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Ciencia, docencia y tecnología

versão On-line ISSN 1851-1716

Cienc. docencia tecnol.  no.45 Concepción del Uruguay jul./dez. 2012

 

HUMANIDADES Y CIENCIAS SOCIALES: INVESTIGACIÓN

A leitura e a escrita do literário em meio eletrônico

 

Neitzel, Adair de Aguiar*; Rauen Moraes, Taiza Mara**; Neitzel; Luiz Carlos***; Viana, Elisangela**

Autores: *Universidade do Vale do Itajaí -UNIVALI- (Santa Catarina -sc-, Brasil), **Universidade da Região de Joinville -UNIVILLE- (Brasil), *** Gerencia de Educação de Joinville, sc/sed/nte de Joinville (Brasil). Contacto: angelviana@hotmail.com

Artículo derivado de un proyecto de investigación interinstitucional entre UFSC, UNIVALI y UNIVILL, denominado: Autores, obras e acervos literários catarinenses em meio digital, con financiamiento de FAPESC/ CNPQ a través del fondo PRONEX/002/2007;
Recibido en marzo 2012,
Admitido en agosto 2012.


La lectura y la escritura de lo literario en medios electrónicos

Resumen

El artículo presenta los resultados de una de las etapas de la investigación titulada: Autores, obras e acervos literários catarinenses em meio digital, en colaboración con veintidós docentes del sistema educativo de Santa Catarina, Joinville (Brasil). El objetivo del proyecto fue indagar sobre los posibles usos en la clase de textos publicados en medios electrónicos, para ampliar las prácticas de lectura. La metodología seguida fue un curso dado a los docentes de Lengua y Literatura portuguesa de escuelas estatales de Joinville, estructurado en torno a la exploración de la biblioteca digital Nupill y el cd producido por el mismo grupo: "Relógio de Ouro -Machado de Assis". En este artículo proponemos examinar algunas de las posibilidades pedagógicas de estos materiales y discutir algunas de las estrategias de enseñanza empleadas por los docentes con sus estudiantes de escuela media, las que fueron estructuradas en tres ejes: lectura, investigación y producción.

Palabras clave: Lengua y literatura; Lectura en medio electrónico; Enseñanza de lectura; Escuela media; Formación docente.

Reading and writing of literature in electronic media

Abstract

This article presents the results of one of the stages of a survey entitled Autores, obras e acervos literários catarinenses em meio digital, in collaboration with twenty two teachers from the education network of Santa Catarina, Joinville, Brazil. The objective of this research was to investigate possible uses of media texts in electronic media in the classroom to expand reading practices. The methodology used was a course given to teachers of Portuguese Language and Literature from state schools of Joinville, structured around the exploration of Nupill's digital library and cd produced by the same group, "Relógio de Ouro -Machado de Assis". In this paper, we propose to examine some of the pedagogical possibilities of these literary materials and discuss some of the teaching strategies employed by the teachers with their high school students, which were structured in three areas: reading, research and production.

Keywords: Language and literature; Reading in a digital medium; Reading teaching; High school; Teacher training

A leitura e a escrita do literário em meio eletrônico

Resumo

Este artigo apresenta os resultados de uma das etapas da pesquisa intitulada Autores, obras e acervos literários catarinenses em meio digital, realizada com a colaboração de vinte e dois professores da rede estadual de ensino de Joinville, Santa Catarina (Brasil). O objetivo desta pesquisa foi investigar possibilidades de uso de suportes de textos em meio eletrônico em sala de aula para ampliar práticas leitoras. A metodologia empregada foi um curso ministrado a professores de Língua Portuguesa e Literatura da rede estadual de ensino de Joinville, estruturado em torno da exploração da biblioteca digital do nupill e do cd elaborado por este mesmo Núcleo: "Relógio de Ouro -Machado de Assis". Neste artigo, nos propomos a analisar algumas das possibilidades pedagógicas deste material literário e discutir algumas das estratégias de ensino empregadas pelos professores cursistas junto a alunos do ensino médio, as quais foram estruturadas em três eixos: leitura, pesquisa e produção.

Palavras chave: Língua e literatura; Leitura em meio digital; Formação de leitores; Ensino médio; Formação de profesores


O professor disserta sobre ponto difícil do programa.
Um aluno dorme, cansado das canseiras desta vida.
O professor vai sacudi-lo?
Vai repreendê-lo?
Não.
O professor baixa a voz com medo de acordá-lo.

