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Avá

versión On-line ISSN 1851-1694

Avá  no.19 Posadas dic. 2011

 

ARTíCULOS

Um olhar antropológico sobre a mídia, cirurgia íntima e normalidade

 

Thaïs Machado-Borges*

 *Doutora em Antropologia Social pela Universidade de Estocolmo. Pesquisadora do Institute of Latin American Studies, Universidade de Estocolmo, Suécia. 

 


RESUMO

O presente artigo examina como a cirurgia íntima feminina é representada e discutida em alguns textos da mídia brasileira encontrados na internet.  Partindo de uma análise antropológica da mídia discute-se aqui como produtos culturais produzem, estabelecem e estetizam determinados padrões de normalidade feminina.
Argumenta-se que a cirurgia íntima, tal como é representada em certos textos da mídia brasileira, parece apresentar às mulheres a possibilidade (ou a necessidade) de transformar seus corpos em cópias perfeitas de um padrão imaginário de feminilidade, que entrelaça normalidade com ideais de aparência física, desejo e prazer.

PALAVRAS CHAVES: Cirurgia íntima; Mídia; Normalidade; Feminilidade; Textos culturais

ABSTRACT

Media representations of female genital cosmetic surgery or "intimate surgery," as it is colloquially called in Brazilian Portuguese, are the topic of this article. The study examines the way this relatively new topic has been discussed and represented in the Brazilian media (newspapers and magazines whose texts were available through the Internet). Starting from an anthropological approach to media, this article examines the way cultural products produce, establish and aestheticize patterns for feminine normality.
It is argued that media discourses on female genital cosmetic surgery offer women the possibility (or necessity) to transform their bodies into perfect copies of an imaginary blueprint of femininity that weaves normality with beauty ideals, desire and pleasure.

KEY WORDS: Female Genital Cosmetic Surgery; Media; Normality; Femininity; Cultural Texts


 

CORPOS MALEÁVEIS?

Um grande número de mulheres deixa de ter uma vida sexual ativa por complexos e vergonha da aparência do seu órgão genital. Outras ficam impedidas de usarem calças justas, biquínis e roupas de ginástica por constrangimento. (www.classiclife.com.br/medicina/med_0066_8ed.html)

Se a calça apertada que está na última moda não cabe em seu corpo, por que não mudar o corpo?  Cirurgias plásticas, programas televisivos transnacionais sobre transformações radicais e as mais diversas intervenções cosméticas, com resultados propagados através de fotos - "o antes e o depois" - fazem parte do dia-a-dia de qualquer pessoa que viva em sociedade e que tenha algum tipo de contato com um meio de comunicação. Fotos e reportagens mostrando as distintas etapas de várias metamorfoses ilustram, por um lado, que tipos de transformações físicas são desejáveis e indicam, por outro lado, que tipo de pessoas deveriam se candidatar a tais transformações. A cirurgia plástica moderna, muitas reportagens dizem, é capaz de realizar milagres. Mas poderia esse tipo de cirurgia contribuir para aumentar o prazer sexual das mulheres? Poderiam as novas tecnologias transformar "zonas erógenas" em inteiras "paisagens" onde reina o prazer?

O presente artigo tem como objetivo examinar como a cirurgia íntima feminina é representada e discutida em textos da mídia brasileira encontrados na internet.2 O corpus do presente artigo foi coletado durante o ano de 2005. Os textos analisados foram escritos entre 2000 e 2005.  Não se discute aqui o impacto subjetivo de práticas de modificação corporal, mas sim o modo como tais práticas são representadas e divulgadas através de textos e documentos em português encontrados na internet. Portanto, o presente artigo não é sobre como a cirurgia íntima vem sendo feita no Brasil, mas sim sobre como este fenômeno global vem sendo representado em alguns textos da mídia brasileira.

Na busca para a obtenção de corpos "malhados", "sarados", "ideais", "turbinados", "esculpidos" mais de meio milhão de cirurgias plásticas foram feitas no Brasil, somente em 20033 Oitenta e um por cento dos procedimentos foram feitos em pessoas do sexo feminino. A idade dos pacientes tem diminuído nas últimas duas décadas: nos anos 80, a média era de 50 anos. Nos anos 90, ela passou a ser de 40 anos e atualmente ela está por volta dos 35 anos (Folha de São Paulo, 18/11/2204).

A idéia de que o corpo é maleável e plástico e que a beleza é de fácil alcance se espalha como um mantra na mídia brasileira. A atitude representada na mídia a respeito da cirurgia plástica é geralmente positiva. Ao se folhear revistas ou jornais brasileiros é fácil encontrar artigos e entrevistas sobre as vantagens trazidas pelas tecnologias atuais. Páginas e colunas descrevem incansavelmente como pessoas famosas (e às vezes, mesmo pessoas comuns) se submetem ou planejam se submeter a cirurgias plásticas, dietas, exercícios físicos, ou tratamentos de beleza. Expressões como "o poder do bisturi", "a magia das cirurgias plásticas", ou "a marcha do progresso científico" aparecem freqüentemente como um modo de se descrever a cirurgia plástica na mídia brasileira.

