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Revista electrónica de investigación en educación en ciencias

On-line version ISSN 1850-6666

Rev. electrón. investig. educ. cienc. vol.14 no.2 Tandil July 2019

 

ARTICULOS ORIGINALES

Multimodalidade na aprendizagem de Biologia Celular: uso de recursos audiovisuais e analogias como promotores de representações genuínas dos estudantes

 

Lucas Roberto Perucci1, Carlos Eduardo Laburú2

lucas.perucci@ifpr.edu.br , laburu@uel.br

1Instituto Federal do Paraná – Campus Foz do Iguaçu, Brasil

2Universidade Estadual de Londrina – Departamento de Física. Londrina, Brasil

 


Resumo

Este artigo abordará as múltiplas representações na aprendizagem de Biologia Celular. Uma proposta de abordar o assunto de transporte celular foi desenvolvida a partir de situações problema: o consumo de sal e aumento da pressão sanguínea e a absorção de glicose no intestino. Os estudantes foram orientados a produzir representações singulares, que servissem de suporte para a explicação do fenômeno que lhes foi designado, com a criação de um vídeo narrado, com o suporte de imagens, animações e com analogias. Dessa forma desenvolvemos uma proposta em que o uso de representações consolidadas da literatura se combinava com expressões próprias dos estudantes, com o intuito de colaborar com a compreensão do fenômeno. Para a análise utilizamos as categorias de denotação, conotação, sintagma e paradigma, que nos possibilita comparar os conteúdos nas distintas formas de representação dos conteúdos. Concluímos que houve engajamento e compartilhamento de conceitos genuínos pelos estudantes, estabelecendo relações apropriadas com os conteúdos e inovando com representações singulares em decorrência da utilização intensiva de analogias.

Palavras chave: Biologia Celular; Multimodalidade; Analogias; Semiologia

Resumo

Ese artículo irá trabajar las múltiples representaciones en el aprendizaje de Biología Celular. Una propuesta de abordaje en el asunto de transporte celular fue desarrollado a través de situaciones problema: el consumo de sal y aumento de presión sanguínea y la absorción de glucosa en el intestino. Los estudiantes fueron orientados a producir representaciones singulares, que pudiesen servir de soporte para la explicación del fenómeno que les fue designado, con la creación de un video narrado, con el auxilio de imágenes, animaciones y con analogías. De esa manera, desarrollamos una propuesta en que el uso de representaciones consolidadas de la literatura se coordinaba con expresiones propias de los estudiantes, con el fin de colaborar con el entendimiento del fenómeno. Para el análisis, utilizamos las categorías de denotación, connotación, sintagma y paradigma, que nos posibilita comparar los contenidos en las distintas formas de representación de ellos. Concluimos que hubo involucramiento e intercambio de conceptos genuinos por los estudiantes, engendrando relaciones apropiadas con los contenidos establecidos e innovando con representaciones singulares como resultado de la utilización intensiva de analogias

Palabras clave: Biología Celular; Multimodalidad; Analogías; Semiología

Résumé

Cet article aborde les multiples représentations dans l'apprentissage de Biologie Cellulaire. Une nouvelle proposition pour aborder ce sujet a été développé a partir de quelques situations-problèmes : la consommation du sel et l'augmentation de la pression sanguine et l'absorption de glucose à l'intestin. Les élèves ont été orientés a produire des représentations singulaires pour appuyer l'explication du phénomène qui leur était attribué avec la création d'un vidéo commenté avec des images, des animations et des analogies. De cette façon, nous développons une proposition dans laquelle l'usage des représentations consolidés dans la littérature s'est combiné avec des expressions communes aux élèves avec l'intention de collaborer vers la compréhension du phénomène. Pour l'analyse s'était utilisé les catégories de dénotation, connotation, syntagme et paradigme qui nous permet de comparer les contenus aux distinctes formes de représentation des contenus. Nous concluons qu'il y a eu de l'engagement et de partage des concepts spécifiques de l'univers catégoriel des élèves qui ont réussi établir des relations appropriées vers les contenus fixés précédemment et, d'ailleurs, de l'innovation avec la formulation des représentations singulaires par conséquence de l'utilisation intensive d'analogies.  

Mots-clés: Biologie Cellulaire; Multimodalité; Analogies; Sémiologie

Abstract

This article intends to discuss the utilization of multiple representations in Biology Cell learning. A proposal to address the subject of cell transport was developed from problem situations: salt intake and the increase of blood pressure and the absorption of glucose by the gut. The students were oriented to produce singular representations which were used to explain the phenomenon, with the creation of a narrated video, with imagens, animations and allowed to use analogies. Thus, we created a proposal where the use of consolidated representations in the literature was combined with the students´ own expressions, in order to collaborate with the understanding. For the data analysis, we use the categories from semiology, like the denotation, connotation, paradigm and syntagma, which allow us to compare the content in various ways. We concluded that there was engagement and sharing of genuine concepts by the students and innovating with unique representations due to the intense use of analogies.

Key words: Cell Biology; Multimodality; Analogie; Semiology.


 

INTRODUÇÃO  

A área de Ensino de Biologia possui variadas tendências teóricas em investigar e propor práticas que enriqueçam e reflitam o modo como os estudantes aprendem. Ao considerar que os materiais didáticos e os artigos especializados e de divulgação científica usualmente utilizam formas de representações de conteúdos diversas, como, tabelas, gráficos, textos, figuras, diagramas, etc. torna-se um fecundo campo de estudo conceber como as pessoas manejam e se apropriam dessas representações. Essa variedade de formas são designadas como "múltiplas  representações", definidas pela variedade de formas em que os discursos científicos são expressos (Tytler, Peterson, & Prain, 2005); (Schwonke, Berthold, & Renkl, 2009). Dado o caráter generalizado dessas representações, buscam-se estratégias mais eficientes de análise, interpretação, integração e produção das representações dos conceitos científicos. 

