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Revista Iberoamericana de Tecnología en Educación y Educación en Tecnología

versión impresa ISSN 1851-0086versión On-line ISSN 1850-9959

Rev. iberoam. tecnol. educ. educ. tecnol.  no.29 La Plata set. 2021

 

ARTÍCULOS ORIGINALES

A influência do desenvolvimento de planos de aula transdisciplinares no contexto da tecnologia digital para a transformação da compreensão de docência

The development influence of transdisciplinary lesson plans in the digital technology context for the transformation of teaching comprehension

Luciana de Lima1, Robson Carlos Loureiro1

1 Universidade Federal do Ceará, Ceará, Brasil

luciana@virtual.ufc.br, robson@virtual.ufc.br

Recibido: 23/09/2019 | Corregido: 24/08/2020 | Aceptado: 20/03/2021

Cita sugerida: L. de Lima and R. C. Loureiro, “A influência do desenvolvimento de planos de aula transdisciplinares no contexto da tecnologia digital para a transformação da compreensão de docência,” Revista Iberoamericana de Tecnología en Educación y Educación en Tecnología, no. 29, pp. 43-54, 2021. doi: 10.24215/18509959.29.e5

 

Resumo

O objetivo da pesquisa é analisar de que forma os licenciandos que frequentam a disciplina Tecnodocência no segundo semestre de 2018 transformam a compreensão de docência ao desenvolver planos de aula transdisciplinares com inserção de tecnologias digitais. Diante do problema da fragmentação dos saberes na formação de licenciandos e da subutilização das Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDICs) em seu currículo formativo, fundamenta-se a pesquisa com base na Transdisciplinaridade.  A pesquisa qualitativa, pautada em Estudo de Caso, apresenta como unidade de análise dois grupos transdisciplinares de cursos de Licenciatura participantes da disciplina ofertada por Instituição Pública de Ensino Superior (IPES). Subdivide-se em três etapas: preparação dos instrumentos e equipamentos de coleta e análise de dados; verificação dos conhecimentos prévios dos licenciandos e posterior investigação do desenvolvimento dos planos de aula; e, análise interpretativa dos dados. Constataram-se indícios de transformação em relação à centralização da ação docente, ao desenvolvimento didático-metodológico e ao uso das tecnologias digitais ao elaborarem planos de aula pautados nos pressupostos transdisciplinares em conjunto com as TDICs. Pretende-se dar prosseguimento à pesquisa em semestres subsequentes para investigação dessa mesma problemática com diferentes grupos de licenciandos.

Palavras-chave: Docência; Plano de aula; Transdisciplinaridade; Licenciatura; Tecnologia digital.

Abstract

The goal of this research is to analyze how undergraduates who attend the Technoteaching discipline in the second semester of 2018 transform the teaching comprehension by developing transdisciplinary lesson plans with the insertion of digital technologies. Given the problem of the knowledge fragmentation in undergraduate education and the underuse of Information and Communication Digital Technologies (ICDT) in their training curriculum, research is based on Transdisciplinarity. The qualitative research, based on Case Study, presents as unit of analysis two transdisciplinary groups of undergraduate courses participating in the discipline offered by Public Institution of Higher Education (PIHE). It is divided into three stages: preparation of data collection and analysis instruments and equipment; verification of prior knowledge of the undergraduates and further investigation of the development of lesson plans; and interpretative analysis of the data. Transformation evidence was found in relation to the centralization of teaching action, the didactic-methodological development and the use of digital technologies in the elaboration of lesson plans based on transdisciplinary assumptions in conjunction with IDCT. It is intended to continue the research in subsequent semesters to investigate this same issue with undergraduates’ different groups.

Keywords: Teaching; Class plan; Transdisciplinarity; Graduation; Digital technology.

 

1. Introdução

Pesquisadores que estudam a formação de professores contribuem com informações relevantes acerca dos problemas que cercam essa área do conhecimento. Tardif [24] revela que, na formação docente, existe a preocupação com o ensino das teorias concebidas, sem nenhuma relação com o ensino, nem com a realidade da vida cotidiana do ofício do professor. As disciplinas geralmente não se relacionam entre si. Constituem unidades independentes, fechadas e de curta duração, causando pouco impacto na aprendizagem dos discentes.

Na maioria das instituições, os alunos passam grande parte da formação assistindo às aulas para, em seguida, estagiar e aplicar os conhecimentos. Só então, começam a trabalhar sozinhos, aprendendo na prática, constatando que os conhecimentos disciplinares lhes são pouco úteis. Tardif [24] conclui que o modelo de formação de professores, modelo aplicacionista do conhecimento, ao tratar os licenciandos como “espíritos virgens”, sem considerar suas crenças e representações anteriores, acaba por não as modificar. Forma profissionais despreparados para a atuação em sala de aula, proporcionando um ensino de baixa qualidade.

Segundo Lima [12], na formação de licenciandos, esses problemas também se fazem presentes. As disciplinas específicas de cada curso geralmente são apresentadas nos três primeiros anos e as disciplinas pedagógicas, ministradas nos últimos anos da graduação, são seguidas do estágio supervisionado. Mesmo que em algumas formações as disciplinas pedagógicas sejam trabalhadas durante toda a graduação, ainda existe uma fragmentação dos saberes e um distanciamento entre disciplinas específicas, pedagógicas e tecnológicas.

Para Carvalho e Gil-Pèrez [5], a formação de professores promove o desenvolvimento de profissionais com pouca autonomia intelectual. O professor se torna um transmissor de conteúdos, principalmente quando se apoia somente em livros didáticos, baseando-se nas concepções que desenvolvem a partir do senso comum. Em geral, não são capazes de questionar o que é imposto pelo currículo escolar, pelos preconceitos sociais e pelo mercado comercial de livros didáticos.

Todos esses aspectos podem impactar diretamente na ação do professor em sala de aula, a partir de sua compreensão sobre o que é ser docente e de como fazer essa docência acontecer. O empirismo que caracteriza a ação do professor, apresentado por Becker [3], ainda persiste, pautado em aulas expositivas, centrado fortemente na figura do professor como o agente mobilizador dos processos de ensino, aprendizagem e avaliação. Sendo assim, é comum o professor pensar e agir sozinho, por mais que trabalhe em projetos conjuntos. As aulas são ministradas por um único professor que detém um saber específico a ser compartilhado com seus alunos para uma suposta aprendizagem.

