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Avá

versión On-line ISSN 1851-1694

Avá  no.37 Posadas dic. 2020  Epub 23-Jul-2020

 

DOSSIER

“Com essa pandemia tudo ficou difícil”:IMPLICAÇÕES DA PANDEMIA DE COVID-19 NA VIDA DE CRIANÇAS COM SÍNDROME CONGÊNITA DO ZIKA VÍRUS NO RECIFE (BRASIL)

Júlia Vilela Garcia1 

1Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade de Brasília – PPGAS/UnB

Resumo

A pandemia de COVID-19 teve início na China e exigiu que o país tomasse medidas urgentes para controlar a sua disseminação, institucionalizando novas formas de vida que foram elogiadas pela OMS, e tornaram-se, pouco a pouco, modelo de política de saúde global. Apesar do sucesso das medidas na China, este artigo se propõe a pensar, à luz do legado deixado por uma outra epidemia – a do Zika Vírus no Brasil – até que ponto essas medidas são pertinentes para salvar vidas. Com base no relato de mães de crianças com Síndrome Congênita do Zika Vírus, que tiveram, em decorrência da pandemia, suas terapias e consultas suspensas, e a partir do olhar minucioso da antropologia, investigo em que medida essas novas formas de vida que surgiram junto à COVID-19 impactam e reconfiguram as rotinas e as normatividades vitais dessas crianças que precisam circular pela cidade para realizarem seus tratamentos e consultas constantes.

Abstract

The COVID-19 pandemic started in China and demanded urgent measures to control its spread, institutionalizing new forms of life that were praised by WHO, and gradually became a model for global health policy. Despite the success of the measures in China, this article proposes to think, in light of another epidemic - the Zika Virus in Brazil - if these measures are relevant to save lives. Based on the report of mothers of children with Congenital Zika Virus Syndrome, who had their therapies and medical appointments suspended as a result of the pandemic, and from the efforts of anthropological research, I investigate how these new forms of life impact and reconfigure the routines and vital norms of these children who depend on mobility around the city to carry out their treatments and frequent medical appointments.

Keywords COVID-19; Zika Virus; Congenital Zika Syndrome; Anthropology

Primeiras linhas: o caso do menino Yan Cheng

“Adolescente com deficiência morre sozinho em casa após pai ser colocado em quarentena”, anunciou uma notícia da BBC News no início de fevereiro de 2020. O menino de 16 anos que tinha paralisia cerebral foi deixado sozinho em casa após o pai, seu único cuidador, ter sido isolado em um hospital em Hubei, província da China, com suspeita de contaminação por um novo vírus que circulava pelo país desde o final de 2019. O motivo do isolamento do pai de Yan Cheng, o adolescente que veio a óbito por ficar dias sem cuidados básicos, como comer e beber água, tem nome. O novo coronavírus, ou SARS-CoV-2[1], ou COVID-19[2],[3], como ficou popularmente conhecido, já era uma epidemia na China à época do falecimento de Yan Cheng e teve como epicentro justamente a província em que pai e filho residiam juntos.

Na tentativa de controlar a circulação do novo coronavírus no território chinês, as autoridades governamentais declararam uma forte política de isolamento e distanciamento social, fechando fronteiras, interrompendo atividades básicas e impondo a necessidade de as pessoas não circularem nas ruas. Ainda que o pai de Yan Cheng tenha avisado nas redes sociais que o filho estaria sozinho em casa, pedindo por ajuda nos cuidados do adolescente enquanto estava no hospital, o menino não obteve o auxílio necessário (BBC News, 2020). A triste notícia da morte do garoto que circulou pela mídia no começo do ano de 2020 escancara a vulnerabilidade de pessoas com deficiência quando suas redes de apoio são interrompidas e suas rotinas abruptamente modificadas.

A história de Yan Cheng nos ajuda a pensar sobre como outras crianças e adolescentes com deficiência têm enfrentado a pandemia de COVID-19 quando a política de isolamento e distanciamento social imposta pelo Estado para controlar a disseminação viral interrompe suas rotinas de cuidados, terapias e reabilitações. Conforme aborda Perig Pitrou (2020), crises de saúde pública são uma oportunidade para analisar o surgimento de novas formas de vida[4], observando como a influência de uma entidade biológica modifica e reorganiza as relações sociais existentes. Segundo o intelectual, os órgãos do Estado são capazes de transformar profundamente as formas de vida coletiva em períodos de crise, impondo medidas consideradas legítimas para conter e controlar situações divergentes, dando pouco crédito à capacidade de os cidadãos articularem novas maneiras de administrar o período em que estão vivendo. Diante disso, mesmo sabendo-se da importância de medidas de isolamento e distanciamento social para a gestão de eventos pandêmicos, é necessário questionar as consequências desse estado de emergência sanitária imposto de forma equivalente para toda uma população, desconsiderando especificidades e necessidades de parcelas divergentes como as crianças e os adolescentes com deficiência.

Nessa linha, é preciso pensar como fica a saúde dessas pessoas quando serviços vitais como consultas e tratamentos terapêuticos não são considerados essenciais pelas medidas institucionalizadas pelo governo na tentativa de conter a pandemia de COVID-19, impactando drasticamente nas formas de e da vida de meninos e meninas. É com base nessa problemática que pretendo pensar os impactos das políticas de controle do novo coronavírus na vida de crianças com deficiência, em especial, aquelas portadoras da Síndrome Congênita do Zika Vírus (SCZV), residentes em Pernambuco, nordeste brasileiro. Uma vez que essas crianças possuem inúmeros comprometimentos motores e cognitivos e comorbidades respiratórias graves, necessitando de consultas e terapias constantes, as políticas de controle atualmente aplicadas na gestão do novo coronavírus parecem não levar em conta as necessidades e as particularidades daqueles que estão mais vulneráveis à contaminação.

Afetadas pela epidemia do Zika Vírus (ZV) no Brasil entre 2015 e 2016, essas crianças, assim como Yan Cheng, dependem de cuidados específicos em tempo integral. Fleischer e Carneiro (2020) contam que desde o início da epidemia de Zika no país aproximadamente quatro mil crianças brasileiras nasceram com a SCZV, sendo os estados de Pernambuco e Bahia os dois locais que lideraram o número de casos, somando por volta de mil bebês nascidos com a Síndrome. O nascimento dessas crianças mobilizou mães, vizinhas, médicas, terapeutas e colegas em uma extensa rede de cuidados com o intuito de possibilitar a esses meninos e meninas melhor qualidade de vida. Embora esses esforços tenham tido consequências positivas ao longo dos anos, é importante ressaltar que os resultados dependem também de inúmeros equipamentos biomédicos, como órteses ortopédicas e sondas alimentares, e derivam de um trabalho diário de estimulação dessas crianças, que, por sua vez, depende da circulação intensa pelas clínicas e hospitais da capital pernambucana, Recife. Esses tratamentos, entretanto, precisaram ser interrompidos com a chegada da pandemia e os protocolos de distanciamento social, implicando em involuções no quadro de saúde dessas crianças e, consequentemente, na alteração de suas rotinas e capacidades vitais.