As investigações de como as representações e a linguagem se relacionam com a aprendizagem científica é um tema secular. Vigotski (2004), refletiu que crianças com idade pré-escolar já possuíam alguma forma de aprendizagem, não sistematizada, e que justamente a fala - essencial como fonte de comunicação com os outros, torna-se internalizada, transforma-se no pensamento próprio da criança em uma função psíquica posterior. Dessa forma ao interagir com conteúdos científicos organizados, não espontâneos, há de se levar em conta as debilidades de abstração que os conceitos espontâneos das crianças possuem (Vigotski, 2009). Observamos então uma nítida preocupação em como os conteúdos científicos são internalizados e expressos.

Ao considerarmos a socialização das crianças por meio da linguagem até a elaboração de situações de ensino em que se promova apropriação organizada conteúdos científicos, justifica-se um olhar atento quanto ao modo em que essas representações são analisadas, integradas e produzidas pelos estudantes. A proposta da multimodalidade envolve o reconhecimento de que um misto de linguagens são combinadas para representar as explicações científicas (Bezemer & Kress, 2008; Hand, McDermott, & Prain, 2016; Lemke, 1990, 2001), possuindo como objetivo uma aprendizagem efetiva, que deve focar na compreensão e no limite de cada uma das representações, na tradução de uma representação em outra e em sua integração (Tytler et al., 2005). Assim, enquanto o conceito de múltiplas representações versa sobre o potencial de expressão em diferentes meios, o de multimodalidade implica em compreender, traduzir e expressar esses conceitos em formas distintas.  

Nosso objetivo neste trabalho foi o de desenvolver uma unidade didática na área de Biologia Celular na perspectiva da multimodalidade, que favorecesse a interpretação, negociação e produção de representações mais genuínas dos estudantes. Para tal demanda, discutiremos como relacionar as representações "canônicas" (as já estabelecidas no meio acadêmico) e as realizadas pelos estudantes, assim como as analogias podem contribuir para essas produções mais originais. Por fim, analisaremos os dados empíricos a partir de um quadro analítico derivado da semiótica, para que os conteúdos representados em variadas representações possam ser relacionados e interpretados.

O CONTEXTO DA MULTIMODALIDADE NA SOCIEDADE ATUAL

O conceito de multimodalidade é apresentado por Kress (2010) dentro de um contexto de profundas transformações da comunicação no mundo contemporâneo, em que há uma revolucionária transição em como a informação é produzida e disseminada. Esse conjunto de alterações pode ser resumido em dois grandes pontos: a passagem de antigas tecnologias de impressão para os meios eletrônicos; e a mudança de um modo de expressão focado na escrita para a outras representações, como as imagens e vídeos.

Nessas transformações, há uma oposição entre o que se considera a monomodalidade e a multimodalidade. A abordagem dos autores em Kress et al. (2001) é que existe uma persistente posição em que a linguagem escrita ou falada tem uma maior importância sobre as demais formas de representação, sendo consideradas essas duas formas completamente capazes de articular o pensamento do ouvinte e leitor a compreender do que se trata. A sociedade contemporânea tem um conjunto de representações úteis

Dessa forma a multimodalidade se insere em uma posição marcadamente distinta em não aceitar que a linguagem escrita ou falada consegue fazer todo o trabalho semiótico significante de uma sociedade. Urge considerar que os seres humanos são por sua natureza fabricadores de signos variados, e assim, se apresenta uma demanda em entender como o conjunto desses signos são produzidos socialmente, em outras palavras, como se efetiva a multimodalidade na produção de signos. (KRESS et al. 2001).

Kress (2010) também aponta que o conjunto dos seres humanos tem acesso a diferentes modos de produção desses sentidos, em que pode haver modos espaciais de expressão, como no caso da dança e dos esportes, que pode ocorrer preferências pelas expressões a partir das imagens e não da linguagem escrita, que precisamos compreender que a fala é implicitamente acompanhada de gestos. Assim, compreende-se que existem outras formas de significação que ultrapassam, e, simultaneamente, são coordenados com a escrita e a fala.

Por fim Kress (2010) aborda que o modelo de comunicação atual põe em relevo o processo de fazer, refinar e refazer os significados, em que as pessoas que recebem signos de terceiros têm um papel preponderante em transformá-los profundamente e ressignificá-los. Essa visão considera que é característico da nossa época a disseminação das informações a partir da recriação de signos pelos sujeitos, mais do que sua conservação e estabilidade. Como consequência, podemos inferir que há um contexto para alterar signos científicos, mesmo que sejam mais objetivos e denotativos.

Com esse preâmbulo, situamos brevemente o papel dos impactos dos modos de comunicação contemporâneo e julgamos que ainda não tivemos seus impactos assimilados em uma perspectiva de aprendizagem. A velocidade com que novas informações são produzidas, transformadas e disseminadas por redes sociais, plataformas de suporte de vídeos e aplicativos de mensagens, superam o alcance que o ensino curricular regular possui. A plasticidade em produzir novos significados a partir de gifs, memes e vídeos diversos, faz com que se expanda a capacidade de manipular e disseminar a informação.
O que julgamos consistente é que um perfil de aprendizagem com rígidos papeis de emissor e receptor, ainda característico de um tipo de interação em sala de aula, já foi ultrapassado por essas formas de interagir e produzir novos conteúdos. Uma boa analogia seria de que um professor do século passado era um bebedouro de informação, enquanto hoje nossa principal tarefa é a de fazer os aprendizes nadarem em uma enxurrada de informações, por regulares vezes deliberadamente falsas e incorretas, mas com grande potencial de influência e disseminação.

A MULTIMODALIDADE NA APRENDIZAGEM DE CONTEÚDOS CIENTÍFICOS

Os pressupostos da multimodalidade são inseridos no contexto de que diferentes vertentes teóricas consideram as formas de representação importantes para a aprendizagem científica (Prain & Tytler, 2013). Esses autores sumarizam que com a necessidade da construção de representações pelos cientistas, destacando uma obsessão da astronomia e da bioquímica por variadas construções de imagens, houve um encontro com os cientistas da educação a respeito do papel das representações na aprendizagem. Algumas tradições de pesquisa, como a do modelo de mudança conceitual (Treagust & Duit, 2008), discutem que a habilidade de escolher representações inteligíveis e plausíveis são possíveis medidas de aprendizagem. Os que enfatizam o que é um entendimento científico (Norris e Phillips 2003), em oposição a apenas conhecer determinados tópicos da ciência, afirma que os estudantes precisam saber interpretar e representar conceitos, evidenciando um papel fundamental do trabalho de representação.

