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Avá

versión On-line ISSN 1851-1694

Avá  n.15 Posadas dic. 2009

 

ARTÍCULOS

Sobre cães e índios:domesticidade, classificação zoológica e relação humano-animal entre os Karitiana.

Felipe Ferreira Vander Velden*

* Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Brasil. E-mail: fvander@unicamp.br.

Resumo

Este artigo discute a existência de diferentes narrativas sobre a história e as relações entre humanos e não-humanos, baseando-se nos dados sobre a relação entre os Karitiana, povo indígena na Amazônia brasileira, e os cães e animais similares. Pretende demonstrar que os estudos sobre a domesticidade na biologia - que focalizam o paralelismo entre formas sociais humanas e não-humanas na consolidação da convivência mútua - precisam levar em conta as formas culturalmente distintas de se construir o universo social.

Palavras-Chave: Domesticidade; Índios Amazônicos; Sociedade; Animais.

Abstract

This article discuss the existence of different narratives on the history and relationships between human and non-human beings, based on data from the Karitiana, an indigenous people of Brazilian Amazon, and their relationships with dogs and similar species. It's objective is to demonstrate that studies on domesticity produced by biologists - focusing on a kind of parallelism between human's and non-human's social forms in consolidation of mutual coexistence - must account culturally distinct forms of constructing society.

Key words: Domesticiy; Amazon Indians; Society; Animals.

Fecha de recepción: Diciembre 2008
Fecha de aprobación: Octubre 2009

Introdução1

Em um curto artigo para uma prestigiada revista científica norte-americana, a zoóloga Juliet Clutton-Brock (1977) sugeriu que os povos indígenas sul-americanos teriam adotado rapidamente o cão de origem européia pelo fato de que as cerca de onze espécies de canídeos existentes na América do Sul (do gênero Dusycion2, e não do gênero Canis, este último ao qual pertencem o cão domesticado e o lobo) prestavam-se mal à domesticação: podiam ser no máximo "amansados" (tamed), mas seus "recalcitrantes" (recalcitrant) hábitos de roubar alimentos (são excessive thieves) e de "vaguear" pela floresta (go to prowl in the forest) tornaram-nos, ao longo dos séculos, maus companheiros dos humanos e, portanto, imprestáveis a uma efetiva domesticação (1977: 1341-1342). Esta constatação decorre da sugestão, expressa no mesmo texto, de que estes canídeos não seriam animais muito propensos a formação de grupos sociais, se comparados aos seus parentes do gênero Canis, que inclui espécies altamente gregárias e organizadas em estruturas sociais relativamente complexas: de um paralelismo entre a organização social dos animais do gênero Canis e aquela dos humanos teria surgido o laço duradouro que consolidaria a domesticidade:

"A domesticação só acontece, entretanto, se os padrões de comportamento social dos animais amansados [tamed] são suficientemente bem desenvolvidos para permitir que gerações sucessivas se reproduzam em cativeiro, separadas das espécies selvagens" (Clutton-Brock, 1977: 1342; meu grifo).

Discutir a natureza dessas "sociedades animais", ou os graus de complexidade da organização social das diferentes espécies - e isso em relação aos processos de criação de vínculos duradouros entre estes e os humanos - parece ser a questão para as narrativas científicas que perseguem os mistérios da domesticação. De fato, a relação entre os hábitos sociais complexos de certas espécies animais e sua domesticação por grupos humanos é um fato reconhecido há tempos pela zoologia (cf. Zeuner, 1963). Não obstante, incomoda-me a comparação entre Canis e canídeos nativos, entre os animais que têm e os que não têm, digamos, "sociedade", e o quanto destas características efetivamente desenham os modelos de relação entre seres humanos e não-humanos. Assim, algumas das perguntas que se pode colocar são: terão os grupos indígenas nas terras baixas sul-americanas adotado os cães introduzidos após a conquista tão somente porque careciam de animais com hábitos semelhantes aos daqueles? Haveria, então, uma espécie de "déficit de sociabilidade" que não permitiu a domesticação dos canídeos nativos? Terão esses povos reconhecido imediatamente nos cães europeus, as formas familiares de seus "recalcitrantes" canídeos selvagens e, por esta razão, contornariam, via adoção do exógeno, as experiências fracassadas de domesticação das espécies nativas aparentadas? Essas questões nos levam, por fim, a perguntar: se a projeção de uma idéia de sociedade sobre os grupos organizados de lobos - ancestrais do cão - permitiu a interpenetração da sociedade humana com aquela dos animais, em que medida faz sentido projetar esta mesma idéia sobre a relação entre homens e Canidae em povos com distintas noções do que é o social?             

Este artigo busca explorar algumas das contradições localizáveis em certas narrativas científicas sobre a domesticação do cão, sobretudo no tocante ao conceito de sociedade utilizado pelas ciências biológicas quando discutem a história da associação entre humanos e animais. Estas contradições parecem emergir quando confrontamos os discursos desta ciência hegemônica da vida com outras narrativas, indígenas e antropológicas, que oferecem possibilidades alternativas para o entendimento das relações inter-específicas, e propõem desafios para uma história que, da perspectiva de zoólogos, etólogos e paleontólogos, parece estar cada vez mais próxima da verdade dos fatos.

Necessário assinalar que estou utilizando a noção de "domesticação" (doméstico/domesticado) em geral empregada nos estudos zoológicos sobre o processo, tal qual expressa no próprio fragmento de J.Clutton-Brock transcrito acima, e definida a partir do controle - especialmente do controle reprodutivo - de certas espécies pelo homem; acrescente-se um componente adicional - definido como "dominação", "servidão" ou "escravidão" dos animais - que é parte tanto de um conjunto de saberes que contesta as narrativas zoológicas dominantes (Serpell, 1996; Singer, 2004; Regan, 2006) como integra, por vezes, mesmo estas últimas (cf. Zeuner, 1963). Ambas as interpretações podem ser bem resumidas na definição de A. Gautier (apud Delort, 2002: 58, meus grifos), com particular atenção às palavras por mim destacadas: domesticação é "um processo de microevolução iniciado pelo isolamento de um número restrito de indivíduos de uma espécie selvagem particular, em um nicho ecológico especial, estabelecido pelo homem e que obriga esses animais a viverem e se reproduzirem sob sua tutela e em seu proveito".A mesma cautela deve ser assumida quanto ao conceito de "amansamento" (que tenta traduzir o termo inglês taming) que, a partir do texto de Clutton-Brock, parece constituir-se como uma primeira e necessária etapa da relação entre animais e humanos que segue depois rumo à domesticação; nesse sentido, o conceito é um tanto diverso do uso que a literatura etnológica faz do termo "familiarização" (que, por vezes, também traduz a palavra inglesa taming. Cf. Erikson, 1987), embora as traduções por vezes pareçam confundir as duas noções. Uma discussão mais detalhada de todos esses conceitos faz-se necessária, mas não tenho aqui espaço para tanto.

As Américas e seus cães.

