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Avá

On-line version ISSN 1851-1694

Avá  no.35 Posadas Dec. 2019

 

DOSSIER EXPERIENCIAS HUMANAS ENTRE EL CIELO Y LA TIERRA

IDENTIFICANDO CORPOS CELESTES DO PONTO DE VISTA DA ICONOGRAFIA TIKUNA

Priscila Faulhaber1 

Marcio D’Olne Campos2 

1Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST)

2Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) – Departamento de Antropologia

Resumo

Este trabalho apresenta uma contribuição para a antropologia das relações céu-terra considerando a interpretação Tikuna da iconografia de artefatos rituais, interpretação esta concernente com seu entendimento sobre fenômenos celestes significantes para o ritual de puberdade feminina. É estabelecida uma comparação entre as próprias observações etnográficas e as observações do etnógrafo alemão Curt (Unkel) Nimuendajú. Evita-se procurar uma abordagem comparativa entre as explicações científicas convencionadas e o conhecimento Tikuna, ainda que se considere aqui a complementaridade entre ambos.

Abstract

This paper is a contribution to anthropology of sky-earth relations considering the Tikuna interpretation of the iconography of ritual artifacts. This interpretation concerns their understanding about celestial phenomena significant to the female puberty ritual. It is established a comparison between the present ethnographic observations and the ethnographic information of the German ethnographer Curt (Unkel) Nimuendajú. Even though considering the limitations of comparative approach between Western scientific explanations and the Tikuna knowledge, here their complementarity is considered.

Keywords Sky-earth relations; Iconography of ritual crafts; Tikuna knowledge

INTRODUÇÃO

O presente trabalho visa a contribuir para a antropologia das relações céu-terra, seus tempos e temporalidades relativas ao meio ambiente. Nessas relações um fator importante para a previsão e realização dos rituais é o clima na sua abordagem antropológica. Parte-se das interpretações sobre imagens de determinados corpos celestes, numa atualização das informações apresentadas na monografia de Curt Nimuendajú sobre estes indígenas. Focaliza-se as observações do céu pelos Tikuna, particularmente no período em que Nimuendajú esteve com os Tikuna, nos anos 1941 e 1942, enquanto realizava etnografia com estes indígenas e coletava artefatos rituais. Estes foram posteriormente depositados nas coleções de Etnologia do Museu Goeldi e do Museu Nacional. Busca-se examinar os fenômenos celestes relevantes para correlacionar aos registros de Nimuendajú a partir da iconografia inscrita em um artefato da coleção etnográfica do Museu Goeldi. Trata-se de correlacionar figuras presentes na iconografia, e descritas através de narrativas pelos indígenas, com determinadas áreas celestes.

Como os Tikuna com quem se interagiu no decorrer da presente pesquisa não eram os mesmos artesãos que produziram os objetos aqui considerados, deve-se ter em mente a descontinuidade entre representações indígenas produzidas nos três momentos, ou seja, os anos 1940, a última década do século XX e as viagens a campo da presente pesquisa em 2003, 2010 e 2012. Apesar de tais descontinuidades, entende-se que é possível considerar analiticamente as interpretações dos Tikuna de hoje sobre artefatos produzidos por artesãos deste povo há mais de seis décadas, uma vez que estes indígenas mantêm a língua e a prática do principal ritual, a festa da moça nova, e continuam a partilhar uma cultura comum. Parte-se aqui de uma decodificação da iconografia como uma forma de linguagem expressa por meio de narrativas gráficas, ou grafismos, que expressam sistemas de significados referentes à cosmovisão Tikuna. Esta vem sendo alterada pelas situações de contato historicamente constituídas e que remontam à formação das fronteiras nacionais. A partir de conversações em pesquisa de campo, procuramos decifrar as correlações entre narrativas dos Tikuna sobre tal iconografia com o que eles entendem como “pensamento do povo Magüta[3]”, em termos de acompanhar alguns passos de sua proposta com respeito a procurar se aproximar do “pensamento dos antigos”.

Os índios Tikuna[4] presentes na oficina para realização do CD-ROM Magüta Arü Inü (Faulhaber, 2003), na reserva técnica de etnologia “Curt Nimuendajú” do Museu Goeldi, relacionaram imagens da iconografia dos artefatos rituais a corpos celestes, que denominaram “estrelas Worecü”, ou “filhos da Lua”. O primeiro termo remete a astros que são marcadores de tempo durante o ritual de puberdade feminina Tikuna. Sua caracterização como “filhos da lua” tem por referência relatos sobre as crianças que nasceram do relacionamento proibido entre dois irmãos: Lua e Sol. Os Tikuna presentes na oficina têm afirmado que havia uma estrela singular apontada por eles como “estrela da moça propriamente dita” ou estrela Woramacüri. Evita-se uma correlação simplista entre esta ideia apresentada da “estrela da moça” e alguma estrela específica do espectro de estrelas visíveis a olho nu, sob o risco de reduzir o seu conhecimento a uma tradução simplificadora segundo conceitos ocidentais. Antes disso, os relatos sobre as “Estrelas Worecü” apresentavam-se como um enigma a ser elucidado pela pesquisa antropológica, na busca da compreensão do pensamento indígena.