 Ao mesmo tempo em que a mídia descreve uma infinidade de maneiras para se obter um corpo "sarado" e "turbinado", o ideal de beleza que é circulado se escreve, muitas vezes, no singular. Existe um padrão de corpo ideal que permite apenas pequenas variações sobre o tema. Beleza, no caso da cirurgia plástica em geral, vem interceptada com hierarquias de gênero, classe e raça.  O caso da cirurgia íntima feminina, tal como ela é representada em diversos textos publicados na internet, parece permitir ainda menor variação física, cristalizando assim a idéia de um padrão estético único, aplicável a todas as pessoas do sexo feminino.4

O objetivo do presente artigo é mostrar como textos em português encontrados na internet produzem, estabelecem e estetizam um determinado padrão de normalidade. Examino nove textos eletrônicos que abordam a questão da cirurgia íntima feminina. Dentre estes nove artigos cinco provêm de revistas e jornais, enquanto quatro outros podem ser classificados como "propagandas informativas", ou seja, textos informativos produzidos por clínicas especializadas em cirurgias estéticas. O critério para escolha do material foi baseado exclusivamente na presença do tema "cirurgia íntima", "cirurgia da intimidade" ou "cirurgia plástica em órgãos genitais femininos". Existe, como demonstrarei a seguir, uma nítida associação entre aparência física, normalidade, desejo e prazer no material empírico aqui analisado. Argumento que os textos sobre cirurgia íntima examinados no presente artigo criam um padrão imaginário de normalidade feminina. Formas que correspondam a esse padrão de normalidade são consideradas como sendo atrativas, estéticas, capazes de provocar desejos e até mesmo de causar prazer.5

CORPOS NORMAIS?

Normalidade, como veremos, não é simplesmente uma descrição neutra sobre práticas e aparências comuns e recorrentes. Este conceito vem freqüentemente associado a representações sobre ideais estéticos e comportamentais. Para uma discussão sobre o conceito de normalidade refiro-me aqui ao trabalho da antropóloga Fanny Ambjörnsson (2004) sobre gênero, classe e sexualidade entre jovens suecas cursando o nível ginasial. Ambjörnsson discute e apresenta alguns aspectos importantes na definição de normalidade. Resumo-os aqui: Normas não existem por si mesmas. Elas existem em relação a um pólo oposto e definido. A norma, seguindo o raciocínio de Judith Butler (1991) prevê o desvio e depende desse para legitimar seu próprio significado. A relação entre o normal e o desvio é hierárquica, ou seja, o "normal" vem freqüentemente associado com o "natural" e "inquestionável" assim como o "desvio" vem associado ao "não-natural" ou "marginal". Outro aspecto desta abordagem teórica da normalidade apontado por Ambjörnsson (2004) é que já que a norma prevê e depende do desvio para justificar sua própria existência, sua estabilidade é precária, o que implica que as relações entre a norma e o desvio são frágeis e instáveis6. Normalidade, segundo Ambjörnsson não é apenas uma descrição neutra do modo mais comum e habitual de ser, mas é também um estímulo para como a pessoa deve ser. Desta forma, o conceito se aproxima da representação do ideal. "O que é atrativo na normalidade não é que ela é mediana, mas sim que ela se aproxima de um ideal". (Ambjörnsson, 2004:299).

Ao discutir a construção social do sexo em pessoas com genitália ambígua, Machado (2005) apóia-se no trabalho de Kessler (1998) e aponta para a sobreposição da noção de natural e de ideal. Ao analisar o caso específico dos padrões de beleza apresentados em revistas acadêmicas internacionais sobre cirurgia estética, Neto e Caponi comentam que a normalização não significa transformar uma anatomia "na mais freqüente e, sim, em um padrão de beleza predeterminado" (2007:576). Qual é então o papel da mídia no que diz respeito à representação de corpos normais?

UMA ABORDAGEM ANTROPOLÓGICA DA MíDIA

Já é lugar comum afirmar que a mídia exerce uma considerável influência na formação e consolidação de ideais de beleza, padrões de comportamento e de consumo7. Diversos meios de comunicação de massa fazem parte do nosso dia-a-dia. Assistir televisão, ouvir um programa de rádio, ler uma revista ou um jornal e acessar à internet são atividades cotidianas praticadas por uma considerável parte da população. Tendo como objetivo alcançar o maior número possível de consumidores, tais meios de comunicação utilizam formas de expressão orais e visuais de forte teor cultural8. Em outras palavras: para agradar a um público diversificado, um determinado meio de comunicação usa diversos símbolos e imagens culturais que circulam na sociedade. Pode-se então dizer que a mídia é formada pelo contexto social e cultural no qual ela se desenvolve ao mesmo tempo em que ela transmite e reproduz uma série de mensagens de teor sócio-cultural.9 Abordados através de uma perspectiva antropológica, considero os textos sobre cirurgia íntima aqui analisados como sendo textos com distintos traços culturais.