I. Contextualização da pesquisa

Este poema de Carlos Drummond de Andrade nos provoca a pensar nas possibilidades que o professor dispõe para encantar os alunos em sala de aula e os inserir num movimento de procura pelo conhecimento. Uma epígrafe que nos permite repensar a atividade docente e os elementos que envolvem o processo de ensino e aprendizagem, principalmente as estratégias que permitem a dinamização do ensino.
Numa concepção de educação como fenômeno histórico, social e coletivo em que se considera alunos e professores como sujeitos da realidade social, tem-se a visão do conhecimento escolar como uma forma de se apropriar da realidade que nos cerca, o que significa melhorar nosso modo de viver. Neste sentido, o conhecimento não é estático ou cumulativo e por isso seu processo de apropriação não é um caminho simples, ele depende inclusive das diferentes vias pelas quais o sujeito percorre para construí-lo, as quais podemos denominar de ferramentas ou estratégias de ensino.
Hoje, as pesquisas na área da educação vêm demonstrando que as estratégias de ensino são fundamentais para garantir o êxito da aprendizagem, concepção bem diferente da época em que a escola foi instituída. No século xvi, por exemplo, o modelo jesuítico prezava por três elementos que eram considerados fundamentais: exposição pelo professor do conteúdo, levantamento das dúvidas dos alunos e exercícios de fixação. Não se considerava, no manual Ratio Studiorum, as diferentes formas de aprender porque a aprendizagem estava calcada no ato de memorização, não se compreendia a aprendizagem como um processo que exige mobilização, construção e elaboração da síntese de conhecimentos.
Anastasiou e Alves (2003:53) chamam a atenção para o fato de que "os saberes estão associados ao processo de construção". As estratégias de ensino possibilitam ao aluno diferentes exercícios mentais, cada uma delas desencadeando operações diversas do pensar. Para a mobilização do conhecimento podemos eleger uma estratégia que não será a mais adequada para propor a síntese, por exemplo. Dessa forma, a escola necessita adotar diferentes formas de possibilitar o processamento do conhecimento. Neitzel, Leal e Fernandes (2005), ao traçarem o perfil do aprendiz do século xxi, apontam as principais características do jovem, destacando entre elas sua afinidade com a tecnologia e sua agilidade em desempenhar várias atividades concomitantemente, o que o coloca em contato com várias experiências e o torna inquieto ou adaptável. O prazer com que realizam atividades on line nos permite deduzir que a exploração de ambientes virtuais de aprendizagem pode ser uma ótima ferramenta para ser empregada em sala de aula. Muitas são as ações no Brasil que vêm direcionando a atenção das instituições educativas para o uso das tecnologias em sala de aula, como mais um recurso a ser usado pelo professor e pelos alunos. Entre elas, citamos o projeto piloto Um computador por aluno -uca-, que fez a distribuição de notebooks aos alunos do ensino fundamental em 10 escolas do estado de Santa Catarina, ao todo 346 escolas brasileiras, um projeto piloto que visa inserir a comunidade no universo digital e que vai auxiliar a dinamizar o processo de leitura e escrita.
Tendo em vista essas considerações, propomos o uso do computador nas aulas de Língua e Literatura com o objetivo de ampliar as práticas leitoras de alunos do ensino médio. Convidamos um grupo de 22 professores da rede estadual de ensino para o desenvolvimento de estratégias de ensino e de sua aplicação em sala de aula por meio do desenvolvimento de projetos, a partir do:
a. Site de literatura do Núcleo de Pesquisas em Informática e Literatura -nupill-: www.nupill.org
b. cd Relógio de Ouro de Machado de Assis (organizado pelo nupill).