Provavelmente o primeiro animal a ser domesticado por seres humanos; ou, melhor dizendo, primeiro animal a se associar ao homem de maneira duradoura e se tornar "membro da sociedade humana" (Zeuner, 1963: 77; Serpell, 1996), o cão domesticado (Canis familiaris Linnæus) estava bastante difundido na América antes da conquista: existem ricas evidências históricas, arqueológicas e, mais recentemente, genéticas da presença do cachorro entre populações indígenas por toda a América do Norte e México pré-colombianos (Schwartz, 1997). Sua distribuição na América do Sul é questão mais espinhosa. Gilmore (1997: 219, 273-274) observa que o cão não é um endemismo neotropical, tendo migrado do norte para algumas regiões sul-americanas. Existem evidências de que o cão estava presente antes de 1492 nas regiões meridionais do continente e também na região circum-caribenha e nas Guianas (Zeuner, 1963: 102; Schwartz, 1997: 30, 40-45, 76-78)3. Não obstante, sabe-se que o cão estava ausente na maior parte da Amazônia, tendo sido introduzido pelos conquistadores europeus. Boa quantidade de relatos de contato efetivamente observa que o cachorro foi rapidamente "adotado" pelos grupos indígenas, muitos dos quais mesmo pediam filhotes aos brancos que encontravam.

Por todo o continente sul-americano, entretanto, havia (e há) riqueza de outros gêneros e espécies de canídeos nativos. Dados mais recentes (Fahey & Myers, 2000) indicam a presença de 12 espécies, distribuídas em sete gêneros. De acordo com a literatura zoológica especializada, a maioria desses animais é solitária ou vive em pequenos grupos familiares, e são bastante tímidos e fugidios, sendo dificilmente observados: por esta razão, são espécies ainda mal conhecidas pelos biólogos. Destaque-se, ainda, que vários deles - especialmente os cachorros-do-mato encontrados no Brasil - são animais raros, ameaçados pela ocupação de seus territórios e pela caça. Os cientistas ainda destacam que, a rigor, os canídeos sul-americanos são animais majoritariamente onívoros e oportunistas, subsistindo largamente da caça de pequenas presas, além de ovos, frutas e carniça; podem ocasionalmente, no entanto, atacar animais maiores (Emmons, 1990: 134-6; Eisenberg & Redford, 1999: 280-6; Fahey& Myers, 2000; Reis et al., 2006: 242-250). A principal exceção a este resumo seria o cachorro-do-mato-vinagre (Speothus venaticus), que parece ter o costume de viver em pequenos grupos familiares cuja dieta, mais estritamente carnívora, é obtida por meio de um sistema cooperativo de caça bastante sofisticado, fortes evidências - de acordo com os critérios zoológicos - de que a espécie pode ser4 social (Reis et al., 2006: 249-50; Eisenberg & Redford, 1999: 285-6).

Existem variadas formas - oriundas de diferentes campos científicos e tradições acadêmicas - de se reconstituir o longo processo de domesticação em que estão implicados humanos e cães (Zeuner, 1963; Serpell, 1996; Schwartz, 1997; Haraway, 2003), mas, em geral, a maioria delas converge para a idéia de uma simbiose, ou seja, a co-evolução das duas espécies calcada na obtenção de benefícios mútuos, e produzida em última análise pela homologia entre as sociedades humanas e as matilhas lupino-caninas. Tal panorama interpretativo nos permite ver como se constroem as diferenças entre os hábitos dessas espécies nativas de canídeos da América e aqueles das espécies de Canis. Estes seriam animais altamente gregários, vivendo em grupos com estruturas sociais complexas e hierarquizadas, o que permitiria, entre outras coisas, alta eficiência na caça conjunta: as espécies do gênero Canis são, fundamentalmente, carnívoras e predadoras eficientes (Schwartz, 1997: 4). Tal como sugere Zeuner (1963: 83-85) tais características seriam, justamente, aquelas que teriam favorecido o tipo de "associação simbiótica" entre lobos5 e humanos, nos primórdios da domesticação: a vida social dos canídeos aproximando-os da sociedade dos homens e suas habilidades aproveitadas pelos caçadores, formando-se verdadeiras "matilhas" mistas, humano-animais. Os lobos possuiriam, portanto, as características de "predisposição" para a domesticação e tudo o que os seres humanos fizeram foi introduzir-se nos sistemas sociais lupinos (Schwartz, 1997: 7-10), ainda que, como aponta Serpell (1996), devemos dizer que os canídeos, de sua parte, também souberam intrometer-se nas sociedades humanas. É importante notar, contudo, que este é apenas um resumo de uma das narrativas possíveis do processo de associação entre humanos e canídeos - ainda que pareça ser um modelo dominante no atual estado do conhecimento no interior das ciências biológicas. É com este discurso hegemônico6 que devemos dialogar aqui.

Na ausência, portanto, dos caracteres comportamentais acima apontados - e na constância de outros hábitos julgados "perniciosos" para a domesticação por J.Clutton-Brock - as espécies de canídeos nativos da América do Sul jamais foram domesticadas pelo homem sul-americano. De fato, esses animais não parecem ter grande rendimento simbólico, aparecendo pouco nos mitos e inventários de saberes indígenas, além do que, ainda que possam ser "familiarizados" (ou "amansados"), sua ocorrência entre os animais mantidos nas aldeias indígenas como "mascotes" (pets) parece ser bastante rara: desconheço referências a essas espécies nas etnografias mais recentes sobre as populações indígenas nas terras baixas. Quero destacar que, a partir deste momento, estarei me referindo aos dados etnográficos Karitiana, povo com quem trabalho, bem como concentrarei minha atenção sobre os Canidae cuja ocorrência na floresta amazônica já foi comprovada. Passemos, pois, às relações entre os Karitiana e os diversos "cães".

Os Karitiana e o cachorro.

Os Karitiana (Yjxa) são uma população de aproximadamente 350 indivíduos, habitando três aldeias localizadas no estado de Rondônia, sudoeste da Amazônia brasileira; algumas famílias vivem, ainda, nas cidades de Porto Velho e Cacoal. Meus dados referem-se apenas à principal aldeia Karitiana - chamada Aldeia Central, (Kyõwã)- localizada bem no centro da Terra Indígena demarcada, que vem sendo continuamente habitada há pelo menos 40 anos, e na qual realizei minha pesquisa de campo. Dados relevantes também foram coletados na cidade de Porto Velho - capital do estado de Rondônia, a cerca de cem quilômetros da Aldeia Central - uma vez que os índios lá estão com freqüência. Ademais, as relações dos Karitiana com a cidade são cruciais para a compreensão de alguns aspectos de sua relação com os cães, bem como com outros animais domesticados introduzidos pelos brancos, como veremos. Os Karitiana falam uma língua do tronco Tupi, a única representante ainda viva da família Arikém.