Retornemos aqui ao citado inicial deste artigo para exemplificar o teor cultural de mensagens encontradas na mídia brasileira. Afirma-se que algumas mulheres "ficam impedidas de usarem calças justas, biquínis e roupas de ginástica por constrangimento" devido à aparência ou tamanho de seus órgãos genitais (www.classiclife.com.br). "Calças justas, biquínis e roupas de ginástica" são descritas como sendo peças básicas no guarda-roupa da mulher brasileira. Tal afirmativa não seria tão corriqueiramente iterada num contexto sueco, por exemplo, onde fatores ambientais e culturais não priorizam tal tipo de roupa ou preocupação.10

Outro aspecto interessante e também relacionado com o contexto cultural brasileiro é que o corpo feminino é apontado como sendo o problema que pode vir deixar a mulher constrangida e impedida de usar "calças justas, biquínis e roupas de ginástica".  Isto nos leva a perceber não somente uma visão do corpo como sendo extremamente maleável (não é a moda que se adapta ao corpo, mas o corpo que se adapta à moda); como também a perceber que existe uma simbiose entre consumo e posicionamento social na sociedade brasileira contemporânea (a calça da moda e o corpo da moda marcam o posicionamento social da mulher).11

Pode-se afirmar então que diversos meios de comunicação (tais como programas de televisão, revistas, jornais e comerciais) são produzidos a partir de uma série de idéias sobre o que o público pode estar querendo consumir. No processo de produção de meios de comunicação é criado um produto que não somente visa a satisfazer os desejos do público - ou seja: a mídia dá o que o povo pede; como também estabelece os desejos e necessidades desse público, ou seja: a mídia cria diferentes tipos de necessidades, posições e aspirações (Bordo 1997, Dyer 1993, Graffman 2002). Aos poucos, textos culturais criam um mapa estético mostrando o que é mais ou menos desejável no corpo e na mulher. Um olhar antropológico sobre como textos encontrados na mídia brasileira representam a questão da cirurgia íntima oferece uma visão crítica da retórica usada na representação de um fenômeno de alcance global em um contexto local.

ESCOLHA O SEU PROBLEMA

Estima-se que mais da metade das mulheres em idade adulta apresente algum tipo de patologia nos genitais. São casos de conseqüências estéticas muito indesejáveis, a ponto de acarretar uma série de constrangimentos e problemas em sua vida pessoal. Mas todos eles, felizmente, são passíveis de solução pela cirurgia plástica, de modo rápido e eficiente. (Linda em todos os aspectos, Plástica e Beleza, edição no. 46, grifo nosso).

Neste texto, o suposto fato de que mais da metade das mulheres têm órgãos genitais que de alguma forma não correspondem ao padrão do órgão genital "normal", não provoca um questionamento desse padrão e de seus critérios de normalidade. Ao contrário, as mulheres que desviam desse padrão estético são consideradas como sendo diferentes, indesejáveis e infelizes.

Outros textos sobre cirurgia íntima encontrados na internet confirmam a mesma tendência: eles apresentam depoimentos de médicos e pacientes, como por exemplo, o de uma mulher de 29 anos que "desde pequena se achava diferente por ter os lábios da vagina muito grandes" (grifo nosso), ou o de uma paciente que "tinha certeza que sua vagina não era normal e que os pequenos lábios hipertróficos prejudicavam o ato sexual" (Cirurgia plástica íntima, Plástica e Beleza, edição no. 24). Os mesmos textos apresentam também soluções para como se livrar "do estigma dos lábios vaginais exagerados e de outros problemas genitais íntimos" (Cirurgia plástica íntima, Plástica e Beleza, edição no. 24, grifo nosso).

Voltamos aqui à questão da normalidade e de como uma definição do "normal" prevê e de certa forma produz o "desvio".  Em Gender Trouble, Judith Butler (1990) discute e analisa os mecanismos de produção discursiva que constroem categorias de gênero e sexo. Machado (2005) desenvolve a linha de argumentação de Butler (1990) e de Fausto-Sterling (2000) ao examinar como médicos e familiares lidam com a questão da intersexualidade em crianças no Brasil. De acordo com a autora, seu material empírico indica "que o sexo deixa de ser natural e que o modelo dicotômico é uma construção social, que se impõe como norma para todos os corpos". Segue que "não é necessariamente a partir da natureza que se criam as dicotomias, e sim que se aprende a perceber o mundo como dicotômico, restando pouca tolerância para a indefinição e a ambigüidade" (Machado, 2005:261). Os textos aqui analisados podem ser vistos como um exemplo de produção discursiva da normalidade: ao mesmo tempo em que tais textos apresentam soluções para problemas femininos, eles também produzem o problemático descrevendo as variações estéticas nos órgãos femininos como sendo casos de "imperfeições na genitália" ou "má-formação congênita" (Plástica da intimidade, Plástica e Beleza, edição no. 49, grifo nosso). Para apresentar soluções é necessário também criar um problema.12