Pensar a integração entre diferentes conhecimentos, sejam eles, específicos, pedagógicos e tecnológicos pode ser uma solução para o problema da fragmentação dos saberes nos processos formativos do professor no momento da Licenciatura, promovendo novas possibilidades de transformação e inovação. Sendo assim, a integração entre saberes é pensada a partir dos pressupostos teóricos pautados na transdisciplinaridade.

De acordo com Birochi [4], os aspectos transdisciplinares têm como finalidade a compreensão do mundo atual por meio do estudo que se faz sobre as disciplinas, através das disciplinas e além de todas elas. Para Martins [16], as interconexões estabelecidas entre os conhecimentos proporcionam relações e complementaridades, ainda que se apresentem de forma convergente ou divergente.

Utilizando-se os pilares da transdisciplinaridade apresentados por Nicolescu [19], é possível refletir criticamente sobre uma nova lógica, aquela que inclui e que gera um novo conhecimento, mobilizando o professor a pensar em novos níveis de realidade até então incompreensíveis. O papel do professor passa a ser também daquele que aprende, rompendo com o paradigma do ensino centrado no saber e no papel do professor como provedor de conhecimentos.

Diante da experiência da complexidade, os professores podem compreender melhor a mobilização do conhecimento. Morin [18] ressalta a necessidade de estabelecer um movimento circular, entre os diferentes saberes científicos e sociais, seguindo em dois sentidos diferentes: a ida e a volta. Esse aspecto contribui para que o professor entenda que os saberes são dinâmicos e podem ser compreendidos por meio de outros saberes dentro de um contexto antropossocial.

Sendo assim, é possível que os licenciandos, diante de uma situação de docência diferenciada, onde a exposição de conteúdos abre espaço para o protagonismo dos licenciandos em parceria com os professores, transformem a compreensão de docência, diante de metodologias inovadoras e práticas conjuntas com outros colegas de áreas diferentes, diante da valorização de suas ações e de produtos desenvolvidos. Conforme essa perspectiva, pergunta-se: como licenciandos de diferentes áreas do conhecimento compreendem a docência quando inseridos em um contexto de trabalho conjunto transdisciplinar desenvolvendo tecnologias digitais?

É nesse contexto que se encontra a disciplina Tecnodocência, ofertada desde 2015 por Instituição Pública de Ensino Superior (IPES), como disciplina optativa, para licenciandos de catorze (14) cursos diferentes: Matemática, Química, Física, História, Geografia, Letras, Educação Física, Pedagogia, Ciências Sociais, Dança, Teatro, Música, Ciências Biológicas e Filosofia. O trabalho é desenvolvido a partir de temas geradores escolhidos pelos próprios licenciandos, que constroem Materiais Autorais Digitais Educacionais (MADEs) e planos de aula a serem aplicados com alunos de escola pública, em grupos heterogêneos, considerando-se suas áreas de conhecimento específicas (História, Matemática e Letras, por exemplo), os aspectos pedagógicos, tecnológicos digitais, os éticos e morais. Com característica transdisciplinar, tem como objetivo mobilizar os alunos para a integração entre docência e tecnologias digitais dentro de um contexto no qual os licenciandos sejam produtores de conhecimento e atuem de forma a tramar ensino, aprendizagem e avaliação.

O objetivo da pesquisa é analisar de que forma os licenciandos que frequentam a disciplina Tecnodocência no segundo semestre de 2018 transformam a compreensão de docência ao desenvolver planos de aula transdisciplinares com inserção de tecnologias digitais. Utiliza-se como suporte metodológico o Estudo de Caso desenvolvido com dois (2) grupos transdisciplinares, diante de análise de dados interpretativa com categorias pautadas no centro da ação docente, na forma como os licenciandos pensam o fazer docente e o uso das tecnologias digitais na docência.

2. Transdisciplinaridade e Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação na Formação Docente

Quando se trabalha em uma perspectiva transdisciplinar é necessário considerar como o objeto de estudo é compreendido e estudado. A divisão em disciplinas ainda persiste, e por isso, o objeto é observado por várias delas, considerando-se, porém, suas diversas dimensões de realidade. Os diferentes domínios linguísticos pertencentes a cada disciplina são orientados pela existência de uma temática comum a todas as disciplinas produzindo-se um texto único a partir do foco dado à temática. Este texto deve ser capaz de apresentar a multidimensionalidade da realidade a partir do trabalho de coordenação e cooperação entre as disciplinas com o objetivo de transcendê-las, criando-se algo a partir das disciplinas por meio da imersão em diferentes níveis de realidade [16].

Para Carvalho [6], a transdisciplinaridade é uma estratégia, um caminho que tem a função de atravessar os saberes. Exige do pesquisador um conhecimento sedimentado nas principais áreas do saber sem se estagnar. Vai além delas em busca da compreensão da complexidade. São três os pilares da transdisciplinaridade: lógica do terceiro incluído, níveis de realidade e complexidade. Para que se compreenda a lógica do terceiro incluído é necessário compreender primeiramente a lógica aristotélica. De acordo com Souza et al. [22] essa lógica se baseia em três axiomas:

  • Axioma da identidade: A = A;

  • Axioma da não-contradição: A não é não-A;

  • Axioma do terceiro excluído: não existe um terceiro termo T que seja ao mesmo tempo A e não-A.

Na transdisciplinaridade é instituída a lógica do terceiro incluído, formulada por Lupascu [15] com contribuições principalmente ao terceiro axioma, ao afirmar que existe um terceiro termo que é ao mesmo tempo A e não-A. Essa lógica é possível quando se vislumbra o objeto inserido em diferentes níveis de realidade. Uma partícula e uma onda, como o caso da luz, podem ser caracterizadas como excludentes no mundo macrofísico; porém, no mundo microfísico, partícula e onda coexistem e formam um terceiro elemento denominado quantum. Ao se introduzir um novo nível de realidade é possível ter uma nova compreensão do objeto estudado [16].