A multimodalidade abre a perspectiva que as disciplinas científicas precisam ser compreendidas enquanto a história do desenvolvimento e da integração de seus discursos (Waldrip, Prain, & Carolan, 2006) e dessa forma, os diferentes modos precisam contemplar as variadas formas de investigar e raciocinar cientificamente. (Lemke, 1990), já situava o debate das disciplinas científicas em seu "sócio semiótica", ou seja, de que forma aquele conjunto de fazedores de sentido estabelecem suas ações para que tenham sentido em sua comunidade. Em conjunto, para aprender ciência é necessário falar cientificamente, aprender a ler e manejar seus códigos. Lemke (1990), apresenta o conceito de intertextualidade, advindo de Bakhtin-Volóchinov, em que cada comunidade ou grupo social tem seus próprios meios de contextualizar e conectar-se com os diferentes gêneros. Essa visão implica um papel ativo de quem compreende o enunciado alheio, em que a cada entendimento, adicionamos uma camada própria de nossas palavras (Volóchinov, 2017). Quanto maior o repertório e mais profundas as ligações, maior será a compreensão do enunciado do outro (Volóchinov, 2017).

Assim, por em relevo que as várias representações são importantes para a aprendizagem não seria exatamente uma novidade teórica, já que é algo constituinte das próprias representações científicas e bem estabelecidas nos materiais didáticos. A abordagem que (Kress, Jewitt, Ogborn, & Charalampos, 2001) faz é estabelecer uma oposição entre o monomodal e o multimodal. Para esses autores, é persistente a posição em que a linguagem escrita ou falada tem uma maior importância sobre as demais formas de representação, sendo considerada completamente capaz de articular o pensamento e do ouvinte/leitor compreender. Ao refletir nas ciências, isso tem implicações práticas, em que nossas formas de produzir representações na Biologia são usualmente direcionadas para a descrição e produção de textos. A discussão da multimodalidade envolve em assumir que um misto de linguagens são combinadas para representar os conceitos científicos, e que, há a necessidade de explicitar para o aprendiz quais os limites e contribuições de cada um desses modos de representação (Bezemer & Kress, 2008; Hand et al., 2016; Lemke, 1990, 2001; Tytler, Waldrip, & Griffiths, 2004). Essa posição implica em considerar todos as formas de representação possíveis daquele tópico, de forma equitativa, e explorar suas possibilidades em um contexto de aprendizagem.

Ainda sobre a construção e o manejo das representações, é importante salientar o trabalho de Duval (1995), onde estabelece as etapas de formação, tratamento e conversão dos registros de representação semióticos. A formação de uma representação semiótica se orienta a partir de suas regras típicas de construção, que são definidas convencionalmente, para que o signo possa ser reconhecido no meio social. Com isso, é possível que a representação seja percebida, identificada e, assim, o aprendiz pode extrair o conceito representado e internalizá-lo cognitivamente (DUVAL, 1995)

A segunda atividade é a de tratamento, quando se pode transformar internamente a representação de um dado registro semiótico, sem alterar suas características iniciais (DUVAL, 1995) Como exemplos de tratamento podemos citar a modificação de um desenho, a resolução de uma equação, a alteração de um gráfico Já a conversão é a transformação da representação de um objeto, de uma situação ou de uma informação dada em outra representação distinta desse mesmo objeto ou informação (DUVAL, 1995). A conversão ocorre pela alteração de um sistema semiótico para outro, e que, necessariamente, envolve ao menos dois registros semióticos distintos. Para o autor, a conversão das diferentes representações é de fundamental importância para o conhecimento, porque ao possibilitar a troca no registro, expande a compreensão conceitual do aprendiz em equivaler conceitos em representações distintas (DUVAL, 1995).

As concepções de Duval (1995) dialogam com a da multimodalidade no quesito de abrir as disciplinas científicas para serem compreendidas enquanto um desenvolvimento e integração de seus discursos (WALDRIP; PRAIN; CAROLAN, 2006) e dessa forma, os diferentes modos precisam contemplar as variadas formas de investigar e raciocinar cientificamente. Lemke (1990) insere o debate das disciplinas científicas em sua sócio semiótica, ao investigar a forma o conjunto de fazedores de sentido estabelecem suas ações para que sejam compreendidos em sua comunidade. Em suma, para compreender a variedade de signos que compõem os conceitos científicos, demandamos investigar a produção, compartilhamento e integração dessas representações, com atenção ao fazer, transformar e interpretar os conjuntos sígnicos dos conceitos

Dentro desse desafio em ensinar dialogando e coordenando representações, a perspectiva da multimodalidade debate que há um excesso de foco em representações em imagens "já construídas", chamadas de "canônicas", definidas como as imagens usualmente vinculadas à determinado fenômeno científico (Ainsworth, Prain, & Tytler, 2011). Esses autores enfatizam que o ato de desenhar, de produzir suas próprias representações em imagens, deveria ser um elemento chave para a aprendizagem de ciências. As afirmações baseiam-se em que notórios cientistas, como Faraday e Maxwell, exploravam suas ideias em por meio de representações visuais. Isso implica em reconhecer que imagens próprias podem ser estratégias de ensino e aprendizagem, de demonstração de apropriação de conceitos e de comunicar seus entendimentos aos seus colegas (Ainsworth et al., 2011).

Como uma síntese para esse desafio de dialogar com representações próprias e canônicas, Prain e Tytler (2013) enfatizam três princípios para os pressupostos de construção de representações: Que se crie desafios representacionais para que os estudantes expressem suas próprias representações do fenômeno; Que haja avaliação, negociação e refinamento dessas representações com discussões em grupo e coletivas; e que ocorram discussões explícitas sobre o papel das representações na aprendizagem e no conhecimento científico. Dessa forma, mais do que usar uma estratégia de aprendizagem com várias representações, a multimodalidade implica em reconhecer que cada forma de representação possui lacunas e potenciais heurísticos, que não há predomínio da linguagem escrita frente a outras formas de representação, mesmo que essa linguagem seja denotativa e altamente objetiva para a explicação do conceito.