Ainda nesta mesma matéria de Plástica e Beleza (no. 24) podemos ler que "para nós mulheres, a auto-estima é a união de muitos fatores que estão ligados, principalmente, à beleza do corpo e rosto". Este extrato de texto é interessante por diversas razões. Primeiro, porque mostra como textos destinados a um público feminino produzem e reproduzem representações sobre gênero e feminilidade. Preocupações com o corpo, a moda e a estética são ligadas ao ser feminino. Por ser mulher, a leitora de Plástica e Beleza (ou de outras revistas e matérias do mesmo gênero), está pressupostamente interessada, como o próprio nome da revista indica, em beleza e plástica. Cria-se assim um produto que estabelece desejos e necessidades e os apresenta como sendo fatos naturais e inquestionáveis. No caso, a condição feminina determina a preferência da leitora: ser mulher é se interessar por estética corporal. E é também por ser mulher que a leitora deve tentar corrigir, disciplinar e aperfeiçoar a sua feminilidade.13 Uma visão, a nosso ver, bastante tradicional do que é ser uma mulher.

Em 1949, Simone de Beauvoir (1989) discute em Le Deuxième Sexe, a idéia que uma pessoa não nasce mulher, mas se torna mulher. Usando uma perspectiva histórica, Beauvoir descreve como o sexo feminino se forma e reforma através dos tempos. A posição das mulheres na hierarquia social como o "segundo sexo", ou seja, a posição desvalorizada das mulheres na sociedade e em quase todos os espaços fora de casa é examinada e contestada. A pertinência de sua análise fica nítida quando nos deparamos com textos culturais atuais que ainda afirmam que "para nós mulheres, a auto-estima é a união de fatores que estão ligados, principalmente, à beleza do corpo e rosto" (Plástica da intimidade, Plástica e Beleza, edição no. 49).

Outro aspecto interessante nos textos sobre cirurgia íntima (como também nos textos sobre cirurgia plástica em geral) é que eles associam a cirurgia plástica com a luta feminina pela auto-estima. A decisão de se submeter a uma operação íntima é descrita como um sinal de agência e determinação:

Se a mulher tem vergonha de seu órgão genital, não há nada que a faça sentir-se à vontade na sua intimidade. Felizmente, esse trauma pode ser eliminado pela cirurgia plástica, em 30 minutos. Uma conquista que deu à mulher moderna a liberdade de decidir se deve ou não melhorar a sua performance. (Cirurgia plástica íntima, Plástica e Beleza, edição no. 24, grifo nosso).

Pode-se entender então que tomar conta de si mesma, modelar o corpo e preocupar-se com a aparência física é um sinal de autoconfiança, um sinal de que a "mulher moderna" gosta de si mesma (apesar de todos os defeitos que ela constantemente identifica em si). Cabe à mulher escolher se quer "melhorar" (e sempre melhorar) a sua performance como mulher e como ser sexual. Basta que ela verifique qual é o problema que lhe aflige e que esteja disposta a remediá-lo:

São diversos tipos de casos. O mais freqüente, em cerca de 70% das mulheres com problemas estéticos nos genitais e até 30% da população feminina em geral, é o da hipertrofia dos lábios vaginais. Outro caso comum é o alargamento do canal vaginal, seja por má-formação congênita ou decorrente do parto normal. Completam a lista das patologias genitais femininas mais comuns o escurecimento da mucosa vaginal pelo excesso de hormônio ou pós-parto e o murchamento dos lábios em mulheres na faixa acima dos 50 anos, decorrente da perda da gordura natural na área. Há ainda casos de excesso de gordura no Monte de Vênus, que requerem uma minilipoaspiração e a perda dos pêlos púbicos por distúrbios hormonais ou pós-cesariana, corrigida com transplante dos pêlos das axilas ou dos cabelos. (Linda em todos os aspectos, Plástica e Beleza, edição no. 46).

Cor, harmonia, textura, consistência e apresentação geral (em calças justas, biquínis e roupas de ginástica?) são critérios minuciosamente examinados ao se determinar se a mulher realmente é "linda em todos os aspectos". Por um instante poderíamos quase crer que se trata de um concurso de culinária ou mesmo dos critérios usados para se julgar uma escola de samba em pleno desfile de carnaval. Mas o que está sendo julgado aqui, ao se examinar todos esses critérios, é a performance da mulher.

"TODOS OS DIAS OLHO A VAGINA NO ESPELHO. ELA ESTÁ LINDA!"

De espelho na mão, qual é a imagem que a mulher vê refletida?

