto efetivamente será pago” (Schneider, 2008, p. 83).

É neste sentido que a modelagem matemática no ensino de Matemática Financeira pode promover a Educação Financeira, considerando a demanda destacada por Campos, Teixeira & Coutinho (2015) de contextualizar o ensino de Matemática Financeira em situações reais ou realísticas próximas ao cotidiano do educando.

No que tange as respostas dos alunos na entrevista, consideramos que o desenvolvimento das atividades de modelagem matemática contribuiu para o entendimento dos alunos em relação a situações econômico-financeiras e para a tomada de decisão nessas situações na modelagem descritivae para o entendimento de situações econômico-financeiras e organização de ações que podem ser realizadas para estruturar aspectos dessas situações com base em certos requisitos na modelagem prescritiva. As respostas dos alunos na descrição a seguir ilustram essa nossa afirmação.

PP – Que impactos o desenvolvimento das atividades de modelagem matemática teve para sua vida financeira?

AT1.A2.E.55 - Repensar a questão do investimento. Ver que tem vários investimentos como Tesouro Direto e poupança. A refletir sobre esses investimentos, qual é o melhor, que vai depender se é a curto prazo, se você vai optar por um investimento mais arriscado

AT1.A2.E.56 - A questão do imposto, como é composto o preço que pagamos na Gasolina e sobre algumas medidas que podem ser tomadas para reduzir o preço da gasolina que nós compramos

Podemos inferir, com base nas assertivas dos alunos, que na modelagem descritiva o fato de entender a situação-problema repercutiu no modo como os alunos pensaram sobre o investimento, avaliando a viabilidade de investir em diferentes opções de investimento, com base no que indicam conceitos da Matemática Financeira. Por outro lado, a modelagem prescritiva teve impacto sobre a definição de medidas que poderiam ser tomadas pelo governo para a redução do preço da gasolina.

Em ambas as atividades, a integração da Educação Financeira no ensino de Matemática Financeira por meio das atividades de modelagem matemática está associada à tomada de decisões dos alunos a partir de múltiplas lentes com relação às situações econômico-financeiras, atendendo a necessidade de abordar, segundo Muniz (2016), múltiplas lentes sobre situações econômico-financeiras, por meio de aspectos econômicos, pessoais, sociais e matemáticos.

No que tange ao uso de conceitos da Matemática Financeira respectivamente na modelagem descritiva e na modelagem prescritiva, ponderamos que a elaboração, análise, interpretação e meta-validação dos modelos matemáticos que emergiram no desenvolvimento das atividades de modelagem matemática, corroboram com a assertiva de Rosetti Junior e Schimiguel (2011) de que para que ocorram contribuições para a Educação Financeira por meio de aulas de Matemática Financeira é relevante proporcionar aos estudantes situações em que se envolvem com o estudo de situações que lhes viabilizem a análise de problemas econômico-financeiros.

Neste sentido, o uso da modelagem matemática como possibilidade para integrar a Educação Financeira no ensino de Matemática Financeira pode ser visto como uma alternativa para a formação de alunos capazes de compreender e agir em situações econômico-financeiras, contemplando: a leitura de situações econômico-financeiras e tomada de decisões de ordem econômica ou financeira; a compreensão da Matemática Financeira ligada ao seu uso em práticas econômico-financeiras do cotidiano e da sociedade; compreensão de situações econômico-financeiras e para tomada de decisões nessas situações na modelagem descritiva; compreensão de situações econômico-financeira e organização de ações que podem ser realizadas para estruturar aspectos dessas situações com base em certos requisitos na modelagem prescritiva.

Considerando que neste artigo investigamos a modelagem matemática como possiblidade para o ensino e a aprendizagem de Matemática Financeira, as unidades de análise identificadas no decorrer do processo analítico dizem respeito às ações dos alunos relativas ao uso de conceitos e procedimentos da Matemática Financeira no desenvolvimento das atividades de modelagem matemática. Estas unidades foram agrupadas em três categorias relativas às possibilidades da modelagem matemática: o ensino de Matemática Financeira na modelagem descritiva; o ensino da Matemática Financeira na modelagem prescritiva; e modelagem matemática como possibilidade de integrar a Educação Financeira no ensino de Matemática Financeira. Apresentamos uma síntese dessas categorias no Quadro 11.