Assim, ao basear-se que a multimodalidade assume que uma apropriação eficiente de conceitos só pode ocorrer por meio de sua expressão em variadas formas, põe-se em relevo o trabalho do docente em reorganizar suas Unidades Didáticas para que ocorra reflexão no conjunto de representações comumente utilizadas. Um uso mais evidente dos limites e potencialidades de cada representação pode colaborar para evitar o que Vigotski (2009) aponta com o verbalismo vazio do ensino, em que podem ocorrer expressões apenas por memorização e cópia. Instigar o uso combinado de várias representações evita a chance de entendimentos estéreis.

Portanto, temos um campo a ser explorado em elencar os desafios representacionais das áreas da biologia, e neste artigo, debateremos alguns tópicos sobre o Biologia Celular.

RECURSOS AUDIOVISUAIS, DESENHOS E ANALOGIAS: REPRESENTAÇÕES USUAIS EM CONTEÚDOS DE BIOLOGIA CELULAR.

Os conteúdos de Biologia Celular foram escolhidos para o desenvolvimento dessa pesquisa por possuir representações canônicas bem estabelecidas e muito presentes em materiais didáticos e em pesquisas com variados pressupostos teóricos. Dessa forma nós estabelecemos uma pesquisa em levantar quais as principais e variadas representações são utilizadas, para que uma Unidade Didática baseada em multimodalidade pudesse ser desenvolvida. Elencamos como representações usuais em propostas de ensino-aprendizagem as animações em recursos audiovisuais (RAV´s), a produção de desenhos em duas dimensões, a construção de gráficos e estratégias que envolvem o uso de analogias.

No tema dos Recursos Audiovisuais são usualmente utilizados na forma de vídeos em que são demonstrados processos com sucessivas transformações. Embora sejam amplamente utilizados como um recurso desejável, Lowe (2003) aponta que o uso não criterioso das animações pode gerar excesso de informação e condições não propícias de aprendizagem, e dessa forma, é necessário compreender o que as animações têm como singularidade, que as diferem das imagens estáticas (Lowe, 1999). Esse autor aponta que além da preocupação típica em coordenar as explicações verbais com as sequências de imagens (Lowe, 2003), as animações incorporam três características: as transformações (mudanças de forma), as translações (mudanças de posição) e as transições (inclusões ou exclusões de algo). No que tange à multimodalidade, as colaborações de Lowe são relevantes para que discussões explícitas a respeito do modo de representação sejam executadas no processo de aprendizagem. Cada uma das alterações que ocorrem nas animações necessita ser dialogadas, para que se produzam situações mais permeáveis à apropriação de conceitos.

Quanto à produção de imagens em duas dimensões, alguns dos exemplos empíricos dos estudos sobre multimodalidade se referem a conceitos como: evaporação (Tytler et al., 2005; Tytler, Prain, & Peterson, 2007), refração (Fredlund, Airey, & Linder, 2012), força e trabalho com uso de vídeos (Waldrip et al., 2006), estudo dos cromossomos (Hand et al., 2016) e modelos de astronomia, estados da matéria e força e atrito (Hubber & Tytler, 2013). Como já argumentado anteriormente, esses estudos têm em comum a construção de imagens ‘especulativas", próprias, e que o diálogo com imagens canônicas seja estabelecido em termos dos limites e possibilidades de explicação de cada uma das representações apresentadas. Os exemplos aqui citados não são vinculados à biologia celular, mas dialogam com as representações moleculares que são essenciais para a compreensão de conceitos como estrutura da membrana plasmática e transporte celular. Partindo de outros pressupostos teóricos, o trabalho de Leão, Padial & Randi(2018), integra a montagem de membranas plasmáticas com subunidades impressas, a construção de maquetes em três dimensões, o uso de role-playing games, testes objetivos e mapas conceituais em uma Unidade Didática de Biologia Celular, sendo um interessante exemplo de um intenso e explícito uso de múltiplas representações. Por fim, as imagens e esquemas em livros didáticos de biologia são extremamente comuns, como em Amabis (2015) e em Linhares, Gewandsznajder e Pacca (2018). Assim, na perspectiva da multimodalidade, é essencial a coordenação entre as usuais representações canônicas e as expressas pelos estudantes.

Por fim, constatamos que as metáforas e analogias são muito usuais nas representações de conteúdos da área de ciências e de Biologia Celular em especial. As categorias de analogia e metáforas por vezes têm tratamentos muito distintos, variando de similaridades a diferenças substanciais entre os autores. (Duit, 1991) define que há um modelo fonte, que podem ser, um conceito, categoria, substantivo, etc. e dele desdobram-se o análogo e o conceito-alvo, como expresso na figura 1 abaixo:


Figura 1: O processo da analogia (Duit, 1991)

Assim, a analogia é o processo de comparar certos aspectos do "análogo" com certas características do conceito-alvo. A diferença para Duit é que a metáfora teria uma característica "implícita", ou seja, fica velado quais aspectos do análogo com o conceito-alvo são observados, enquanto na analogia é necessário revelar explicitamente quais os atributos em comum. Um ponto ainda importante é a distinção da analogia de um exemplo. É rotineiro ilustrar um desdobramento de um conceito, sua aplicação em determinado contexto, e esse apontamento é definido como um exemplo (Wilbers & Duit, 2006). A analogia precisa comparar, de modo claro, dois domínios diferentes. Resumindo, podemos dizer que a mitocôndria é uma usina de força (como uma metáfora, as relações de similaridade estão implícitas), afirmações que a mitocôndria funciona como uma usina de força (uma possível analogia, faltando evidenciar os aspectos) ou posso afirmar que existem muitas mitocôndrias na peça intermediária dos espermatozoides (um exemplo). Os apontamentos de (Paris & Glynn, 2004; Wilbers & Duit, 2006) discutem que não se pode confundir o conceito-alvo, o análogo, exemplos do conceito e a analogia, isso cria dificuldades para a apropriação dos conceitos pelos estudantes e dessa forma, o uso de analogias deve sempre ser sistematizado.