Para Nicolescu [19], um nível de realidade é composto por um conjunto de sistemas regido por um número de leis gerais. Ao ocorrer uma ruptura dessas leis é que será revelado outro nível de realidade. Souza et al. [22] explicam que os diferentes níveis de realidade estão relacionados aos diferentes níveis organizados e observados no Universo, como por exemplo, o nível nuclear, o nível macroscópico, o nível quântico. Sendo assim, as leis físicas que regem os fenômenos naturais se tornam diferentes em cada nível de realidade. Se o referencial utilizado for o nível macroscópico, o fenômeno dual da luz será conflituoso; porém, se é possível adentrar em outro nível de realidade, outras leis regem o fenômeno tornando-se, a partir daí, compreensível.

Para Morin [18], ao separar sujeito e objeto no contexto da realidade científica, cria-se um paradigma mais geral de separação e redução no qual o pensamento científico “ou distingue realidades inseparáveis sem poder encarar sua relação, ou identifica-as por redução da realidade mais complexa à menos complexa”. É necessário promover uma transdisciplinaridade que permita visualizar a situação a partir de um novo paradigma. Distinguir, separar e dividir os domínios científicos é necessário, mas estabelecer a comunicação entre eles sem reduzi-los é o que contribui para a compreensão dos fenômenos complexos da sociedade, da vida e do homem. Este novo paradigma, para o autor, é o denominado paradigma da complexidade que concomitantemente “separe e associe, que conceba os níveis de emergência da realidade sem reduzir às unidades elementares e às leis gerais” [18].

A complexidade retratada por Morin [18] busca a compreensão do objeto a partir de uma explicação circular, na qual o todo e as partes podem ser compreendidos a partir de suas junções e não de suas separações com a finalidade maior de compreender um fenômeno. De acordo com Souza et al. [22], a complexidade possibilita a análise das situações-problema impostas pela natureza de forma global a fim de evitar uma fragmentação da realidade.  Ela reside nas contradições, nos antagonismos, nos paradoxos de tal forma que a tese e a antítese convivem como polos antagônicos, ao mesmo tempo em que se retroalimentam.

Quando se trata da aplicação dos preceitos transdisciplinares no universo acadêmico, Andalécio [1] ressalta que, apesar de a universidade ainda se encontrar estruturada de forma fragmentada e encastelada em seus territórios do conhecimento, no Brasil, algumas iniciativas demonstram possibilidades de mudança e da integração dos diferentes saberes na formação docente. Os requisitos para o sucesso da transdisciplinaridade têm como base, principalmente, o envolvimento dos participantes no desenvolvimento de novas formas de pensar e agir diante da integração dos diferentes saberes e a superação do sentimento de ameaça sobre a apresentação da opinião de colegas de trabalho [8]. A discussão e a negociação entre os docentes envolvidos com a finalidade de definir conteúdos e estratégias pedagógicas são constantes, especialmente porque as temáticas de trabalho conjunto devem estar relacionadas às problemáticas sociais. A troca de informações e a construção contínua e coletiva do conhecimento é uma condição primordial para a manutenção de uma proposta transdisciplinar [9].

De acordo com Lima [13], diante de uma problemática evidenciada por diversos autores como a fragmentação do saber, e, ainda, da exigência constante do mercado de trabalho por profissionais que apresentem um pensamento sistêmico diante dos problemas cotidianos, não se pode negar a importância e a necessidade de uma transformação na universidade, local onde os profissionais são formados, dentre eles, os professores que atuarão na Educação Básica. A fragmentação dos saberes em disciplinas estanques e isoladas forma profissionais que não atendem mais às necessidades da sociedade do século XXI. Propostas pedagógicas pautadas nos preceitos da transdisciplinaridade podem trazer contribuições para a formação de professores, tornando as disciplinas elementos importantes e integrados para estabelecer uma diversidade na compreensão do objeto estudado.

Por outro lado, a apropriação cultural das Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDICs) no universo educacional por professores e alunos se faz necessária em diferentes contextos no cenário da segunda década do século atual. Para Almeida e Valente [26], o diálogo, a discussão, o questionamento, a reflexão sobre os conceitos e as estratégias utilizadas na busca de soluções para os problemas que lhe são apresentados ou descobertos, permite o desenvolvimento de uma postura ativa de docentes e discentes diante do processo de ensino e de aprendizagem, tornando-os menos consumidores e mais geradores de conhecimento.

Diante dessa perspectiva, pesquisadores discutem e investigam a transdisciplinaridade no contexto das TDICs. Para Andalécio [1], as mudanças que advêm com as tecnologias digitais são consideradas como uma revolução na execução das tarefas docentes, favorecendo o trabalho transdisciplinar, diante da construção colaborativa do conhecimento por meio de trocas que envolvem também os aspectos culturais. Sendo assim, acrescenta que a mudança de atitude dos docentes e discentes diante da utilização das TDICs a favor de uma prática pedagógica conjunta diante de uma modificação de suas atitudes perante a inovação é uma conquista construída em grupo, a partir da aprendizagem mútua entre os participantes, com transformações didáticas e metodológicas que envolvam professores e alunos na construção do conhecimento nos processos de ensino, aprendizagem e avaliação.

Galvão, Ricarte e Daura [8] afirmam que a inserção da transdisciplinaridade no contexto das TDICs caracteriza-se principalmente pelo convívio de docentes e discentes de diferentes disciplinas nos diversos espaços destinados à execução dos processos de ensino, aprendizagem e avaliação; nos espaços sociais, atuando junto a profissionais de outras áreas e à população em situação de estágios, emprego, entre outros; pela flexibilização curricular, permitindo a experiência da transdisciplinaridade com convívios fora de sala de aula, incluindo o uso das TDICs. Detectaram que o uso das tecnologias digitais no modelo pedagógico transdisciplinar possibilitou transformações acadêmicas nos participantes. Os Ambientes Virtuais de Aprendizagem tornaram-se ferramentas digitais utilizadas para discussão do desenvolvimento de conteúdos disciplinares, análise de projetos futuros e em andamento, promovendo o diálogo contínuo entre docentes e discentes mediante a interação, a flexibilidade e o incremento dos tempos de docência e disponibilidade do professor.