É com base nos depoimentos de mães de crianças com SCZV em meio à atual pandemia, que busco refletir e problematizar as consequências e os efeitos do novo coronavírus, bem como de suas medidas globais de contenção e gerenciamento, como medidas insuficientes, falhas e, muitas vezes, excludentes. Se do outro lado do planeta, na China, Yan Cheng teve sua vida interrompida pela ausência de um cuidador e de auxílio básico no período de isolamento e distanciamento social imposto pelo Estado, aqui perto, no nordeste brasileiro, crianças com deficiências ocasionadas pela SCZV também têm perdido parte de suas capacidades vitais, uma vez que as medidas de controle da atual pandemia não só alteram as formas de vida dessas crianças – que da extensa circulação em serviços de saúde passaram à reclusão domiciliar – como também interferem diretamente em suas normatividades vitais.

Ressalto que o meu objetivo não é fazer um discurso negacionista das políticas de gerenciamento da pandemia como medidas de controle não efetivas, mas problematizar essas medidas, assim como fez Perig Pitrou (2020), como a única forma de gestão de eventos críticos e epidêmicos. Considerando que essas políticas globais de saúde partem do pressuposto do achatamento das experiências do adoecimento para responder às emergências de saúde (Collier & Lakoff, 2008; Nunes & Pimenta, 2016), me utilizo da antropologia e seus métodos de investigação para questionar a efetividade dessas medidas. Como colocado por Segata (2020), a antropologia é fundamental para pensar as particularidades das epidemias, uma vez que para ela os números e estatísticas possuem rostos e histórias de vida. É a partir desses rostos e histórias específicos que busco analisar criticamente os impactos das novas formas de vida institucionalizadas pela pandemia de COVID-19 na rotina e nas normatividades vitais das crianças com SCZV.

Após introduzir e contextualizar brevemente a atual pandemia e as mudanças ocasionadas por ela na rotina das famílias de micro, tratarei, nos tópicos que se seguem, sobre a epidemia do Zika Vírus no Brasil – tida erroneamente pelo governo como um problema restrito ao mosquito Aedes Aegypti – e seus desdobramentos. Em seguida, versarei sobre as consequências da SCZV nas crianças e abordarei, a partir de uma discussão baseada em Canguilhem (2012), o conceito de normatividade vital, bem como os conceitos de “normal”, “patológico” e “anômalo” para a compreensão da Síndrome. Também me aprofundarei nas políticas de controle da pandemia de COVID-19 para, posteriormente, problematizar como essas medidas globais de prevenção de eventos epidêmicos podem excluir e afetar parcelas da população extremamente vulneráveis. No caso das crianças com SCZV, por exemplo, veremos que o discurso “fique em casa”, como medida de proteção à saúde durante a atual pandemia, não cabe para esses sujeitos que dependem da circulação pela cidade, clínicas e hospitais para manter ativa tanto a sua rede de cuidados, como as suas capacidades vitais e de interação com o meio.

A COVID-19 e suas implicações na rotina de crianças com SCZV

No dia 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a pandemia de COVID-19. O vírus tinha chegado em território brasileiro no final de fevereiro, mas até a data da declaração da OMS o número de pessoas infectadas ainda não era alarmante, contabilizando 52 casos no total (Agência Brasil, 2020). Nessa mesma época eu finalizava um capítulo[5] para um livro cujo tema tinha como base um outro vírus, o Zika Vírus, e o meu objetivo era compreender e escrever sobre a inserção das crianças com a SCZV nas instituições de ensino básico, já que no ano anterior, 2019, a grande expectativa das famílias vinha sendo o ingresso de seus filhos e filhas na escola.

Desde agosto de 2019 eu estava imersa no projeto de pesquisa intitulado “Síndrome Congênita do Vírus Zika em Recife/PE: Uma antropologia dos ímpetos maternos, científicos e políticos”, coordenado por Soraya Fleischer, professora do Departamento de Antropologia (DAN) da Universidade de Brasília (UnB) e com o apoio do DAN, da Fundação de Empreendimentos Científicos e Tecnológicos (FINATEC), do Programa de Iniciação Científica da UnB e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O projeto de cunho coletivo, que teve início em 2016, chegava ao seu fim e, por eu ter ingressado em seu período final, não cheguei a fazer pesquisa de campo in loco. Assim, comecei a trabalhar com dados secundários, diários de campo escritos por colegas de pesquisa que haviam visitado Recife. A leitura compartilhada dos diários das colegas é o material empírico principal do projeto de pesquisa. Thais Valim (2017), uma das pesquisadoras que compuseram o projeto, já havia ressaltado a importância dos dados secundários e da leitura compartilhada dos diários de campo como metodologia eficaz para se familiarizar com as crianças e famílias afetadas pelo ZV. Foi por meio dessa leitura, portanto, que pude analisar e compreender os motivos pelos quais as mães queriam inserir ou não os seus filhos e filhas na escola. O meu objetivo, até então, era entender essa nova rotina, essas oportunidades escolares que se abriam diante das “mães de micro”[6] , como elas se autointitulam, e em 2020 fazer trabalho de campo e dialogar diretamente com essas famílias.

Não tardou para que eu fosse surpreendida pela nova pandemia. No dia 17 de março de 2020, o governo do Distrito Federal, local em que resido, fechou o comércio e as demais atividades; o Ministério da Saúde decretou a primeira morte por COVID-19 no Brasil e a situação no país foi, progressivamente, se agravando[7]. Logo percebi que meus objetivos de investigar a rotina de crianças com SCZV nas escolas teriam de ser interrompidos não só porque eu não poderia ir a Pernambuco realizar o trabalho de campo, como também porque lá as escolas haviam sido fechadas. Junto às escolas, comércios, voos aéreos e passeios também foram interrompidos em várias regiões brasileiras. A política de lockdown[8] estabelecida pela China para conter a epidemia se espalhou como medida de contenção global do vírus e, um após o outro, os países que detectavam a presença da COVID-19 começaram a impor, a seu modo, medidas de restrições, práticas de higiene, isolamento social e políticas de distanciamento, interrompendo suas atividades e fechando suas fronteiras.

Logo chegaram até mim relatos e notícias, que circulavam em sites e redes sociais, de mães de micro que denunciavam que, com a política de distanciamento, as terapias e consultas de seus filhos e filhas haviam sido interrompidas e as crianças já sentiam os efeitos da falta de estimulação adequada. Atrofiavam, tinham crises convulsivas, esqueciam aprendizados como a deglutição, correndo o risco de precisarem usar sondas endogástricas para a alimentação. Segundo essas mulheres, suas crianças estavam desaprendendo os ensinamentos adquiridos ao longo desses últimos cinco anos, desde que o Zika havia sido identificado no Brasil. Essa denúncia e o desespero de mães e crianças mudaram os rumos das minhas investigações e comecei a perceber como as medidas impostas com a chegada da COVID-19 estavam afetando negativamente uma parcela da população que dependia de estar fora de casa para sobreviver.