Os Karitiana são registrados como habitando, ao que se sabe desde o início do século XX, a região de florestas dos vales dos rios Candeias e Jamari, no que é hoje o norte do estado de Rondônia. Ao que parece, estabeleceram contatos permanentes com os brancos somente a partir dos anos de 1950 (Moser, 1993). Em razão das características das frentes de colonização (caucheiros e seringueiros) que atingiram sua região a partir do final do século XIX, é razoável supor que os Karitiana tenham conhecido a maior parte das espécies de criação diretamente pelas mãos dos brancos: suas narrativas da introdução dos diversos animais exóticos - entre eles o cão - destacam-se por uma pequena profundidade temporal (reconhecida pelos índios), e por fazerem explícita referência à mediação dos homens brancos no aparecimento dessas espécies.

Os Karitiana desconheciam os cachorros domesticados antes do contato com os brancos. As narrativas do aparecimento desses animais entre eles, no entanto, são invariavelmente curtas e diretas como de resto são todas as que se referem aos animais introduzidos pelos brancos: dizem os Karitiana que esses seres "não têm história", no sentido de que a respeito deles não existem relatos (mitos) que descrevam suas origens no tempo pretérito distante que os índios denominam, em português, "tempo [de] antigamente": "cão não foi Deus [Botyj] que criou", nas palavras de Epitácio Karitiana. Há histórias dos mais diversos animais da floresta que relatam sua criação por obra do demiurgo Botyj(que os índios chamam, em português, de Deus), de seu irmão Ora, e de outros personagens míticos. Mas os animais introduzidos são reconhecidamente exógenos, estrangeiros e, como tais, produtos da relação estabelecida com os homens brancos num passado não tão longínquo, uma vez que vários indivíduos mais velhos podem se lembrar dos eventos, ou ouviram, quando pequenos, os relatos diretamente daqueles seus antecessores que os vivenciaram. Eles não são, portanto, produtos das potências criativas e criadoras que conformaram o mundo e seus habitantes tais como se os conhecem desde tempos imemoriais.

Os Karitiana dizem que os primeiros cães que viram foi com seringueiros, na região do rio Candeias, o que deve ter acontecido - a julgar pelas memórias dos indivíduos que recordam os acontecimentos - por volta dos anos de 1940. As narrativas relatam que o primeiro cachorro adotado pelos Karitiana era de pequeno porte, de cor branca, excelente caçador, e foi chamado Marreteiro, nome que se dá aos vendedores ambulantes que percorriam o oeste da Amazônia brasileira atendendo às populações dispersas pela floresta. Os seringueiros teriam sido os primeiros fornecedores de cães aos Karitiana, entregando espontaneamente os animais ou sendo roubados pelos índios, que demonstravam preferência por filhotes. Conforme contam os Karitiana, tudo leva a crer que se tratou de adoção rápida: conheceram cães, levaram para a aldeia e, ato contínuo, os cachorros estão convivendo com os índios como se lá estivessem desde sempre.

Esta narrativa aponta os rumos da acomodação dos cachorros à sociedade Karitiana, hoje em bom número na aldeia Kyõwã: meu último recenseamento (em dezembro de 2006) contou cerca de 40 animais, para uma população total de cerca de 270 índios. Todos os cães de acordo com os Karitiana têm donos (õ'gy, termo empregado também para os pertences pessoais de um indivíduo), ou seja, "pertencem" a alguma residência da aldeia. Na verdade, como as casas são referidas pelo nome do homem que a construiu e é seu "chefe", é comum dizer-se que tal cachorro "é" deste homem, ainda que sejam as mulheres quem efetivamente cuidam dos animais. "Cuidam" é um modo um tanto exagerado de falar, e o verbo talvez só deva ser aplicado aos filhotes. Quanto aos animais já crescidos, embora sejam bastante apreciados como auxiliares de caça, e sejam criaturas bastante próximas dos humanos - ganhando nomes individuais, freqüentemente vivendo e dormindo no interior das residências, e sendo "defendidos" por seus donos7-, sofrem as maiores atrocidades por parte dos índios: raramente são alimentados, tendo de procurar comida por conta própria, vivem cobertos de sarna e feridas na pele, são várias vezes surrados por aqueles que estão por perto e é comum definharem lentamente e morrerem sem qualquer atenção ou preocupação.          

Cachorros são considerados por muitos, ainda, como animais sujos - pois comem fezes e outros dejetos -, promíscuos, traiçoeiros e pouco confiáveis; muitos deles, além disso, são evitados pelas pessoas por serem considerados ferozes ou agressivos ("bravos"). Ademais, sua ampla liberdade na aldeia representa sério perigo para os caçadores, pois se cães comerem restos de animais abatidos - fragmentos de carne, ossos, penas, peles, resíduos de sangue - ou urinarem ou defecarem sobre estes, o caçador torna-se imediatamente panema8 (so'ndakap ou naam), não conseguindo mais encontrar nem matar caça. Talvez por essa razão seja muito raro que os Karitiana alimentem seus cachorros com porções de carne de caça.

Há, ainda, uma curiosa associação do cachorro com a figura do diabo, uma releitura Karitiana do cristianismo introduzido entre eles por missionários norte-americanos a partir dos anos 70. Com efeito, no Brasil e em outras partes do mundo cristão o diabo é comumente designado como "o cão", e cachorros são freqüentemente associados ao mal, a presságios funestos e a hábitos imundos e condenáveis (Cascudo, s/d [1954]: 215-6, 238-9). Os Karitiana, parece, levaram tal vínculo a sério, de modo que o diabo, chamado por eles de "cão", é considerado "chefe" de todos os cachorros que vivem entre os homens; não por acaso, vários comportamentos dos cachorros na aldeia (por exemplo, cães uivando ou gemendo, ou ainda a morte solitária de um animal) sugerem interpretações funestas, em geral anúncios de infortúnio grave ou morte. O diabo, entre os Karitiana, é chamado Tem tema, ou ainda Kida huj huj9, e é descrito como "espírito mau", uma criatura monstruosa que anuncia o roubo e a devoração das almas dos indivíduos com um ganido idêntico ao dos cachorros (diz-se que ele "chora como cão"). Criado por Botyj, segundo os Karitiana, a partir de um dente de onça - o que sugere a aproximação entre cachorros e felinos que discutiremos adiante. Ademais, cães estão presentes em vários relatos sobre a geografia do mundo dos mortos, sempre com caráter agressivo: diz-se que o caminho que leva até Deus (Botyj) é cheio de cachorros enormes que perseguem e ameaçam dilacerar e devorar as almas dos mortos. Voltaremos adiante a este ponto.

Voltando às práticas, observa-se que os cães gozam da intimidade dos humanos, vivendo em um espaço intermediário entre os domínios masculinos e femininos: cuidados pelas mulheres (e crianças) desde filhotes, é na companhia dos homens que vão demonstrar seu efetivo valor, aos olhos dos Karitiana, como caçadores; de fato, muitos homens declaram apreciar apenas cães que sabem caçar bem, e várias famílias não abrigam cachorros porque dizem não conseguir animais que sejam treinados para caçar. A habilidade para acompanhar os homens na mata, localizar e perseguir as presas e mesmo lançar-se sobre elas e matá-las determina o valor assinalado a cada cachorro. Existem várias técnicas de treinamento dos cães, além de inúmeros procedimentos destinados a fazê-los caçadores eficientes e especializados em certas presas.