Para Sommer e Pinho 21], as TDICs se encaminham para se tornarem ferramentas úteis no desenvolvimento do ser humano como um todo, por meio do estímulo da criticidade, flexibilidade, curiosidade e seleção do que lhe é mais atrativo em termos de conhecimento. Considerando-se que a transdisciplinaridade também se preocupa com o desenvolvimento humano a partir de uma ruptura de barreiras com superação de fronteiras entre disciplinas que promove um conhecimento mais profundo, abrangente e interativo é possível estabelecer uma parceria importante entre TDICs e transdisciplinaridade por meio da utilização e desenvolvimento de ferramentas que possibilitam a ampliação de conexões entre os participantes diante de novas experiências de aprendizagem com produção de conhecimento de forma coletiva.

Para os autores, a utilização das TDICs no processo educativo diante de uma proposta transdisciplinar possibilita alterar o padrão de fluxo comunicativo atual baseado na comunicação verbal e não-verbal do emissor da mensagem (professor) para o receptor (aluno), uma vez que ambos podem se tornar produtores e criadores de mensagens de forma colaborativa. Os professores não terão a incumbência da simples transmissão de saberes prontos, mas podem se tornar mentores e instigadores de uma dinâmica diferenciada dos processos de ensino, aprendizagem e avaliação. Para Lima e Loureiro 14], a transdisciplinaridade no contexto das TDICs favorece não só a aprendizagem dos alunos, mas o desenvolvimento crítico e reflexivo do professor que, em parceria com o aluno, pode ser um desenvolvedor de Materiais Autorais Digitais Educacionais (MADEs) ao mesmo tempo que media a construção do conhecimento pelos alunos.

Sendo assim, para Sommer e Pinho 21], o uso e o desenvolvimento das TDICs devem ser compartilhados e coletivos, na interação entre alunos e professores, possibilitando meios para a aprendizagem e não como um fim em si mesmas. O repensar da docência é imperativo uma vez que comportamentos, valores e atitudes são modificados diante da inserção das TDICs no âmbito social, estabelecendo novas relações nos processos mentais e perceptivos humanos e, consequentemente, novas formas de se relacionar com o ensino dentro de suas didáticas e metodologias, sintonizadas com a geração contemporânea e com a realidade do cotidiano que engloba alunos e professores como seres sociais, em contato constante.

3. Metodologia

A pesquisa apresentada neste artigo, caracteriza-se como qualitativa e utiliza como metodologia o Estudo de Caso ao investigar um fenômeno contemporâneo, considerando-se o contexto real de estudantes da IPES. Não há controle dos eventos comportamentais, valorizando a expressão espontânea do pensamento dos sujeitos investigados, utilizando-se de fontes de evidências diretas na compreensão dos fenômenos estudados 25].

São apresentados resultados da pesquisa oriundos de investigação vinculada ao Projeto Universal CNPq 2016, que compõe o conjunto de trabalhos desenvolvidos pelo Grupo de Pesquisa Tecnodocência (GPT). Vale ressaltar que os sujeitos da pesquisa são consultados mediante aplicação do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) com a pesquisa aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da IPES. São utilizados os dados apenas dos que consentiram em participar da pesquisa.

A unidade de análise é composta por dois (2) grupos transdisciplinares de estudantes formados por um máximo de três (3) integrantes, oriundos de diferentes cursos de Licenciatura da IPES, participantes da disciplina Tecnodocência no segundo semestre de 2018, ofertada, com 30 vagas, pelo Instituto Universidade Virtual (IUVI). Os dois grupos escolhidos para análise caracterizam os grupos formados pelas áreas mais distintas entre si, e, portanto, são os que melhor garantem a constituição de um trabalho transdisciplinar.

A referida disciplina tem como objetivo formar estudantes que queiram atuar como docentes diante da utilização de uma proposta metodológica transdisciplinar integrada às TDICs pautada no estudo teórico-prático da Teoria da Aprendizagem Significativa de Ausubel 2], da Filosofia da Diferença 7], dos conceitos de Transdisciplinaridade 10] e do Construcionismo 20]. Possibilita a valorização e a utilização dos conhecimentos prévios dos participantes, a construção do engajamento e do significado dos conceitos e o desenvolvimento do pensamento crítico-reflexivo sobre a ação da prática docente.

Uma das atividades propostas na disciplina Tecnodocência é o desenvolvimento de Planos de Aula que integram tecnologias digitais para posterior aplicação com alunos de escola pública. Os planos são elaborados pelos grupos transdisciplinares, definindo-se inicialmente uma temática que não tenha relação direta com nenhum dos saberes específicos vinculados às áreas de estudo dos licenciandos. Os conteúdos específicos são escolhidos por cada licenciando, ensinado e aprendido pelos colegas de tal forma que todos estejam estudando todos os conceitos envolvidos, mesmo que não sejam de sua área específica de conhecimento. Os conteúdos sobre atitudes e valores são trabalhados com todos pela coordenação dos grupos, papel desempenhado pelos dois professores da disciplina.

As atividades dos planos de aula são elaboradas de tal forma que sejam lançados desafios para os alunos da escola pública participarem de forma autônoma, criativa e reflexiva a partir da utilização de tecnologias digitais e da construção de um produto digital que contenha todos os conteúdos trabalhados nas disciplinas durante a aula. Isso significa que, em uma sala de aula com disponibilidade de notebooks e internet, atuam três (3) licenciandos concomitantemente, abordando de forma dinâmica os conteúdos de suas áreas de saber com a finalidade de suscitar aos alunos uma vivência holística do conhecimento.

A pesquisa é concebida em três (3) etapas: planejamento, coleta e análise de dados. Na primeira etapa, são preparadas as estratégias, os protocolos, os instrumentos, os equipamentos digitais e a política de armazenamento de informações na coleta e na análise dos dados. Na segunda etapa, é realizada a coleta de dados em duas (2) fases por meio da investigação: dos conhecimentos prévios que os licenciandos apresentam sobre docência e da compreensão de docência a partir das propostas apresentadas nos planos de aula. Na primeira fase, os alunos respondem ao questionário de sondagem individualmente contendo perguntas conceituais, via internet. Na segunda fase, os grupos transdisciplinares são formados e cada um elabora os planos de aula transdisciplinares, propondo atividades que façam uso das tecnologias digitais.

