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Revista electrónica de investigación en educación en ciencias

versión On-line ISSN 1850-6666

Rev. electrón. investig. educ. cienc. vol.17 no.1 Tandil jun. 2022

http://dx.doi.org/10.54343/reiec.v17i1.296 

Articulos

ANÁLISE DA RELAÇÃO PESSOAL DE ESTUDANTES DE UM CURSO DE GESTÃO COMERCIAL EM RELAÇÃO AO DOMÍNIO DA MATEMÁTICA FINANCEIRA

ANALYSIS OF THE PERSONAL RELATIONSHIP OF STUDENTS IN A COMMERCIAL MANAGEMENT COURSE IN RELATION TO THE DOMAIN OF FINANCIAL MATHEMATICS

ANÁLISIS DE LA RELACIÓN PERSONAL DE ESTUDIANTES DE UN CURSO DE GESTIÓN COMERCIAL EN RELACIÓN CON EL DOMINIO DE LAS MATEMÁTICAS FINANCIERAS

ANALYSE DE RAPPORT PERSONNEL DES ÉTUDIANTS DANS UN COURS DE GESTION COMMERCIAL EN RELATION AVEC LE DOMAINE DES MATHÉMATIQUES FINANCIÈRES

Valdir Bezerra dos Santos Júnior1 

Marlene Alves Dias2 

1 Universidade Federal de Pernambuco -UFPE, Av. Marielle Franco, s/n - Km 59 - Nova Caruaru, Caruaru, PE, 55014-900, Brasil.

2 Programa de Pós graduação em Ensino de Ciências e Matemática, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará, Brasil.

Resumo:

O objetivo da pesquisa foi identificar a relação pessoal de estudantes de um curso de Tecnologia em Gestão Comercial com o domínio da Matemática Financeira, observando ainda as práticas pedagógicas a que foram submetidos em sua vida escolar. Fundamentamos o trabalho naTeoria Antropológica do Didático (TAD),privilegiando as noções de relação pessoal, praxeologia, monumentalização dos saberes, razão de ser e as organizações didáticas Atividade de Estudo e Pesquisa (AEP) e Percurso de Estudo e Pesquisa (PEP). A natureza da pesquisa é qualitativa, e esse extrato baseia-se em dados coletados por meio de um questionário,cuja finalidade foiverificar se a Matemática Financeira desenvolvida na Educação Básica permite que estudantes de um curso de Gestão Comercialestejam preparados para compreender os novos conhecimentos necessários para que possam fazer escolhas adequadas à futura profissão. A análise mostrou que existem lacunas na formação do estudante, em relação ao domínio da Matemática Financeira, que dificultam o desenvolvimento profissional dessesestudantes. As dificuldades decorrem, tanto da ausência de conhecimento sobre o domínio da Matemática Financeira, quantoda suaabordagem,quando se consideram situações reais do campo profissional, pois essas exigem a articulação de conhecimentos de Matemática Financeira com conhecimentos específicos, que são distantes das vivências do cotidiano.

Palavras-chave: Matemática Financeira; Teoria Antropológica do Didático; Tecnologia em Gestão Comercial

Abstract

The objective of the research was to identify the personal relationship of students from a practical course in Commercial Management Technology headed by Financial Mathematics. We observed the pedagogical practices to which students were submitted in their school life. We base our work on the Anthropological Theory of Didactics (ATD), privileging the notions of personal relationship, praxeology, monumentalization of knowledge, raison d'être and didactical organizations such as Study and Research Activity (SRA) and Study and Research Path (SRP). The nature of the research is qualitative, and this extract is based on data collected through a questionnaire. Its purpose is to verify whether Financial Mathematics developed in Basic Education allows students in a Business Management course to understand the new contents needed for them to make appropriate choices for their future profession. The analysis showed that there are gaps in student education in relation to the domain of Financial Mathematics which hinder the professional development of these students. The difficulties arise both from the lack of knowledge in Financial Mathematics and from its approach when considering real situations in the professional field, as these require the articulation of knowledge of Financial Mathematics with specific knowledge, which are far from the students’ daily experiences.

Keywords: Financial Mathematics; Anthropological Theory of the Didactic; Commercial Management Technology

Resumen:

El objetivo de la investigación fue identificar la relación personal de los estudiantes de un curso de tecnología en gestión comercial con el dominio de la matemática financiera, observando también las prácticas pedagógicas a las que fueron sometidos en su vida escolar. Basamos el trabajo en la Teoría Antropológica de lo Didáctico (TAD) y las nociones de relación personal, praxeología, monumentalización del saber, razón de ser y organizaciones didácticas Actividad de Estudio e Investigación (AEI) y Recorrido de Estudio e Investigación (REI). La naturaleza de la investigación es cualitativa y se basa en datos recopilados a través de un cuestionario para realizar el análisis. En el análisis, fue posible observar brechas en relación al dominio de Matemática Financiera, que dificultan el desarrollo profesional de los estudiantes. Las dificultades se basan tanto en el desconocimiento del dominio de la matemática financiera, como en el abordaje de la matemática financiera considerando situaciones alejadas de las vivencias cotidianas.