A proposta de (Duit, 1991) é chamada de "TWA", teaching with analogies, e é sintetizada em seis operações sequenciais: a apresentação de um conceito-alvo, a introdução de um conceito análogo, a identificação de similaridades entre o conceito-alvo e o análogo, o mapeamento mais detalhado das semelhanças, a definição de conclusões e a indicação de onde a analogia não funciona. Ao destacar o último ponto da proposta, consideramos que o modelo de TWA pode estabelecer diálogos profícuos com a teoria da multimodalidade, em especial porque ambas se preocupam com uma nítida demonstração de "como está sendo ensinado", de que ensinar sobre a natureza das próprias representações tem enorme relevância. Também escolhemos integrar as analogias em nossa proposta pela relevância do seu uso em Biologia Celular, o trabalho de (Ferraz & Terrazzan, 2003), debate o uso sistematizado das analogias e desenvolve uma série de analogias com relação mais densas e enriquecidas, o artigo de (Trevisan & Carneiro, 2009), elenca uma série de metáforas em Biologia Celular e indica o uso de metáforas visuais em associações aos conceitos, aponta que o uso de metáforas puramente linguísticas aumenta a chance de erros conceituais.

Assim nossa proposta discute as contribuições da multimodalidade na produção de representações próprias e canônicas, com uma Unidade Didática que envolva a utilização e produção intensiva de imagens, vídeos e analogias, com um constante refinamento, avaliação e negociação dos limites de cada representação. Queremos avaliar de que forma as representações próprias podem ser incrementadas pelos estudantes e com isso favorecer o compartilhamento genuíno de informações e a apropriação de conteúdos. Assumimos como hipótese de que a narração, a produção de vídeos e um ambiente que estimule o uso de múltiplas analogias pode colaborar.

Ressalta-se ainda que um conjunto de representações, e em especial nos conteúdos de Biologia Celular, já são amplamente utilizadas. Consideramos então que há um grande potencial em aproveitar-se dessa condição para refinar o uso das representações nas situações didáticas.

ANÁLISE SEMIÓTICA DAS MÚLTIPLAS REPRESENTAÇÕES

Para a análise dos dados empírico, a pesquisa tem como referencial baseado em um quadro analítico de Penn (2002), em que discute formas de analisar semioticamente imagens paradas. As categorias propostas pela autora para a análise são as de sintagma e paradigma, que derivam de Saussure (2012), em conjunto com as categorias de conotação e denotação, derivadas de Barthes (2012). Dessa forma, Penn (2002) une em um único quadro analítico essas categorias e propõe determinados etapas para a análise semiótica. Antes, iremos apresentar brevemente as definições das categorias de sintagma, paradigma, denotação, conotação e o motivo de utilizá-las.

Justificamos utilizar a semiótica pois ao observar os artigos que utilizam a multimodalidade enquanto pressupostos teóricos, podemos notar que não há um quadro analítico distinto na análise de textos, vídeos, desenhos, esquemas, etc. Em Hand et al. (2016), os capítulos do livro possuem análises de cunho qualitativo e interpretativo de textos e desenhos, há também gráficos de frequência de certas categorias e posterior análise. Esse tipo de análise também é comum no livro de Prain & Tytler (2013), predominam análises qualitativas e interpretativas e uma única quali-quantitativa, com o exame de pré-teste e pós-teste. Dessa forma, queremos propor uma análise mais refinada e uma comparação das representações produzidas, em termos de sua própria descrição, no repertório de conteúdo que seus elementos se apresentam e nas relações lógicas que o conjunto deles exprime. As categorias de denotação, paradigma e sintagma foram elencadas para tal.

Os pares de denotação e conotação foram baseadas em Barthes (2012) e consiste na leitura que se realiza do signo em determinadas camadas. O primeiro plano de expressão de determinado signo é denotativo, é onde a primeira leitura é feita, com seu formato, estilo, cor, contorno, com sua interpretação sendo mais literal. Já conotações possuem sentidos mais amplos e arbitrários (BARTHES, 2012), suas relações não são imediatas, o leitor precisa conhecer determinadas questões culturais do que o signo trata para que as conotações sejam compreendidas. Dessa forma, as denotações podem ser lidas de modo puramente formais, de forma estilísticas, enquanto as conotações demandam um repertório cultural de quem interpreta o signo (PENN, 2002). Para Eco(2002) as conotações e denotações não variam tanto no quesito de maior ou menor estabilidade do seu significado, apenas que a conotação necessita parasitar a denotação, ou seja, implica que a conotação não pode ser veiculada antes que um código primário seja denotado  (ECO, 2002). Para o nosso trabalho, a denotação nos embasa para realizarmos uma descrição das representações expressas e as conotações são as expressões de segunda ordem, podendo ser as manifestadas pelos próprios estudantes (quando apontam um desdobramento das suas próprias representações) e na análise dos pesquisadores.

As categorias do paradigma e do sintagma, também chamadas de eixos associativos e eixos extensivos, são formas de como os signos são expressos, articulados e influenciados. Saussure (2012) aponta que a linguagem falada ou escrita possui um caráter linear, de adição de elementos, que a impede de expressar dois signos simultaneamente. Essa característica tem como consequência que cada elemento adicionado, em uma palavra composta ou em frases inteiras, tenha seu valor porque está em comparação com o que veio antes e o que continuará na frase (SAUSSURE, 2012). No eixo sintagmático apresenta-se a lógica da expressão das relações possíveis, da combinação de palavras para exprimir significados (COELHO NETTO, 2003). De forma diversa, o eixo paradigmático opera de forma associativa a partir de associações inscritas no repertório dos sujeitos. Essas relações de associação são diversas, partindo da proximidade do som das palavras, dos prefixos, sufixos, na analogia de significados semelhantes e também por oposição (SAUSSURE, 2012). Tomemos a frase como exemplo: "A aprendizagem do aluno é muito boa". Analisamos de modo extensivo que não é qualquer aprendizagem, é daquele determinado aluno, com um advérbio e adjetivo que determinam certas qualidades ao aluno e à aprendizagem. Ao tomar individualmente o termo "aprendizagem", podemos desencadear uma série de associações pelo seu significado: ensino, escola, professor, universidades, mas também pelo seu prefixo: aprendiz, aprender, aprenda. Podemos sintetizar que as relações sintagmáticas determinam valor por contraste aos elementos que foram expressos em uma frase, enquanto as relações paradigmáticas determinam valor por oposição aos elementos que estão ocultos (BARTHES, 2012).