Os instrumentos de coleta de dados são, portanto, o questionário de sondagem e o plano de aula. Para garantir a confiabilidade da pesquisa, de acordo com Yin 25], é necessário o desenvolvimento de protocolos de coleta de dados para cada fase dessa etapa da pesquisa. São, portanto, elaborados dois (2) protocolos de coleta de dados que consideram os seguintes aspectos: apresentação dos objetivos gerais do projeto de pesquisa, dos objetivos específicos da coleta, da descrição das atividades desenvolvidas, de questões necessárias para nortear o trabalho no momento da execução das atividades e um guia para a elaboração do relatório do estudo de caso.

Na terceira etapa é realizada a análise de dados. Desenvolvida com base na interpretação dos discursos utilizados pelos grupos transdisciplinares, utiliza as respostas dos licenciandos no questionário de sondagem e nos planos de aula. É realizada uma triangulação metodológica, favorecendo a comparação das informações nos dois instrumentos utilizados acrescidos do referencial teórico, a fim de verificar as convergências e divergências das interpretações de forma linear 23]. Para auxiliar esse processo, utilizam-se os procedimentos propostos pela Análise Textual Discursiva [17] a partir de uma sequência recursiva composta por cinco (5) fases: unitarização, categorização, descrição, interpretação e argumentação. As categorias de análise estão vinculadas à centralização da ação docente, aos aspectos didático-metodológicos da docência e à forma das propostas de uso das tecnologias digitais em sala de aula.

4. Resultados e Discussão

Para garantir o anonimato dos sujeitos pesquisados e para evitar dubiedade em relação à linguagem utilizada no texto são utilizados os símbolos A1 até A6 para nomeá-los individualmente, os símbolos G1 e G2 para nomear os grupos.

O processo de unitarização permitiu a divisão em um total de trezentas e doze (312) unidades de análise. Foram obtidas três (3) categorias por meio da utilização da Análise Textual Discursiva, assim definidas:

  • Centralização da ação docente (CAD) – ênfase que os licenciandos atribuem a determinados elementos que compõem a docência ao tratá-la de forma teórica ou prática: professor, aluno, conteúdo, atividade, recurso;

  • Aspectos didático-metodológicos da docência (DMD) – escolhas didáticas e metodológicas realizadas pelos licenciandos ao definir docência ou pensar em prática docente;

  • Uso das tecnologias digitais em sala de aula (TED) – utilização da tecnologia digital de diferentes formas pelo licenciando ao definir docência ou pensar em prática docente.

4.1. Resultados do Questionário de Sondagem

Para compreender os conhecimentos prévios dos licenciandos foi aplicado um (1) questionário de sondagem preenchido no dia 09 de agosto de 2018, compartilhado com os licenciandos por meio do Google Drive, totalizando quinze (15) questões abertas relacionadas aos conceitos que permeiam a disciplina Tecnodocência. Foi analisada a questão: “o que é docência?”. A proposta se baseia no preenchimento do formulário sem consulta, com ação executada em sala de aula na presença dos pesquisadores. Para este trabalho estão sendo analisadas as seis (6) respostas dos licenciandos que compõem os grupos transdisciplinares G1 e G2.

Analisando-se a categoria centralização da ação docente (CAD), no questionário de sondagem, percebe-se que os licenciandos atribuíram ao termo “conhecimento” maior ênfase ao definir o conceito de docência. No entanto, ao se referirem a quem deve exercer essa função, a centralização da docência recaiu sobre o professor como aquele que ensina e sobre o aluno como aquele que aprende. Outros termos foram utilizados com menor ênfase: conteúdo e prática, bem como, profissional, grupo, humano, pessoas e gerações (quadro 1). Dos seis (6) participantes, cinco (5) licenciandos conectaram a ideia de docência à ideia de conhecimento ou conteúdo: “É a prática do professor em sua função de transmitir o conhecimento e educar seus alunos.” (A2); “A docência é o ato de passar conteúdos e práticas a um determinado grupo, visando a aprendizagem.” (A5).

Quadro 1. Resumo das respostas dos licenciandos para cada categoria no Questionário de Sondagem

Nesse mesmo questionário, para dois (2) licenciandos a ideia de docência se vinculou diretamente à ideia de professor como centro da ação docente. Quem realiza esse trabalho é o professor, principalmente para transmitir conhecimentos, caracterizado como aquele que ensina: “Atividade humana voltada para a transmissão de conhecimentos entre gerações. Que tem por objetivo graduar os alunos para atingir um nível maior de educação. Trabalho feito pelos professores” (A6).

Analisando-se a categoria vinculada aos aspectos didático-metodológicos da docência (DMD), a ênfase atribuída ao conceito de docência foi à transmissão, ao repasse de conhecimentos, conteúdos e práticas, ressaltando que em um dos casos houve a utilização do termo “moldar mentes” que, interpretativamente, relaciona-se à ideia de transmissão ou repasse (quadro 1). No questionário de sondagem, cinco (5) licenciandos conectaram-se a essa ideia “é a competência que diz respeito à transmissão do conhecimento” (A1); “O ato de ensinar, passar conhecimento, facilitar a aprendizagem para outras pessoas” (A3).

No entanto, é importante destacar que para um (1) licenciando, outras formas de se pensar a docência também foram evidenciadas: facilitar a aprendizagem dos alunos por meio de debates, considerações, incitando o pensamento crítico: “Eu acredito que a docência seja a área de atuação onde o profissional é responsável por ensinar algo. Mais que isso, moldar mentes, fazer considerações, debater, incitar o pensamento crítico etc.” (A4). Nenhum licenciando associou docência à possibilidade de utilização de um tema de trabalho para atuação conjunta de mais de um professor em sala de aula, como forma holística de construção do conhecimento; não fizeram, portanto, menção aos elementos da transdisciplinaridade no conceito de docência.

Em nenhum momento do questionário de sondagem os licenciandos atribuíram ao conceito de docência elementos vinculados à tecnologia digital. Portanto, não foram encontradas evidências para a categoria TED. Os licenciandos iniciaram a disciplina com o conceito de docência voltado principalmente para a ideia de transmissão de conhecimentos realizados pelo professor para possibilitar a aprendizagem dos alunos, como um trabalho isolado do professor em termos de parceria com outros profissionais e sem a utilização de diferentes recursos como os tecnológicos digitais.