Palabras clave: Matemática Financiera; Teoría Antropológica de lo Didáctico; Tecnología en la Gestión Comercial

Résumé:

L'objectif de la recherche était d'identifier lerapport personnel des étudiants d'un cours de Technologie en Gestion Commercial avec le domaine des Mathématiques Financières en observant également les pratiques pédagogiques auxquelles ils ont été soumis dans leur vie scolaire. Nous basons notre travail sur la Théorie Anthropologique du Didactique (TAD), privilégiant les notions de rapport personnel, de praxéologie, de monumentalisation des savoirs, de raison d'être et des organisations didactiques Activité d'étude et de recherche (AER) et Parcours d'étude et de recherche (PER). La nature de la recherche est qualitative, cet extrait est basé sur des données recueillies par le biais d'un questionnaire dont le but était de vérifier si les Mathématiques Financières développées dans l'enseignement de base permettent aux étudiants d'un cours de gestion d'entreprise d'être préparés à comprendre les nouvelles connaissances nécessaires afin de faire les bons choix lors de leur futur métier. L'analyse a montré qu'il existe des lacunes dans la formation des étudiants par rapport au domaine des Mathématiques Financières qui entravent le développement professionnel de ces étudiants. Les difficultés proviennent à la fois de la méconnaissance du domaine des Mathématiques Financières et de son approche lorsque l’on considère des situations réelles dans le domaine professionnel car celles-ci nécessitent l'articulation des connaissances des Mathématiques Financières avec des connaissances spécifiques qui sont loin des expériences du quotidien.

Mots clés : Mathématiques Financières; Théorie Anthropologique du Didactique; Technologie en Gestion Commercial

INTRODUÇÃO

Este trabalho é parte de uma pesquisa desenvolvida em nível de doutorado; logo,apresentamos apenas um recorte da pesquisa. A pesquisa teve como motivações pessoais as experiências no ensino do componente curricular de Matemática Financeira em cursos superiores de Tecnologia, que têm como principal característica a curta duração, quando comparados aos cursos de Licenciatura e Bacharelado, pois são indicados para a formação de profissionais de áreas que correspondem a necessidades de determinada região por certo tempo.

A experiência vivenciada, ao lecionar nos cursos, fez com que, tacitamente, verificássemos que o componente curricular de Matemática Financeira precisava aproximar-se mais das noções que envolviam os objetivos dos cursos,nosquais era proposta. Iniciamosa reflexão considerando o curso de Gestão Comercial e outros e nos apoiamos na seguinte questão: Será que as situações propostas para o ensino de Matemática Financeira neste curso são as mesmas que para o curso de Matemática ou Ciências Atuariais?

Não é nosso objetivo aqui responder ao questionamento, mas refletir sobre o tema, sendo assim, conseguimos observar, por meio da identificação em livros didáticos em vigor e indicados em planos de ensino de Matemática Financeira de cursos de formação de tecnólogos, por exemplo, os livros de Hazzan&Pompeo (2007), Puccini (2004) Iezzi,Hazzan&Degenszajn (2004). O estudo desse material mostrou que não há uma variedade de situações que contemplem todas as áreas nas quais a Matemática Financeira é ensinada no Ensino Superior, isto é, parece ser deixada principalmente a cargo do professor a abordagem de situações específicas relacionadas às possíveis aplicações para os diferentes cursos.

Diante desta constatação e aliada às experiências vivenciadas, na tese, buscamos propor uma situação didática que aproximasse as temáticas abordadas, especificamente para um curso de tecnólogo em Gestão Comercial e assim procurar dar sentido a sua abordagem. Como já anunciado, este trabalho é um recorte da pesquisa desenvolvida em uma tese, na qual foram realizadas outras análises, a saber: análise de livros didáticos, análise das práticas de um profissional da área de gestão comercial, análise a priori da situação didática proposta e também análise a posteriori de uma engenharia didática tipo Percurso de Estudo e Pesquisa, na sequência PEP, desenvolvida com um grupo de estudantes matriculados no componente curricular Matemática Financeira e que participaram da intervenção.

Neste extrato de pesquisa, tratamos particularmente da análise das relações pessoais passadas e presentes dos estudantes que participaram da pesquisa.O objetivo foi identificar a relação pessoal de estudantes de um curso de Tecnologia em Gestão Comercial com o domínio da Matemática Financeira, observando ainda as práticas pedagógicas a que foram submetidos em sua vida escolar.

Destacamos que a expressão relação pessoal é melhor definida em nosso arcabouço teórico, mas em linhas gerais é um dos componentes da Teoria Antropológica do Didático (TAD) (Chevallard, 1992, 1994), que trata sobre o conhecimento dos indivíduos em função das suas sujeições passadas e presentes sobre determinado domínio, no caso, a Matemática Financeira.

A justificativa para realizar a análise da relação pessoal dos estudantes antes da aplicação da situação didática proposta, fundamentou-se na necessidade de compreender quem eram os participantes e sobre quais conhecimentos prévios podíamos nos apoiar, ou seja, procuramos compreender suas experiências sobre setores e temas associados ao domínio da Matemática Financeira e as práticas pedagógicas vivenciadas, o que auxiliou no planejamento deum cenário de possibilidades para aproveitar as condições e tentar contornar as possíveis restrições já institucionalizadas na formação escolar desses estudantes.

Quando nos referimos à formação escolar dos estudantes, estamos considerando todo o processo vivenciado na Educação Básica e, mais especificamente, aos conhecimentos prévios sobre Matemática Financeira desenvolvidos e aprendidosnesse período escolar. Observamos que o ensino das noções associadas ao domínio da Matemática Financeira é sugerido desde o Ensino Fundamental - Anos Iniciais, como indicado no Parâmetro Curricular Nacional (PCN) (Brasil, 1997).

A proporcionalidade, por exemplo, está presente na resolução de problemas multiplicativos, nos estudos de porcentagem, de semelhança de figuras, na matemática financeira, na análise de tabelas, gráficos e funções (Brasil, 1997, p. 38).

Verificamos que,nessa etapa escolar, a Matemática Financeira deve ser ensinada no contexto do trabalho com a Proporcionalidade e tal orientação prossegue na etapa dos Anos Finais, com uma ampliação da proposta de seu ensino, que supõe a aplicação da Matemática em situações do cotidiano, como indicado no PCN (Brasil, 1998).

Para compreender, avaliar e decidir sobre algumas situações da vida cotidiana, como qual a melhor forma de pagar uma compra, de escolher um financiamento etc., é necessário trabalhar situações-problema sobre a Matemática Comercial e Financeira, como calcular juros simples e compostos e dividir em partes proporcionais, pois os conteúdos necessários para resolver essas situações já estão incorporados nos blocos (Brasil, 1998, p. 86).