É de serem bons caçadores, grandes auxiliares nas atividades dos homens na floresta, que, creio, vem a denominação desta espécie na língua Karitiana. Cachorros são obaky by'edna, literalmente "onças de criação", onças (obaky) domésticas, criadas/cuidadas (by'edna, "criação", termo que pode ser utilizado para os filhos de um indivíduo); os Karitiana também traduzem o termo como "onças mansas" e "onças de casa". Perguntados sobre a razão de cães serem "onças mansas", os Karitiana apontam sempre as mesmas razões: cachorros têm "o [mesmo] sentido da onça", ou seja, são iguais às onças, pois são bravos, perigosos e atacam mesmo sem serem molestados; são pa'ira, termo traduzido por "bravo" e que se refere à disposição de um ser em atacar ou investir agressivamente contra outro: é empregado para várias espécies animais - onças, queixadas, quatis, vespas - mas também para qualquer criatura - humana ou não humana - com intenções agressivas. "Cachorro é como onça, só que vive na aldeia", sintetiza Marcelo Karitiana. Mas, se canídeos nativos já existiam na Amazônia antes da penetração dos colonizadores europeus, por que os cachorros introduzidos não foram associados a estes animais, mas às onças? A crer em Juliet Clutton-Brock, estes canídeos nativos seriam como que candidatos óbvios para esta associação, ainda que não pudessem, segundo a autora, ser domesticados. Mas as onças, afinal, também não puderam!

Cachorros do mato, cachorros bravos e jaguares: problemas de classificação.

Os biólogos sabem pouco a respeito das espécies de canídeos nativas da Amazônia, incluindo a real extensão de sua distribuição geográfica. Os dados disponíveis registram a ocorrência de duas espécies na região tradicionalmente habitada pelos Karitiana: o cachorro-do-mato-de-orelha-curta (Atelocynus microtis) e o cachorro-do-mato-vinagre (Speothos venaticus), duas espécies intimamente relacionadas (Reis et al., 2006: 242, 249; Eisenberg & Redford, 1999: 280-1, 285-6).

Ambos parecem ser animais bastante raros em toda sua área de ocorrência, conforme escreve a bióloga Louise Emmons (1990: 135-136): "eles parecem raros em toda parte, e poucos índios na Amazônia aparentam ter visto algum deles em qualquer ocasião". De fato, essas espécies, como já apontamos, são de difícil observação, e a destruição de seus habitats aliada à caça predatória coloca as duas espécies na lista dos animais ameaçados de extinção no Brasil. Não obstante, se biólogos encontram dificuldades na obtenção de dados sobre estes animais, é preciso relativizar a afirmação de Louise Emmons: afinal, como populações que conhecem de modo tão detalhado os ambientes em que vivem - e as criaturas com as quais compartilham esse ambiente - podem passar sem saber destes animais, ainda mais se tratando de mamíferos de médio porte? É possível, obviamente, que a rarefação das espécies venha tornando episódico o aparecimento dos cachorros nativos, mesmo nas terras indígenas. Não obstante, é razoável supor que, talvez, as perguntas dos pesquisadores quanto a estes animais estejam sendo mal interpretadas. Modificando a abordagem, coloquemos assim: para os Karitiana, cachorros-do-mato são cachorros?

Não foi fácil conseguir que os Karitiana identificassem o que eu chamava de cachorro-do-mato: a própria idéia lhes parecia estranha, e uma primeira tentativa produziu a identificação obaky by'edna gopit, cuja tradução literal é "onça de criação (cachorro) do mato", evidente paradoxo, pois a expressão by'edna ("de criação, manso, de casa") é diretamente oposta ao qualificativo gopit, que é usado apenas para descrever os animais que vivem na floresta e que recusam a companhia dos humanos: ou seja, os animais de caça. Não obstante, a descrição do animal pareceu bastante consistente com a descrição que a zoologia da região faz dos canídeos com ocorrência na área - ainda que pareça uma mistura das características das duas espécies: existiam antes da chegada dos brancos, possuem pelagem preta, marrom ou cinza escura, vivem em bandos de três ou quatro indivíduos, latem como cães domesticados e são muito arredios, não sendo possível amansá-los. Como os dois informantes eram jovens caçadores, podemos desconfiar que eles conheciam os animais nativos, mas talvez não seu nome na língua Karitiana.

Utilizei, então, com indivíduos mais experientes, as ilustrações de um guia para biólogos de campo (Emmons, 1990: pranchas 15 e 16), mesmo tendo consciência de todas as críticas feitas às limitações da identificação de seres vivos por meio do uso de imagens impressas (ver Hunn 1977: 21-26). Com isso, Antônio Paulo Karitiana identificou Atelocynus microtis (Emmons, 1990: prancha 15, no. 9) como gyryty, "cachorro-do-mato" na sua tradução. Ele disse que o animal tem um latido semelhante ao do cachorro criado, e possui pelagem acinzentada; ademais, não são comidos pelos Karitiana, mas seus dentes (assim como dentes de onça) podem ser usados na confecção de colares bastante valorizados, com os quais os genros presenteiam seus sogros. E completa as informações: "é igual cachorro, por isso chamam de obaky by'edna" (o termo Karitiana para o cão domesticado). Outros informantes traduziram gyryty como "raposa" ou "lobo-do-mato", e ressaltaram que o animal é bravo. Já Epitácio Karitiana identificou como gyryty duas outras espécies, também ilustradas em Emmons (1990: prancha 16, nos. 3 e 5): o furão (Galictis vittata) e a irara (Eira barbara), dois carnívoros mustelídeos10. Curiosamente, os Karitiana designam a irara como obaky emo, que se traduz literalmente por "onça preta". Um outro animal, o guaxinim (Procyon cancrivorus, um carnívoro procionídeo) é denominado obaky irisa, "onça-quati"; digno de nota, se quatis e iraras são apreciados como alimento, os guaxinins não são comidos pelos Karitiana.

Outro animal referido pelos Karitiana, mas não correlacionado a nenhuma das ilustrações do guia de campo, é chamado kypon ou kypõrõty (lit. "kypon grande"), e identificado em português também como "cachorro-do-mato": diz-se que se trata de um animal de rabo curto, pelagem preta com pescoço branco e peito cinzento, com cheiro forte, e que vive em grupos de cinco indivíduos. O ponto interessante a destacar é que, embora os índios mencionassem a espécie como "cachorro bravo" ou "bicho como [isto é, semelhante ao] lobo, como cachorro", eles completavam a informação dizendo que ele é "tipo onça, mata caça para comer", tem "o sentido da onça" (é semelhante a onça) ou "é uma onça, igual cachorro".