É possível reconstituir dos movimentos céu tal que puderam ser visualizados durante a viagem de Nimuendajú de 1941 por meio dos programas astronômicos Starry Night e Stelarium[5]. O uso destes programas eletrônicos de reconstrução dos movimentos celestes permite correlacionar as figuras da iconografia dos artefatos rituais com a proximidade dos planetas Júpiter e Saturno à constelação Tikuna Koyatchicüra (“queixada do Jacaré”) que corresponde à área celeste conhecida por nós como constelação de Touro. Esta aproximação com base na análise histórica e documental implica uma simplificação, uma vez que a cosmovisão Tikuna remete a explicações diferentes das análises oriundas da astronomia moderna, mas que estão longe de implicar a expressão de uma visão unívoca sobre o céu, como será exposto ao longo do presente trabalho. A reconstituição do céu permite também examinar as inter-relações entre os movimentos anuais das estrelas no céu e as temporalidades relativas às atividades de subsistência, que têm sido afetadas por mudanças climáticas globais. Estas, em termos da Amazônia, se traduzem em enchentes e estiagens cada vez mais acentuadas (Reichel‐Dolmatoff, 2006:165-166). Essas transformações são interpretadas pelos índios quando eles vivenciam, por exemplo, enchentes ou secas inesperadas, que afetam a qualidade da água dos igarapés que proveem água potável para as populações ribeirinhas, bem como acarretam, na visão Tikuna, fome e doença. Trata-se de considerar como as interpretações Tikuna dos dias de hoje acrescentam dados novos aos registros etnográficos anteriores, e, deste modo, “atualizam” o conhecimento disponível sobre e dos Tikuna e sua cultura.

Serão correlacionados os registros de arquivo como as datas das viagens e deslocamentos de Nimuendajú com os registros de etnografia atuais sobre o conhecimento indígena sobre o céu, a sazonalidade e o meio ambiente. Estes, no presente trabalho são focalizados do ponto de vista das intepretações dos Tikuna sobre a iconografia dos objetos rituais empregados na festa da moça nova, como um rito identitário que encena os significados da puberdade feminina. Destacam-se, entre estes, a fertilidade da mulher e, por conseguinte, do meio ambiente representado pela territorialidade enquanto relação dos humanos com a natureza.

O conhecimento de áreas do céu pelos Tikuna é considerado de acordo com problemas configurados em termos da etnografia previamente realizada, bem como em atividades realizadas em conjunto com os Tikuna e astrônomos em sessões de planetário, que resultaram na elaboração de desenhos feitos pelos Tikuna. Destaca-se especialmente uma animação produzida mediante programação eletrônica na qual foi reproduzida a narrativa Tikuna da briga da Onça e do Tamanduá e a subsequente subida ao céu das constelações da Tartaruga, da Queixada de Jacaré e da Perna da Onça. Tal narrativa expressa a visão Tikuna sobre a relação do movimento das constelações por eles reconhecidas e a sazonalidade. Estas atividades colaborativas estiveram intrinsecamente articuladas com uma postura dialógica e indagativa, fundada na interação de pesquisa.

No referencial heliocêntrico, os planetas giram em torno do Sol com seus raios e velocidades distintas e, portanto, com os diferentes períodos anuais para cada um deles. Essas diferenças entre os raios e os anos de cada um dos planetas introduzem aparentes irregularidades momentâneas nas direções de seus movimentos quando estes são observados a partir da Terra. Além do movimento direto dos planetas, que acompanham as estrelas na esfera celeste girando na direção nascente-poente, observa-se que por algum tempo um planeta desenvolve um movimento retrógrado, ou seja, segue na direção contrária (poente-nascente) do habitualmente observado. Do ponto de vista de quem está na Terra ou no seu horizonte local, o que se vê é a relação dos movimentos dos corpos celestes entre si e o movimento retrógrado de um planeta pode eventualmente ser observado[6].

Quando os Tikuna observam o céu e percebem que determinados corpos celestes apresentam um movimento “irregular” face ao de outras estrelas, eles não os veem como os planetas de nosso sistema solar, mas como um tipo especial de estrelas. Sobre o fundo de estrelas consideradas como fixas na esfera celeste, os planetas, por sua vez, se deslocam em relação a esse fundo e por isso entre gregos e romanos eram considerados as “estrelas errantes”[7]. Atentos a essas particularidades, os Tikuna indicam que tais astros são significativos para a preparação da moça quando esta se transforma em mulher. O ritual de puberdade feminina Tikuna consiste em um rito que associa a fertilidade da moça, do meio ambiente e da organização social Tikuna. Visa-se ao mesmo tempo correlacionar o pensamento Tikuna e sobre o decurso das variações sazonais com suas estratégias de subsistência.

CULTURA E RELAÇÕES CEU-TERRA

A antropologia indica que, antes que sejam pronunciadas generalizações sobre “conhecimentos tradicionais” ou “conhecimentos indígenas”, é importante produzir etnografias sobre o conhecimento localizado de povos indígenas específicos (Nazarea, 2005). Quando se focalizam antropologicamente as relações céu-terra, trata-se de considerar os astros em sistemas de relações sociais (Hugh-Jones, 2017) e este é o ponto de vista considerado no presente trabalho, em sua historicidade.

A análise de situações históricas concretas do contato interétnico (Cardoso de Oliveira, 1976) mostra que os processos culturais vividos são objetos de disputas políticas, quebrando com explicações funcionalistas ou questionando sobre as bases de coesão social da construção cultural e identitária (Bauman, 2012). Assim, o conhecimento etnográfico parte do estudo de relações de oposição, evitando idealizar as explicações dos movimentos identitários com base em “essências” intangíveis ou imateriais. Nessa trilha entende-se aqui as representações do patrimônio cultural ambiental na iconografia dos artefatos rituais indígenas como a expressão de processos engendrados, no campo da etnicidade, por ideologias políticas e de dominação.