Esta proposta se justifica uma vez que, no mundo contemporâneo, a tecnologia tornou possível uma série de processos que facilitam a vida do homem, que quebram barreiras territoriais de comunicação sequer imagináveis em outros tempos, possibilitando soluções para os mais diversos usos e funções. Um desses processos que vem sendo afetado pela tecnologia é a leitura, pois o meio digital oferece ao leitor outras possibilidades de travessia para o campo literário.
Ao tentar delinear o perfil do leitor do século xxi, descortinamos uma proximidade deste leitor com o texto em meio digital, recheado de links, que rapidamente o encaminham a outras leituras, fragmentando o texto, inserindo-o num universo multifacetado. Acostumando-se a esse processo, ao invés de nos questionar a respeito do estatuto que a obra literária assume no ambiente virtual, preferimos experimentar as possibilidades de leitura e escrita que ele propõe.
Muitas são as pesquisas que demostram que o desenvolvimento de projetos que envolvem a tecnologia, especificamente o computador, possibilitam práticas que favorecem um ambiente escolar como espaço estimulante e propício para o educando exercitar a aprendizagem de sua autonomia (Neitzel, 2010). Partindo dessa visão, a pesquisa que originou este artigo fundamentou-se na interdisciplinaridade entre Tecnologia, Educação e Leitura, procurando desenvolver junto com os professores da rede de ensino estratégias que utilizassem o computador como um aparato de leitura. A metodologia empregada foi a experimentação do cd Relógio de Ouro - M achado de Assis e do site literário produzidos pelo nupill, junto a um grupo de professores do ensino médio da rede pública de Joinville, Santa Catarina (Brasil). A proposta, no formato de curso intitulado "Leitura em meio Digital", faz parte do Projeto Autores, obras e acervos literários catarinenses em meio digital -pronex- em parceria com a Universidade Federal de Santa Catarina -ufsc-, Universidade do Vale do Itajaí -univali-, Universidade da Região de Joinville -univille- e o Núcleo de Tecnologias Educacionais -nte- da gered de Joinville.
Santaella (2004) enfatiza a importância de atentarmos para os meios que na contemporaneidade dispomos para a criação artística, pois estes vão demarcar outros processos não só de produção como de recepção. Por exemplo, a história da poesia concreta, visual e eletrônica mostra como a apropriação do meio tecnológico pelo poeta altera a forma deste se relacionar com o texto. Hoje, o leitor pode ler poesias inicialmente idealizadas como concretas ou ainda visuais e acrescidas das possibilidades técnicas que o computador disponibiliza passam a apresentar a característica básica da poesia eletrônica: a dinamicidade. Em suma, a literatura e a tecnologia dialogam no mundo contemporâneo na medida em que a arte se apropria dos novos recursos da informática em sua linguagem. Assentada esta pesquisa sob esses princípios, passaremos a seguir à apresentação dos dois recursos selecionados para exploração com os professores, o site do nupill e o cd Relógio de Ouro de Machado de Assis e, na sequência, comentaremos as estratégias empregadas pelos professores junto aos alunos do ensino médio.

II. A exploração do cd Machado de Assis

Muitas são as bibliotecas digitais que tornaram o acesso ao texto literário mais fácil. Segundo Rosseto (2008), estas são ferramentas que têm como objetivo o acesso à informação, cumprindo seu papel de democratizar o acesso ao conhecimento. Por outro lado, as bibliotecas digitais brasileiras disponibilizam, na sua grande maioria, os textos tal qual foram concebidos no meio impresso, sem acrescentar outros recursos que poderiam ampliar as possibilidades da prática leitora. Tendo em vista essa necessidade, o nupill construiu um cd sobre as obras de Machado de Assis, experienciando, por meio do conto O Relógio de Ouro, possibilidades de tornar a leitura mais interativa, explorando recursos audio-visuais. A tela principal do cd apresenta ao usuário sete links: Conto, Obras, Vida e Obra, Contexto Histórico, Dicionário, Instrumental Crítico e Projeto, que serão a seguir detalhados (Figura 1).