No Ensino Médio, esse estudo avança com a ampliação da indicação do ensino da Matemática Financeira, quando considera a possibilidade de realizar o estudo intramatemático, isto é, relacioná-la com os temas de funções afim, exponencial e logarítmica, segundo indicações dos Parâmetros Curriculares Nacionais + (PCN +) (Brasil, 2002) eOrientaçõescurriculares para o ensino médio(OCEM)(Brasil, 2006).

Em linhas gerais, observamos que, nos documentos norteadores da Educação Básica no Brasil, fica evidente a necessidade do ensino da Matemática Financeira e, com isso, partimos da conjectura de que os estudantes que foram submetidos à pesquisa já tinham, de alguma forma, sido apresentados ao domínio da Matemática Financeira.

Na perspectiva da presença da Matemática Financeira em cursos superiores de Tecnologia, podemos, a partir do trabalho Rosetti Junior, Santiago &Schimiguel (2013), afirmar que, na área de gestão e negócios, a Matemática Financeira está presente, e possivelmente isso se dá pela presença dos conteúdos exigidos no Exame Nacional do Desempenho dos Estudantes (ENADE), ao qual os cursos são submetidos para serem avaliados.

O objetivo do trabalho de Rosetti Junior, Santiago &Schimiguel (2013, p. 216) foi “debater e refletir aspectos e características curriculares dos cursos superiores de tecnologia em uma instituição de ensino particular tecnológico no Estado do Espírito Santo”. Neste sentido, após a análise das diretrizes curriculares para esses cursos e considerando também o caso de uma faculdade do Estado citado, os autores indicam que os cursos da área de gestão e negócios:

ENT#091;...ENT#093; seguem uma estrutura curricular definida essencialmente pelo MEC. Entretanto, observou-se que, nos currículos, o temamatemática financeira não aparece como uma disciplina nos módulos básicos, sendo trabalhada dentro da disciplina de Métodos Quantitativos como mais um conteúdo no rol de outros conhecimentos matemáticos (Rosetti Junior, Santiago &Schimiguel, 2013, p. 226).

Tal constatação torna-se interessante por trazer diferença em relação à universidade em que desenvolvemos a pesquisa, cujo currículo, para os cursos de gestão e negócio, contemplava a disciplina Matemática Financeira.

Podemos ainda considerar o trabalho de Rosetti &Schimiguel (2011), que estuda a bibliografia utilizada nos cursos superiores de Tecnologia brasileiros, com o objetivo de “analisar e discutir a matemática financeira e os conhecimentos financeiros presentes (p.1)”. Em suas análises, eles destacam que a bibliografia adotada por duas faculdades que fizeram parte do universo da pesquisa não “oferece aplicações importantes de cálculos matemáticos na área financeira nem aborda exemplos de aplicações da matemática financeira em questões do diaadia (p.6)”, o que reforça a nossa percepção, exposta no início do texto, relacionada à falta de situações com sentido para os cursos de formação de tecnólogos.

A seguir, trazemos elementos teóricos utilizados na pesquisa.

ASPECTOS TEÓRICOS

Iniciamos esta parte do trabalho explicitando o que consideramos quando tratamos sobre o objeto Matemática Financeira. Em linhas gerais, podemos afirmar que o domínio da Matemática Financeira contempla a observação das grandezas monetárias ao longo do tempo (Lima, Carvalho, Wagner & Morgado, 2006; Assaf Neto, 2009). Partindo dessa ideia e das noções comumente associadas, como taxas, juros, juros simples, juros compostos etc., realizamos a análise dos dados.

Ainda para fundamentar a análise dos dados, utilizamos noções da Teoria Antropológica do Didático (TAD) (Chevallard, 1991, 1994, 2003, 2007,2009), privilegiando as noções de: relação pessoal, praxeologia, paradigmas da monumentalização dos saberes e de questionamento do mundo, Percurso de Estudo e Pesquisa (PEP), Atividades de Estudo e Pesquisa (AEP), complementadas pela noção de Contrato Didático (BROUSSEAU, 1998).

Para definir a noção de relação pessoal, é preciso primeiro explicitar que objeto é “toda entidade material ou imaterial, que existe para ao menos um indivíduo” (Chevallard, 2003, p.1), ou seja, tudo é objeto na TAD. Podemos considerar que as interações que um indivíduo tem com um objeto determinam sua relação pessoal com esse mesmo objeto (Chevallard, 2003).

Desse modo, identificar as práticas pedagógicas remete à ideia de descobrir a quais paradigmas de escola os estudantes que participaram da pesquisa foram submetidos nos processos de ensino e aprendizagem de Matemática Financeira. Segundo Chevallard (2015), existe o paradigma escolar de visita das obras ou monumentalização dos saberes. Neste, as obras são visitadas com deferência, comparadas a um monumento sem utilidade ou com raros empregos danosos, por exemplo:

A fórmula de Heron para a área de um triângulo - é abordada como um monumento que por si só, espera-se que os alunos admirem e desfrutem, mesmo quando quase nada se sabe sobre suas razões de ser, agora ou no passado (Chevallard, 2015, p. 175 - grifo do autor e tradução nossa).

Práticas pedagógicas comuns desse tipo de paradigma são reconhecidas a partir da abordagem de situações que não fazem sentindo para o estudo de determinado tema, em particular para um determinado público, pois as situações matemáticas são desvinculadas de sua razão de ser. Desse modo, cabe ao professor propor os questionamentos, pois, em geral, as atividades propostas trazem uma única e “verdadeira” resposta, que não pode ser questionada ou que podemos também indicar fazer parte do contrato didático (Brousseau, 1998)1 habitual da escola.