Para Clive L. N. Ruggles e Nicholas J. Saunders (1993:23) o objetivo da Astronomia nas Culturas é distinguir a diversidade das maneiras como cada povo, antigo ou moderno, percebe os fenômenos celestes e como os integra às suas visões de mundo, intrinsecamente interligadas com as interpretações a respeito da abóbada celeste, o que significa que as observações ocorrem a partir do horizonte local (referencial topocêntrico), sem esquecer as representações simbólicas decorrentes. Por meio de observações particulares considera-se que as culturas procuram estruturar o mundo que as cercam de acordo com seus esquemas de classificação.

Diferentes abordagens enfocam como diferentes culturas percebem suas relações com o meio ambiente e seus processos. A Astronomia nas Culturas[8] parte da formulação de concepções relacionadas a formas de observação e registro dos movimentos dos astros no céu de modo a explicá-las com base em metodologias astronômicas e datações arqueológicas e vem incorporando crescentemente conceitos e procedimentos antropológicos, evitando-se dissociar as relações céu-terra (Franchetto, Campos, 1987; Campos, 2006).

A abordagem antropológica das relações céu-terra implica uma busca de alternativas ao determinismo das teorias climáticas que enfatizavam a superioridade do Norte temperado e do Ocidente e assumiam a inferioridade do “outro”, apresentando a imagem de uma humanidade rigidamente hierarquizada, não só por influências ambientais como pela evolução racial. Franz Boas (1858-1942) mostrou, através de observação sistemática e intensiva dos povos nativos da América, as complexas relações entre homem e meio ambiente. Mind and Primitive Man (Boas,1911) e Culture and Ethnology (Lowie,1917) são diferentes exemplos de estudos sobre populações vivendo em meios semelhantes, mas apresentando diferentes padrões de comportamento; estas obras demonstraram que o meio não necessariamente explica a cultura e que compete ao homem tomar suas próprias decisões. Ainda que as séries de possibilidades a ele abertas dependam em parte do meio particular onde vive, a antropologia enfatiza a interferência humana, enfatizando como o meio é imaginado pelos humanos (Boia, 2005:94-95).

Em seu conceito de “ecologia cultural”, Julian Steward empregou instrumentos de economia marxista para a análise da adaptabilidade da cultura e da tecnologia humana ao meio ambiente. Embora as sequências evolutivas discutidas por Steward (1955:178-222) não levem necessariamente à demonstração do determinismo técnico-econômico, tal abordagem foi pregada por sucessores seus como Harris (1968) e Rappaport (1967, 1971). Levando adiante a crítica de Sahlins (1969) aos pressupostos empiristas e funcionalistas desse “novo materialismo cultural” que caracterizava a ecologia cultural dos EUA, Friedman (1974:447) esclareceu que não se deve confundir relações sociais de produção com relações técnicas de produção. Tal crítica remete ao caráter imaginário das funções adaptativas produzidas em determinadas formações sociais e ao papel ativo do homem tomando posse e transformando o meio ambiente. Sendo assim, cabe à interpretação histórica destacar o papel da imaginação nas “pressões climáticas” sentidas pelas sociedades dos dias de hoje (Boia, 2005:113). Trata-se de “desaprender os modos dominantes” (Said 2003:85), desnaturalizando as formas dadas de pensar o clima para permitir que uma “ciência imaginativa” seja construída de acordo com demarcações de territórios e mentalidades diferentes das nossas (Said, 2003: 91) [9].

A etnografia Tikuna de Nimuendajú (1952) destaca processos ainda operantes nos dias de hoje, como aspectos de sua visão de mundo, no que se refere à convicção da “possibilidade de uma repetição dos cataclismos de tempos antigos”. Aqueles que veem em sonhos os imortais afirmam que “um cataclismo eminente destruirá os civilizados” e que os meios para os índios se livrarem do desastre são, em geral, “a reunião num local indicado ao abrigo dos cataclismos, e a performance de certas cerimônias” (Nimuendajú, 1943: 82) [10].

Complementarmente ao estudo das relações céu-terra, os estudos antropológicos voltam-se ao entendimento dos efeitos do clima sobre populações locais (De La Soudière, 1990), considerando como determinados povos em determinadas condições sociais e geográficas percebem as transformações do clima local e desenvolvem estratégias de subsistência face a tais fenômenos, que se caracterizam como climáticos, envolvendo a percepção de determinada situação geográfico-social por uma cultura singular. Lammel, Goloubinoff e Katz (1997, 2002, 2008) destacam a importância das representações dos fenômenos atmosféricos para as práticas sociais dos povos, focalizando a significação dos fenômenos atmosféricos nas narrativas e ritos de povos por meio da etnografia.