Figura 1. O Conto O Relógio de Ouro na opção Ler com Vocabulário

No link Conto, a obra O Relógio de Ouro está disponibilizada para leitura. Sua disposição gráfica se apresenta no formato de livro, conduzindo o leitor a uma prática leitora já conhecida no meio impresso. Nessa disposição, ao invés de usar a barra de rolamentos para cima e para baixo, o usuário tem a opção de avançar ou retroceder a página, simulando a leitura de um livro. Como parte dessa simulação, a transposição de página imita o som de uma folha de livro sendo manipulada. A novidade se anuncia com os recursos que o leitor pode contar no auxílio desta leitura, ele tem a possibilidade de ler e ouvir o conto, com uma gravação pré-definida. Pode também ler o conto auxiliado por um vocabulário disposto em forma de links no corpo do texto ou ainda gravar sua própria leitura. O estabelecimento de links no texto visa ampliar o potencial do texto escrito, de forma a possibilitar articulações entre diferentes textos expandindo assim o universo semântico do leitor que poderá, com este recurso, compreender melhor os sentidos que subjazem ao texto. Esse processo, inicialmente simples, leva o leitor a perceber o princípio básico de expansão do texto, a intertextualidade, pois este recurso lhe permite visualizar algumas das marcas que o texto apresenta. Cada link não encaminha o leitor a uma pluralidade de percursos, mas é um exercício que permite uma mudança de base material, e esta outra base, que traz o significado de determinada palavra, apesar de se construir num sentido único, de ida e volta, o faz deslizar para espaços outros de significação. A idéia básica da intertextualidade e da escrita relacional se mantém neste simples exercício: a transformação e assimilação de vários textos.
Sendo este cd uma biblioteca digital, ele contém toda a obra de Machado de Assis. Ao ler neste suporte eletrônico, o leitor poderá exercitar algumas estratégias de leitura que serão respaldadas pelas ferramentas que o computador dispõe e que podem alterar e auxiliar o processo de leitura
. Dessa forma, não mudaram apenas as ferramentas de armazenamento, mas de manipulação da leitura de obras. As obras estão ordenadas por título e para cada obra o usuário tem acesso aos seguintes recursos que podem incrementar sua leitura:
1. Fazer anotações: esse recurso foi implementado com o intuito de disponibilizar um espaço ao leitor para que ele anote suas considerações sobre a leitura, ajudando-o a compreendê-la melhor. Com este exercício poderá o leitor também exercitar a escrita e dessa forma a leitura passa a ser um processo mais interativo. A idéia de escrileitor deixa de ser uma metáfora para se concretizar, sendo levado a intervenções no ambiente de leitura do computador.
2. Gravar sua própria leitura: Este recurso se encontra disponível apenas no conto O Relógio de Ouro. Por meio dele, o leitor dispõe de outra forma de interagir com o ambiente virtual. Ao gravar sua própria leitura, o leitor faz uso de um recurso que é semelhante à fala, nossa primeira manifestação linguística. Esse exercício poderá ainda facilitar a internalização dos sentidos se sua forma de aprender for mais auditiva.
3. Impressão: o cd disponibiliza todas as obras para serem impressas, se o leitor desejar. Seguindo o formato das bibliotecas digitais, apenas o conto O Relógio de Ouro possui links que transportam o leitor a outras páginas. Neste caso, a impressão não daria conta das páginas simultâneas e o impresso perderia algumas potencialidades programadas para o texto virtual.
4. Gravar o estágio da leitura: Com a função de um marcador de páginas, este recurso tem o intuito de facilitar a prática leitora. Foi instalado para gravar o estágio da leitura, que pode ser continuado num outro momento. Mesmo com o fechamento da tela, o leitor, reiniciando o software, pode prosseguir a leitura de onde parou.
Além do Conto O Relógio de Ouro e das obras de Machado de Assis, temos o link Vida e obra que traz os dados biobibliográficos do autor (Figura 2). O layout foi criado a partir de uma figura do Rio de Janeiro, cidade natal do escritor, que apresenta datas relevantes na vida do autor. Ao clicar nas datas, o leitor poderá acessar a diversas informações sobre o autor que permitem o estabelecimento de relações entre a obra e seu contexto de produção. A escrita se mostra, assim, como um processo que se concretiza por meio de nossa "arca ancestral de palimpsestos", termo cunhado por Augusto dos Anjos no poema A um mascarado: "Rasga esta máscara ótima de seda / E atira-a à arca ancestral dos palimpsestos.../É noite, e, à noite, a escândalos e incestos/ É natural que o instinto humano aceda!". Ele usa esse termo para designar toda a nossa bagagem cultural, tudo que compõe nossa formação: leituras, experiências, vivências.


Figura 2. Tela principal do link Vida e Obra

Para completar o quadro da Vida e Obra do escritor, podemos adentrar no link Contexto Histórico. Nele o leitor tem acesso a uma linha do tempo que traz mais informações a respeito do contexto histórico no qual o autor viveu. Entre os episódios da vida de Machado e os acontecimentos importantes da época, encontramos imagens que auxiliam a visualização do contexto e instigam o leitor a adentrá-lo, estabelecendo uma relação visual do leitor com o texto. Neitzel nos oferece uma interessante reflexão acerca do uso da imagem no processo de aprendizagem.