Parece haver, portanto, uma invariante aqui: vários carnívoros nativos da região são relacionados pelos Karitiana à onça (jaguar, Panthera onca), o maior carnívoro das Américas. Todos eles compartilham com o felino uma característica fundamental, a ferocidade: todos são "do mato" (gopit), todos são "bravos" e agressivos, potencialmente perigosos (pa'ira), e todos são reconhecidamente predadores, caçadores. Acrescente-se que, ainda que os Karitiana possam sugerir a possibilidade de "amansar" esses animais quando capturados ainda jovens, há bastante incerteza quanto ao sucesso desta tarefa: não há qualquer um deles na aldeia hoje, e as referências a sua existência em tempos passados são imprecisas.

A associação dos canídeos - nativos ou introduzidos - e de carnívoros de outras famílias com os jaguares não é estranha a outras populações ameríndias. Philippe Descola (1994: 84-86) afirma que os Achuar na fronteira peruano-equatoriana incluem na categoria yawa "um conjunto de mamíferos carnívoros que, à primeira vista, parecem totalmente distintos", os vários felinos, duas espécies de cachorros-do-mato, o furão e a irara, além do cachorro domesticado; esta classificação deriva da percepção de que esses seres compartilham "natural ferocidade e gosto por carne crua" (Descola, 1994a: 230). Diego Villar (2005: 499) anota a mesma "misteriosa relación" entre cães e onças entre os Chiriguano-Chané no oriente boliviano, recordando a informação de Claude Lévi-Strauss feita quase 40 anos antes:

"Mas uma classificação que nos parece heteróclita, não o é forçosamente do ponto de vista indígena. A partir do radical /iawa/ o tupi forma, por sufixação, os substantivos: /iawara/ "cachorro", /iawareté/ "jaguar", /iawacaca/ "ariranha", /iawaru/ "lobo", /iawapopé/ "raposa" (...), agrupando assim em uma mesma categoria felídeos, canídeos e um mustelídeo" (2004a [1967]: 83).

Esta vinculação entre cães e jaguares seria, assim, uma das formas de classificação dos cachorros europeus pelas culturas indígenas, que os associaram a diferentes criaturas nativas da região: conforme observa Marion Schwartz (1997: 158), "em todos os lugares das Américas, cães [europeus] são tradicionalmente vistos como animais totalmente distintos dos 'cães selvagens' [ou seja, as espécies nativas de canídeos]". Dito de outra forma, os cachorros europeus são antes equacionados aos jaguares, que parecem funcionar como uma sorte de protótipo (Hunn 1977) de um grupo de seres que partilham certas características: vários mamíferos da ordem Carnivora, e entre eles os canídeos nativos.

O que parece estar operando aqui, no modo como os Karitiana classificam esses animais, é que eles não estão preocupados com a morfologia, e sim com algo próximo ao que Fabiola Jara (2002) chama do contexto (context) em que esses seres vivem. De acordo com a autora, os sistemas indígenas de classificação dos seres apóiam-se majoritariamente em "redes complexas  de relações ecológicas"(complex web[s] of ecological relationships), ou seja, o parentesco entre as espécies é definido em função de múltiplos contextos de relação entre elas - hábitos alimentares e reprodutivos, competição, simbiose, coabitação, mutualidade, entre outras - o que inclui também suas relações com os humanos (Jara, 2002: 125); nesse sentido, a constituição de grupos de espécies relacionadas passa menos pela forma dos seres do que pelas variadas inter-relações entre eles. É a observação dos modos de relação das várias espécies de carnívoros que estamos discutindo aqui com os outros seres da floresta e com os humanos - caça, ferocidade, agressividade, competição ecológica - que, me parece, situa-os em um mesmo grupo (Jara, 2002). Uma resposta Karitiana à pergunta formulada alguns parágrafos acima, portanto, parece ser: não, cachorros-do-mato não são cachorros, mas são jaguares. E no final das contas, cachorros de criação também são jaguares. Os colonizadores europeus (e seus cientistas) nomearam as espécies nativas (para eles exóticas) utilizando uma categoria que já conheciam (o cachorro, mas também raposas, lobos, entre outros) fundamentando-se na lógica das semelhanças morfológicas (e posteriormente genéticas). Os Karitiana fizeram o mesmo: aplicaram sobre a espécie européia exótica uma categoria nativa (a onça), mas baseando-se em outra lógica, aquela das semelhanças comportamentais ou contextuais (ferocidade, predação, alimentação carnívora), ou seja, focalizando os hábitos - e, poderíamos dizer, as técnicas corporais - de todos esses seres.

Familiarizando o exterior.

Por que, então, os Karitiana - e outras sociedades indígenas nas terras baixas sul-americanas - não domesticaram as várias espécies de canídeos nativos? Philippe Descola (2002) deu uma resposta ampla para a questão da ausência da domesticação animal na Amazônia, focalizando as espécies da família Tayassuidae (os porcos-do-mato), talvez as mais fortes candidatas ao processo na região - por seu comportamento altamente gregário e social. Os povos indígenas amazônicos não domesticaram os animais porque o processo da domesticação animal - tal qual concebido por muitas das narrativas que recontam este processo - seria incompatível com as formas de relação que estas culturas concebem entre humanos e os demais seres que povoam o cosmo: como articular a ideologia da domesticidade - com todo seu conteúdo, ao menos no mundo ocidental judaico-cristão, de controle, servidão, escravidão e dominação (Serpell, 1996), vinculados, como vimos, ao controle reprodutivo, à exploração econômica e à manutenção em confinamento - com cosmologias que desconhecem, em larga medida, tais formas de relação social? Em um sentido mais amplo, se a domesticação envolve o domínio da cultura (humana, ativa e criativa) sobre a natureza (animal, inerte e objetificada), como reconhecer este processo entre sociedades que desenham a relação entre humanos e demais criaturas de outras formas (Viveiros de Castro, 1996; Descola, 1998)?

As relações entre humanos e animais na Amazônia são relações sociais (cf. Descola, 1998) que não se fundam na objetivação e na dominação destes por aqueles, mas na premissa de que a subjetividade é um atributo comum aos seres e, portanto, as inter-relações assumem contornos diversos do controle da cultura (domesticidade) sobre a natureza (selvageria). Nas terras baixas sul-americanas familiariza-se, mas não se domestica (Erikson, 1987; Descola, 2002), o animal que vem para a aldeia, porque os modelos de relação entre humanos e não-humanos para essas sociedades não entendem os pressupostos da domesticidade tal qual definidos por boa parte da ciência biológica, a saber, o humano controlando (e daí subjugando) o não-humano. Relação cujo nexo está situado nas tais "predisposições" para a convivência, encontradas tanto nos humanos quando nas demais espécies domesticadas que, em última análise, são derivadas de uma visão que estende aos animais as características sociológicas típicas dos agrupamentos humanos: desta forma, humanos e animais agrupam-se e convivem porque estes são, ao fim e ao cabo, sociologicamente identificados àqueles.