Com base em comparação sistemática entre “religiões climáticas” no mundo, Wilbert (1996) focaliza os índios Warao da Venezuela. Para este autor, as “religiões climáticas” têm efeitos práticos para proteção contra fome sazonal e estocagem de alimento. Wilbert examina a significação de ritos e narrativas iconográficas, verbais e musicais para atividades de subsistência com o objetivo de entender estratégias de adaptação ao meio ambiente, focalizando “religiões climáticas” como formas de organização social que têm efeito estratégico de subsistência. Tim Ingold discute como a função de estocagem, observável em povos em estado de “fixação permanente ou semipermanente” (Ingold, 1986:206), é assumida em redes de intercâmbio quando duas coletividades estão defasadas uma em relação à outra. O fato de que a estocagem constitui um elemento de uma resposta prática a condições do meio circundante não implica uma falta de condições de compartilhamento. Isso porque a estocagem social não representa o contrário do compartilhamento, uma vez que todos precisam estocar provisão para prevenir períodos de escassez, desenvolvendo estratégias diferenciadas de apropriação dos recursos do meio ambiente. Tais estratégias são diferentes tanto pelas diferentes condições ambientais quanto pelo modo como diferentes culturas percebem a relação com o meio e com o outro.

Ben Orlove (2000) analisa, especificamente, como indígenas nos Andes incorporam técnicas tradicionais de observação do nascimento e ocaso da constelação por nós conhecida como Plêiades para suas previsões de tempo. Segundo este autor, essas previsões são utilizadas em estratégias agrícolas de tais populações, considerando alterações ambientais acarretadas pelo fenômeno conhecido como El Niño. Considerando essas contribuições, dirigimos o enfoque às interpretações culturais dos Tikuna sobre o céu com relação ao ritual de puberdade feminina como um ritual de fertilidade.

Para Orlove (2003), a caracterização das estações é um processo comum de todos os povos, uma vez que estas são cíclicas e interferem diretamente na atividade e subsistência humana. Além disso, a contagem dos meses foi estabelecida com a observação das fases da Lua, associadas também à criação da semana[11] na qual se convencionou haver um dia de descanso. A delimitação do que seja um dia completo de vinte e quatro horas, constitui a menor unidade de um calendário e envolve a polarização entre um tempo de luz (dia claro) e de outro de escuridão (noite), o que é observado e aceito em toda cultura. Alguns dias passaram a ser individualizados, marcando a passagem do tempo e caracterizando uma liminaridade, como ocorre no ritual de puberdade feminina.

A elaboração de um calendário depende de critérios de demarcação do tempo estabelecidos pela observação do nascer ou ocaso de astros como o Sol a Lua, ou conforme a observação da posição de estrelas em relação ao Sol. Isso se dá, em geral, visando estrelas reconhecíveis e nominadas em direção ao nascente pouco antes do amanhecer ou ao poente pouco depois do Sol se por. As pessoas percebem que o céu se modifica ao longo dos dias e dos anos. Em 1999 em reunião no resguardo colombiano de Nazaré[12], os Tikuna presentes comentaram que o que estava desenhado na Roda Celeste reproduzida na Figura 1, representava o que estava sendo visto novamente no céu naquele ano.

CARTAS CELESTES COMO OBJETOS FRONTEIRIÇOS

Entendemos as cartas celestes, que produzimos com a correlação entre o conhecimento Tikuna do céu e as técnicas de identificação da astronomia ocidental, como “objetos fronteiriços”, conforme discussão do conceito de “boundary objects” (Star e Griesemer, 1989). Tais objetos expressam a correlação entre informações apresentadas em áreas fronteiriças ou linhas de delimitação de diferentes universos de observação e interpretação, que pode implicar tanto o contraste, como a condensação de formas de ver o mundo.

Segundo registros de Nimuendajú, os Tikuna guardam na memória, entre outros fenômenos, o acontecimento de um eclipse lunar (Nimuendajú, 1952:142). Segundo depoimentos por ele coletados, a Lua e o demônio Wücütcha (Fera do clã Onça) lutam para impedir que, com o eclipse, seja provocado o fim do mundo. Para ajudar a Lua, as pessoas fazem o máximo de barulho possível durante todo o período em que o eclipse ocorre.

A identificação dos objetos celestes, presentes na iconografia do artefato usado na festa da moça Tikuna apresentada a seguir, remete a aspectos da cosmovisão deste povo, expressos em cantos e relatos rituais, entendidos como expectativas de sobrevivência que vão diretamente de encontro com a influência da sazonalidade na oposição entre chuvas e estiagem. Sabe-se, por exemplo, que a constelação Tikuna Baweta (“coletivo de Tartaruga”) está compreendida entre as Plêiades e Perseu, Ai (“Onça”) corresponde ao Escorpião e Tchatü (“Tamanduá”) a Triângulo Austral, Coroa Austral, Norma e Ara. Para os Tikuna, Baweta anuncia o período das chuvas e a briga do Tamanduá e da Onça representa a estiagem.

A briga do Tamanduá Bandeira (Myrmencophaga jubata) e da Onça, foi ilustrada por meio de uma animação (Faulhaber, 2003) e coincide com o tempo de estiagem que no Alto Solimões ocorre de maio a novembro. Dizem os Tikuna que um dia a Onça encontrou o Tamanduá Bandeira e disse a ele que sua força estava nas unhas e nos dentes. A Onça perguntou-lhe onde ficava o coração dele. Após o Tamanduá responder estar em seus braços e unhas, os dois começaram a lutar. Ela perguntou a ele onde estava o seu coração e ele disse que estava no braço. Ao lutar e morder o braço, o felino descobriu que ele a enganara e sua reação foi confessar que o coração dela estava no peito. Conforme Nimuendajú, sabendo da fraqueza da contendora, ele rasgou com as unhas o peito da onça e com sua língua comprida chupou o fígado dela (Nimuendajú, 1952:143). Com base na correlação de informações de Nimuendajú com relatos atuais dos índios Tikuna, a Onça, cujos olhos estão em Antares (Escorpião), quando inicia o verão, começa aparecer antes do Tamanduá (Triângulo Austral, Coroa Austral, Norma e Ara), como se estivesse em cima deste animal. Por outro lado no poente, quando começam a descer na linha do horizonte, invertem-se as posições, ficando Tamanduá em cima da Onça, numa indicação que ele vence o duelo.