"Evidentemente que o homem cria símbolos não só para se servir deles utilitariamente, mas, principalmente, para expressar sua visão de mundo, contar sua história integrada ao quadro cultural a que pertence, formando um livro vivo de suas ações, de suas palavras e de sua arte. Cada cultura oferece um conjunto de imagens que forma o seu imaginário, e nesse jogo de combinações e associações possíveis, tentativa de exploração das relações intertextuais, obtém-se um enxerto da palavra e da imagem, que se revela e se dá a conhecer de várias formas, cujos processos de assimilação e transformação de informações divergem, mas convergem para páginas repletas de sinais que reportam um mundo cheio de histórias a se contar, fantasias, resultado de um processo de abstração ou de observação do mundo real." (Neitzel, 2010:103-104)

Esse contexto que se esgarça por meio da imagem pode levar o leitor a um processo de objetivação de suas percepções e por meio dele, o leitor percebe como o contexto reflete diretamente na obra produzida. Neste caso, a obra de Machado de Assis traz marcas de seu tempo não apenas no que diz respeito às temáticas, mas no modo de criticar sua época. Um panorama que vai exigir de Machado uma atitude racional frente aos fatos, uma ação antirromântica que vai gerar, por exemplo, perfis de mulheres fortes e dominadoras. Na sequência, podemos observar como a linha do tempo desse período da produção machadiana se apresenta ao leitor (Figura 3).


Figura 3. Tela do link Contexto Histórico

Como o leitor atribui sentido ao texto lido? Quais os recursos que ele faz uso quando se depara com a leitura? O dicionário é uma ferramenta que pode auxiliar nesse processo e por isso foram introduzidos neste cd diversos hiperlinks para sites de dicionários on-line. Para que o recurso seja aproveitado, contudo, é necessário que o computador tenha acesso à Internet. Uma vez conectado, o computador oferece algumas possibilidades de busca em sites especializados. Ao sair do texto original, ao pular de site em site em busca de sentidos, o texto adquire propriedades não-lineares e passa a ser mais flexível, possibilitando que o leitor faça alguns percursos interativos que lhe permitam acrescentar sentidos ao texto, extrapolando a limitação da folha plana, iniciando o processo de estrelamento da estrutura textual. A expansão dos sentidos ocorre não apenas por conta da consulta nos verbetes dos dicionários, mas também pelo exercício intelectual que se propõe o leitor diante do computador. A facilidade com que ele dispõe dessa rede semântica o encoraja a perscrutar novos sentidos no texto, os quais também poderão ser orientados pela fortuna crítica do autor, em parte disponível no link Instrumental crítico. Neste campo, tem-se acesso a excertos de algumas análises e críticas a respeito das obras de Machado de Assis. Esse material disponível é importante para as práticas leitoras porque o processo de leitura requer que o sujeito estabeleça interrelações, conecte um texto a outros textos. Esta ferramenta poderá provocar no ato de leitura a apreensão de conceitos, a análise, a síntese e por meio delas as ressignificações. A leitura, portanto, da crítica literária irá agregar valores ao processo de construção de sentidos e levar o leitor a desencavar sentidos. Pulando de um link ao outro, o leitor neste cd não terá possibilidade de se infiltrar em conexões multidirecionais, porque há uma previsibilidade nas conexões. No entanto, não há como negar que cada página desfolhada contribuirá para estabelecer um outro ritmo de leitura cuja ordem é possível ser subvertida.