Como Saussure denominou seu estudo como "Semiologia", sendo a ciência que estuda a vida dos signos no seio da vida social", a análise dos eixos paradigmáticos e sintagmáticos não é restrita à linguagem escrita e falada. A análise de Barthes (2012) é que as unidades de significação têm regras de arranjo ao longo de qualquer sistema: peças de vestuário (meias e calçados), disposição de comidas em um cardápio e sinais de trânsito. A ideia geral é que os signos possuem liberdade, mas uma liberdade vigiada. Ao mesmo tempo, para as imagens, a consideração do autor é que os signos aparecem simultaneamente e não linearmente como na língua escrita ou falada, dessa forma, as suas relações sintagmáticas são espaciais e não temporais (PENN, 2002).

A ideia de que as múltiplas representações possuem seu significado disperso em variadas formas (WALDRIP et al., 2006) pode coadunar com a ideia do eixo associativo de que a unidade de significação escolhida relaciona-se por afirmação e por oposição. Ao escolher determinada forma de representação, significa que alguns aspectos foram postos em relevo e outros não pelo produtor dos signos. A combinação de várias representações, em que cada uma delas expressa parcialmente a completude um conceito, pode ser exposta ao analisar eixo paradigmático enquanto frações presentes e ausentes, mas sintetizados em uma significação superior. As diferentes representações, mais do que designar "o modelo correto" ou "o real", são vistas como escolhas, representações parciais com contingências e potencialidades. Podemos concluir então que as categorias de denotação, conotação, paradigma e sintagma da semiologia são relevantes para a análise de múltiplas representações, pois podem conciliar dentro de um quadro analítico a análise de gravações, imagens, animações e textos.

A proposta de Penn (2002) envolve uma trajetória de análise e propostas de exposição dos dados. Os passos básicos são: compilação dos signos que serão analisados para a definição da amostra, definição de um inventário denotativo do material escolhido; realizar a reconstrução paradigmática do material, revelando as alternativas presentes e ausentes que colaboram para o significado; exame dos níveis mais altos de significação, com a conjunção dos sintagmas e a coordenação dos elementos que se relacionam e se contrapõe; e por fim, concluir níveis mais altos de conotação.

AMBIENTE DA PESQUISA E DESCRIÇÃO DA PROPOSTA

A pesquisa foi desenvolvida no Instituto Federal do Paraná, no município de Foz do Iguaçu, com uma turma do 2º ano do Técnico Integrado de Informática, com 38 alunos na sala, com a idade da maioria variando entre 16 e 17 anos. Foi debatido com os estudantes a natureza e a importância da pesquisa, que as aulas seriam gravadas e que suas identidades seriam preservadas. O curso possui quatro anos de duração, com as matérias de Biologia I, II e III constituindo o currículo do segundo, terceiro e quarto ano, respectivamente. Um dos pesquisadores é o próprio docente regular da turma.

Para a construção da Unidade Didática de Biologia Celular, segue a Tabela 1 com o cronograma de aulas:


Tabela 1: Sequência de Aulas

Ao definir as questões da pesquisa, estabelecemos que a Unidade Didática planejada seria guiada dentro de um cronograma exequível, de um bimestre, para um docente regular de Ensino Médio. Nós avaliamos que por vezes as propostas de intervenção são demasiado longas, com um excesso do conteúdo trabalhado dentro do planejamento docente. Com isso, a avaliação dos resultados de aprendizagem distancia-se das condições reais e mais ou menos regulares dos docentes.

Quando nos baseamos na abordagem da multimodalidade, como introdução à disciplina, discutimos em uma primeira aula a respeito do que é o método científico e a representação dos conceitos. Foi debatido uma breve apresentação da concepção de signo de (Saussure, 2012), em que se define como a junção de uma imagem acústica (significante) e de um conceito (significado). A ideia foi introduzir que cada palavra, imagem ou esquema, têm seus significados específicos, a depender da situação. Foi debatido como exemplo o uso das "setas", nas disciplinas de ciências. Discutimos que elas podem indicar vetores, sentido do movimento, movimento da matéria, deslocamento do equilíbrio químico, transferência de matéria e energia na cadeia alimentar, ou simplesmente, apontar uma estrutura. Ao discutir método científico, nos lastreamos na perspectiva de Fang (2006), em que se aponta a distinção entre a fala cotidiana e a fala científica. A fala científica é mais denotativa para evitar ambiguidades, descreve processos e conceitos abstratos, enquanto a falta cotidiana é mais dinâmica, conotativa e possui mais relação com os sujeitos que interagem com os processos, é mais pessoal e menos abstrata. Por fim, discutimos as ideias elementares da multimodalidade, no que tange ao uso de várias representações, de que é elementar a produção de representações próprias para a aprendizagem e que cada representação revela coisas e esconde outras, inserindo então esforço de interpretação de cada uma delas.     
 
Com quinze dias de antecedência, foi apresentada a proposta do primeiro trabalho. As instruções foram grupos fossem formados, de no máximo sete pessoas e que precisassem apresentar para a turma um trabalho com três elementos: Uma membrana plasmática com todas as suas estruturas, um desenho esquemático de como é feito o transporte celular de várias substâncias: sódio, potássio, oxigênio, dióxido de carbono, glicose, ácidos graxos, aminoácidos, etanol e ureia. Por fim, deveriam representar em gráficos a velocidade do transporte, diferenciado a difusão simples e difusão facilitada.