Segundo Moraes (2020: 241) “o que marca a antropologia como disciplina não é necessariamente estar ‘fisicamente’ com o outro, mas a reflexão sobre alteridade e os modos e meios mais adequados de compreendê-lo”. Em decorrência da pandemia de COVID-19, precisei, para além de reconfigurar o objetivo da minha pesquisa, repensar as questões teórico-metodológicas que guiariam as minhas análises. Desse modo, lancei mão da etnografia digital para que eu pudesse, mesmo à distância, acompanhar as famílias de micro frente ao atual cenário. Considerando que a etnografia parte do princípio de refletir sobre a alteridade e fazer uma descrição das experiências particulares, sendo, portanto, um conhecimento que não se constrói sobre o outro, mas na relação com esse outro observado, me ancoro também nas ideias de Miller (2020), o qual ressalta que tanto a etnografia in loco como a pesquisa realizada em ambiente digital possibilitam encontrar pessoas, conviver e se comunicar com elas, bem como observar e interagir com os interlocutores. Visto que a Internet se tornou parte da vida dos sujeitos, tornando-se fonte de informação e observação, as técnicas de pesquisa a serem aplicadas em um ambiente digital podem ser semelhantes àquelas efetuadas em campo off-line. Utilizando as palavras de Miller (2020: 2), destaco que “mesmo sob essas restrições [provocadas pela atual pandemia], é realmente possível que você possa conduzir uma etnografia tão original, significativa e perspicaz quanto qualquer outra que tenha conhecido”, pois a etnografia digital não é menor do que outras formas de se fazer pesquisa antropológica, mas o resultado de um acompanhamento natural das situações e dos movimentos de nossos interlocutores.

Comecei então a trocar mensagens via WhatsApp com as mulheres que eu havia conhecido por meio dos diários de campo das colegas de pesquisa. Entrei em contato com elas por esse meio de comunicação específico justamente por saber, a partir dos diários, que essas mulheres se utilizavam com frequência do WhatsApp para trocar experiências e informações sobre a situação de seus filhos e filhas. Ter interlocutoras do Recife que já estavam em contato com as minhas colegas de pesquisa em Brasília e me valer de um meio de comunicação já conhecido e utilizado por elas fez com que a minha apresentação e conversa com essas mães se desse de maneira bastante fluida. Outro passo metodológico foi observar os eventos online que essas mulheres começaram a fazer nas redes sociais para dialogarem com outras mães, personalidades da política e profissionais de saúde, bem como ler e tomar notas de entrevistas que elas estavam dando para jornais e sites de notícias. Embora as redes sociais sejam, em sua maioria, consideradas lugares públicos, cuidados e acordos éticos como a confidencialidade dos nomes e das identidades das interlocutoras e a negociação da minha entrada e permanência em campo – pactuando com as informantes sobre as informações que podem ou não ser utilizadas para a pesquisa – são questões necessariamente consideradas, uma vez que nem tudo o que está publicado pode ser utilizado de forma pública.

Se antes da pandemia essas mulheres se encontravam nas clínicas, ONGs e hospitais da Grande Recife não só para cuidar de seus filhos, mas para trocarem experiências e relatos sobre a saúde de suas crianças, com a chegada do novo coronavírus, mães de micro de diferentes regiões do país começaram a se utilizar ainda mais da internet para denunciar, conhecer e auxiliar outras mães sobre a saúde de seus filhos e filhas. Assim, as mulheres que possuem algum acesso à internet têm organizado videoconferências em redes sociais como o Instagram, o Facebook e o YouTube para relatar e desabafar sobre as consequências da pandemia na vida de seus filhos. Com temáticas sobre deficiência, pandemia, cuidados e saúde, essas mulheres começaram a movimentar as redes sociais com eventos voltados para as próprias mães, mas também dirigidos como denúncia e cobrança às autoridades públicas. Frequentemente pude observar profissionais da saúde, como médicos e terapeutas, sendo convidados para participar e falar sobre as temáticas, mães de micro interagindo nos comentários, fazendo perguntas e dando sugestões de pautas, demandando auxílios e fazendo pressão aos órgãos governamentais por uma maior atenção e cuidado com suas crianças.

Nesses eventos também pude conhecer, para além das mães de Recife, com quem iniciei contato via WhatsApp, mulheres de Alagoas, Ceará, Goiânia, Bahia, que juntas compartilhavam suas dificuldades financeiras, suas angústias com relação à saúde de suas crianças, e seus apelos para que o governo incluísse seus filhos e filhas como grupo de risco, para que assim, obtivessem atendimento prioritário. O discurso e as denúncias dessas mulheres mostravam não só o medo do contágio por COVID-19, indicando que o fechamento das atividades e a necessidade de distanciamento social eram necessários para o controle da pandemia, mas, ao mesmo tempo, ressaltavam que a interrupção dos atendimentos terapêuticos e procedimentos hospitalares, considerados de suma importância para o desenvolvimento das crianças, implicavam em piora no quadro de saúde de seus filhos e filhas. Se as terapias eram indispensáveis para esses meninos e meninas, as políticas de controle da pandemia haviam se esquecido de considerar esses serviços como essenciais, gerando implicações profundamente negativas na vida dessas crianças.

Zika Vírus: doença do mosquito?

Apesar de o Zika Vírus ter sido identificado pela medicina na década de 1940, os contágios não foram tão expressivos até que se confirmasse a sua circulação no Brasil em 2015. Foi nesse ano que começou a aparecer uma doença misteriosa no país, em números expressivos na região Nordeste, cujas manifestações mais evidentes eram coceiras e vermelhidão na pele que apareciam e sumiam rapidamente dos corpos dos infectados. Os sintomas foram primeiramente identificados pelos médicos como uma “dengue fraca”, mas não tardou para que fossem apontados como consequências do Zika, doença associada tempos depois ao aumento nas notificações de microcefalia congênita em bebês recém-nascidos. A partir de exames feitos por meio da coleta do líquido amniótico de mulheres grávidas que tiveram sintomas de Zika, a médica paraibana Adriana Melo, em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz, pode comprovar a correlação entre ZV em grávidas e o nascimento de bebês com desordens neurológicas, motoras e microcefalia, o que ficou conhecido como Síndrome Congênita do Zika Vírus (Diniz, 2016).

Devido ao fato de o ZV ser transmitido pelo Aedes Aegypti, não tardou para que a epidemia fosse tratada exclusivamente como um “problema de mosquito” (Nunes & Pimenta, 2016) e as políticas de combate ao vetor se fortalecessem no Brasil. Entretanto, não foi o fato de a nova epidemia ser transmitida pelo mosquito que fez com que as autoridades de saúde realmente se atentassem para a emergência do Zika Vírus. Como bem pontuam Reis-Castro e Nogueira (2020), foi a múltipla transmissão viral, com enfoque para a transmissão vertical do Zika, e a ocorrência sem precedentes do aumento do número de bebês nascidos com microcefalia que transformou o Zika, de problema de mosquito, em problema de mulheres. O alto número de pessoas infectadas e de bebês nascidos com a SCZV fez com que, no final do ano de 2015, o Ministério da Saúde declarasse Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN), e em fevereiro de 2016 a OMS anunciasse a Situação de Emergência de Importância Internacional (ESPII), dando ao ZV status de ameaça global (Diniz, 2016).