Já examinamos dois aspectos da performance feminina tal como ela é descrita em textos sobre cirurgia íntima: um associa à feminilidade a necessidade de se auto-examinar, disciplinar e corrigir (Ambjörnsson 2004, Foucault 1977). Vale à pena lembrar que "para nós mulheres a auto-estima é a união de muitos fatores que estão ligados, principalmente, à beleza do corpo e do rosto" (Plástica da intimidade, Plástica e Beleza, edição no. 49). Ser mulher, segundo os textos aqui examinados, é se preocupar com beleza e plástica. 

Um segundo aspecto da performance da mulher que foi discutido acima, está ligado com a questão da agência. Existem dois pólos nesse debate: como os textos aqui examinados indicam, modificações corporais podem ser vistas como um sinal de auto-estima e controle, ou podem ser vistas como sinal de submissão feminina a padrões culturais de gênero e sexualidade.14 

Como o presente artigo simplesmente examina textos culturais e não entra em diálogo com mulheres que optaram ou não por cirurgias íntimas, não entraremos aqui na questão do debate sobre a eventual agência ou submissão das pessoas que optam por fazer operações plásticas. Como Morgan (1998) aponta, cirurgias plásticas com bons resultados proporcionam em suas pacientes uma sensação de bem-estar e de aumento da auto-estima. Existem vários fatores subjetivos que entram em jogo nas práticas de modificação corporal. As repercussões desse fenômeno a nível individual só podem ser estudadas a partir de entrevistas e contatos diretos.  Tal abordagem não cabe dentro do âmbito do presente artigo que tem como objetivo fazer uma análise antropológica de como a cirurgia íntima feminina é representada em textos da mídia brasileira. Vista dentro de um contexto brasileiro, onde consumo e posicionamento social andam de mãos dadas, um olhar antropológico contribui para questionar e desconstruir representações que podem ser tomadas por únicas e inquestionáveis.

Passemos então a outro aspecto desta performance feminina tal como é descrita em textos sobre cirurgia íntima. Para tornar-se "linda em todos os aspectos" (Plástica e Beleza, edição no. 46), para "ter uma vida sexual melhor" (Plástica e Beleza, edição no. 24), "para a sua auto-estima e para a melhora do prazer sexual" (Plástica e Beleza, edição no. 49), e para "auxiliar no desenvolvimento da sexualidade" (www.saudenainternet.com.br), a cirurgia íntima corrige aquilo que foge aos padrões da "normalidade" a fim de que a pessoa seja considerada atraente. O diferente (mesmo que ele seja mencionado como ocorrendo em grande parte da população feminina) é descrito como indesejável e pouco estético (leia-se pouco belo ou pouco atraente). A performance da mulher melhora, quer dizer, ela se torna mais estética e atraente, a partir do momento em que ela se agrega ao grupo das mulheres com órgãos genitais "normais".

Voltemos ao depoimento com o qual inicio esta seção: "todos os dias olho a vagina no espelho. Ela está linda" (Cirurgia Plástica íntima, Plástica e Beleza, edição no. 24).  Se tirado do contexto no qual foi publicado, tal frase nos faria lembrar dos movimentos feministas dos anos 70, que, através de motos como "meu corpo me pertence", reivindicavam  o direito das mulheres de usarem seu próprio corpo e explorarem sua autonomia sexual15. Autoras como Frankfort (1972) ou a Boston Women's Health Collective (1973) e mais recentemente Ensler (1998) viam a auto-descoberta e a celebração do próprio corpo como um passo em direção a um maior conhecimento de si mesma, como nos conhecer sem primeiro conhecermos nosso próprio corpo?

Reposicionado dentro do contexto da cirurgia cosmética em órgãos genitais femininos, a mulher que se auto-examina com um espelho na mão caberia, à primeira vista, dentro da idéia de resgate do corpo: a cirurgia plástica parece ser uma escolha com potencial libertador. Porém, como Morgan (1998) indaga, resta saber se a opção pela cirurgia plástica reflete um momento de escolha ou um momento de conformidade.

Como Lipovetsky sugere, "de um lado o corpo feminino se emancipou amplamente de suas antigas servidões - sexuais, procriadoras ou indumentárias; de outro, encontra-se atualmente, submetido a coerções estéticas  mais regulares, mais imperativas e mais geradoras de ansiedade que antigamente." (2000:76-77) Ainda segundo o raciocínio de Lipovetsky, nota-se o desenvolvimento de um ideal individualista (a cirurgia como escolha individual) e por outro lado, um desejo cada vez maior de conformidade estética.

E O PRAZER? E A SEXUALIDADE? ONDE FICAM?