Bosch&Gascón (2010) alertam que é preciso entender as dificuldades dos estudantes,quando da aprendizagem de uma noção, o que os conduz a explicitarem que não basta considerar os aspectos cognitivos, mas precisamos nos questionar sobre o papel que a noção considerada representa em diferentes atividades (matemáticas ou não).

Desse modo, os autores referem-se à transposição didática, mais particularmente, ao “saber a ensinar” (indicado pelos especialistas, descrito e especificado no conjunto de textos oficiais, exemplo: diretrizes curriculares, planos de ensino, livros didáticos entre outros), para explicitar que não basta questionar o saber a ensinar, mas é preciso considerar o contexto ou problemática a que se refere de forma a compreender por que esse saber está inserido no currículo.

Esta análise do saber a ensinar não permite prever a “razão de ser” de determinada noção no currículo, uma vez que essa última depende do contexto, da problemática e da função desse saber nas tarefas (matemáticas ou não) que têm um papel importante na sociedade, pois é essa mesma sociedade que, em geral, justifica e legitima a escolha do saber a ensinar.

Para confrontar a monumentalização dos saberes, Chevallard (2015) sugere o paradigma do questionamento do mundo, que indica a importância de a escola considerar que deva estar empenhada em formar um cidadão herbartiano, procognitivo e exotérico. Herbatiano no sentido de estar aberto a responder questionamentos e não fugir deles; procognitivo é avançar em relação aos saberes produzidos no passado e estar disposto a buscar soluções para problemas atuais e futuros; e “exotérico, aquele que precisa estudar e aprender indefinidamente e nunca alcançará o status indescritível de esotérico (Chevallard, 2015, p. 182)”.

Um exemplo com que nos confrontamos a partir de 2020 é a pandemia da COVID-19, que impôs aos cientistas do planeta Terra a utilização do paradigma do questionamento do mundo. Trata-se de um novo problema, que conduz a questionamentos constantes de modo a encontrar soluções que se colocam por meio de novas questões que surgem durante a procura de soluções para um problema desconhecido, o que mostra a necessidade de estudo e pesquisa, indicando assim que a aprendizagem é constante e indefinida.

Esse novo paradigma, contrário às práticas pedagógicas comuns centradas no paradigma de visita as obras, elucida a razão de as situações abordadas na escola precisarem fazer sentido para o estudo de algo; privilegia-se não só questões matemáticas por elas mesmas, mas a razão de ser de serem estudadas. Desse modo, em relação à prática da sala de aula, o professor não tem exclusividade na proposição de questões; logo, compartilha dessa responsabilidade com os estudantes; não se busca uma única resposta “verdadeira”, mas uma resposta que devido ao estudo do questionamento, justifica-se e que pode variar, dependendo de quem a estudou, o que renegocia o contrato didático habitual.

Para que essas novas práticas pedagógicas possam ser contempladas, é preciso uma mudança de ordem didática, ou seja, a escola não pode continuar dando respostas prontas para o desenvolvimento do estudo nas diferentes disciplinas, mas é preciso dar sentido ao estudo proposto. Nesse caminho, Chevallard (2007) propõe duas organizações didáticas: Atividade de Estudo e Pesquisa (AEP) e Percurso de Estudo e Pesquisa (PEP).

A organização didática AEP é aquela na qual o foco é o estudo e a pesquisa de uma questão geradora. Tomando como exemplo uma sala de aula, podemos dizer que o sistema didático é composto por alunos, professor e uma questão disciplinar Q ampla e com alto poder gerador de outros questionamentos, isto é, questões que incentivem o estudo e a pesquisa para respondê-las. Numa AEP, o professor assume o papel de orientador, compartilhando os papéis na busca pela aprendizagem, auxiliando nas decisões de caminhos a serem tomados, para os quais os estudantes podem utilizar diferentes fontes.

O que difere entre a organização didática AEP e o PEP é a disciplinaridade. No PEP, a questão Q tem uma abordagem mais ampla, podendo envolver outros temas de diferentes áreas (Marietti, 2009). Isto quer dizer que ela não se restringe a uma disciplina, por exemplo, a Matemática, pois extrapola os limites disciplinares e a busca da resposta à questão Q,fazendo com que não seja possível respondê-la considerando uma única área do conhecimento.

Para avançar na apresentação dos constructos teóricos, apresentamos o conceito de praxeologia. Para Chevallard (1998), toda a atividade humana pode ser estabelecida por meio de uma praxeologia, isto é, uma ferramenta que possibilita modelar as práticas, tanto em sua dimensão material, quanto dos saberes a ela associados. Ela é composta por dois blocos, um associado ao saber fazer (tipos de tarefas (T) e técnicas (σ)) e outro ao saber (tecnologia (θ), teoria (Θ)), sendo o bloco do saber que explica, justifica e torna compreensíveis a técnica e a tecnologia.

ELEMENTOS METODOLÓGICOS

A pesquisa tem natureza qualitativa e segue o método da pesquisa documental de caráter exploratório, segundo Ludke& André (2013), pois a análise dos documentos permite explorar problemas por meio de outros métodos. No presente caso, utilizou-se o método da pesquisa explicativa, que consistiu no estudo da relação pessoal desenvolvida pelos estudantes em relação à Matemática Financeira na Educação Básica por meio de um questionário construído para esse fim.

Em função do objetivo destacado neste extrato de pesquisa, consideramosa necessidade de aplicação deste questionário uma vez que o estudo documental mostrou uma divergência entre os documentos oficiais da Educação Básica e os livros didáticos construídos a partir destes documentos. Ressaltamos aqui que o ensino da Matemática Financeira desenvolvido nos livros didáticos para a Educação Básica é centrado nas definições de juros simples e compostos, com ênfase no estudo da regra de três para o Ensino Fundamental e na articulação entre Função Afim e Função Exponencial no Ensino Médio, enquanto os documentos oficiais preconizam a importância de uma abordagem que leve em conta situações visando à formação do cidadão (Santos Júnior, Dias &Guadagnini, 2017). Esperamos que o questionário forneça indícios da relação pessoal desenvolvida pelos estudantes o que auxilia a compreender que conhecimentos prévios são disponíveis e aqueles que precisam ser revisitados por meio de AEP quando do desenvolvimento do PEP.