AS INTERPRETAÇÕES INDÍGENAS

Consideramos a leitura da iconografia nos artefatos rituais Tikuna, que envolve a interpretação dos “grafismos indígenas” (Vidal, 1992), como uma associação de imagens icônicas e significados transmitidos de geração a geração por performances rituais nas quais o pensamento mítico tem a força persuasiva da ação ritual[13].

Em sessões de trabalho, realizadas durante o processo de pesquisa de 1999 a 2002, os Tikuna expressaram suas interpretações comentando a iconografia dos artefatos coletados por Curt Nimuendajú em 1941 e 1942. Verbalizando estruturas mentais de significado, os Tikuna interpretaram as mensagens icônicas usando indutores de associações mentais, presentes tanto na iconografia quanto nos relatos evocados por desenhos e em suas interpretações, e que os artesãos também consideravam 60 anos antes. Levando em conta as descontinuidades entre passado e presente, a interpretação Tikuna reúne assim diferentes tipos de narrativas expressando um significado histórico, vista a passagem do tempo entre a produção do artefato e sua interpretação.

A percepção de que os Tikuna desenvolvem concepções sobre o movimento dos corpos celestes estabeleceu-se a partir da primeira oficina com desenhos e fotos das peças da coleção Nimuendajú no resguardo colombiano de Nazaret, em 1999. Nesta eles teceram comentários sobre a roda cosmogônica (R.G. 4046, MPEG), reproduzida na Figura 1, do lado esquerdo. À direita, a Figura 2 apresenta um esquema de identificação dos objetos celestes desenhados na primeira figura.

Figura 1 Roda Celeste (RG 4046, MPEG) 

Figura 2 Identificação dos objetos celestes desenhados 

No primeiro quadrante, foi por eles denominada a estrela Woramacuri, próxima a Coyatchicüra. No segundo quadrante, foi identificada Baweta (“tartaruga”) e o traço próximo à circunferência como Coyatchicüra (“queixada do jacaré’). No terceiro quadrante, a estrela Emacuari (primo menor, associado a Saturno, e Wucütcha (“perna da onça que voa, em Órion”). No Quarto quadrante, Emacuari, associado a Júpiter. Seguindo os comentários dos indígenas este nesta figura é correlacionado a Coyatchicüra, no Touro.

A pesquisa de reconstituição do céu em planetários e programas eletrônicos levou à suposição de que esta roda guarda alguma relação com a “queixada de jacaré” (Coyatchicüra), na iconografia da figura 1 referente à foto do objeto elaborado por artesão Tikuna em 1941, quando Júpiter e Saturno estavam em Touro.

Em festa de puberdade feminina a céu aberto na comunidade de Barro Vermelho, promovida no equinócio de setembro de 1997, presenciou-se máscaras que entraram em cena interagindo com a moça que estava ao centro do ritual. Essas máscaras representavam o “dono do vento” e o “dono da chuva e a sua presença era vista como uma forma interagir com estes para que a chuva que estava sendo anunciada fosse benéfica para as plantações e colheitas. Conversando com Priscila Faulhaber na ocasião os Tikuna a incentivaram a pesquisar tais objetos guardados no Museu Goeldi. A pesquisa subsequente foi um levantamento fotográfico nas coleções Tikuna reunidas por Curt Nimuendajú no Museu Goeldi e no Museu Nacional. As fotos resultantes desta pesquisa foram levadas para um curso no Imani, Instituto de Investigações Amazônicas da Universidade Nacional da Colômbia em Letícia. Na ocasião Priscila Faulhaber foi convidada por Hugo Camacho, do Instituto Colombiano de Bienestar Familiar a visitar os resguardos Arara e Nazaret para mostrar as fotos. Na ocasião não foi feita propriamente observação do céu, mas reuniões quando se interagiu com os anciãos. A pesquisa foi apresentada em termos gerais e solicitado que os Tikuna comentassem as fotos.

Sem que houvesse solicitação explícita quanto a isso, eles se interessaram especificamente pela foto do objeto retratado na figura 1. No ano 1999, Júpiter e Saturno estavam sendo vistos após ciclos de 30 anos, na área do céu próximo a Touro. O narrador Tikuna Francisco Batista, de aproximadamente 70 anos destacou esse fato no seu depoimento. Este ancião faz parte da geração que conviveu com Curt Nimuendajú quando ele esteve entre os Tikuna nos anos 1941 e 1942. Batista teria mais ou menos 15 anos quando o etnógrafo morreu. Embora não haja evidências de que Batista tenha participado da elaboração do objeto, isso realmente não importa na medida que ele faz uma leitura dos significados da sua iconografia com base na vivência de eventos astronômicos ao curso de sua vida.