Diante da perspectiva de uma docência tradicional, Libâneo [11] indica como componentes do processo didático três (3) elementos: o conteúdo, o professor e os alunos, sendo que o professor transmite o conteúdo aos alunos. Os componentes que formam internamente esse processo estão na relação entre aluno e conteúdo, apropriação do conteúdo pelo aluno, mediação do professor e relações recíprocas entre aluno, conteúdo e professor. Sendo assim, para o autor uma aula deve compor a seguinte sequência didática: preparação e introdução do conteúdo pelo professor; tratamento didático do novo conteúdo; consolidação e aprimoramento de conhecimentos; aplicação; controle e avaliação.

Percebe-se, dessa forma, que os licenciandos nas respostas apresentadas no questionário de sondagem revelaram modelos de docência mais próximos da estrutura destacada por Libâneo [11]. O trabalho conjunto de docentes de diferentes áreas do saber, destacado por Martins [16] com aprendizagens mútuas diante do desenvolvimento de atividades concomitantes pareceu não fazer parte do ideário dos licenciandos.

É relevante ressaltar que, apesar de se caracterizarem como inseridos no contexto digital da contemporaneidade, não pensaram, ao definir docência, a inserção das TDICs no contexto educacional, confirmando que esse ideário iniciou em um patamar mais voltado para uma condição tradicional de docência, conforme atesta Libâneo [11]. Afastaram-se, em geral, das possibilidades de inovação didática e metodológica que poderiam existir a partir do uso e do desenvolvimento de tecnologias digitais capazes de aproximar os professores, os alunos e os conteúdos para um fazer interativo por meio de reflexões e construções conjuntas de conhecimentos. Apenas um licenciando se colocou nessa perspectiva na busca da utilização de debates e do desenvolvimento do pensamento crítico pelo aluno, ainda assim, sem mencionar as TDICs nesse contexto.

4.2. Resultados do Desenvolvimento dos Planos de Aula

O desenvolvimento dos planos de aula pelos licenciandos iniciou em 04 de outubro de 2018 e finalizou em 11 de outubro de 2018. Foi discutido e apresentado um modelo que contemplava os seguintes elementos constituintes de um plano de aula: áreas de estudo, tema, objetivo, conteúdos, avaliação, características dos alunos, tempo, atividade, estratégias e recursos. Os planos foram desenvolvidos em grupos heterogêneos, contemplando áreas diferentes do saber como forma de possibilitar um trabalho transdisciplinar. Os arquivos dos grupos foram compartilhados por meio do Google Drive a fim de haver o acompanhamento da escrita dos planos de aula em tempo real, uma vez que foram desenvolvidos em sala de aula, no horário da disciplina Tecnodocência, perfazendo um total de 8h de trabalho para essa finalidade.

O G1, composto por três (3) integrantes, formou um grupo vinculado às áreas da Biologia, Geografia e Física. Escolheram como tema “super-heróis” e os conteúdos de fisiologia humana (mutações), espaço e sociedade, cinemática, respectivamente. O objetivo da aula foi “criar uma representação de um super-herói, suas tecnologias, observando seus aspectos fisiológicos e físicos e suas funções sociais” (G1). Subdividiram a aula de 50 minutos em quatro momentos distintos (quadro 2).

Quadro 2. Comparação das propostas dos Grupos 1 e 2

No primeiro momento, propuseram a atividade “chuva de ideias” com dois questionamentos que fariam aos alunos “como é o ambiente social que você vive?”; “há algo que você gostaria de transformar em sua realidade?” (G1). A proposta é que as respostas fossem anotadas em editor de texto, projetadas para todos os alunos. No segundo momento, propuseram a apresentação de um vídeo desenvolvido pelo próprio grupo de licenciandos especialmente para essa aula com duração de 3min34s. Distinguiram o herói de um super-herói de acordo com todos os conteúdos elencados (figura 1).


Figura 1. MADE produzido pelos integrantes do G1

No terceiro momento, a proposta era dividir os estudantes em equipes para criarem seus próprios super-heróis: “cada equipe receberá um roteiro orientando elementos-chave para a construção (nome, quais poderes com justificativa biológica e física, contexto geográfico, identidade visual e tecnologia utilizada – caso use)” (G1). No quarto momento, na atividade “talk show dos super-heróis” (G1), a proposta era que as equipes escolhessem um integrante para representar o super-herói criado respondendo a perguntas com a finalidade de expor suas habilidades e sua importância para a sociedade, enquanto seriam gravados em vídeo pelos próprios colegas de classe.

No plano de aula propuseram o uso de notebooks com o pacote Office instalado, projetor, cabos de energia dos notebooks e do projetor, cabo HDMI, cabo VGA, adaptador HDMI/VGA, adaptador de tomada e extensão, caixa de som, cabos de áudio, câmera e tablet com seus respectivos cabos de força e tripé. Acrescentaram ainda caixa de acessórios para montagem dos super-heróis: lençóis, lenços, camisetas, asas, canetas, lápis de cor, canetinhas, giz de cera, folhas de papel ofício e o roteiro do apresentador do talk show.

O G2, composto por três (3) integrantes, formou um grupo vinculado às áreas de Biologia, Letras Espanhol e Pedagogia. Optaram pelo tema “Séries de televisão” e os conteúdos de camuflagem, cultura hispânica e psicologia das cores, respectivamente. O objetivo da aula foi “identificar a percepção das cores; percepção de sons; camuflagem e elementos da cultura hispano através da observação de cenas de uma série de TV e da construção de um material audiovisual” (G2). Subdividiram a aula de 50 minutos em três (3) momentos (quadro 2).

No primeiro momento propuseram a apresentação do vídeo que desenvolveram especificamente para a aula utilizando a série “La casa de papel” com duração de 5min16s inserindo os conteúdos elencados, com posterior explicação da atividade para seus alunos (figura 2).