Desse modo, mães e bebês infectados com o ZV e nascidos com a SCZV foram as maiores consequências da epidemia no país. Tanto essas mães como esses bebês são, em sua maioria, negras, de baixa renda e residentes em regiões periféricas ou no sertão nordestino, locais frequentemente esquecidos e negligenciados pelas políticas públicas brasileiras. Sendo assim, é notável que o Zika “é muito mais do que um problema de mosquito”, como lembrado por João Nunes e Denise Nacif Pimenta (2016: 38). E também não é apenas um problema de mulheres, mas um problema de infraestrutura, de desigualdade social, de aspectos ambientais e econômicos que permitem que o mosquito se reproduza, que mulheres não tenham conhecimento sobre direitos sexuais e reprodutivos, que famílias não tenham acesso à saúde de qualidade e que crianças com a SCZV tenham dificuldade de acessar os tratamentos adequados. Me utilizando das palavras de Débora Diniz (2016) reforço que se são as mulheres e seus filhos os mais atingidos pela epidemia, é a vida dessas mães e crianças que deveria ser o mais importante durante uma situação de emergência de saúde pública com projeções globais como o Zika Vírus.

O frágil quadro de saúde dos bebês e a necessidade de atendimentos médicos variados, muitas vezes indisponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS), fez com que as mães de micro precisassem judicializar medicamentos e vagas em terapias, batalhar por acesso ao transporte público e perambular pela cidade, clínicas e hospitais para que seus filhos e filhas tivessem acesso aos atendimentos necessários para a estimulação e o desenvolvimento basilares. Essas mulheres foram atrás dos direitos para suas crianças, direitos esses constantemente negligenciados pelos governos da época. Conseguiram indenizações por parte do Estado e benefícios sociais vitalícios, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC)[9], para que tivessem o mínimo de condições econômicas para sobreviver. Junto à SCZV, essas mulheres precisaram reorganizar, ressignificar e criar novas formas de vida, abdicando, muitas vezes, de seus empregos e prejudicando a renda familiar, a fim de encaixar em suas rotinas as agendas clínicas de seus filhos e filhas, os quais necessitam de cuidado em tempo integral (Williamson, 2018). Foi por meio delas, crianças e mães, que o Estado olhou para o ZV como uma questão que não se restringe apenas aos mosquitos, mas que perdura em meninos e meninas cujas famílias precisaram se readaptar completamente às suas formas da vida.

Diante disso, reforço que uma epidemia não é um fenômeno apenas biomédico, mas principalmente social, devendo ser pensada e considerada a partir de práticas e experiências locais (Segata, 2020), cabendo às autoridades elaborar não só políticas específicas de contenção emergencial a curto prazo, como soluções a médio e a longo prazo para conter a doença e dar assistência àqueles que foram afetados pela epidemia. É importante lembrar que os “efeitos de uma pandemia ou epidemia continuam a operar socialmente mesmo quando elas são consideradas controladas ou erradicadas segundo os critérios das agências de saúde global” (Ferreira & Lopes, 2020) e que, como denunciado por uma mãe, “o vírus passa, mas as crianças ficam”. E são essas famílias, em especial as crianças, que estão sendo novamente atingidas e afetadas pela chegada do novo coronavírus.

“Ele não é doente”: normatividade vital de crianças com SCZV

As crianças que nasceram com a SCZV apresentam inúmeros sintomas para além da “cabecinha pequena” ocasionada pela microcefalia. Problemas de visão e audição, dificuldades na deglutição, paralisia cerebral, alterações ortopédicas, comprometimento motor e cognitivo, deficiências físicas e mentais, além de epilepsias refratárias são apenas algumas das manifestações comuns entre os nascidos com a Síndrome (Lira, 2017). Entretanto, apesar do estado delicado dessas crianças, não é raro ouvir de suas mães – mulheres que geralmente ocupam o papel de únicas ou principais cuidadoras desses meninos e meninas – que seus filhos não são doentes, mas que possuem uma deficiência ou uma síndrome rara.

Acredito que a ênfase dada por essas mães de que suas crianças não são doentes tenha suas bases fincadas nos prognósticos dados pelos médicos ainda em 2015. Logo nos primeiros dias de vida de seus bebês ou até mesmo em exames pré-natal, profissionais de saúde comunicaram a essas mães que seus filhos não atendiam o “normal” esperado pela biologia e pela medicina, possuindo, portanto, poucas chances de sobrevivência ou de atingir um desenvolvimento esperado. Esses prognósticos iniciais associaram a deficiência diretamente à patologia e ao desvio da norma, dando a essas crianças o estigma de incapazes. Soma-se a isso o preconceito que essas mães e crianças sofrem no seu dia a dia, visto que muitas mães de micro relataram ouvir de diferentes pessoas termos bastante pejorativos em referência a seus bebês, como “monstros”, “doentinhos”, “filhos do mosquito”, “demônios” e “ETs”, intensificando o estigma e o preconceito que a doença pode vir a proporcionar para essas famílias. Nessa linha, Rocha (2019) ressalta o poder e as marcas que o estigma de doente pode causar ao processo de construção de identidade de uma pessoa com deficiência, afirmando que

“Sem dúvida, enquanto a deficiência física, assim como outras deficiências ou diferenças, for considerada patologia e desvio da norma, as intervenções científicas, sociais, culturais e políticas que visam esses grupos estarão objetivando unicamente a perpetuação da segregação e estigmatização. A diferença não será considerada, pois será sempre uma ameaça ao exercício do poder do statu quo vigente” (Rocha, 2019: 47).

Reforçar que seus filhos não são “doentes”, portanto, é devolver a essas crianças o status de indivíduo e de humanidade, enfatizando suas qualidades e capacidades enquanto seres no mundo, uma vez que embora essas crianças tenham inúmeras malformações congênitas, elas não são – e não devem ser – consideradas anormais ou necessariamente doentes. No lugar de doentes e anormais, essas crianças são tidas como anômalas, posto que, segundo Mascaro (2020: 6), “na anomalia, o indivíduo, desde o nascimento ou desde o início da função corporal a que corresponde tal estado, tem seu comportamento já determinado por tais especificidades estruturais”, não sendo a anomalia uma patologia, mas uma condição própria do indivíduo com deficiência. Em linha semelhante, Canguilhem (2012) afirma que uma anomalia é apenas uma diferença, uma variação individual sobre uma questão específica. Sendo a anomalia uma diferença entre os indivíduos e partindo da ideia de Pitrou (2017b) de que a vida é um fenômeno multiforme em que os diferentes processos vitais não ocorrem de maneira homogênea, não se deve ligar a deficiência congênita das crianças de micro ao status de anormalidade ou de patologia, uma vez que elas possuem apenas distintas normatividades vitais, as quais devem ser consideradas.

Canguilhem se atenta, assim como Pitrou (2017b), para a necessidade de se admitir “mil e uma maneiras de viver” (2012: 175), criticando as abordagens cartesianas de um corpo-máquina perfeito e compreendendo os conceitos de normal e de saúde em termos qualitativos, considerando potencialidades e normatividades vitais na saúde, na doença e na anomalia. Para Canguilhem, não há o que se pode chamar de normalidade absoluta, uma vez que o conceito é algo idealista e a norma é algo individual. Nessa linha, a norma é aquilo que define as capacidades de uma pessoa em relação ao meio, tendo cada indivíduo a sua concepção daquilo que é normal para si, o que faz com que o autor desconsidere o conceito de anormalidade e acate, ao invés do conceito de normal, as normatividades vitais próprias dos viventes. Safatle (2011), em um texto que explora as ideias de Canguilhem, vai reforçar que o autor desvincula também a relação existente entre anomalia e doença, tratando a anomalia como outras normas possíveis, não sendo ela, em si mesma, patológica. Embora o patológico também possua a sua norma vital própria, sendo essa considerada inferior a uma norma anterior, na anomalia não há perda de qualidade vital, visto que ela é apenas diversa e dotada de condição própria.