Apesar de se descrever em detalhe como o órgão genital feminino não deve ser para ser considerado atrativo, nenhuma imagem explícita do padrão ideal de genitália feminina é mostrada para ilustrar as tão detalhadas descrições de imperfeição e anormalidade. De fato, as  poucas imagens presentes nos textos sobre cirurgia íntima ou mostram fotos de mulheres com as mãos tampando o sexo (ilustrando provavelmente a mulher no período pré-operatório) ou imagens de casais heterossexuais, nus, com os corpos entrelaçados (o imaginário desejado).16

Além disso, supõe-se que todas as candidatas a operações íntimas levam, apesar de suas "anomalias", uma vida sexual ativa. Comenta-se, ao final de cada reportagem, que o único problema com a cirurgia íntima é que a paciente deve se abster de sexo por volta de 30 dias após a operação: "Um sacrifício muito bem aceito, porque é a avant-prémier [sic] de um momento de prazer há muito tempo sonhado e esperado". (Cirurgia plástica íntima, Plástica e Beleza, edição no. 24). A heterossexualidade serve aqui como um pano de fundo para a discussão sobre sexualidade e normalidade.  Diversos estudos antropológicos discutem a partir de diferentes materiais empíricos, como a sexualidade está ancorada em contextos históricos e sócio-culturais (Kulick, 1998). Certas práticas sexuais são privilegiadas e sancionadas ao mesmo tempo em que outras são consideradas como desvios ou práticas "anormais". É interessante também notar, como por exemplo, Rubin (1998) o faz, que mesmo a heterossexualidade contem uma hierarquia interna que privilegia certas práticas e condena outras17

Com a exceção de uma entrevista com um cirurgião plástico (A Região 23/04/03, versão on-line) onde foi indagado se a cirurgia íntima poderia contribuir para o aumento do orgasmo (possibilidade esta rápida e diretamente descartada pelo entrevistado), a questão do prazer é abordada num sentido que poderia ser descrito como sendo platônico ou no máximo, psicossomático. Outro cirurgião entrevistado afirma: "O mais importante é que qualquer uma dessas cirurgias opera um verdadeiro milagre no cérebro dessas pessoas" (Linda em todos os aspectos, Plástica e Beleza, edição no. 46).

MUITO PRAZER EM SER NORMAL

Fica estabelecido nesses artigos que não se fazem operações para aumentar o tamanho do clitóris ou de outras possíveis zonas erógenas. Analisando o assunto da cirurgia cosmética em órgãos genitais femininos em textos da mídia em língua inglesa, Braun (2005) encontra artigos sobre procedimentos cirúrgicos que prometem aumentar ou melhorar o prazer sexual das mulheres através de cirurgias cosméticas genitais, tais como amplificação do ponto G através de injeções de colágeno ou reposição do clitóris. Foi só recentemente (01/05/08) que vi na mídia brasileira, uma reportagem sobre estes tipos de procedimento.18 Em sua análise, Braun critica a representação do prazer sexual como sendo reduzida à capacidade da pessoa em ter orgasmos e argumenta que a questão do prazer é discutida dentro de um contexto tradicional e heterossexual. Além disso, a autora sugere que ao mesmo tempo em que tais representações constroem o corpo feminino como orgasmático, este ideal é reforçado como sendo algo que nem todas as mulheres atingem facilmente sem a ajuda de intervenções cirúrgicas (Braun, 2005).

Nos textos em português aqui examinados, é logo descartada a possibilidade de que um implante ou uma lipoaspiração pudessem vir a aumentar a sensibilidade de uma pessoa (ou de uma parte de seu corpo). A mudança que ocorre e o prazer que vem da mudança - como ele é descrito nos textos aqui examinados - é o de se ver algo que era "diferente" e "anormal" ser transformado em algo "normal" e pressupostamente "igual ao de todo mundo".

Ao que parece, quanto mais íntima a cirurgia, menor a  variação estética aceita. Parte-se do princípio da tradicional divisão entre dois sexos - o masculino e o feminino - e da idéia que mulheres, entre si, são consideradas como iguais por terem exatamente os mesmos órgãos genitais.19 Esta idéia da aparência única dos órgãos genitais femininos parece ser levada ao pé da letra no caso da cirurgia íntima.

Fica claro nos textos aqui examinados que o prazer que a cirurgia íntima vem a proporcionar é o prazer de se sentir desejada. Respondendo à pergunta "O que leva as mulheres a procurar uma cirurgia de alto risco?"; o cirurgião plástico entrevistado por A Região (23/04/03, versão on-line) cristaliza esta idéia em sua resposta: o que leva mulheres a optarem pela cirurgia estética íntima é "o prazer de se sentir bela e desejada".

Não negamos que esse seja um aspecto importante da sexualidade de várias pessoas, mas questionamos que tal seja o único aspecto do prazer feminino. O que acontece, nos textos sobre cirurgia íntima aqui examinados é que prazer, atração, e um padrão estético único de normalidade são fundidos e confundidos. Como Neto e Caponi sugerem, "o que a cirurgia plástica estética não demonstra (...) é que há um movimento anterior à intervenção e à melhora da auto-estima, que é a piora da auto-estima, e que a sua prática, certamente, tem relação com isso, na medida em que os novos recortes corporais definem novas normas, que criam essa demanda pela cirurgia estética" (2007:582). Um olhar antropológico sobre a mídia, cirurgia íntima e normalidade ajuda a revelar e questionar tais mecanismos.