Os participantes da pesquisa foram 53 estudantes do curso de gestão comercial matriculados no componente curricular Matemática Financeira em uma universidade particular do estado de São Paulo. Os estudantes, na maioria, estavam cursando pela primeira vez o Ensino Superior. Apenas dois já haviam concluído outro curso do Ensino Superior (Nutrição e Direito), entre oito que já haviam iniciado algumas vezes o curso desse nível.

Importante destacar que 43 dos estudantes estavam com a idade acima dos 22 anos, o que pode indicar que passaram algum tempo sem estudar e estavam retornando ao ambiente acadêmico em busca da formação superior.

Sobre a ferramenta de coleta de dados, o questionário construído para esse fim era composto de 12 questões de múltipla escolha. Sendo que em 9 delas, só era possível marcar uma alternativa e,em3 delas, mais de uma alternativa com a possibilidade de adicionar outras não contempladas.

A análise deste questionário foi organizada de forma a fornecer subsídios para implementação do PEP, pois se trata de uma metodologia de ensino em que seu desenvolvimento está centrado no trabalho de pesquisa desenvolvido pelos estudantes, que será orientado pelo pesquisador/professora partir de questões propostas por eles, quando esses apresentarem dificuldades em encontrar uma resposta ou colocar novos questionamentos, o que conduz a necessidade do pesquisador/professor conhecer as praxeologiasmatemáticas e didáticas (Chevallard, 1998) disponíveis para o grupo participante da pesquisa.

Sendo assim, apresentamos as questões e as respectivas análises destacando o objetivo de cada questão, seja ela numa perspectiva didática ou matemática, pois elas foram construídas para nos auxiliar a compreender os possíveis limites dos estudantes em relação ao desenvolvimento do PEP, o que auxilia o pesquisador/professor a preparar sua intervenção quando necessário.

A seguir, apresentamos o questionário com o objetivo de cada questão.

ANÁLISE DO QUESTIONÁRIO

Procedemos à análise do questionário de acordo com o objetivo das questões propostas, que podem ser apresentadas em conjunto. Análise das questões 1 e 2.

4.1 Questões 1 e 2

O objetivo das questões 1 e 2 foi identificar se os estudantes tiveram aulas de Matemática Financeira na Educação Básica. Contrariando a indicação dos documentos norteadores da Educação Básica, contabilizamos que apenas 17 dos 53 (32%) estudantes indicaram que tiveram aula de Matemática Financeira na Educação Básica.

Quadro 01 - Questões 1 e 2

Fonte: A pesquisa (2017).

Salienta-se que oito estudantes indicaram que não se recordavam, mesmo assim, o número de estudantes ainda é pequeno, quando consideramos que os documentos oficiais indicam o ensino do domínio da Matemática Financeira desde os anos finais do Ensino Fundamental. Isto é preocupante, pois nessa nova etapa, é preciso tratar setores e temas da Matemática Financeira que deveriam ter sido desenvolvidos na Educação Básica, o que influi diretamente na introdução de novos saberes e, consequentemente, na aplicação dos conhecimentos dos estudantes, o que pode dificultar o desenvolvimento da dinâmica de se colocar questões e procurar respostas protagonizadas pelo grupo de estudantes que estão desenvolvendo o estudo e pesquisa por meio do PEP.

4.2 Questão 3

O objetivo da questão 3 era verificar quais são as dinâmicas de aula a que os estudantes foram submetidos no contexto de aulas de Matemática Financeira na Educação Básica. Apenas os 17 estudantes que tiveram aula de Matemática Financeira na Educação Básica poderiam respondê-la. Os outros não dispunham de elementos para dar uma resposta.Esse resultado mostra a importância do pesquisador/professor estar atento às dificuldades dos estudantes para garantir a participação do grupo.

Duas foram as variáveis analisadas nessa questão. Uma indica o compartilhamento das funções didáticas em sala de aula e a outra referia-se ao tipo de questões a que os estudantes foram submetidos no ensino de Matemática Financeira.

No primeiro extrato da questão 3, explicitada no quadro 02, podemos verificar a frequência das respostas que foram marcadas pelos estudantes e organizamos as alternativas em dois blocos, a saber: contrato didático habitual e não habitual.

Quadro 02 -Primeira parte da questão 3 efrequência das respostas

Fonte: A pesquisa (2017).

Ressaltamos que, no contrato didático habitual, o professor é responsável pela gestão das ações didáticas e escolha das tarefas, eno contrato didático não habitual, há um compartilhamento dessas, por exemplo, na frequência das alternativas da primeira parte da questão três,isso fica explícito no que concerne a compartilhar a gestão da ação didática, que parece estar sempre a cargo do docente.

A ideia do compartilhamento da ação didática e da escolha das tarefas acontece quando da utilização das organizações didáticas AEP e PEP, logo, forma-se uma “comunidade de estudo” (RODRÍGUEZ, BOSCH, e GASCÓN, 2007). Na outra parte da questão 3 do questionário, foi possível verificar a que tipos de questões os estudantes foram submetidos.Vejamos as alternativas e a frequência das respostas no quadro 3.

Quadro 03 - Segunda parte da questão 3 e frequência das respostas

Fonte: A pesquisa (2017).

Observamos que a categorização realizada no extrato destacado no quadro 3 foi: questões típicas e não típicas. A primeira são questões frequentemente encontradas nos livros didáticos e cuja abordagem dá ênfase à simbologia matemática em detrimento do trabalho com aplicações em situações reais. Nesse caso, a Matemática Financeira é utilizada para justificar a noção matemática, perdendo suas próprias características.