Diante disso, torna-se possível entender o que uma mãe quer dizer quando enfatiza que seu filho “não é doentinho”, tratando a deficiência como provida de uma normatividade vital própria e enfatizando, junto a isso, a necessidade de cuidados especiais para que ele possa ter suas capacidades ainda mais estimuladas e não adoeça. Uma das mães com quem tenho conversado desde julho de 2020, por exemplo, me relatou sobre a necessidade de consultas e terapias adequadas para que seu filho não broncoaspire os alimentos e precise utilizar uma sonda endogástrica e nem pegue pneumonia e precise recorrer a uma internação hospitalar, isto é, não fique doente – conceito aqui atribuído justamente a uma perda de normatividade vital em relação a um quadro anterior.

O filho dessa mãe, assim como muitas outras crianças com a SCZV, necessita não só de estimulação para obter um melhor desenvolvimento, mas de uma gama de atendimentos médicos como neurologia, fisioterapia, terapias respiratórias e inúmeros medicamentos que podem ou não perdurar durante a vida desses meninos e meninas. Em alguns casos, há relatos de crianças que precisaram passar por recorrentes procedimentos cirúrgicos para corrigir ou amenizar as consequências da SCZV, como a própria introdução da sonda alimentar para garantir a nutrição adequada, ou a inserção de válvulas para drenar o excesso de líquido cefalorraquidiano, ocasionado pela hidrocefalia, distúrbio que também acometeu algumas crianças de micro. Muitas delas contam também com o uso de óculos de grau devido aos distúrbios da visão, equipamentos médicos como órteses ortopédicas para corrigir a postura e a malformação óssea, e o uso de bandagens elásticas em suas mandíbulas para conter a sialorreia e estimular os músculos e o vedamento labial[10].

Os diferentes métodos e técnicas biomédicas e de cuidado que perpassam a vida das crianças de micro foram, e continuam sendo, fundamentais para dar continuidade à vida e garantir desenvolvimento e bem-estar adequados. Posto que, como explicitado por Canguilhem (2012) e Leroi-Gourhan (1987), a técnica pode ser considerada como um fenômeno biológico universal, constituindo e dando continuidade à vida, a necessidade desses meninos e meninas de tratamentos específicos para obterem melhor qualidade de vida salienta, mais uma vez, que essas crianças não são anormais, mas apenas possuem normatividades vitais distintas, uma vez que a técnica é compreendida pelos autores como um fato da vida, sendo, muitas vezes, tida como uma solução que os viventes encontram para se relacionar com o meio.

O uso de diferentes técnicas como mediadoras para que essas crianças se relacionem com o mundo a sua volta e tenham qualidade de vida pode dialogar, ainda, com o que Pitrou (2017b) compreende da vida como um processo multiforme de fazer, isto é, como um conjunto de ações diversas realizadas por agentes humanos e não-humanos, bem como por técnicas variadas para estimular os processos vitais. Nessa linha, todos – e não somente as crianças com SCZV – precisamos e dependemos, em alguma medida, do auxílio de técnicas biomédicas e de cuidado. Entretanto, a diferença que paira sobre as normatividades vitais das crianças de micro é ponto fundamental para compreender os efeitos da pandemia de COVID-19 e suas medidas de contenção impostas pelas autoridades governamentais nas formas de e da vida dessas crianças.

“Fique em casa”: COVID-19 e distanciamento social

Em dezembro de 2019 casos de pneumonia cuja causa era desconhecida foram identificados em Wuhan, na China. No mesmo período esses casos foram associados a um novo vírus que possivelmente teria saltado de algum animal selvagem para a população humana. Hipóteses relacionadas ao Mercado de Frutos do Mar da região, a espécies de morcegos asiáticos e de pangolins foram levantadas para explicar a ocorrência dramática do SARS-CoV-2 que se espalhava rapidamente pelo território chinês. A doença, considerada como de fácil transmissão, seguiu da China para a Europa espalhando-se pelo continente e fazendo com que no dia 30 de janeiro de 2020 a OMS declarasse o alerta de Emergência Internacional. Menos de dois meses depois, a Organização declararia a situação do novo coronavírus como uma pandemia. A COVID-19 havia se espalhado por todo o planeta exceto na Antártida (Brito, 2020).

A presença de um quadro respiratório agudo com sintomas de febre, perda do olfato e dores de garganta pode evoluir, em alguns casos, para pneumonias severas, quadro que vem ocasionando mortes em todo o globo. Diante disso, inúmeros países começaram a copiar as medidas de contenção chinesas, como o lockdown decretado pelo país no dia 23 de janeiro de 2020. O bloqueio chinês teve bons resultados na contenção e no controle das infecções na região e foi elogiado pela OMS como demonstração de compromisso para conter o vírus (Reuters, 2020). A medida proposta pela China, aliada a protocolos de higienização como lavar as mãos e utilizar máscaras para evitar a transmissão viral via gotículas, tornou-se rapidamente uma política global de enfrentamento à pandemia. Ficar em casa e aderir aos protocolos de higiene viraram sinônimo, em diversos países, de cuidado consigo e com o próximo.

O elogio feito pela OMS sobre os resultados positivos das medidas no território chinês inspirou governos de inúmeros países a seguirem passos semelhantes. Entretanto, como bem colocado por Segata (2020), a China não pode ser usada como um parâmetro global sem uma visão crítica. É importante lembrar que embora as políticas de saúde global achatem as experiências de adoecimento, é justamente essa diversidade de corpos, experiências e formas de adoecer que coloca em jogo a eficácia e a eficiência das medidas globais. Autores como Pitrou (2020), Caduff (2020) e Ecks (2020), por exemplo, problematizaram o lockdown como norma global e legítima para conter a pandemia. Essa medida, se acatada como única, pode resultar em novos problemas caso não se considere os diferentes níveis de desigualdade social, as outras doenças existentes, e o desemprego e a fome causados por medidas de restrição quando não se há alternativa que não a mobilidade para a sobrevivência. Com relação às crianças com SCZV, Williamson (2020) alegou que, assim como aqueles que possuem outras deficiências, elas foram deixadas em segundo plano com a chegada da COVID-19. A autora alertou para a necessidade de se considerar outras situações para além da pandemia como emergenciais, a fim de evitar que os impactos da gestão da pandemia de COVID-19 recaiam de maneira desigual sobre diferentes populações e reforcem ainda mais as vulnerabilidades existentes. Desse modo, de acordo com os autores citados, o lockdown, tido como a única alternativa possível, poderia não ser tão eficiente para conter e manter a salvo as vidas de toda uma população, pois estaria negligenciando diferentes realidades e formas de e da vida.