A proposta do segundo trabalho foi exposta com quinze de antecedência. A ideia era que os estudantes montassem vídeos para explicar determinadas situações, distribuídas em sete temas: Intolerância à lactose, absorção de ferro e vitamina C, absorção de glicose no intestino, a osmose e a pressão alta, absorção de ácidos graxos e absorção de cálcio e ferro. Os vídeos deveriam ser montados com algumas regras: teriam que imaginar um espectador leigo no assunto, dessa forma, todos os conceitos deveriam ser explicados e parafraseados, o uso de imagens e analogias próprias deveria ser intenso, e, os processos moleculares deveriam ser representados para auxiliar a explicação. Foi combinado que o dia da apresentação também seria gravado, com os vídeos expostos para a turma e um debate prévio sobre os conteúdos apresentados. Uma semana depois, as imagens foram selecionadas, retomadas e depois da análise do docente uma discussão sobre as representações foi realizada.

A ANÁLISE DAS MÚLTIPLAS REPRESENTAÇÕES

Ao definir as categorias de denotação, conotação, paradigma e sintagma como essenciais na análise de variadas representações, foi construído um quadro analítico como exemplificado no quadro abaixo:


Quadro 1: Proposta de Quadro analítico


Os dados da segunda apresentação de trabalho, como exposto na Tabela 1, estão distribuídos na gravação da apresentação dos estudantes e do debate, no vídeo produzido, contendo sequências de imagens e narração, mais ao menos uma analogia expressa em forma de imagem. Assim, definimos ao menos três categorias do conteúdo de Biologia Celular que fossem relevantes para cada apresentação, como exemplo no trabalho de absorção de glicose, as categorias de glicose, difusão facilitada e proteínas de membrana foram as escolhidas. Utilizando o software de análises qualitativas MAXQDA®, foi possível definir as listas de códigos e marcá-las em frações das imagens, transcrição da apresentação e do debate, em frames dos vídeos e em sua narração. A vantagem do software é que depois de cada trecho ser marcado com as categorias que deseja, é permitido combinar rapidamente essas diferentes frações em uma única tela, facilitando a comparação entre as múltiplas representações.

Na denotação realizamos um inventário e descrição de cada porção do texto, do vídeo e da analogia a partir das categorias desejadas. Depois, fizemos um desdobramento das escolhas realizadas dentro do eixo paradigmático, combinando uma longa cadeia associativa dos elementos. Por exemplo, analogias com verbo "a substância quebrou", as diferentes representações da membrana plasmática em texto, em imagens e na analogia. O eixo sintagmático envolve a harmonização de todas as informações produzidas a partir das categorias desejadas. Aqui, exploramos o que surge como contribuição ou oposição para compreender o que se deseja expressar. O trabalho analítico demanda comparar os conteúdos expressos com o que foi produzido na literatura científica e o que o docente considera compatível com a aprendizagem do Ensino Médio. Por fim, a conotação envolve a associação com alguma significação maior, também chamado de conhecimento cultural por Barthes (2012). Isso envolve analisar se as representações produzidas têm alguma grande conotação demonstrada, que envolve o repertório de quem produziu os signos e o dos semiólogos.

DISCUSSÃO E RESULTADOS.

Para este artigo, vamos expor o resultado de dois grupos que apresentaram os temas de osmose e pressão alta e absorção de glicose. Nas imagens, estão marcados os conceitos essenciais

GRUPO A - OSMOSE E PRESSÃO ALTA.

Os estudantes do grupo A produziram um vídeo em que discutiam questões de saúde relativos ao excesso do consumo de sódio. Os três pontos analisados envolvem a representação da água, do sódio e da osmose. Os conceitos centrais que deveriam ser apresentados envolviam debater o que é a osmose, quais as razões do movimento da água e apresentar respostas sobre um caso concreto em questão, como dito, as relações entre o consumo de sódio a pressão alta.

Os estudantes apresentaram representações diferentes: a narração do vídeo, a linguagem escrita como apoio às legendas, imagens e animações. Temos uma mescla de representações canônicas, notadamente a imagem das diferentes concentrações (Figura 2), a hemácia perdendo água (Figura 3) e o uso de uma foto de saleiro (Figura 4). O grupo fez modificações na imagem da Figura 3, colocando "pontos" que representavam o sal fora da hemácia e adicionando gotas de água deixando a célula. Por fim, na Figura 5 temos uma representação própria, com a construção de uma analogia.  

Apresentaremos as análises das quatro imagens, da narração e da discussão em sala em um mesmo quadro. O conjunto de representações do Grupo A estão a seguir.


Figura 2: Frame do vídeo sobre diferentes meios. Grupo A


Figura 3: Frame da animação sobre Osmose.  Grupo A


Figura 4: Figura sobre sódio, frame da animação. Grupo A


Figura 5: Analogia sobre Osmose - Grupo A

A seguir, exporemos na forma de um quadro as análises da produção do Grupo A.


Quadro 2: Quadro analítico do Grupo A - Osmose e pressão alta

Na proposta grupo A, o tema da osmose e pressão alta foi representado por uma série de imagens próprias, alteradas e canônicas. Ainda como suporte, utilizaram de analogias verbais (descrito em 6D) e na figura 5. Essa analogia foi a do "roubo", que aparece como verbo explicativo e na imagem do processo osmótico. A analogia do roubo colabora com a explicação do fenômeno pois indica uma certa propriedade do soluto em questão, o sal, que se relaciona com algo da célula, a água. A intenção dos estudantes de combinar o choro do trauma de um assalto com a perda de água da célula, expressa que construíram uma relação genuína entre o fenômeno biológico e um suporte que colabora com a explicação desejada. 
 