III. A exploração de bibliotecas digitais

Com a Internet houve a explosão de uma imensidade de significações aumentando quantitativamente e qualitativamente o universo de obras literárias sobre as quais agora podemos nos debruçar. Nos últimos dez anos, as bibliotecas digitais ampliaram espantosamente o número de obras digitalizadas facilitando ao leitor o acesso a obras canônicas como de novos talentos, literatura classificada de Infoliteratura ou ciberliteratura (Antonio, 2008). O mouse e o teclado convivem com o lápis, a tela com a folha plana do livro, os caracteres móveis que se compõem e decompõem facilmente convivem com os impressos imóveis.
A Biblioteca Digital de Literatura do Nupill, sitiada no endereço www.nupill.org, constitui-se como um acervo considerável de obras, um recurso que está disponível para ser utilizado nos ambientes informatizados de qualquer escola com acesso à Internet. Ela não só é um banco de dados em que as obras são classificadas e armazenadas, mas também constitui-se como um buscador, com uma interface que disponibiliza para o usuário diversas consultas ao banco. Se o usuário necessita fazer uma pesquisa mais detalhada, ou ter acesso a outras consultas, o link Busca, oferece cinco tipos de pesquisa: Simples, por Obra, por Autor, Obra Digitalizada e Conteúdo.
Quando acionadas, as buscas Simples, por Obra e por Autor, trazem todas as obras que foram classificadas no Banco de Dados. A tabela que é populada pelo sistema de buscas traz as seguintes informações: Título de Obra, Autor, Gênero, Ano / Sec., Obra (consultas), Críticas. Quando a obra já foi digitalizada, no item Obra aparece um link que disponibiliza a obra integral para a leitura no suporte. Por outro lado, na pesquisa por Obra digitalizada, o sistema só alimenta a tabela de consulta com as obras que foram classificadas e digitalizadas. Por último, a busca por conteúdo é delimitada às obras também já digitalizadas. Essa biblioteca digital de literatura traz um diferencial, além das obras clássicas, apresenta um conjunto de obras de autores catarinenses.
O leitor tem também a seu dispor para leitura duas revistas, a Mafuá e Texto Digital, ambas de caráter teórico, científico e literário com publicação apenas virtual. Compostas de ensaios, entrevistas e criações digitais elas propõem um diálogo epistemológico sobre a literatura com amostragem empírica da poética contemporânea na produção digital de vários escritores. Esse ambiente multifacetado torna-se um campo a ser explorado pelo leitor em busca de diferentes experiências de leitura.
Outro recurso que o site apresenta é o link Produção onde o leitor tem acesso a várias pesquisas sobre a escrita e leitura em meio digital. Destas destacamos o site de Clarmi Régis intitulado "O Prazer da Leitura" (Figura 4), que, aproveitando-se dos recursos computacionais como animação e links, insere o explorador num ambiente de escritura que tem como objetivo levar o leitor a perceber como o texto se constrói por meio de outros textos. Ao se enveredar por esse caminho, o leitor percebe como a palavra escrita se alarga e se multiplica compreendendo o diálogo de uma obra com outras, em que texto e intertexto fazem parte dessa teia de possíveis encadeamentos. Por exemplo, é possível compreender o diálogo da Canção do Exílio nas vozes de Gonçalves Dias, José Paulo Paes, Antônio Carlos Jobim e Chico Buarque de Holanda, ou perceber os olhares de Tereza nas obras de Castro Alves e Manuel Bandeira.


Figura 4. Mapa (Índice) do site O prazer da Leitura

Outras possibilidades de leitura ainda podemos encontrar no link Poesia Eletrônica, objeto de estudo tão contemporâneo, evidenciando como a tecnologia possibilita novos leitores potenciais para a poesia. Experiências estéticas como as de Alckmar Luiz dos Santos e Gilberto Prado trazem uma nova visão não apenas acerca do poema, mas do fazer literário. Por meio da poesia eletrônica passamos a perceber melhor o aspecto da visualidade da palavra, pois mesmo que o poema seja feito somente de palavras, não se pode negar que a visualidade é fator preponderante no poema, assim como sua sonoridade. Uma imagem literária quer se concretizar por meio de uma imagem visual e/ou sonora, de sua plasticidade, ampliando o significado da palavra poética. A justaposição de várias linguagens leva ao leitor um texto mais poroso, aberto, estrelado, mais prenhe de sentidos. A poesia em meio eletrônico é conceituada por Antonio (2008:114) como um tipo de poesia contemporânea que é "formada de palavras, formas gráficas, imagens, grafismos, sons, elementos esses animados ou não, na maior parte das vezes interativos, hipertextuais e/ou hipermidiáticos e constituem um texto eletrônico, um hipertexto e/ou uma hipermídia".
A imagem evoca esquemas perceptivos e de significação que dependem não só do contexto de sua atualização, mas também de suas potencialidades. Ao trabalharmos com imagens que nos conduzem à construção do texto literário, como é o caso da poesia em meio eletrônico, estamos trabalhando com a linguagem e é por meio dela que abstraímos as marcas do mundo em que vivemos. Ao interagir com poesias em meio eletrônico, o leitor opera a interpretação de textos verbais e não verbais e constrói outros textos e imagens próprias. Esse processo permite a ampliação de sua percepção do mundo narrado e consequentemente de sua capacidade inventiva.