Voltemos, então, aos argumentos de J.Clutton-Brock: num sentido mais amplo, os índios amazônicos não domesticaram os animais - incluindo-se, aqui, os canídeos - porque não quiseram alterar seus modos de relação com esses seres. E não somente porque esses canídeos nativos teriam, como na visão dos especialistas, características incompatíveis com a domesticação. Atentemos para o fato de que este suposto défict de socialidade dos canídeos nativos talvez não seja mesmo empiricamente comprovável se situamos a reflexão na perspectiva das narrativas hegemônicas da domesticação, ou seja, aquelas que sugerem uma forma de "encaixe" entre as socialidades humana e animal: o cachorro-do-mato-vinagre(Speothos venaticus), por exemplo, parece ser uma espécie gregária, que vive em bandos e exibe "uma estrutura social de certa complexidade" (Eisenberg & Redford, 1999: 285-6; Reis et al., 2006: 249-50); além disso, "domesticado, portar-se-ia tal qual um cachorro" (Schwartz, 1997: 5); da mesma forma, outros canídeos nativos possuiriam, também, um "potencial social" reconhecido na formação de pequenos grupos familiares observados na natureza, e na docilidade apresentada quando em cativeiro (Eisenberg & Redford, 1999: 282; Reis et al., 2006: 243-4). Os próprios Karitiana dizem que as duas espécies que identificam como "cachorros-do-mato" - gyryty e kypon/kypõrõty - vivem em pequenos grupos. Uma lista de espécies familiarizadas entre grupos indígenas amazônicos (cf. Gilmore, 1997; Descola, 2002: 101-2) inclui animais que normalmente levam vidas solitárias, além de animais que, em liberdade, são fugidios e mesmo agressivos.

O ponto, todavia, é outro. De uma perspectiva geral, os índios não domesticaram os canídeos nativos como não domesticaram nenhum outro animal: por mais dóceis, sociáveis e controláveis que a zoologia entenda várias espécies sul-americanas, a relação social desenhada entre humanos e não-humanos aqui é radicalmente diferente do modelo de relação que fundamenta a domesticação. Mas num sentido estrito, quero destacar dois dados a respeito dos mamíferos carnívoros da família Canidae e sua posição entre os Karitiana: primeiro, que as características que Clutton-Brock julga impeditivas para a domesticação dos canídeos nativos - os hábitos de roubar comida e de vagar livremente pela floresta - são atribuídas pelos Karitiana, justamente, aos cães de criação, animais considerados traiçoeiros e pouco confiáveis, além de viverem soltos pela aldeia, vagando sem rumo preciso e, sem alimento, freqüentemente caçando por conta própria pequenas presas na floresta; segundo, que os hábitos sociais dos cães são percebidos de modo negativo pelos Karitiana, como se o cachorro fosse, acima de tudo, um ser não-social, no sentido moral, e lembremos que, na Amazônia, a moralidade define a socialidade e mesmo a humanidade (ver Overing, 1985): incestuoso, preguiçoso, sujo, ardiloso, feroz. Ou seja, se nós projetamos sobre os cachorros a nossa noção de sociedade, traçando um paralelo entre esta e a organização das "sociedades caninas" (ou "lupinas") e criando as condições para a domesticação, os Karitiana projetam sobre os cães características que são, em princípio, não-sociais e, em tese, problemáticas para a convivência entre humanos e animais. Como observa Diego Villar (2005: 499): "Esta domesticidade [do cão] remete a uma predisposição para a vida social, por mais que a qualidade da mesma não deixe de resultar problemática".

Oposto de tudo o que é plenamente social como os jaguares, seres que, na Amazônia, são emblemas das potências solitárias, agressivas e predatórias. A identificação dos cachorros com os jaguares teria sido, então, um impedimento mais forte para a não familiarização daqueles; da mesma forma, todos os seres associados às onças, da perspectiva dos índios - incluindo os canídeos nativos -, não se prestam à familiarização: como predadores por excelência, a onça e seus "irmãos" (é por meio deste termo de parentesco que os Karitiana assinalam o vínculo entre o seres) não podem entrar nas famílias dos humanos. Como ter jaguares na aldeia, convivendo cotidianamente com os homens? E se cachorros são jaguares...

Vemos, então, que se o cão é um animal social da perspectiva da etologia ocidental, uma etologia Karitiana considera-os de maneira inversa: daí ser necessário levar em conta, no estudo das relações de proximidade entre humanos e não-humanos, não apenas as características das espécies animais que as aproximam dos homens, mas também os modos culturalmente singulares como estes homens vêem os animais. Há muitas outras noções de sociedade em jogo na história das interações trans-específicas. O problema, então, parece estar em comparar uma pretensa "socialidade humana" e, de modo correlato, uma pretensa "socialidade animal": noções de hierarquia e dominância não estarão tão arraigadas na nossa compreensão do social que se aplicam bem aos modelos de sociedades animais, centrados em estruturas sociais rigidamente organizadas e hierarquizadas? Mas e quando as sociedades em questão não compartilham dessas mesmas construções do social?

Não obstante tudo isso, mesmo assim, os cachorros estão lá, em bom número, na aldeia, perfeitamente familiarizados pelos Karitiana e adaptados à vida em "sociedade". Onde estará, portanto, a diferença entre os jaguares-cachorros domesticados introduzidos e os demais jaguares da floresta?

A princípio, é crucial relembrar que o cachorro "doméstico" jamais foi, a rigor, domesticado pelos Karitiana, e nem por outras sociedades indígenas na Amazônia. Vemos, então, que mesmo sua familiarização tão rápida por parte desses povos coloca problemas, uma vez que as espécies a ele associadas pelos Karitiana - onça, irara, guaxinim e os cachorros-do-mato - não podem ser trazidas para a aldeia, ou só o são muito raramente (registrei, ao longo da pesquisa, apenas uma menção a uma irara criada na aldeia, que teria fugido após algum tempo), assim como demonstram outras etnografias amazônicas. Buscando concluir, gostaria de propor uma sugestão para este problema com base nos dados que coletei entre os Karitiana.

Se cachorros são jaguares, é como se eles projetassem no interior do universo dos humanos toda a potência perigosa e potencialmente destrutiva dos grandes felinos, caçadores poderosos, mas predadores solitários e sorrateiros. A admiração pelos cães de caça ilustra esse valor positivo atribuído à habilidade de caçar: a onça, embora perigosa, é admirada por sua capacidade de perseguir e matar suas presas; de modo idêntico, são admirados os cachorros que demonstram destreza e ferocidade ao caçar. A potência caçadora é uma virtude de uns e outros, uma vez que ambos são onças, uma do mato, outras domésticas (a mesma ambigüidade é observada entre os Achuar: Descola, 1994a: 230). Não é estranho que os Karitiana conheçam técnicas - hoje, segundo eles, não mais empregadas - para que um homem se transforme em onça: pintar o corpo com pontos pretos de jenipapo (a "pintura da onça", obaky ejema), beber ou besuntar-se com o sangue do animal, comer as folhas de uma planta identificada como obaky opirisapo (lit. "orelha de onça"), as raspas de casca de uma árvore de tronco pintado (ep'epokejema go obakydna) ou, ainda, a própria carne do animal, tudo isso são artifícios que permitiam a um caçador tornar-se uma onça, quer seja, assumir as afecções corporais e, daí, a perspectiva (cf. Viveiros de Castro, 1996) de uma onça. Com garras e dentes fortes, um homem-onça converte-se em um caçador formidável. Não obstante, esta transformação carrega o germe da associalidade, posto que o homem que se torna onça passa a ser um indivíduo inconstante, agressivo e perigoso para todos os seus pares: por isso todas as histórias de humanos que usavam transformar-se em jaguares acabam, invariavelmente, na morte do caçador, não mais reconhecido por seus parentes como um dos seus.