à guisa de conclusão, pode-se dizer que as representações na mídia brasileira sobre cirurgia plástica íntima propõem à mulher o prazer de se transformar em uma cópia de um imaginário desejado que a própria mídia ajuda a produzir e circular: de espelho na mão, a mulher vê refletida a cópia desse imaginário perfeito, ideal,  feliz e normal do que é ser e agir como mulher.20 Efetivamente, trata-se aqui de uma análise antropológica de textos que aparecem na mídia brasileira. Futuras análises sobre os aspectos subjetivos de modificações corporais contribuirão ainda mais para uma compreensão do fenômeno da modificação corporal através de cirurgias cosméticas tal como esse vem se desenvolvendo no Brasil.

 

NOTAS

2. Agradeço aos pareceristas anônimos da Revista Avá por seus comentários sobre versões precedentes deste texto. A realização do presente artigo só foi possível graças ao fomento oferecido pelo Conselho Sueco de Pesquisa (VetenskapsrÅdet).

3. Associação Médica Brasileira 7/12/2004, www.amb.org.br

4. Os seguintes textos foram examinados para o presente artigo: Cirurgia plástica íntima - Cai o último preconceito (Plástica e Beleza no. 24, versão on-line); Linda, em todos os aspectos (Plástica e Beleza no. 46, versão on-line); Plástica da intimidade - Acabou o tabu (Plástica e Beleza, no. 49, versão on-line); Cirurgia plástica vaginal desperta interesse (A Região, 22/04/03, versão on-line); Cirurgia plástica íntima auxilia no desenvolvimento da sexualidade (www.saudenainternet.com.br); Correção das hipertrofias - Propaganda informativa (www.ellje.com); Cirurgia da intimidade - Propaganda informativa (www.classiclife.com.br); Cirurgia íntima feminina - Um especialista para cada cirurgia - Propaganda informativa (www.vitalita.med.br); Plástica feminina íntima - Propaganda informativa (www.clinicaheller.com.br). Todos estes sites foram acessados em 12 de maio de 2005, 06 de maio de 2005 e 29 de novembro de 2007.

5. O tema da cirurgia cosmética nos órgãos genitais femininos vem recebendo crescente atenção na mídia brasileira. Tal tópico ainda não foi amplamente abordado no âmbito de análises sociais dentro do contexto brasileiro. Veja, porém os trabalhos de Rohden (2001) e Machado (2005) para estudos sobre a relação entre práticas médicas, sexo e gênero. Neto e Caponi (2007) para uma análise sobre a medicalização da beleza, Antonio (2007) para uma discussão sobre cirurgia plástica na construção do feminino. Filassi et al. (2004), Munhoz et al. (2006),  Prado et al. (2007) para uma abordagem médica sobre técnicas e impacto da correção cirúrgica genital. Para artigos em inglês abordando especificamente o tema da cirurgia cosmética em genitais femininos veja Allotey et. al. (2001), Bramwell (2002), Braun (2005) e Davis (2002).

6. Cf. Jenks 2003, Jervis 1999, Lauritzen e Hydén 2007, Stallybrass e White 1986.

7. Cf. Adorno e Horkheimer 1972, Adorno 1974, Foster 1999, Marcuse 1968, Mankekar 1999, Miller 1994, Spielvogel 2003

8. Cf. Abu-Lughod et al 2002, Hall 1982, Morley 1986, Spitulink 1993

9. Cf. Abu-Lughod 2005, DaMatta 1986, Dornfeld 1998, Machado-Borges 2003, Pedelty 1995

10. Dentro do contexto sueco, não é incomum que a exposição do corpo feminino seja vista (dentro e fora do meio acadêmico) como uma manifestação da objetificação da mulher. Além disso, a questão da modificação corporal é muitas vezes interpretada nesses mesmos termos. No momento em que relia estas linhas, chegou-me às mãos uma reportagem na qual se discutia o fato da rainha da Suécia ter passado por cirurgias e tratamentos estéticos. A revista sueca Svensk Damtidning, literalmente traduzida como "Revista Feminina Sueca" escreve sobre acontecimentos envolvendo pessoas ricas e famosas da Suécia. Com a festa do prêmio Nobel se aproximando, os olhos da mídia se voltam para a família real e principalmente para a rainha Sílvia (filha de mãe brasileira e pai alemão), 65 anos de idade. A redatora chefe de Svensk Damtidning comenta sobre o assunto da operação plástica da rainha. "Pessoalmente, acho uma pena ela ter feito cirurgia plástica. A pessoa deveria aceitar a beleza da idade. Para mim, qualquer pessoa que faça cirurgia plástica está se destruindo" (Nossa tradução de citado em Guardian Unlimited, 26/11/07, artigo on-line).