Quadro 11 - síntese das categorias e unidades de análise

Fonte: os autores

A categoria Ensino da Matemática Financeira na modelagem descritiva diz respeito ao modo segundo o qual o uso da Matemática Financeira pode ser vislumbrado em uma atividade de modelagem matemática, cujo propósito é descrever o comportamento de um fenômeno originado em uma situação econômico-financeira. As ações dos alunos agrupadas nesta categoria estão associadas principalmente, ao estabelecimento de relações entre a Matemática Financeira e a situação-problema, que permeou o desenvolvimento da atividade, desde a inteiração, matematização, resolução, interpretação dos resultados e validação.

A categoria Ensino da Matemática Financeira na modelagem prescritiva refere-se ao modo como o uso da Matemática Financeira pode ser vislumbrado em uma atividade de modelagem matemática prescritiva, isto é, com a finalidade de prescrever o fenômeno sob investigação. Destacamos que as ações que deram origem a esta categoria envolvem o estabelecimento de relações entre a situação inicial e a situação prescritiva do fenômeno a partir da análise de um modelo descritivo usado na situação inicial, formulação de hipóteses, elaboração de um modelo matemático na situação prescritiva e meta-validação.

Destacamos que as diferenças entre as ações dos alunos na modelagem descritiva e na modelagem prescritiva vão ao encontro da discussão realizada por Doerr, Ärlebäck & Misfeldt (2017), que argumentam que os diferentes ciclos de modelagem matemática dependem do entendimento de modelagem matemática e da finalidade dos alunos e dos professores. Nossa pesquisa evidencia que diferentes ações dos alunos relativas ao uso da Matemática realizadas estão diretamente ligadas ao tipo de modelagem matemática.

Por fim, a categoria Modelagem matemática como possibilidade de integrar a Educação Financeira no ensino de Matemática Financeira emerge como categoria que dialoga com as outras duas categorias, pois incorpora ações dos alunos envolvidas no uso da Matemática Financeira e ações relacionadas ao letramento financeiro e temáticas da Educação Financeira.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste artigo apresentamos uma pesquisa que investiga a modelagem matemática como possibilidade para o ensino e a aprendizagem da Matemática Financeira em uma disciplina de Matemática Financeira em um curso de Licenciatura em Matemática. As duas atividades de modelagem matemática analisadas foram caracterizadas como modelagem descritiva e modelagem prescritiva.

Em Niss (2015), o autor destaca a predominância da modelagem descritiva na literatura e evidencia a necessidade de considerar a modelagem prescritiva no ensino e aprendizagem de Matemática. Nossa investigação buscou avançar nessa discussão evidenciando a possibilidade tanto de modelagem descritiva, quanto de modelagem prescritiva em situações econômico-financeiras investigadas em aulas de Matemática Financeira.

Os resultados obtidos nesta pesquisa sinalizam que o uso da Matemática Financeira em atividades de modelagem matemática pode variar conforme a situação-problema, o objetivo dos alunos e do professor e a estratégias usadas pelos alunos. Diferentes ações relativas ao uso da Matemática Financeira emergiram na modelagem descritiva e na modelagem prescritiva.

Na modelagem descritiva, o uso de conceitos da Matemática Financeira envolveu a antecipação matemática, discutida por Niss (2010), de possíveis conceitos da Matemática Financeira que poderiam ser usados para matematizar a situação-problema; a intencionalidade dos alunos ao decidir quais aspectos da situação-problema eram relevantes para resolver o problema; a elaboração de modelos matemáticos com o propósito de descrever um aspecto específico do fenômeno estudado, a análise matemática do modelo matemático e sua coerência com a situação-problema. Assim, na modelagem descritiva, o ensino da Matemática Financeira possibilitou o uso de conceitos já estudados pelos alunos, bem como a introdução de novos conceitos, corroborando com Almeida, Silva e Vertuan (2012). Além disso, constitui uma possibilidade de construir modelos matemáticos e financeiros a partir de dados coletados da própria vivência dos alunos, evidenciando argumentos colocados por de Rosetti Junior e Schimiguel (2011).