É este perigo mortal cravado no seio do social que, creio, fundamenta a ambigüidade do cão entre os Karitiana, e o paradoxo que existe entre sua valorização como caçadores (e os cuidados que recebem quando filhotes ou, em menor grau, quando são caçadores bem-sucedidos) e o desprezo e a violência que constituem sua posição simbólica e seu tratamento cotidiano: poder inconstante no seio da sociabilidade humana, exterior interiorizado que se deve admirar, mas, ao mesmo tempo temer, e manter sob estrito controle, exterior que é preciso incorporar, mas processo sempre regulado, tenso e potencialmente destrutivo.

Os cachorros da aldeia Karitiana estão sempre vindo de fora, e isso sua origem já o demonstra: eles vieram pela mão dos brancos nos primeiros contatos recordados. Mesmo hoje em dia, a maior parte dos cães é adquirida em Porto Velho (comprados, trocados, recolhidos nas ruas, doados por brancos) e são raríssimas as fêmeas que parem na aldeia: há sempre pouquíssimos filhotes. Seguramente, as condições de saúde dos animais tornam a reprodução local inviável, como aponta Kohn (2007: 11) entre os Ávila Runa no oriente equatoriano; no entanto, como o mesmo autor assinala, o fato dos cães serem sempre trazidos da cidade cria um laço de dependência do grupo em relação aos brancos "fornecedores" de cachorros, o que se constitui em uma ligação dos Runa com um mundo mais amplo, que transcende a aldeia. Da mesma forma, os Karitiana dependem da cidade para se "abastecerem" de cachorros, mas me parece que, como todos os poderes inerentes aos bens dos brancos, que vêm de fora, é exatamente esta origem alógena que confere valor e, ao mesmo tempo, inspira o temor. Certo é, ainda, que a ausência de reprodução dos cães na aldeia e o transporte dos animais individuais para a comunidade espelham a captura constante de espécimes na floresta, o que constitui a dinâmica do processo de familiarização que caracteriza a relação dos povos indígenas com os animais criados entre os homens.

Os Karitiana, portanto, desprezam e agridem os cachorros porque eles espelham a potência predatória "do mato" no interior da aldeia; animal que pode caçar com muito sucesso, mas, concomitantemente, e por isso mesmo, não inspira muita confiança, além de roubar alimentos, comportar-se incestuosamente e viver na sujeira, todos índices de sua poderosa associalidade - daí, talvez, sua associação, na releitura Karitiana do cristianismo, com o diabo, "o Cão", figura do mal que está entre nós, contraparte necessária dos poderes da divindade criadora e provedora, e que deve ser controlada por meio do trabalho incessante de construção dos laços de respeito, solidariedade e apoio mútuo (cf. Overing, 1985; Overing & Passes, 2000).

Todavia, como o cachorro de origem européia foi adotado com tanta facilidade e rapidez, mesmo encarnando toda esta ambigüidade, talvez o argumento de Philippe Descola (2002: 107-9) esteja correto: a adoção das espécies de animais trazidas pelos colonizadores trouxe, junto, um novo modelo de configuração das relações entre humanos e não-humanos, como se cães, galinhas, bois e cavalos fossem vistos pelas sociedades indígenas como parte de um "pacote tecnológico" (Turbay, 2002: 102) que incluiria não só os animais, mas, também, as ideologias associadas a eles e, em menor medida, as técnicas para sua administração. Isso poderia explicar porque o cão foi (e ainda hoje é) familiarizado (depois de trazido da cidade) e criado na aldeia, ao passo que os canídeos nativos - por mais "domesticáveis" que possam ser, do ponto de vista da biologia - não costumam freqüentar as aldeias indígenas: todos são jaguares, mas alguns pertencem aos domínios do mato, enquanto outros estão desde sempre na companhia dos homens. Talvez esta sugestão seja válida apenas para grupos que reconhecem nos brancos os introdutores dos animais - como é o caso dos Karitiana em relação aos cães e a outras espécies domésticas. Assim, esses seres constituiriam uma classe autônoma que, embora simbolicamente vinculada aos seres "do mato", seria definida, acima de tudo, por sua origem exótica.

Conclusão: antropologia e biologia.

Existem inúmeras narrativas sobre a trajetória da domesticação animal, produzidas por uma variedade de disciplinas acadêmicas (zoologia, ecologia, etologia, genética, paleontologia, história, antropologia, arqueologia, economia) bem como por diferentes grupos de interesses, como movimentos de defesa animal, e seus naturais contrários, os grupos que dependem economicamente da reprodução industrial de animais de criatório. Nesse campo, cada vez mais conflituoso, em que se entrechocam saberes, poderes, rotinas, direitos e sensibilidades, uma compreensão detalhada dos processos de coexistência entre humanos e animais só pode ser alcançada com sucesso por meio da colaboração intensa e sincera entre as diferentes áreas do conhecimento. Assim, este artigo sugeriu que a história conjunta de homens e animais - sejam elas milenares ou muito recentes, como é o caso dos cães na Amazônia - pode chegar a conclusões instigantes ao se analisar caso a caso, prestando cuidadosa atenção não apenas às diferentes espécies de animais envolvidas, mas, da mesma forma, às diversas sociedades e culturas que encontraram esses seres e com eles entabularam relações de proximidade e convívio. Se a história da convivência entre humanos e espécies domesticadas no contexto ocidental (e, posteriormente, nas sociedades industriais modernas) pode ser explicada em termos do paralelismo entre os modos de organização social das comunidades humanas e as características que teriam desenvolvido em alguns animais uma "predisposição" para a convivência com humanos, a relação desses animais com formas radicalmente distintas de organização social e cultural requerem análises específicas. Assim, pode-se sugerir que se algumas sociedades não domesticaram animais, isso não foi devido a "falhas" ou "ausências" da parte seja dos animais, seja das comunidades humanas, mas tão-somente a modos cultural e socialmente singulares de desenhar e atualizar estas relações.