É preciso, portanto, estar atento ao fato de que existem pessoas que precisam estar fora de casa para trabalhar, que dependem continuamente do transporte público, de atendimento médico, ou que sequer possuem um teto para se abrigarem. Como colocado por Santos (2020), as políticas de contenção da atual pandemia reforçam as injustiças e a exclusão social, uma vez que nunca são, de fato, de aplicação universal, mas seletivas, parecendo ter sido feitas para uma pequena fração da população mundial. Patrice Schuch, Calvin Furtado e Caroline Sarmento (2020) também alertaram para a insistência na orientação para ficar em casa como única medida para enfrentar a pandemia, alegando que ter essa orientação como a única possível equivale a produzir uma política de morte, pois há pessoas que estão à margem das políticas globais de prevenção. Na mesma linha, considerando pessoas cuja saúde já se encontra previamente debilitada, como aqueles que possuem alterações crônicas e/ou congênitas, Manderson e Wahlberg (2020) se atentaram para o fato de que, para além da infecção pelo novo coronavírus e suas formas de contenção, é preciso considerar as condições preexistentes de saúde da população. Segundo os autores, não levar em conta as pessoas que vivem com diferentes problemas de saúde gera uma categoria de indivíduos “isolados em risco” (2020: 430), isto é, aqueles que, ironicamente, correm o risco de, a longo prazo, agravar o seu quadro de saúde enquanto se isolam, a fim de se proteger da atual pandemia. É nesse sentido que discuto no próximo bloco como as medidas de contenção do COVID-19, e as formas de vida institucionalizadas por essas medidas, excluem e negligenciam as crianças com deficiências, dentre elas aquelas afetadas pela SCZV.

Ficar em casa para quem precisa estar na rua

“Com essa pandemia tudo ficou difícil”. Foi com essa frase que uma das mães de micro que acompanho começou a me contar pelo WhatsApp sobre como a pandemia havia afetado a sua rotina e a rotina de cuidados com seu filho. Com a interrupção das terapias e consultas devido à recomendação de distanciamento social, a estimulação da criança estava sendo feita toda em casa, sem o auxílio de profissionais adequados. Era ela, sozinha, que estava tentando fazer as manobras terapêuticas no filho. Comentou que com a mudança nos itinerários terapêuticos do filho desde que se iniciou a pandemia de COVID-19, isto é, a transformação nas estratégias, técnicas e caminhos traçados desde o nascimento de seu bebê para estimulá-lo e cuidar de sua saúde adequadamente, estava fazendo o possível, mas que tinha medo de o quadro da criança se agravar. “A gente faz o que pode, mas não é a mesma coisa, só tivemos uma consulta por videochamada nesse período, assim estamos indo”, relatou a mãe ao me falar sobre como a falta de atendimento profissional estava fazendo com que o filho ficasse constantemente doente.

O relato dessa mãe deixa claro que a forma de vida construída por ela e por seu filho durante esses anos havia mudado profundamente. Se antes da pandemia as crianças com SCZV chegavam a passar o dia inteiro dentro das clínicas e hospitais realizando, semanalmente, uma série de terapias como fonoaudiologia, fisioterapia, hidroterapia e terapia ocupacional, agora essa mãe declarava que só tinha recebido, até o momento, uma única videochamada da fisioterapeuta em conjunto com a terapeuta ocupacional para auxiliar na saúde do filho. A partir do relato dessa mãe, é possível perceber que o ideal de terapias para as crianças, com frequência e acompanhamento profissional constantes, havia sido não só interrompido presencialmente como também não estava sendo devidamente suprido pelo teleatendimento durante a pandemia[11]. Estar em casa, portanto, não estava sendo uma medida de cuidado com seu filho, e interferia diretamente não só na sua forma de viver, privando-o dos atendimentos médicos essenciais, como nas suas potencialidades e capacidades de superar as limitações, isto é, na sua normatividade vital, ocasionando uma piora na saúde da criança, que começou, desde a interrupção das consultas e terapias, a apresentar uma série de complicações respiratórias e involuções motoras.

Silvana Matos (2020) recentemente alertou para o fato de não estarmos todos unidos pelo contágio, reforçando a ideia de que epidemias não são democráticas e não atingem a todos de uma mesma forma. A autora declarou que muitas mães de micro têm se queixado da falta de terapias, consultas e medicamentos para os filhos e filhas com SCZV e do número de crises convulsivas constantes que as crianças voltaram a ter. Em paralelo ao argumento de Matos, algumas mães me relataram que, além das crises convulsivas, o choro e a irritabilidade por parte das crianças estão mais frequentes, sintomas semelhantes aos de quando elas eram bebês e não possuíam a estimulação adequada. Esses sintomas foram relatados por mais de uma mãe, que comentavam que com a suspensão das terapias os filhos estavam “voltando à estaca zero”. Uma mãe chegou a comentar que, nesse momento de crise, a filha estava atrofiando os membros superiores e inferiores, pois havia crescido e as órteses não lhe cabiam mais. Devido à falta de terapias e à dificuldade de conseguir atendimento médico por causa da pandemia, essa mãe relatou estar “se virando nos 30”[12], estimulando a filha em casa e utilizando a órtese da perna – que ficara pequena – nos braços de sua filha, na tentativa de não perder os aprendizados adquiridos ao longo dos cinco anos de estimulação. Essas mães, sem o devido auxílio e atenção em meio à pandemia, começaram a criar – assim como criaram há cinco anos, desde a chegada do Zika – novas formas de vida e a “se virar nos 30” como podem.

Pelos eventos realizados por meio das redes sociais inúmeras mães têm relatado continuamente a necessidade da inclusão de seus filhos como grupo de risco, na tentativa de fazer com que essas crianças não sejam esquecidas e tenham atendimento de saúde prioritário e especializado. Essas mulheres falam constantemente sobre o medo da nova pandemia, mas lamentam as mudanças negativas que o distanciamento social e a interrupção das atividades causaram na rotina de seus filhos e filhas. “Não ir à terapia e à escola deixam as crianças estressadas”, ouvi de uma delas. “Estamos sem atendimento na pandemia”, outra relatou em tom de denúncia. Muitas alegam sobre a importância das terapias contínuas para que não seja necessário recorrer a cirurgias. Outras se queixam sobre a regressão das crianças. “A gente não pode fazer tudo”, contou uma mãe em um desses eventos virtuais[13], alegando que alguns exercícios, como a fisioterapia respiratória, só podem ser feitos por profissionais adequados, bem como denunciando a sobrecarga dos cuidados necessários no espaço doméstico. Sem poder frequentar as terapias e sem atendimento específico para avaliar a criança e atualizar ou buscar receitas médicas para comprar os medicamentos necessários, as crianças que já possuem complicações respiratórias podem ter uma piora no quadro de saúde, adoecendo e ficando ainda mais expostas à COVID-19.

Em meados de 2020, aproximadamente, algumas terapias em clínicas e hospitais da capital pernambucana voltaram a atender presencialmente, de modo controlado e restringindo o número de pacientes a serem atendidos. Algumas mães de micro optaram por voltar aos centros de reabilitação, informando que mesmo com as terapias sendo oferecidas apenas uma vez na semana, frequência muito abaixo da ofertada antes da pandemia, o fato de ter um acompanhamento profissional e presencial faz toda a diferença na vida de seus filhos. Essas mulheres alegam, entretanto, que ficam apreensivas pelo medo do contágio por COVID-19, mas que também possuem medo de o filho involuir, desaprender, esquecer coisas básicas como comer pela boca e precisar passar por procedimentos cirúrgicos e depender de equipamentos como sondas para a alimentação.