IV. Discutindo os resultados: estratégias de leitura em foco

 "Na modorra das tardes vadias na fazenda, era num sítio lá do bosque que eu escapava aos olhos apreensivos da família; amainava a febre dos meus pés na terra úmida, cobria meu corpo de folhas e, deitado à sombra, eu dormia na postura quieta de uma planta enferma vergada ao peso de um botão vermelho; não eram duendes aqueles troncos todos ao meu redor, velando em silêncio e cheios de paciência meu sono adolescente? Que urnas tão antigas eram essas liberando as vozes protetoras que me chamavam da varanda? De que adiantavam aqueles gritos, se mensageiros mais velozes, mais ativos, montavam melhor o vento, corrompendo os fios da atmosfera?"

Raduan Nassar escreve esses versos em prosa esbanjando poeticidade, selecionando cada palavra pela sua polissemia, sugerindo mais do que dizendo para compor um universo prenhe de significados. Lavoura Arcaica é uma obra que prefere o narrar de forma cega, isto é, por meio da sugestão e da provocação. Tão importante quanto o dizer é o como dizer. E ao ser transposta para a tela do cinema, Luiz Fernando Carvalho escolhe a via também da sugestão. As imagens embaçadas, muitas vezes turvas, que se mostram pelas frestas, por meio das escolhas dos móveis, das roupas, dos objetos da casa, da música, dos movimentos dos corpos, revelam a intenção de ambos, escritor e cineasta: renovar o ato de contar. Raduan Nassar escolhe o aparato tecnológico que denominamos de livro para nos dar a conhecer os devaneios da personagem André e todo o universo que o cerca. Luiz Fernando Carvalho lança mão do filme para nos alçar a um mundo de sensações tão raras de se encontrar principalmente na arte cinematográfica. Um mesmo texto subjaz duas obras que fazem uso de recursos tão diferentes para dar voz ao contar. Ambas as obras nos exigem uma leitura atenta e perceptiva porque numa relação direta com o objeto nos colocamos em situações que nos levam a recordar, sentir, imaginar, pensar pelo que a obra possui de mais artístico.
Temos aqui um bom exemplo de como o aparato tecnológico selecionado para propor uma leitura promove diferentes percepções estéticas. Ao lermos a obra de Nassar no livro elaboraremos construções bem diferentes das que produziremos diante do filme de Carvalho. O que queremos dizer é que a escolha pelo tipo de aparato textual que selecionamos ao promover práticas leitoras provoca e toca o leitor de forma diferente e por isso, nem uma nem outra pode ser preterida, ambas se completam. O filme não é uma produção simplista e atropelada do romance, mas ele se mostra como um jogo de espelhos, um verdadeiro caleidoscópio que provoca uma proliferação de significantes e significados. Que estratégias Fernando Carvalho utilizou para produzir um filme que respeitasse a construção artística desenhada por Nassar no romance homônimo? Segundo o próprio cineasta, seu trabalho para garantir um percurso de coerências e lógica com a obra, se assenta sobre o pilar da leitura, da pesquisa de materiais e fontes e da produção de materiais simbólicos.
O processo de criação de Lavoura Arcaica é trazido aqui para pensarmos como ele se constrói por meio da leitura e da pesquisa, saberes fundamentais que afastam a idéia de que a criação se dá por seres iluminados, divinos, questão que sobressai a função da prática educativa em possibilitar a compreensão desse processo que leva à formação científica. Uma prática respaldada na leitura e na pesquisa revela uma ação calcada na curiosidade que reforça a capacidade crítica do educando. Paulo Freire (1996:47) já comentava a necessidade do ensino caminhar lado a lado com a pesquisa e de como esta interfere na capacidade criadora e na consciência crítica do educando, uma premissa sustentada pela idéia de que "ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção".
Esta visão de como ocorre a apropriação do conhecimento é importante porque ela vai fundamentar a prática pedagógica, que faz uso de estratégias para dar cabo aos objetivos de concretização da aprendizagem. Lidar com tecnologia implica pensar nessas questões porque o uso que se faz do computador não está dissociado de nossa concepção de educação. Ao receberem a tarefa de explorar algumas possibilidades de práticas leitoras por meio do site do nupill e do cd-rom Relógio de Ouro, os professores fizeram uso do computador segundo seus princípios educativos. Promover a leitura, pesquisa e produção em meio digital requer um professor disposto a aprender, a testar, a experimentar o novo, a assumir erros e por meio deles tentar acertar, o que revela sua lógica dialética de atuação. Tendo em vista essas considerações, as estratégias de ensino que os professores fizeram uso ao lançar mão da leitura no computador se assentaram sobre três eixos: leitura, pesquisa e produção (Figura 5).