Nesse espírito, a antropologia tem feito, há tempos, um esforço por incluir os conhecimentos produzidos pela biologia (sobretudo pela ecologia) no estudo das relações entre humanos e não-humanos (Ingold, 1988; 2000; Haraway, 2003; Kohn, 2007). Restaria à biologia fazer, de sua parte, a fusão pelo caminho inverso: o reconhecimento das formas de relação diferenciadas que se estabelecem entre as espécies não-humanas na perspectiva dos povos indígenas, bem como das múltiplas interações culturalmente específicas entre aquelas e estes. É fundamental que se reconheça, entre outras coisas, que não há uma humanidade que desenvolve, como um bloco, relações com os outros seres, mas tantas "humanidades" quantas forem as diferentes culturas humanas. Os conhecimentos produzidos pelas ciências da vida podem ser (e são) muito úteis, mas é tarefa fundamental desconstruir o enorme poder das narrativas biológicas, colocando-as no mesmo patamar das outras narrativas sobre os humanos e os demais seres com os quais partilhamos o mundo, e permitindo um diálogo comum entre distintos conjuntos de saberes. É forçoso reconhecer que a narrativa científica é apenas uma das possibilidades de se compreender o mundo, e que certamente ela acessa apenas uma parcela - e não necessariamente a mais rica - do imenso conjunto que chamamos de biodiversidade.

Da mesma forma que Eduardo Kohn (2007: 5) propôs uma "Antropologia da vida" - "ver os diferentes modos por meio dos quais as pessoas estão, de fato, conectadas ao universo mais amplo da vida, e as maneiras através das quais podem modificar o que significa ser humano" -, seria pertinente, talvez, sugerir uma "Ecologia das culturas", não, evidentemente, no já surrado sentido da ecologia cultural (norte-americana), mas em busca da percepção de que diferentes humanos talvez produzam diferentes animais11: isso, sim, seria levar o estudo das relações entre seres humanos e não-humanos para outro patamar, em que as ontologias não-ocidentais ou não-científicas sejam, de fato, consideradas em toda a sua complexidade. Isso significa sugerir que, por exemplo, o cachorro domesticado, conquanto uma espécie única e singular (notemos, en passant, que a noção de espécie como um "isolado" é criticada por parte da biologia), apresenta características diferentes segundo as modalidades de relação que estabelecem com os seres humanos, dependentes de universos simbólicos e práticas sociais culturalmente específicos de tratar os animais. Talvez, deste modo, possamos compreender melhor as respostas dadas pelas mais diferentes criaturas às atividades onipresentes dos seres humanos, contribuindo, assim, para estratégias mais eficientes e mais solidárias - para com humanos e não-humanos - que visem a conter a exploração dos seres vivos, os maus tratos contra os animais, o desaparecimento de incontáveis espécies e a devastação da Terra.

Notas

1 Trabalho apresentado no IX Congreso Argentino de Antropología Social, Posadas, Universidad Nacional de Misiones, agosto de 2008. Agradeço ao apoio e aos comentários críticos de André Luiz Martini, Juliana Vergueiro Gomes Dias, Raquel Taminato, Brián Ferrero e Marylin Cebolla Badie. Todas as traduções de trechos em inglês, francês e espanhol são de minha autoria.

2 O gênero Dusicyon foi posteriormente revisto, e a classificação mais aceita hoje - e utilizada neste artigo - é a proposta por Wozencraft (2005). Atualmente, as doze (e não mais onze) espécies de canídeos sul-americanos estão classificadas nos gêneros Lycalopex (6 espécies de raposas sul-americanas); Atelocynus, Speothos, Urocyon, Cerdocyon e Chrysocyon (cada um com 1 espécie); o gênero Dusicyon foi preservado para o extinto lobo das ilhas Falkland (D. australis).

3 Com base em Gilmore (1997: 240-41), entretanto, é possível supor que esses cachorros circum-caribenhos, registrados por alguns cronistas e viajantes - como perros mudos - fossem, na verdade, espécimes de cães selvagens nativos amansados (tamed) e mantidos nas aldeias; de fato, a maior parte das espécies de canídeos nativas possui vocalizações muito diferentes dos latidos do cachorro doméstico (Emmons, 1990: 135; Einsenberg & Redford, 1999: 280-6).

4 Conforme já disse, o comportamento da maior parte dessas espécies em seus habitats naturais é ainda parcamente conhecido.

5 De acordo com várias pesquisas, os lobos cinzentos (grey wolves, Canis lupus) são os ancestrais do cachorro doméstico e, como afirma Robert Wayne (apud Schwartz, 1997: 10), com base em estudos morfológicos e genéticos, "cachorros são lobos cinzentos".

6 O texto de J.Clutton-Brock com o qual dialogo aqui, embora escrito em 1977, representa com clareza esta "narrativa hegemônica" da domesticação, e por isso permanece atual. Foi escolhido apenas como exemplo, não obstante privilegiado, pois carrega com ele o capital simbólico de sua autora e do periódico em que foi publicado.

7 Para os Karitiana, agredir um cachorro implica em ofender diretamente o seu dono (termo nativo); animais da floresta que matam ou ferem cachorros durante caçadas são invariavelmente procurados e mortos pelos caçadores como "pagamento" (de uma espécie de "dívida de sangue"; este termo não é usado pelos Karitiana) ou vingança, além do fato de que as pessoas choram e lamentam muito a perda de seus cães.

8 Termo de uso comum na Amazônia brasileira (mesmo entre não-índios) e que designa o azar na caça, estado em que o caçador não consegue matar animais para trazer carne para seu grupo doméstico. As causas, "sintomas" (modos de manifestação) e formas de "cura" variam enormemente entre as populações.

9 Arriscando-me na etimologia, penso que a denominação desta criatura "demoníaca" também deriva de uma releitura indígena da visão cristã do diabo, chamado também de "Coisa Ruim" no Brasil: com efeito, a palavra kida é traduzida como "coisa", e é empregada para se referir aos objetos em geral (por exemplo, kida o, "fruto" - lit. "coisa redonda"), mas também a vários seres que os Karitiana designam como "bichos", e que podem incluir desde mamíferos ferozes (onças) e insetos e répteis peçonhentos até criaturas monstruosas como o Mapinguari (kida so'emo ou kida harara); se huj huj puder ser lido como a pronúncia Karitiana da palavra portuguesa (note-se que o "j" final é uma semivogal nasalizada -meu editor de texto não permitiu sua representação gráfica adequada - fazendo com que a pronúncia Karitiana soe idêntica à da palavra "ruim" em português) teríamos o "Coisa Ruim" indígena. Os Karitiana dizem que huj huj descreve o som que a criatura emite quando se aproxima dos humanos com a intenção de devorar-lhes a alma, som que é idêntico aos ganidos de um cachorro machucado (o mesmo se diz da outra denominação, Tem tema, que também seria onomatopéica).

10 Note-se que o furão é também chamado, no interior do Brasil, de cachorro-do-mato (Reis et al., 2006: 256).

11 As diferentes técnicas de caça caninas entre as sociedades indígenas Amazônicas podem ser um bom exemplo destas distintas técnicas corporais aprendidas e em-corporadas (embodied) pelos cães em uma multiplicidade de contextos sócio-culturais. Estes variados hábitos (habitus?) caninos espantaram Herbert Baldus entre os Tapirapé no Brasil Central, de acordo com a Revista de Atualidade Indígena (FUNAI, 1978: 33, meu grifo): "[c]omo não recebem o sustento regular, a fome leva os cachorros a adotarem um comportamento não-canino: ser frugívoros e trepadores". Mas o que é o "comportamento canino"?

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