Figura 3 Francisco Batista na Reunião de 1999 no Resguardo Nazaré 

Figura 4 Lucho del Aguila em reunião no resguardo Nazaret 

Após a visita de 1999, Priscila Faulhaber retornou a comunidades Tikuna no lado brasileiro em 2000. Lá presenciou-se uma grande festa de puberdade de várias moças na aldeia do Paraná do Ribeiro, próxima a São Paulo de Olivença. Este ritual constitui uma experiência em céu aberto, na primeira semana de dezembro, quando Júpiter e Saturno estavam claramente visíveis na área do céu próxima ao Touro. Nessa noite, observou-se que estes astros tinham uma função estética no evento. Entraram em cena muitas máscaras que foram cedidas ao Museu Goeldi e analisadas por Faulhaber, (2004). Nessa ocasião, como no resguardo Nazaré, também estavam presentes Lucho e Sergio Ramos del Aguila, cujos desenhos de 2002 são apresentados mais adiante.

Nos limites deste trabalho, não se pretende chegar a uma maior precisão de dados ou cálculos astronômicos, mas pensar como os Tikuna representam o movimento dos corpos celestes de acordo com a sua experiência e associam esses movimentos celestes à passagem do tempo através das gerações.

Os programas eletrônicos de reconstituição do movimento das estrelas permitiram reproduzir um fenômeno vivenciado pelos Tikuna, num momento no qual Nimuendajú encontrava-se entre eles. Foi o alinhamento de Júpiter, Saturno e Marte na constelação de Coyatchicüra (correlacionada com a constelação de Touro, cuja estrela mais brilhante é Aldebarã ou α Tauri). O dia 5/12/41, às 21hs e 30min, pode ser registrado como ponto de partida da sequência de imagens nas quais Saturno e Júpiter estão próximos da constelação de Touro, momento em que essa conjunção[14] de corpos celestes ocorreu logo após seu aparecimento no horizonte, a Leste e no entardecer. Observamos esta constelação de ano em ano, na mesma data e hora e no mesmo ponto cardeal pelo programa Stellarium. Seguem anotações na reconstituição da observação da passagem do tempo, durante e o período observado por Nimuendajú.

Em 1941 e em 2000, observou-se a conjunção entre Júpiter, Saturno e o aglomerado das Híades. Após 59 anos, no ano de 2001estes dois planetas deixaram de estar próximos na área de Touro no céu. Ao observar a aproximação de Júpiter e Saturno das Híades, pelo programa Stellarium, vemos que, em 1941, Touro se encontrava entre esses dois planetas, com Júpiter abaixo e Saturno acima. Em 2000, Saturno continuava na mesma posição e Júpiter se encontrava acima de Touro. Como expusemos acima, estamos considerando aqui o impacto desses eventos astronômicos do ponto de vista das intepretações de indígenas Tikuna para a passagem do tempo de geração a geração.

Figura 5 Conjunção de Saturno e Júpiter em 1941 quando apareciam próximos à constelação de Touro (asterismo celeste em forma de V, cuja estrela mais brilhante é Aldebarã). A direção de visada é a leste (E) na foto. 

Figura 6 Conjunção de Saturno e Júpiter em Touro no ano 2000 

Consideram-se a seguir os relatos dos índios Tikuna sobre a iconografia da Figura 1, inscrita em tecido de entrecasca de árvore, coletada por Nimuendajú, em 1942, e depositada no MPEG. Segundo os Tikuna, o registro se refere às constelações Coyatchicüra e Wücutcha. Tais constelações Tikuna são associadas, respectivamente, às constelações de Touro e de Órion da qual fazem parte as populares Três Marias, que compõem o Cinturão de Órion. Analisando os relatos indígenas, correlacionam-se os outros corpos celestes desenhados a suas definições, segundo padrões convencionados de identificação do céu. Dois deles correspondem a nossos planetas Júpiter e Saturno, e um terceiro às Plêiades. Dos quatro corpos celestes desenhados, a identificação das Plêiades no segundo quadrante, é a mais evidente. Cotejando as observações de campo e o exame do movimento dos planetas ao longo do tempo, considerando os registros de Nimuendajú em 1941 e 1942 e análises com base em registros etnográficos posteriores, deduz-se uma correlação plausível entre as figuras desenhadas e os nossos planetas, como exposto a seguir.

Durante todo o período no qual touro e Órion estão visíveis, de 6/12/1941 até 3/5/1942, observamos sempre às 21hs e 30min, Marte, Júpiter e Saturno como vizinhos daquelas constelações. Sabemos que Marte - comparado aos outros planetas - por estar mais próximo da Terra que os demais – apresenta na observação do céu a olho nu uma movimentação mais rápida que os outros. Na mesma lógica, Júpiter e Saturno, por estarem mais distantes, apresentam-se com um movimento mais lento no céu (Saturno demora cerca de 29 anos e 6 meses terrestres para dar a volta ao Sol e Júpiter demora 11 anos e 10 meses. Marte demora 687 dias terrestres. Nimuendajú presenciou, juntamente com os Tikuna, apenas o final de tal fenômeno, pois ficou com este povo somente até outubro de 1941 e retornou a sua área somente em 2 de maio de 1942.

Observando que a configuração entre constelações e planetas permanece basicamente a mesma, à exceção de Marte, supomos ser a Figura 1 (RG 4046) uma interpretação Tikuna do que estava ocorrendo naquele ano. Consideramos que eles não se preocuparam em desenhar a variação do céu de acordo com o passar dos meses e sim em apenas registrar a ocorrência de um fenômeno incomum e que seu movimento no céu ao longo do tempo era percebido com uma determinada regularidade. Portanto, a contemplação estética é associada à cognição de sua eficácia simbólica (Gell, 1999). Acrescente-se que, em diferentes depoimentos, os Tikuna afirmam que consideram que a ocorrência de tais fenômenos era propícia para a realização do ritual de puberdade feminina, associado não só à fertilidade da moça quanto à da natureza (Faulhaber, 2011).