O que consideramos como questões não típicas são aquelas nas quais se buscavam situações associadas ao saber e às práticas sociais da Matemática Financeira. Além disso, precisariam poder ser trabalhadas por meio de diferentes métodos e práticas, como as do mercado financeiro, características estas privilegiadas no desenvolvimento de AEP e PEP. Observando a frequência das respostas no quadro 3, podemos inferir que os estudantes foram submetidos a questões que privilegiavam os procedimentos matemáticos, isto é, a Matemática Financeira, servindo apenas de suporte para o desenvolvimento de técnicas matemáticas, em geral, distantes das práticas sociais.

Além disso, nos surpreendeu a frequência observada na letra M, pois os estudantes indicam que as questões propostas abordavam situações do dia a dia. Tal constatação poderia ser questionada, porque, por exemplo, quando consideramos o ensino de juros simples na Educação Básica e buscamos situações associadas a este tema, poucas são as situações que podemos utilizar desse regime de capitalização de juros.

Dessa forma, poderíamos questionar se as situações propostas são realmente do dia a dia ou apenas pretextos para o ensino de juros simples. No entanto, com base nos dados aqui explicitados, não podemos extrair essa conclusão.

4.3 Questão 4

O objetivo desta questão foi verificar qual a relação pessoal sobre Matemática Financeira de que os estudantes dispunham. No quadro 4, as alternativas de A a C focam numa relação pessoal por meio de fórmulas matemáticas e nas alternativas D a F, uma relação focada na definição de Matemática Financeira na observação da grandeza monetária ao longo do tempo (LIMA et al., 2006).

Quadro 04 - Questão 4 e frequência das respostas

Fonte: A pesquisa (2017).

Diante da frequência das repostas, podemos verificar que as alternativas de A à C foram assinaladas 70 vezes e as alternativas de D à F, 76 vezes. Isto sinaliza que, além de a relação pessoal com o objeto Matemática Financeira estar muito fortemente ligadaà questão das fórmulas, os estudantes também conseguem associar a ideia de grandeza monetária ao longo do tempo. Por fim, observamos ainda que não houve acréscimo de alternativas, mesmo sendo uma opção dada aos estudantes nesta questão.

4.4 Questões 5 e 6

Quadro 05 - Questões 5 e 6 e frequência das respostas

Fonte: A pesquisa (2017).

As questões 5 e 6, expostas no quadro 5, remetem à utilização da Matemática Financeira, respectivamente, no dia a dia dos estudantes e na sua futura profissão (gestor comercial). Sobre a frequência das respostas, observamos, nos dois casos, que menos da metade acredita que saberiam utilizar a Matemática Financeira, seja no dia a dia ou em sua profissão.

Confrontando com os dados da análise das questões 1 e 2, que buscavam saber se o estudante havia tido aula de Matemática Financeira na Educação Básica e que foi constatado que apenas 17 estudantes deram uma resposta positiva, verificamos que o número de estudantes que se consideram aptos a utilizar a Matemática Financeira em ambos os casos é maior, o que demonstra um resultado peculiar, provavelmente associado às quatro semanas de participação na disciplina Matemática Financeira antes da aplicação do questionário.

4.5 Questão 7

Com o objetivo de especificar com mais detalhes a relação pessoal que os estudantes tinham com a Matemática Financeira, buscamos compreender como eles utilizam as noções que reconhecem como pertencentes a esse domínio.

Quadro 06 - Questão 7 e frequência das respostas

Fonte: A pesquisa (2017).

Observando as justificativas dadas às 24 respostas “Sim”, podemos afirmar que os estudantes associam as noções de Matemática Financeira a questões profissionais e pessoais, por exemplo, o Estudante 4 afirma: “Quando comprei um carro e precisei financiá-lo”, situação diretamente associada a uma questão de cunho pessoal. Já o Estudante 16 afirma: “Trabalho com vendas de veículos, utilizo cálculo de financiamento”. Em geral, observamos nas respostas dos estudantes que eles não se preocupam em aprofundar as noções da Matemática Financeira. Poucos foram os que citaram diretamente as noções de juros compostos, taxas de juros, parcelas etc. O foco maior é informar a operação financeira realizada, a saber: empréstimo, financiamentos e investimentos, o que corroboraa hipótese de que os conhecimentos por eles adquiridos são em função de práticas pessoais (empréstimos) e profissionais, com poucas possibilidades de reflexão sobre a ampliação de conhecimentos de Matemática Financeira.

Além disso, por vezes, eles confundem a Matemática Financeira com uma Matemática Comercial e podemos exemplificar esta situação com a resposta do Estudante 40: “Trabalho com resultados de venda interna e desempenho de fornecedores tabelas de preços.” Notamos que aqui não parece estar havendo a observação do dinheiro ao longo do tempo, característica principal da Matemática Financeira.

4.6 Questões 8, 9 e 10

Neste tópico, analisamos em conjunto as questões 8, 9 e 10. Esse procedimento deveu-se ao fato de que as questões 8 e 9 buscam a informação se os estudantes já haviam estudado, especificamente, as noções de juros simples e compostos. Além disso, a questão 10 é complementar, pois pede a explicação sobre as noções de juros simples e compostos.

Quadro 07 - Questões 8, 9 e 10

Fonte: A pesquisa (2017).

Em relação às questões 8 e 9, contabilizamos que 16 estudantes indicam terem estudado as noções de juros simples e compostos. Lembrando que 17 estudantes haviam indicado terem participado de aulas de Matemática Financeira e juntando aos dados dessas questões, podemos inferir que há um problema, quando nos lembramos das orientações dos documentos oficiais que fundamentam a Educação Básica. Verificamos que, nas respostas dos estudantes, as orientações dos documentos parecem não ter sido seguidas e os dados das questões 8 e 9 confirmam essa constatação, quando também são especificadas as noções associadas juros simples e compostos.