11. Para uma discussão sobre consumo e posicionamento social Cf. Machado-Borges (2003).

12. Como Braun (2005) aponta, é importante levar em conta o contexto da cultura de consumo dentro do qual as cirurgias cosméticas em órgãos genitais femininos se inserem. Braun menciona a crítica cultural de imagens que circulam na mídia americana feita por Bordo (1997) e a sugestão dessa última autora que o sistema de consumo "não somente depende de que nós percebamos a nós mesmas(os) como defeituosas(os), como também trata de achar novos modos para que isso seja feito e repetido" (Bordo 1997:42 em Braun 2005:419. Tradução própria).
Braun (2005) e Davis (2002) também afirmam que o modo como a mídia em língua inglesa cobre a questão da cirurgia cosmética íntima, tem o potencial simultâneo de construir a natureza do problema e de apresentar a cirurgia como sendo sua solução.

13. Beverly Skeggs (1997) examina diversos mecanismos reguladores através dos quais mulheres inglesas de diferentes classes sócio-econômicas se classificam e são classificadas em termos de moralidade e respeito. Valerie Walkerdine (1997) examina a interseção entre classe, cultura popular e gênero em seu estudo sobre produtos da mídia (filmes, comerciais, música) destinados a e consumidos por garotas inglesas. Tanto Skeggs como Walkerdine demonstram, através de materiais empíricos distintos, diferentes mecanismos que constroem e corrigem a feminilidade de mulheres e jovens pertencentes a distintos grupos sócio-econômicos.

14. Um ponto de vista menos comum nas revistas femininas, mas discutido, por exemplo, em Brownmiller 1986, Chapkis 1986, Wolf 1991. Agência ou subordinação são temas recorrentes entre pesquisadores sobre o tema da cirurgia plástica estética. Como Fraser (2003) sugere, o debate sobre cirurgia estética oscila entre a relativa importância da dominância institucional e a perspectiva que enfatiza a possibilidade de ação individual. Alguns pesquisadores afirmam que modificações corporais são um sintoma de subordinação social da pessoa. Segundo esta perspectiva, as mulheres que transformam seus corpos se adaptam a ideais patriarcais de gênero (Brownmiller 1986, Chapkis 1986, Morgan 1998, Wolf 1991). A outra perspectiva dá ênfase à capacidade de ação feminina e à possibilidade de se repensar a própria identidade através da manipulação e modificação do próprio corpo (Banet-Weiser 1999, Smith 1990, Young 1990).

15. Cf. Bozon 2005a, 2005 b, Davis 2002, Rochefort e Zancarini-Fournel 2005

16. O fato de que a mulher nas fotos é também de cor branca, loura e esbelta reforça ainda mais esta idéia do imaginário desejado no caso brasileiro.  Em seu estudo sobre cirurgia cosmética na genitália feminina, Braun (2005) sugere que a estética ideal supostamente resultante de procedimentos cosméticos é derivada da pornografia dirigida a um público masculino e heterossexual. A autora cita a fala de um cirurgião plástico entrevistado em uma revista feminina: "Várias mulheres trazem um exemplar da revista Playboy, me mostram fotos de vaginas e dizem 'eu quero que a minha tenha essa aparência'" (2005:413. Tradução própria).

17. Para uma leitura sobre a predominância da heterossexualidade como norma veja Cf.  Seidman (1996)

18. Em http://cienciaesaude.uol.com.br/ultnot/2008/04/01/ult4477u446.jhtmhttp://cienciaesaude.uol.com.br/ultnot/2008/04/01/ult4477u447.jhtm

19. Anne Fausto-Sterling (2000) apresenta uma interessante discussão sobre a questão da intersexualidade, ou seja, de pessoas que nascem com órgãos genitais que não cabem dentro da divisão binária entre sexo masculino e feminino. Fausto-Sterling examina os processos para a determinação e avaliação do sexo levando em conta o discurso médico e o discurso de pessoas intersexuais. Enquanto Fausto-Sterling discute e questiona a aparência única ou binária de órgãos genitais, Sander Gilman (1999:xxi) aborda a questão da cirurgia cosmética como sendo um ato que concretiza o desejo de se fazer passar como membro de um grupo com o qual a pessoa quer (ou tem que) se identificar.

20. Como a artista plástica Louise Bourgeois (1998) sugere, o ato de se olhar no espelho não é somente um gesto de vaidade. Olhar-se no espelho pode também ser um ato de coragem, um ato que exprime a vontade de encarar o seu próprio eu. É aí, no reflexo do espelho, que agência, controle, auto-estima, vaidade e parâmetros de normalidade se misturam, confundindo a todos que arriscam dar uma olhada.

 

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