Partindo desse ponto de vista, buscamos, então, reproduzir o desenho com fotos do céu, obtidas por simulação a partir do aplicativo Stellarium. Para isto selecionamos a foto da Figura 4, que registra o momento quando Marte estava mais próximo possível das duas constelações e dos dois planetas. Isso aconteceu no dia 19 de março de 1942, ou seja, Marte mais próximo possível de Touro, Órion, Júpiter e Saturno. Consideramos aqui apenas o asterismo do Touro nesta constelação, pois é a parte correspondente à Queixada do Jacaré nos desenhos Tikuna. Círculos ou elipses delineiam as áreas do céu onde estão os corpos que estamos observando.

Figura 7 Marte mais próximo possível de Touro, Órion, Júpiter e Saturno 

Figura 8 Esboço explicativo do observado na foto da Figura 4  

A partir da Figura 6, podemos esquematizar o ocorrido na Figura 7, que representa configurações do dia 19 de março de 1942, nas quais os planetas e as Plêiades são contornados juntamente com as constelações que estavam mais próximas a eles. Supomos que o astro do primeiro quadrante (Figura 1) seja Marte, uma vez que sua presença no céu faz com que seja incluído como um corpo celeste que fica entre as Plêiades e os outros dois planetas nos quadrantes abaixo (Faulhaber, 2011). Esta suposição é fundamentada também na coloração vermelha com a qual o índio Tikuna Lucho redesenha a iconografia do artefato, conforme a Figura 9. Na leitura do significado do conjunto das imagens dentro de um sistema de signos, vemos que Júpiter, no quarto quadrante, se encontra em um ponto em que percebemos estar entre Touro e Órion (reconhecível pelo seu Cinturão, as populares Três Marias).

Figura 9 Desenho de Lucho Tikuna reproduzindo a Roda Celeste (RG 4046, MPEG) 

No desenho da Figura 9, o astro do primeiro quadrante foi desenhado pelo índio lucho como uma estrela de oito pontas característica da estrela da moça submetida ao ritual de puberdade, chamada de Worecü pelos Tikuna. Nesta situação, Marte aparece como “estrela Woramacuri”, ou “estrela da moça propriamente dita”, que aparece como uma estrela especial entre as outras estrelas Worecü uma vez que seu movimento no céu é percebido como mais rápido do que os demais, dada a proximidade relativa deste planeta com a Terra. Mas a identificação das estrelas Worecü depende de cada contexto específico, não se podendo aplicar critérios ocidentais de “verdadeiro” ou “falso”, uma vez que depende do exame etnográfico das diferentes interpretações, que variam de acordo com as circunstâncias.

CONCLUSÃO

Com base na monografia de Nimuendajú e correlações com observações em pesquisas de campo desde 1997, podemos supor que os Tikuna programam a realização das festas de puberdade de acordo com sua observação da proximidade à Lua e da constelação de Coyatchicüra de corpos celestes denominamos como Vênus, Marte, Saturno e Júpiter. De fato, os Tikuna não veem estes astros como planetas, mas como “estrelas Worecü”, ou seja, estrelas relacionadas à moça que será submetida ao ritual de puberdade. Também supomos que a constelação por eles conhecida como Coyatchicüra, ou “Queixada do Jacaré”, também é por eles visualizada com relação à área do céu da constelação conhecida como Touro na chamada astronomia ocidental. Com base em tais suposições, o exame da correlação da organização social e a cosmologia Tikuna estabelecida por Nimuendajú durante suas viagens de 1941 e 1942 reforça a ideia de que a iconografia registra as observações indígenas com uma postura participante no ritual de acordo com a percepção da implicação dos eventos ambientais para as suas estratégias de subsistência.

Com auxílio de relatos indígenas é possível chegar a uma dedução razoável de quais observações indígenas às quais a iconografia do objeto ritual, reproduzido na figura 1, estão se referindo. Isso significa que alguns artefatos, além de seu caráter estético de representação de mundo, adquirem, em investigações que consideram as interpretações indígenas de seus artefatos, um caráter de registro documental dos fenômenos que regem a vivência dos Tikuna no meio florestal, mostrando a relação de apropriação dos recursos naturais em sua relação com o céu e o meio circundante, como estabelecem estratégias que viabilizam sua subsistência, como percebem a influência de fenômenos ambientais. Cabe ao pensamento antropológico mostrar que as diferentes formas de saber Tikuna estão correlacionadas em um conhecimento formulado em termos de sua compreensão da relação da cultura com a natureza, visando a ter um domínio sobre ela que entendemos como estratégia de reprodução étnica. A observação da relação entre sua organização social e estratégias de subsistência pode contribuir para a compreensão de como percebem os fenômenos astronômicos em termos da passagem do tempo que é relevante para a situação de cada um, do ponto de vista da transmissão do conhecimento de geração a geração. Deste modo a astronomia cultural fornece elementos para o reconhecimento de formas específicas de saber local assim como para novas observações de como os fenômenos astronômicos integram a natureza na sua relação com os humanos.

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[3]Magüta é a autodenominação dos Tikuna.

[4]Neste artigo são usados indistintamente os termos ‘índio’ ou ‘indígena’, uma vez que os próprios Tikuna se autodenominam também como ‘índios Tikuna’.