Na questão 10, nosso objetivo era identificar a relação pessoal que os estudantes tinham com as noções de juros simples e compostos, mesmo aqueles que responderam que não haviam estudado, pois essas noções também são divulgadas ou pelo menos comentadas em diversas situações além da sala de aula, como: reportagens, sítios de internet, conversas informais etc. Além disso, como os estudantes estavam matriculados em um componente curricular de Matemática Financeira no curso de graduação, o professor já havia apresentado as duas noções a eles, isto é, mesmo que fossem noções recém-oferecidas, eles poderiam trazer indícios do que entendiam dessas noções.

Para essa questão, assumimos que os estudantes priorizariam relacionar juros simples e compostos utilizando as representações algébricas, no entanto as respostas coletadas mostraram que houve o privilégio das justificativas em língua natural. As respostas coletadas não são uniformes e então decidimos classificá-las em grupos, de acordo com o regime de capitalização. Primeiramente, sobre o regime de juros simples, conseguimos identificar três categorias. Associamos a letra S a um número para identificar as categorias, logo, temos S1, S2 e S3, que estão apresentadas no quadro 08.

Quadro 08 - Categorias identificadas nas respostas da questão 10 para o regime de capitalização simples

Fonte: A pesquisa (2017).

A frequência das respostas de S1, S2, e S3 foi de, respectivamente, 23, 01 e 12. No quadro 09, podemos observar alguns trechos dos questionários dos estudantes que exemplificam as categorias S1 e S2.

Quadro 09 - Trechos de respostas das categorias S1 e S2

Fonte: A pesquisa (2017).

Identificamos, a partir da análise da questão 10, no que se refere aos juros simples, que os estudantes mostram reconhecê-los retomando a ideia de um valor constante e de que o valor é fruto da incidência da taxa de juros sobre o capital inicial. Sugerimos que essa percepção poderia ajudar a entender os juros compostos, mostrando que os juros simples constituem um caso específico, no qual o valor periódico dos juros rende só no primeiro mês.

Continuando a análise da questão 10, podemos identificar três categorias para as explicações sobre a noção de juros compostos. Para nomear as categorias, igualmente como nos juros simples, adotamos uma letra e um número, isto é, como: C1, C2 e C3.

Quadro 10 - Categorias identificadas nas respostas da questão 10 para o regime de capitalização composto

C1: Fazer referência à situação “juros sobre juros” e/ou explicitar que os juros produzidos com a incidência da taxa não são constantes.

C2: Como uma fórmula para calcular valores de tempo, taxa, etc., entende os juros compostos como uma fórmula para calcular valores.

C3: Não explicou o que seriam juros compostos - não respondeu de forma clara o que seriam juros compostos e/ou desconsiderou o que havia sido

perguntado.

Fonte: A pesquisa (2017).

No quadro 10, encontramos a descrição das categorias. Em relação à frequência das respostas associadas às categorias,na categoria C1, tivemos 24 respostas; em C2, 2 respostas e C3, 10. Tal situação indica um predomínio das ideias que: juros compostos não são constantes e representam “juros sobre juros”.

Quadro 11 - Trechos de respostas da categoria C1

Fonte: A pesquisa (2017).

Esclarecemos que, na resposta do estudante 15, no quadro 11, mesmo indicando a ideia de juros sobre juros, ele não deixa claro se consegue compreender que, no próximo mês, a taxa de juros não incidirá sobre os R$ 20,00 e sim em R$ 40,00. Fazemos este destaque, pois é comum tal situação, ou seja, a dúvida sobre em qual capital a taxa de juros incidirá a cada período de incidência.

4.7 Questão11

O objetivo desta questão era verificar o reconhecimento de juros simples e compostos em operações financeiras e a capacidade de identificar o regime de capitalização que estava atrelada à operação financeira. No cenário de 53 respostas, observamos que 06 estudantes afirmaram não recordar se haviam feito alguma operação em que incidiam juros, 07 afirmam que fizeram operações em que não incidiam juros e 40 indicam que fizeram alguma operação em que incidiam juros.

Quadro 12 - Questão 11

Fonte: A pesquisa (2017).

Considerando a resposta dos estudantes que afirmam terem realizado operações sem incidência de juros, ressaltamos que os juros costumam estar presentes em operações financeiras, mesmo que na propaganda da operação seja indicado que não existem juros. Por exemplo, ao utilizar o cartão de crédito para realizar uma compra, podemos considerar que estamos tomando um empréstimo à administradora do cartão e mesmo que o lojista informe que a compra é sem juros, isso na maioria das vezes, não representa a verdade, porque os juros devem ser pagos à administradora do cartão pelo empréstimo e a loja repassa este valor já no preço do produto. Levando em consideração este simples exemplo, acreditamos que entre os sete que responderam não ter realizado operações com a incidência de juros, existem aqueles que não conseguiram reconhecer operações como a do exemplo.

Em relação aos 40 estudantes que manifestaramteremfeito operações financeiras com incidência de juros, 29 informaram que a operação realizada foi a de empréstimo e 11 operações de financiamento. Entre os que indicaram a operação de empréstimo, 14 registraram não saber a que tipo de juros eram submetidos, 3 indicam que são juros simples e 12 afirmam ser juros compostos. Esses números revelam que a maioria dos estudantes não consegue identificar o regime de capitalização dos juros nas operações financeiras, o que pode potencializar o seu endividamento, pois não compreende a metodologia de incidência da taxa de juros em diferentes situações, por exemplo, como as que utilizam o juro composto para operações de empréstimo.