Já na modelagem prescritiva, o encaminhamento matemático dos alunos evidenciou características diferentes do uso da Matemática Financeira, envolvendo a análise de um modelo matemático pronto e já usado por órgãos especialistas na área da Economia; o estabelecimento de relações entre requisitos formulados a partir de juízo de valores dos alunos sobre a situação inicial e conceitos da Matemática Financeira; análise do funcionamento do modelo obtido na situação prescritiva e seus impactos para a situação inicial. Portanto, o ensino de Matemática Financeira na modelagem prescritiva se constitui como uma abordagem de conceitos da Matemática Financeira na formação de uma situação prescritiva, que normatiza as ações dos alunos e fornece fundamentos teóricos para a tomada de decisão em relação à situação inicial, corroborando com potencialidades da análise de modelos matemáticos usados na sociedade para a sua formação e estruturação, conforme Blomhϕj (2009), e com a incorporação de negociações em atividades de modelagem matemática na Educação Matemática para avaliar a aceitabilidade de uma solução para o problema estudado, como indicado por Frejd & Bergstein (2018, p. 121).

Dentre os desdobramentos de nossa pesquisa para a Educação Matemática, destacamos que o uso da modelagem matemática no ensino de Matemática Financeira fornece uma possibilidade para integrar nas atividades escolares elementos da Educação Financeira, haja vista que o uso de modelos matemáticos em situações econômico-financeiras, mediado pelo ensino de conceitos da Matemática Financeira, fornece aos alunos uma possibilidade de ler e compreender aspectos envolvidos em transações financeiras e transformar os seus modos de agir nessas situações com base na tomada de decisão partir da compreensão de conceitos da Matemática Financeira. O que podemos ponderar, entretanto, para além do que já indicam Campos, Hess & Sena (2018) e Campos, Teixeira & Coutinho (2015), é que especificidades da modelagem matemática podem ser evidenciadas e valorizadas, em consonância com o que Niss (2015) caracteriza como modelagem descritiva e da modelagem prescritiva, ampliando as possibilidades de integrar a Educação Financeira no ensino da Matemática Financeira.

Neste sentido, embora inicialmente a modelagem tenha sido percebida como veículo, no sentido do que caracteriza Galbraith (2012), ela também pode ser entendida como do tipo conteúdo, considerando que as atividades desenvolvidas capacitaram os alunos a usar seus conhecimentos matemáticos para resolver problemas em sintonia com as deliberações do autor de que os dois gêneros de modelagem não se contrapõem, mas podem se complementam na contribuição da disciplina de Matemática Financeira para a Educação Financeira dos alunos.

Ponderamos também que o uso da modelagem matemática na disciplina de Matemática Financeira pode ser abordado tanto em uma perspectiva cultural-emancipatória (Blum, 2015) ou sócio crítica (Kaiser & Sriraman, 2006), visando a compreensão dos alunos em relação ao papel da Matemática Financeira na sociedade, quanto em uma perspectiva psicológica (Blum, 2015) ou conceitual (Kaiser & Sriraman, 2006), visando a compreensão dos alunos de conceitos da Matemática Financeira, de forma complementar. As categorias ensino de Matemática Financeira mediado pela modelagem descritiva e ensino de Matemática Financeira mediado pela modelagem prescritiva estão alinhadas com a perspectiva psicológica ou conceitual. Já a categoria modelagem matemática como possibilidade de integrar a Educação Financeira no ensino de Matemática Financeira se aproxima da perspectiva cultural-emancipatória ou sócio crítica.

Neste cenário, diante de pesquisas que investigam a disciplina de Matemática Financeira e suas relações com a Educação Financeira na disciplina de Matemática Financeira em cursos de Licenciatura em Matemática (Regecová & Slavíčková, 2011; Somavilla, 2017), nossa pesquisa sinaliza que a modelagem matemática constitui uma possibilidade com potencial para integrar a Educação Financeira no ensino de Matemática Financeira.

Contudo, algumas questões ainda precisam ser investigadas: que conhecimentos e competências são necessários a futuros professores de Matemática para integrar a Educação Financeira em suas práticas docentes futuras? Como as ações dos alunos evidenciadas nas categorias a respeito do ensino de Matemática Financeira por meio da modelagem matemática auxiliam na aprendizagem de Matemática Financeira? Pesquisas futuras podem ser direcionadas para lançar luz sobre estas questões.

Notas al pie

1Petróleo Brasileiro S.A. é uma empresa de capital aberto, cujo acionista majoritário é o Governo do Brasil, sendo, portanto, uma empresa estatal de economia mista.

2(http://www.petrobras.com.br/pt/).

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