Figura 2. MADE produzido pelos integrantes do G2

No segundo momento, propuseram a apresentação de cenas de séries televisivas pré-preparadas, distribuídas entre os grupos formados para que seus alunos identificassem a camuflagem, a cultura hispânica envolvida e a percepção das cores. Sugeriram que os grupos de alunos fizessem uma apresentação de “teatro, música, dança ou outra apresentação artística para demonstrar os conteúdos presentes na cena. O registro dessas apresentações será feito em áudio e vídeo pelos próprios membros da equipe” (G2). No terceiro momento, a proposta foi a apresentação dos MADEs desenvolvidos pelos seus alunos por meio do compartilhamento dos tablets entre os grupos para que todos assistissem os MADEs desenvolvidos pelos colegas.

No plano de aula, propuseram o uso de projetor com cabo de força e cabo VGA, notebook com carregador, caixa de som, pendrive com o MADE desenvolvido sobre “la Casa de Papel”, computadores PC com acesso à internet, cinco tablets para gravação e seus respectivos carregadores, suporte para um tablet, microfone para gravação de áudio, cinco extensões ou filtros de linha.

Em relação à categoria centralização da ação docente (CAD), apesar de os conteúdos serem apresentados pelos dois grupos no início da prática docente, destinaram a essa ação em torno de 5 minutos, substituindo a fala do professor por esse formato tecnológico. Nos demais momentos, centralizaram a ação docente na construção e no desenvolvimento de atividades pelos alunos, prevalecendo a experimentação e a criação, bem como sua posterior apresentação aos professores e aos demais colegas.

Comparando-se esses resultados aos obtidos no questionário de sondagem, infere-se que ainda existe uma preocupação dos grupos com a transmissão de conhecimentos e conteúdos realizada pelo professor, agora, em outro formato, o audiovisual. No entanto, o tempo que se propõe a esse momento da aula é menor em relação ao tempo que se propõe ao desenvolvimento de atividades de criação dos alunos. Sendo assim, percebe-se que, com o desenvolvimento de um trabalho transdisciplinar pautado no uso das tecnologias digitais, os licenciandos incrementam sua ação docente, retirando do professor a centralização indiscriminada da docência, com a valorização do espaço para a participação do aluno, colocando-o também como centro dessa ação educativa.

Além disso, os licenciandos conseguiram superar o desafio de pensar em uma prática docente isolada, com o desenvolvimento de temas e conteúdos que contemplaram o contexto da realidade dos alunos, bem como, a integração de conhecimentos de áreas diferentes, proporcionando essa vivência para si e para os alunos. É possível perceber o esforço dos licenciandos em desenvolver os conteúdos de cada área de forma a se relacionarem a partir da temática comum. Apesar de não mostrarem um aprofundamento dos conteúdos específicos dentro dos recursos audiovisuais, buscaram por um diálogo entre as áreas, diante de uma aprendizagem mútua, possibilitando aos alunos uma construção conjunta dos saberes.

Dessa forma, os licenciandos parecem ter apresentado mudanças em relação à centralização da ação docente, uma vez que, a despeito do que ressaltam Galvão, Ricarte e Daura [8], os licenciandos conseguiram um envolvimento entre as diferentes áreas por meio do desenvolvimento de novas formas de pensar e agir, integrando os saberes presentes em cada grupo de trabalho. Conseguiram estabelecer uma relação entre a temática e a realidade dos alunos da faixa etária do Ensino Médio, aspecto, segundo Godemann [9] necessário para que a discussão e a negociação entre os participantes do grupo transdisciplinar alcancem êxito na troca de informações e aprendizagens contínuas.

Em relação aos aspectos didático-metodológicos da docência (DMD), houve, por parte dos grupos, uma sequência didática convergente que os caracterizou como um todo. Nos dois grupos, o vídeo caracteriza o início do processo de ensino. Foram desenvolvidos pelos próprios integrantes dos grupos de licenciandos, utilizados para apresentação dos conteúdos, dentro dos temas escolhidos inicialmente, também pelos licenciandos. O vídeo, portanto, aparentou ser um substituto da aula expositiva que acreditam ser necessária antes da abordagem das atividades, como evidenciado no questionário de sondagem, diante da ênfase à transmissão de conhecimentos e conteúdo.

No entanto, os momentos de desafio para os alunos, a partir da necessidade de pensar os diferentes conteúdos abordados conjuntamente, com a apresentação de um tema comum, diante da utilização de tecnologias digitais ou analógicas, compreendeu maior duração, evidenciando maior ênfase da proposta didático-metodológica na construção do conhecimento pelo aluno. Esse aspecto se evidenciou quando, ao final do processo, os alunos poderiam ter contato com a produção dos outros colegas, dentro de um clima de aprendizagem mútua e desenvolvimento do pensamento crítico.

Nesse sentido, os licenciandos, ao trabalharem com uma proposta de transdisciplinaridade diante do uso de tecnologias digitais, conseguiram ir além do que apresentaram no questionário de sondagem, incrementando a ideia de docência pautada na transmissão do conhecimento, para outra, que possibilita o trabalho conjunto de professores ao se preocuparem com a aprendizagem de seus alunos, diante de uma proposta que contempla a ação e a criação como forma de compreensão dos conhecimentos.

Sendo assim, é possível que a proposta dos planos de aula pautados na transdisciplinaridade com o uso pelos alunos das TDICs se aproxime do que Sommer e Pinho [21] ressaltam como ponto-chave que demarca a utilização das TDICs no processo educativo, a possibilidade de alteração do padrão de fluxo comunicativo, modificando o estado do professor como emissor e do aluno como receptor, para que ambos se tornem produtores e criadores de mensagens de forma colaborativa.

Nesse sentido, as propostas de docência dos licenciandos se tornaram diferentes das apresentadas no questionário de sondagem, sobretudo quando colocam não somente o aluno como aprendiz, mas o professor como desenvolvedor crítico e reflexivo, preocupado com o contexto dos alunos, corroborando as compreensões de Lima e Loureiro [14].

Em relação à categoria uso das tecnologias digitais em sala de aula (TED), os licenciandos ressaltaram principalmente a necessidade de utilização de diferentes hardwares para o desenvolvimento das aulas e a necessidade tanto do vídeo produzido pelos próprios licenciandos como base para a apresentação dos conteúdos, quanto os equipamentos e materiais utilizados para captação de imagem e áudio pelos alunos. Para essa finalidade, propuseram a utilização de tablets.