4.8 Questão12

Com o objetivo de identificar se os estudantes conseguem verificar a utilização da Matemática Financeira na futura profissão de gestor comercial, ressaltamos que apenas três estudantes indicam não acreditar que a utilizarão em sua profissão e outros três não responderam.

Quadro 13 - Questão 12

Fonte: A pesquisa (2017).

Os 47 estudantes que responderam que acreditam na utilização da Matemática Financeira em sua profissão trouxeram perspectivas diferentes para descrever como se daria o seu uso. O que é possível inferir das respostas é que esses estudantes não conseguem compreender qual o objetivo da Matemática Financeira,se consideramosas ideias de Lima et al. (2006) sobre o tema. Vejamos, no quadro 14, as categorias identificadas e a frequência delas.

Quadro 14 - Categorias dos dados da questão 12 e sua frequência

A. Economia: remetem a ideia da Matemática Financeira a questões econômicas, como minimizar prejuízos, maximizar lucros etc; (9)

B. Matemática Financeira: remetem suas ideias à observação do dinheiro ao longo de um tempo; (9)

C. Economia e Matemática Financeira: consideram as duas categorias anteriores como uma só; (9)

D. Estatística: remetem as decisões baseados em dados estatísticos; (1)

E. Não sabe como irá utilizar, não especificou a utilização e/ou não foi claro como iria utilizar.(19)

Fonte: A pesquisa (2017).

Observamos, no quadro 14, que a categoria E foi a mais contabilizada, o que mostra uma dificuldade em explicitar como a Matemática Financeira será utilizada em sua profissão. Em relação às outras categorias, ressaltamos que apenas nove estudantes conseguem remeter a ideia da Matemática Financeira à observação do dinheiro ao longo do tempo, as outras categorias trazem equívocos em relação à própria definição de Matemática Financeira ou não conseguem separar a Matemática Financeira de uma de suas áreas, como foi o caso da economia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Iniciamos observando que as relações pessoais dos estudantes do curso Tecnologia em Gestão comercial que participaram da pesquisa sobreo domínio da Matemática Financeira para a formação profissional em Gestão Comercialestão distantes deserem adequadas para a introdução e o desenvolvimento de novos conhecimentos sobre o tema, em particular aqueles mais específicos para a formação de futuros gestores na área, levando-nos a reconhecer a necessidade de um trabalho que desenvolva os conhecimentos prévios que se supõem necessários e que sejam possíveis de serem mobilizados no Ensino Superior.

As respostas encontradas no questionário indicam que os estudantes não são capazes de abordar questões profissionais e cotidianas que exigem conhecimentos que extrapolam o discurso não argumentado das técnicas matemáticas associadas ao cálculo de porcentagem, sem explicitar como associar as técnicas matemáticas com as práticas sociais utilizadas profissionalmente e no cotidiano.

Sendo assim, pontuamos ainda que as práticas pedagógicas desenvolvidas na Educação Básica têm pouca utilidade do ponto de vista das práticas sociais empregadas no cotidiano e nas diferentes profissões, em particular aquelas que exigem conhecimentos sobre a observação do dinheiro no decorrer do tempo.

Em relação, especificamente, às noções de juros simples e compostos, podemos afirmar que as relações pessoais apresentadas pelos estudantes mostram lacunas,uma vez queos estudantes não conseguem identificar o regime de capitalização em situações financeiras do cotidiano. Inferimosque há necessidade de se propor, desde a Educação Básica, estudosque não priorizem exclusivamente os procedimentos matemáticos, mas que osrelacionem com situações reais vivenciadas no cotidiano e quando possível associados a uma prática profissional compatível com o nível escolar do estudante, o que pode corresponder a uma demanda dos próprios estudantes se partimos de uma questão geradora ampla como é preconizado pelo PEP.

A proposta de ensino proposta por meio do PEP pode ser desenvolvida desde os Anos Iniciais pelos professores e pais, pois esses podem propor questionamentos e procurar respostas utilizando exemplos simples que auxiliem os estudantes a compreenderem a necessidade de controlar as perdas e os ganhos relacionados à utilização do dinheiro; por exemplo, considerando o tempo necessário para dispor de determinada quantia para a compra de um item, se economizar 1 real por semana.Isso auxilia a mostrar a importância do ato de poupar para concretizar um desejo no futuro.

Consideramos que é preciso criar junto à sociedade brasileira a cultura do questionamento, o que não é um desafio a ser trabalhado apenas nas escolas, mas que precisa estar inserido no contexto diário dos estudantes, tanto em casa como na comunidade em que estão inseridos, o que pode levar a compreensão do que representa uma sociedade democrática tão discutida na atualidade.

Por fim, compreendemos, como oportunidade de estudos futuros, uma análise buscando semelhanças e diferenças entre as propostas dos PCN e da Base Nacional Comum Curricular (BNCC)2, no que concerne ao domínio da Matemática Financeira e sua relação com a Educação Financeira, tema este proposto atualmente na BNCC.

Além disso, a importância deste estudo futuro pode ser justificada na necessidade de auxiliar na transição entre os dois documentos, o que precisa ser realizado em função da mudança ter sido introduzida para toda a Educação Básica, o que nos conduz a construção e aplicação de novos projetos utilizando a metodologia PEP, em particular, em cursos de formação de professor, para o Ensino Médio, cuja a demanda exige a articulação entre saberes matemáticos, com os saberes de outras ciências e as práticas sociais e profissionais.

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1É o conjunto de obrigações recíprocas e “sanções” que cada parceiro na situação didática impõe - ou acredita impor, explicitamente ou implicitamente aos outros - e aqueles que lhe impomos ou que ele acredita que lhe impomos sobre o conhecimento envolvido (Brousseau, 1998, p. 6).

2A Base Nacional Comum Curricular foi homologada em 2018 e é o documento curricular que indica os saberes a serem desenvolvidos na Educação Básica do Brasil. Mais informações são encontradas em http://basenacionalcomum.mec.gov.br/

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