Uma mãe em específico desabafou sobre a questão do transporte oferecido pelo governo. “Estamos sem ir para a terapia porque além dele [o filho] ter problemas respiratórios e ser uma criança de risco, estamos sem o transporte do estado. Da minha casa para a terapia são dois ônibus”, lamentou. A limitação financeira dessa mãe não permite que ela opte por transportes mais seguros diante da COVID-19 como as opções individuais, Uber ou táxi. Vale lembrar que a mobilidade no transporte público já era um problema na vida dessas famílias antes mesmo da pandemia de COVID-19 aparecer, mas agora possuía mais um agravante: o possível contágio pelo novo coronavírus. Os relatos dos diários de campo das pesquisadoras de nossa equipe escancaram frequentemente as dificuldades sofridas por essas mulheres que precisam, diariamente, pegar ônibus lotados, enfrentar transportes precarizados carregando seus filhos no braço, junto a cadeira de rodas, bolsas e equipamentos diversos para o cuidado da criança. Lima e Silva (2020) também trazem à tona essa questão, afirmando que quando não precisam enfrentar, por horas, os ônibus lotados, mães e crianças contam com o transporte da prefeitura, que, infelizmente, nem sempre atende todas as famílias e/ou faz os trajetos necessários. Esse tipo de transporte, embora não sendo totalmente eficaz, foi suspenso durante a pandemia e mesmo com a retomada de algumas terapias, os veículos não voltaram a circular.

A falta de coesão entre as medidas tomadas, como o retorno das terapias sem a retomada do transporte que leva a criança até o atendimento, faz com que essas mães precisem optar por ver seus filhos e filhas perderem os aprendizados em casa, ou arriscarem-se nos transportes públicos lotados e precários, que agora tornam-se também prováveis canais de contaminação. De uma forma ou de outra, parece que essas famílias não conseguem ficar ilesas aos efeitos das duas epidemias, o que reforça a necessidade de pensar em políticas específicas para que as pessoas em situação de vulnerabilidade possam enfrentar da melhor forma possível esses eventos sem terem perdas em suas potencialidades e capacidades vitais.

“Pedem isolamento, mas temos que viver quase todo dia na rua”, ouvi de uma mãe. A fala dessa mulher e de tantas outras mães de micro trazidas neste artigo deixam claro que a nova forma de vida institucionalizada pelo novo coronavírus – como o confinamento, a interrupção de atividades e a redução no número e na qualidade de atendimentos básicos – não levou em conta que existem pessoas que dependem desses serviços e da mobilidade para sobreviver. Parry Scott (2020) ressalta que as orientações para suspender a mobilidade impostas pela OMS implicam em uma prática impensável para as famílias com crianças afetadas pelo ZV, cujo tratamento depende de uma rotina de “ficar fora de casa”, exatamente o contrário do que se pede atualmente como medida para proteger e salvar vidas. O cuidado dentro de casa não faz sentido para essas famílias, é preciso circular pelas ruas, bairros, clínicas e hospitais. O caminhar é uma das técnicas indispensáveis de cuidado que essas mães executam com seus filhos (Fleischer, 2017).

Desse modo, a política de lockdown e o distanciamento social não cabem na lógica de cuidados que essas mães precisam fazer para estimular e proteger os filhos. Segundo Maboloc (2020) as restrições de mobilidade implicam em cuidados interrompidos, e pouco ou nada se fala sobre o impacto das interrupções dos serviços necessários às pessoas com deficiência. Schuch e Saretta (2020) reforçam a questão alegando que a negligência de pessoas com deficiência na pandemia resulta em exclusão, e acrescentam o fato de as políticas globais de saúde serem baseadas em um ideal de sujeito normativo, desconsiderando pessoas que estão fora do que é considerado padrão, isto é, com normatividades vitais distintas do ideal biomédico estabelecido como “normal”.

É possível, portanto, inferir que as diretrizes universais de combate à COVID-19 impostas pelas autoridades governamentais – desconsiderando a possibilidade de novas formas de vida e negligenciando as diversas formas da vida existentes – afetam negativamente grupos sociais muito específicos, não levando em consideração as singularidades, as corporalidades e os múltiplos contextos sociais (Fietz; Melo & Fonseca, 2020).

Considerações finais

Com base nos relatos trazidos pelas mulheres mães de crianças com a SCZV é possível perceber como as formas de vida institucionalizadas pelas medidas de contenção e gerenciamento da COVID-19 afetaram diretamente as rotinas das mães cuidadoras e as normatividades vitais das crianças com a Síndrome. Retomo Pitrou (2020) para enfatizar o fato de eventos críticos como pandemias e epidemias serem uma brecha para a legitimação por parte do Estado de novas formas de vida, formas essas, geralmente, drásticas e generalizantes, não levando em conta as especificidades da população. Essa questão acaba por impelir inúmeras pessoas a se adequarem a essas novas formas de vida gerando, consequentemente, efeitos nem sempre positivos sobre as formas da vida dos indivíduos.

Com a chegada da epidemia do Zika Vírus e a compreensão por parte do governo de que a epidemia era uma doença do mosquito, muitos dos protocolos de cuidado exigiram da população o uso de repelentes e roupas de mangas compridas, modificando os hábitos de inúmeras pessoas. Posteriormente, com a descoberta da SCZV, mulheres que tiveram seus filhos atravessados pelo vírus, precisaram se reinventar, abdicando de parte de seus afazeres, pleiteando serviços e direitos, e adaptando seu dia a dia para circular pelas clínicas e hospitais da Grande Recife, a fim de estimular e desenvolver as capacidades de suas crianças. Mal essas mulheres e crianças criaram formas de encarar a SCZV e elas foram atingidas por uma nova crise sanitária que as forçou, mais uma vez, a criarem e estabelecerem novos jeitos de viver.

O distanciamento social e a interrupção das mais variadas atividades fizeram com que as crianças com a SCZV ficassem sem seus tratamentos médicos e terapêuticos. O impacto na rotina desses meninos e meninas se articula diretamente com as transformações de suas normatividades vitais. Se antes da nova epidemia, algumas dessas crianças já se alimentavam pela boca, conseguiam ter a sustentação do tronco e da cabeça ou haviam reduzido dosagens de medicamentos e o número de suas crises espasmódicas, estando mais dispostas a interagir com o meio à sua volta, com a supressão dos tratamentos e consultas decorrente das medidas de controle do novo coronavírus, essas crianças passaram a apresentar sintomas semelhantes aos de quando eram recém-nascidas e pouco se sabia sobre a SCZV. Se o fato de esses meninos e meninas precisarem de técnicas biomédicas e de cuidado específicos não as torna automaticamente patológicas, a interrupção dos tratamentos adequados as deixa extremamente vulneráveis a doenças e complicações. Embora as políticas de gerenciamento da COVID-19, como o confinamento e os protocolos de higienização, sejam importantes para controlar a pandemia, é imprescindível que se leve em conta as especificidades locais de um evento global.

Reforço, portanto, que não é o meu intuito dizer que essas políticas de saúde global não funcionam como um todo e não devem ser utilizadas. Acredito que essas medidas têm efeitos positivos consideráveis quando se trata de controlar um evento de grande proporção. Entretanto, ademais de estabelecer uma única medida como o protocolo ideal e legítimo de controle e gestão, é preciso olhar para além do vírus e da biomedicina e considerar as inúmeras formas de e da vida, os contextos políticos, sociais, ambientais e econômicos para administração das crises sanitárias. Estar atento às camadas mais vulneráveis da população, considerar as suas formas de viver e superar problemas, bem como providenciar políticas de saúde que façam sentido para essas pessoas é fundamental. No caso das famílias que já foram afetadas pela epidemia do ZV há cinco anos, é preciso considerar que para quem sofre as consequências deixadas por esse vírus a epidemia não tem fim (Diniz & Brito, 2018), cabendo ao Estado estabelecer protocolos de cuidados e atenção especial para essa parcela da população que sofre duplamente as consequências das epidemias.