Com o intuito de refinarmos as representações, como indicado pela multimodalidade. Começamos com uma discussão a respeito da figura 2, embora exista indicação da concentração dos diferentes meios, foi dialogado que é importante representar visualmente as diferentes concentrações. Os estudantes fizeram diversos desenhos em que colocavam moléculas de sal, açúcar, dentro e fora das células, de modo a expressar as distintas quantidades. Também foi discutido que as moléculas de soluto precisam aparecer dentro e fora da célula. Nas representações apresentadas havia uma tendência em apenas indicar poucas moléculas de sódio fora da célula, quando em meio hipertônico, e somente sódio dentro da célula, quando em meio hipotônico. Por fim, como um modo de maior refinamento da representação, também foram sugeridos símbolos, como flechas, que indicassem as diferentes direções que o movimento aleatório das moléculas pode realizar, para evitar uma concepção de direcionamento do conjunto de moléculas para algum sítio específico da membrana.
 
GRUPO B - ABSORÇÃO DE GLICOSE

Os estudantes tinham como objetivo explicar o processo de absorção da glicose da circulação para as células. Os conceitos centrais que foram analisados são as representações das proteínas de membrana, da difusão facilitada e da glicose.
As representações apresentadas pelos estudantes envolveram a narração do vídeo, legendas das imagens, modelos de membrana plasmática, uma analogia em forma de animação e uma analogia em forma de desenho estático.
A figura 6 tem a representação canônica de uma membrana plasmática, no momento em que ocorre a difusão facilitada de um monossacarídeo. A Figura 7 é o frame da animação, ressignificada em uma analogia construída e mostra um trem se chocando contra o túnel, fazendo uma analogia com o impedimento de passagem da glicose sem que tenha um receptor adequado. A figura 8 é uma representação própria, em que uma analogia do processo de difusão facilitada foi construída.

A seguir, as figuras utilizadas pelo Grupo B. Apresentaremos a análise de três imagens, da narração do vídeo e da discussão posterior em sala.


Figura 6: Frame do vídeo sobre o processo de difusão facilitada.


Figura 7: Frame do vídeo de um desenho.


Figura 8: Analogia sobre a absorção de glicose.

Segue a análise do Grupo B:


Quadro 3: Quadro Analítico do Grupo B - Absorção de Glicose

A apresentação do Grupo B revelou uma apropriação do uso intenso de analogias, os estudantes iniciaram o vídeo com uma representação canônica (Figura 6), demonstrando que o processo de absorção da glicose ocorre por difusão facilitada, mas em sequência, o recorte de um desenho animado mostra um trem chocando-se contra uma abertura da membrana plasmática, evidenciando que aquele não é uma proteína de membrana que possa transportar a glicose. Por fim, é apresentado outra analogia, uma glicose adentrando a célula em uma porta específica.

Iniciamos a discussão sobre a Figura 6, rememoramos algo debatido com o grupo anterior, que existem uma enorme quantidade de moléculas e que isso fosse relacionado ao conteúdo de química sobre os mols. Assim, é importante ressaltar que essas representações canônicas simplificam muito ao não representar mais moléculas exteriormente. Debatemos que a analogia do trem é válida para demonstrar que certas proteínas de membrana são incompatíveis e que há especificidade com o soluto. Foi apontado pelos estudantes que o "trilho do trem" expressa a ideia de um "guia" para algum lugar, o que está em contradição com a ideia de aleatoriedade das moléculas.

Por fim, apontamos que a proteína GLUT não recebeu essa denominação por "engolir moléculas", ressaltamos que é importante diferenciar uma possível associação com a onomatopeia "GLUP", mas que não é possível afirmar que o nome foi recebido por esse motivo. A analogia também mostra a glicose antropomorfizada com um código GLUT, o que daria acesso à porta, que é a entrada da célula. Um ponto relevante que foi ignorado pelo trabalho é a importância da molécula de insulina para que ocorra a passagem da glicose. Comentou-se a respeito da mudança de conformação espacial da proteína de membrana para que a difusão possa ocorrer.  

O refinamento do desenho envolveu dois conceitos: que fossem representadas várias moléculas de glicose em conjunto com a insulina ligada ao receptor de membrana. Também se discutiu que a absorção não era ambientada, não se demonstrava como a glicose era distribuída pelas artérias, veias e capilares, assim, finalizamos a atividade com alguns desenhos esquemáticos.

CONCLUSÕES

Dentro do objetivo proposto de promover um compartilhamento genuíno de conceitos, ao estimular os estudantes a refazerem os enunciados científicos dentro de seu campo conceitual, foi satisfatório o engajamento da produção de representações em variados modos, os estudantes fizeram um diálogo entre as representações canônicas e as próprias, inovando em usar analogias verbais, analogias em frames de desenho adaptados e analogias em imagem fixas. Com esse esforço em modificar imagens, a narração e os vídeos, podemos diagnosticar também os conceitos imprecisos e errados, e com isso, estabelecer um diálogo sobre eles, em uma fase de refinamento. Sobre esse último ponto, julgamos que mais tempo deveria ser dedicado a essa etapa de refinar, talvez fazendo com que a apresentação do trabalho ocorre antes e que uma etapa inteira, dispondo de mais tempo, seja utilizada para esmiuçar o que foi produzido.

Algo relevante sobre as analogias produzidas é o fato delas estabelecerem relações explícitas com os fenômenos em que eram ilustradas, essa diferença, por vezes sutil, é importante para que o estudante não substitua a analogia com o próprio fenômeno. Quando se apresenta uma relação, um "funcionar como", não significa dizer que o sal efetivamente rouba ou que há uma porta indicativa para glicose na membrana plasmática. É especialmente importante explicitar que os estudantes não podem trocar e se contentar com a analogia para explicar o fenômeno, ainda são imprescindíveis outras palavras, modelos e animações

Consideramos que no campo de produção das representações próprias, ainda há muito a ser detalhado sobre como expressar os complexos conteúdos de Biologia Celular, nos parece que as indicações de promover o uso de situações problema, ao invés de apenas indicar o fenômeno genericamente, e o uso de analogias, propicia maior possibilidade de coordenação com as representações canônicas. Concluímos que orientar as atividades a partir da multimodalidade em conjunto com o uso de analogias, ressaltando a necessidade dos momentos de discussão, refinamento e diálogo sobre as suas falhas e limites, promoveu participação na atividade e genuínos compartilhamentos de discurso.

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