[5]Agradecemos a Rundsthen V. Nader (Observatório do Valongo da UFRJ) pelasupervisão no uso de tais softwares, bem como por suas valiosas observações sobreetnoastronomia, bem como a colaboração de Roberta Dittz e Natália Tobinaga, estudantesde astronomia do Observatório do Valongo/UFRJ, que desenvolveram projetos deiniciação científica no MAST. Os programas Starry Night Pro e Stellarium encontram-sedisponíveis em: <http://www.starrynight.com/starry-night-8-professional-astronomytelescope-control-software.html>; e <https://stellarium.org/pt/>;.

[6]Movimento retrógrado dos planetas: Desde a antiguidade sabemos que, além de semoverem em relação às estrelas, os planetas não apresentam um movimento regular.Ora os planetas se movem na mesma direção do Sol e da Lua (movimento direto), ora semovem na direção oposta (movimento retrógrado). Disponível em <http://www.astro.iag.usp.br/~gastao/Retrogrado/retrogrado.html>;, Acesso em 14 out. 2019.

[7]Anthony Aveni (1992) detalha minuciosamente como diferentes povos veem e interpretam os planetas.

[8]Atualmente, há denominações semelhantes a estudos sobre conhecimentosnativos sobre relações céu-terra: astronomia cultural, astronomia nas culturas. Essastêm substituído o termo etnoastronomia que um dos autores considera ser o modode trabalho - uma vez de volta à academia (“estar aqui”) - com os dados da pesquisaetnográfica de campo (“estar lá”) referentes aos saberes nativos sobre as relações céuterra.Ver: “Etnociência ou Etnografia de Saberes, Técnicas e Práticas?” (Campos, 2002).Disponível em <http://sulear.com.br/texto02.pdf>;. Acesso em 24 out. 2019.

[9]O risco das mudanças climáticas em termos globais tem sido equacionado emtermos da teoria cultural desde os anos 1980 a partir dos trabalhos de Mary Douglas(1983, 1992) Embora nem sempre os questionamentos e as previsões de desastre como resultado do mau uso das novas tecnologias tenham sido reconhecidos nem considerados pelas classes dirigentes, antropólogos têm continuado a produzir análises com objetivo de fornecer subsídios para ações governamentais e individuais no sentido de uma gestão pacífica do meio ambiente (Crate, Nuttal, 2009). Tem sido apontada pela antropologia a importância de considerar os conhecimentos locais sobre as mudanças climáticas globais (Yankovic, Barboza, 2009). Tais conhecimentos têm sido objeto decrescente interesse público, chancelado pela UNESCO através da iniciativa temática do World Heritage Committee “identificar, salvaguardar e promover propriedadesculturais conectadas com a Astronomia” (UNESCO, 2010). Em outubro de 2008, a International Astronomical Union, em cooperação com a UNESCO, criou o grupode trabalho Astronomy and World Heritage. Tais conhecimentos têm sido objeto decrescente interesse público, chancelado pela UNESCO através da iniciativa temática do World Heritage Committee, no qual se recomenda “identificar, salvaguardar e promover propriedades culturais conectadas com a Astronomia” (UNESCO, 2010; Lima e Figueirôa, 2010). A última versão do portal é Astronomy and World Heritage ThematicInitiative <http://whc.unesco.org/en/astronomy/>; foi lançado em 2012 pela IAU Commission C4 on World Heritage and Astronomy > capitaneado pelo astrônomo Clive Ruggles na assembleia geral da XXVIIIth General Assembly of the International Astronomical Union (IAU) que terminou em31/8/2012 em Pequim, China.

[10]Esses manuscritos, em cuja página de rosto conta que se trata de cópia de material enviado para o Handbook of South American Indians, datados de 1043 em Belém do Pará são inéditos. O editor Julian Steward publicou apenas um resumo (Faulhaber, 2012). Esses manuscritos consultados no arquivo Nimuendajú do Museu Nacional, mas não existem mais nesse local, destruído pelo incêndio que abateu o acervo da instituição em 2017.

[11]A semana de sete dias se origina no calendário babilônico e os sete dias correspondem ao período médio de transição entre cada fase: cheia, minguante, nova e crescente.

[12]A Constituição Colombiana reconhece as autoridades dos “resguardos indígenas” como unidades administrativas que coexistem com as alcaldías (municípios).

[13]Adota-se aqui a epistemologia crítica relativizando a tradição europeia ou greco-romana. As constelações são formadas a partir de um conjunto arbitrário ou grupo visível de estrelas ou até mesmo o fundo vazio de estrelas, representando de entes intangíveis, animais e objetos. Embora em grande parte remontem à antiguidade greco-romana, basearam-se em constelações criadas por caldeus, assírios, babilônios, egípcios, fenícios e chineses (Paiva, 1969:59). Para compreender as constelações indígenas, ressaltamos aqui o “conhecimento imaginativo” (Said, 2003:115) como presente em diferentes formas de conhecimento astronômico.

[14]Conjunção de dois astros é a proximidade, ou mesmo um alinhamento, aparente de dois corpos celestes observados a partir de algum horizonte na Terra. É aparente porque, embora pareçam próximos na aproximação da ‘esfera celeste’ na qual todos os astros são “trazidos” para uma mesma distância da Terra, esses astros - aparentemente próximos na esfera - podem estar muito distantes se considerarmos a direção da visada do observador.

Recibido: 18 de Octubre de 2019; Aprobado: 18 de Noviembre de 2019