Diferentemente do que apresentaram no questionário de sondagem, momento em que não associaram à docência nenhum tipo de tecnologia digital, no desenvolvimento do plano de aula, preocuparam-se em evidenciar elementos tecnológicos de base, como cabos e equipamentos não só para utilização pelos professores, como também para o desenvolvimento das atividades dos alunos. Destacaram ainda a necessidade de utilização de alguns softwares e da internet. Nesse sentido, o desenvolvimento de planejamentos de prática docente pode ter auxiliado os licenciandos a pensar a docência para além da utilização de projetores destinados à transmissão de conhecimento, mas como instrumento de criação, inovação e colaboração por parte dos alunos.

Apresentaram, portanto, as características ressaltadas por Almeida e Valente [26] pautadas no diálogo e na reflexão para o desenvolvimento não só tecnológico, mas para o incremento de uma postura ativa diante dos conhecimentos adquiridos no processo de preparação da docência, pautada menos no consumo de tecnologia e mais na geração de conhecimentos.

Infere-se, portanto, a partir da compreensão de Andalécio [1], que as TDICs favoreceram o trabalho transdisciplinar dos licenciandos por meio do desenvolvimento de uma produção colaborativa, de uma proposta de prática pedagógica conjunta e da necessidade de inovação nas propostas didáticas e metodológicas que possibilitem a construção do conhecimento por parte dos alunos com mediação participativa dos professores.

Conclusões

Considerando-se que o objetivo da pesquisa foi analisar de que forma os licenciandos que frequentam a disciplina Tecnodocência no segundo semestre de 2018 transformam a compreensão de docência ao desenvolver planos de aula transdisciplinares com inserção de tecnologias digitais, pôde-se constatar, por meio de Estudo de Caso, diante da análise das categorias: centralização da ação docente (CAD), aspectos didático-metodológicos da docência (DMD) e uso das tecnologias digitais em sala de aula (TED) que, no decorrer do processo, os licenciandos demonstraram indícios importantes de transformação.

Em relação à categoria CAD, esses indícios ficaram evidentes quando os licenciandos saíram da compreensão de docência pautada no conhecimento e no conteúdo a ser repassado pelo professor e recebido pelo aluno, evidenciadas no questionário de sondagem, e passaram a colocar o aluno como centro da ação docente a partir da necessidade de vivências e experiências no processo de aprendizagem.

Em relação à categoria DMD, alguns indícios de transformação ficaram evidentes, outros não. No questionário de sondagem, o conceito de docência esteve vinculado à transmissão de conhecimentos e conteúdos, mas também, à mediação, ao compartilhamento e ao desenvolvimento do pensamento crítico do aluno. Nos planos de aula, a proposta de desenvolvimento da sequência didática se pautou na estrutura de uma aula tradicional, com apresentação dos conteúdos por meio de vídeos, atividades de criação como exercícios e apresentação dos produtos como avaliação final do processo. Nesse aspecto, o trabalho com a transdisciplinaridade manteve o status quo da docência. Por outro lado, a aula realizada por apenas um professor, sem um tema específico que pudesse contextualizar os conteúdos a serem trabalhados foram construídas nos planos de aula em outro formato. A proposta de utilização de temas, conteúdos e participação de mais de um professor ao mesmo tempo em sala de aula, trabalhando conjuntamente entre si, em parceria com os alunos, ficaram evidenciados, denotando indícios explícitos de transformação de como compreendem a docência.

Em relação à categoria TED, ficou evidente a transformação, considerando-se que ao retratarem o conceito de docência no questionário de sondagem não trouxeram elementos vinculados ao uso ou ao desenvolvimento de tecnologias digitais. Esse elemento foi retratado nas propostas dos planos de aula, uma vez que os licenciandos tanto fizeram uso das TDICs como propuseram atividades nas quais os alunos poderiam não só utilizá-las, mas também desenvolver materiais digitais de forma autoral e inovadora.

Infere-se, dessa forma, que o trabalho transdisciplinar inserido no contexto das TDICs, a partir da experiência com seus pilares, com o desenvolvimento de temas contextualizados que extraiam das disciplinas não só o conteúdo, mas outros transversais, com cessão de espaços e tempos, além de aprendizagem mútua entre os sujeitos participantes, pode auxiliar os licenciandos a ter uma compreensão diferenciada da docência, mais dinâmica, menos isolada e solista, contribuindo com práticas pedagógicas pautadas no protagonismo do aluno em parceria com o professor.

Sendo assim, propõe-se a continuidade da pesquisa, destinando-se mais tempo e espaço para que um trabalho transdisciplinar com o aporte das TDICs seja desenvolvido integralmente, contemplando todas as suas nuances, desde seu momento de concepção até o momento de execução, aspecto não retratado neste trabalho. Compreende-se que o desenvolvimento de atividades docentes com a transdisciplinaridade em concordância com as TDICs é favorável para transformações conceituais desde que sejam respeitados os tempos necessários para que os licenciandos internalizem os novos conteúdos e as novas práticas que surgem como criação conjunta dos sujeitos envolvidos no processo.

Agradecimentos

Agradecimento à CAPES e ao CNPq em relação ao fomento e ao incentivo para o desenvolvimento da pesquisa.

Referências

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Información de Contacto de los Autores:

Luciana de Lima
Universidade Federal do Ceará
Ceará
Brasil
luciana@virtual.ufc.br
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ORCID iD: http://orcid.org/0000-0002-5838-8736

Robson Carlos Loureiro
Universidade Federal do Ceará
Ceará
Brasil
robson@virtual.ufc.br
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ORCID iD: http://orcid.org/0000-0001-7701-3799

Luciana de Lima
Professora Adjunta da Universidade Federal do Ceará vinculada ao Instituto Universidade Virtual, líder do Grupo de Pesquisa Tecnodocência com ênfase em Tecnologias Digitais, Educação, Educação a Distância; doutora em Educação.

Robson Carlos Loureiro
Professor Associado da Universidade Federal do Ceará vinculado ao Instituto Universidade Virtual, integrante do Grupo de Pesquisa Tecnodocência com ênfase em Tecnologias Digitais, Educação, Educação a Distância e Filosofia; doutor em Educação.

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