Para além das políticas de distanciamento e higienização, portanto, é preciso que medidas como testagem em massa, fortalecimento do sistema de saúde pública, e auxílio emergencial se mantenham e sejam efetivadas de forma eficaz para que a população possa seguir as medidas recomendadas pelo governo e para que tenha condições de enfrentar a pandemia. As famílias afetadas pelo ZV necessitam não só do auxílio financeiro por parte do Estado, como também de políticas de acesso ao transporte oferecido pelo estado ou pelas prefeituras, manutenção das terapias como serviço essencial, vacinação de outras patologias, como a gripe H1N1, e tratamento em domicílio, bem como que as famílias que precisam circular pelas clínicas e hospitais circulem o mínimo, ou com o máximo de segurança possível.

Embora terapeutas e mães se esforcem para proporcionar o melhor atendimento e estímulo possíveis para as crianças via telefone ou internet – aqui vista também como uma nova maneira de viver e enfrentar as consequências da pandemia de COVID-19 –, é importante lembrar que mulheres residentes nas periferias ou moradoras do sertão nem sempre possuem aparelhos eletrônicos ou conectividade suficiente para acompanhar os tratamentos. Tampouco as mães de micro possuem a capacidade e o tempo necessários para executar adequadamente todas as manobras terapêuticas em suas crianças. Muito tem sido comentado sobre a intensificação da carga de trabalho das mulheres durante a pandemia (Idoeta, 2020). Desse modo, quando a única alternativa para cuidar em casa é a terapia via telefone ou internet, famílias que não possuem conhecimentos terapêuticos adequados e/ou condições suficientes de acesso aos meios de comunicação precisarão estar nas ruas ou tenderão a deixar as atividades de reabilitação da criança em segundo plano.

Se, por um lado, é papel do Estado estar atento a essas questões, cabe a nós, antropólogas e antropólogos, com nossos métodos atentos e minuciosos, ouvir, conhecer, relatar e publicizar as dificuldades e demandas daqueles que são erroneamente considerados pela biomedicina como “fora da normalidade”, sendo constante e talvez estrategicamente negligenciados e esquecidos pelas autoridades. Entretanto, não se pode ignorar o fato de que essas pessoas não são invisíveis para as mudanças impostas por essas mesmas autoridades nas formas de vida em momentos de crise, e que tampouco suas formas da vida passam despercebidas para os vírus e para os contágios.[14]

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1Síndrome Respiratória Aguda Grave – coronavírus 2. Nomenclatura oficial para o novo coronavírus.

2Corona Virus Disease (2019). O nome faz referência à doença provocada pelo novo vírus descoberto.

3Utilizarei a nomenclatura “COVID-19” como sinônimo para a doença e o nome do vírus, uma vez que essa foi a nomenclatura popularizada para se falar da pandemia de forma generalizada.

4Utilizarei, no presente trabalho, os conceitos de formas de vida (forms of life) e formas da vida (life forms) conforme aborda Pitrou (2017a). Segundo o autor, é possível compreender formas de vida como formas/modos de viver/modos de ser, possuindo o conceito uma dimensão política, enquanto formas da vida está correlacionado à biologia. Embora os dois conceitos pareçam opostos entre si, ambos podem ser compreendidos e articulados em conjunto na antropologia, em uma intersecção entre o biológico e o social.

5O capítulo “Escolas”, de minha autoria, pode ser encontrado no e-book “Micro: contribuições da antropologia” (Fleischer & Lima, 2020), trabalho coletivo que conta a história das famílias afetadas pela epidemia do Zika Vírus. O download do livro é gratuito e pode ser feito em: http://www.dan.unb.br/images/E-Books/2020_FLEISCHER_LIMA_Micro.pdf

6O termo faz referência à microcefalia, uma das características mais visíveis da SCZV. A nomenclatura “de micro” tornou-se referência para falar das crianças, mães e famílias afetadas pelo Zika Vírus.

7No momento em que concluo a escrita deste artigo, dezembro de 2020, o total de óbitos no Brasil ultrapassa o número de 180 mil pessoas.

8Lockdown é o termo em inglês utilizado para designar uma medida de intervenção cujo objetivo é o bloqueio total de atividades e interação entre pessoas. A medida é utilizada para casos extremos, quando práticas mais leves como o isolamento dos infectados e o distanciamento social não conseguem controlar a disseminação de uma doença de maneira adequada.

9O Benefício de Prestação Continuada é a garantia por parte do Estado de um salário mínimo mensal (equivalente ao valor de R$ 1.045,00 no ano de 2020) à pessoa com deficiência. Para ter direito ao benefício, é necessário que a renda por pessoa do grupo familiar seja menor que 1/4 do salário-mínimo (Ministério da Economia, 2020).

10Sialorreia é o excesso de salivação decorrente da fraqueza e/ou incoordenação da musculatura facial. A sialorreia resulta em comprometimento do fechamento dos lábios, da deglutição e do controle da saliva, sendo necessário o uso de bandagens elásticas, uma espécie de curativo em volta da mandíbula da criança, cuja função é exercer pressão sobre os músculos e promover apoio e estabilidade da região afetada.

11Na tentativa de mitigar os efeitos negativos ocasionados pela falta de terapias e pelo teleatendimento insuficiente, algumas terapeutas tiveram a iniciativa de mandar vídeos gravados com orientação das manobras para que as mães de micro pudessem executar os exercícios em seus filhos e filhas.

12“Se vira nos 30” é uma expressão popular brasileira utilizada para se referir à obrigação de realizar alguma atividade de modo eficiente em um curto período. A expressão se popularizou com o quadro homônimo, do programa de televisão “Domingão do Faustão”, transmitido pela emissora Rede Globo, em que artistas possuíam o prazo de 30 segundos para executar alguma performance que cativasse o auditório. O que melhor “se virasse nos 30”, isto é, a melhor performance em menor tempo, seria recompensado em prêmios pelo programa.

13NINAPI. (2020). 6ª semana do Bebê Recife – SCVZ: Trajetórias de vida em tempos de Covid-19. https://youtu.be/iyhQRRV4_Xw.

14Agradeço o apoio e financiamento do CNPq para a realização desta pesquisa. À Soraya Fleischer, Mariana Simões, Raquel Lustosa e Thaís Valim, agradeço pelas dicas, referências e leitura prévia e cuidadosa deste artigo. Às pesquisadoras dos grupos de pesquisa “Síndrome Congênita do Vírus Zika: uma antropologia dos ímpetos maternos, científicos e políticos” (UnB) e “Quando duas epidemias se encontram: repercussões do Covid-19 no cuidado e cotidiano de crianças com a Síndrome Congênita do Vírus Zika” (UnB), do qual faço parte, sou imensamente grata pelo conhecimento compartilhado.

Recibido: 16 de Marzo de 2021; Aprobado: 27 de Julio de 2021