Figura 5. Eixos das estratégias de ensino

Mais de 500 anos após a invenção da imprensa por Gutemberg, a leitura no ambiente escolar pode ser efetuada também em bibliotecas digitais. Neste espaço, grande parte dos textos foram apenas transpostos do meio impresso para o meio digital, sem apresentar características que os diferenciem, como os contos, crônicas, romances, poemas que fazem parte da biblioteca do nupill. Mesmo assim, diante da tela do computador, os alunos necessitam se adaptar à tela, ao teclado, ao mouse, à barra de rolagem e ao iniciarem a leitura fazem uso de seus conhecimentos aprendidos no exercício da leitura no meio impresso.
A leitura de textos produzidos para o meio eletrônico, como é o caso das poesias digitais ou eletrônicas disponibilizadas no site do nupill, promoveram ao mesmo tempo a curiosidade pela leitura e o desconforto, isto porque suas características exigem um leitor mais receptivo para a elaboração de significados. A poesia eletrônica além de trazer imagens, sons, animações e vídeo, recursos do meio digital, se apresenta somente nos meios eletrônico-digitais e sua linguagem e dimensão estética podem ser melhor percebidas uma vez que a dimensão sintática não é priorizada. O plano da visualidade é determinante para a construção de sentidos e por conta dele abrem-se mais possibilidades para a experiência estética, uma vez que a poesia eletrônica pode ser lida e apreciada pelo viés da linguagem tecno-artística-poética, como bem lembra Antonio (2008). Sua leitura encaminha o leitor a um exercício que amplia sua compreensão acerca da materialidade do texto literário, levando-o a perceber as mudanças que vêm ocorrendo principalmente na poesia dos séculos xx e xxi. Isto causa um desconforto ao leitor habituado a se centrar na construção de significados pela sintaxe organizada, linear, porque a leitura é uma prática cultural e como tal está associada ao seu contexto social circundante. Independente do aparato textual, não podemos perder de vista que

"Ler é uma negociação entre o conhecido, que está na nossa cabeça, e o desconhecido, que está no papel: entre o que está atrás e o que está diante dos olhos. É um trabalho de detetive que utiliza índices (paginação, palavras conhecidas...) para elaborar hipóteses, verificá-las com base em outros índices, voltar aos pontos que permanecem obscuros, com ajudas externas, etc." (Foucambert, 1994:14)

Percebemos que o uso do cd Relógio de Ouro auxiliou muito este processo de negociação entre o conhecido e o desconhecido, pois apesar de ser composto por um conto que foi produzido para o meio impresso, ao ser transposto para o meio digital adquiriu propriedades que não possuía originariamente, as quais já focamos anteriormente. Podemos observar, neste caso, como o uso dos recursos tecnológicos no processo de leitura e compreensão do texto podem ampliar as possibilidades de práticas leitoras. O exercício da leitura de textos literários em bibliotecas digitais pode não apenas ampliar o acesso ao texto literário como alargar o contingente de leitores, principalmente de contos, crônicas e poemas. Essa assertiva se justifica uma vez que o meio digital se apresenta como uma característica da sociedade moderna e se mostra um universo atrativo ao jovem leitor, que possui uma predisposição para o uso da tecnologia que encontra no computador. O texto digital se desdobra em outras possibilidades de leitura as quais vão se delineando pelo uso, mas também pelos recursos que o texto apresenta.
Segundo os professores que participaram do processo de exploração do cd e do site do nupill, à medida que os estudantes ampliavam suas leituras, surgia a necessidade de buscar conceitos que os ajudassem a compreender melhor o texto. O site Prazer da Leitura (http://www.cce.ufsc.br/~nupill/ensino/index.html) foi indicado pelos professores como um dos mais pesquisados pelos alunos, tendo em vista suas possibilidades de compreensão da escrita como um processo dependente da leitura e de seus recursos midiáticos. Cada página do site se desdobra em outra página com a intenção de mostrar que o processo de autoria nunca é um resultado individual, mas social, coletivo porque a escrita se apresenta como o resultado de várias outras leituras, um texto que se constrói por meio de outro. Ainda são citados a Vida e obra de Machado de Assis contida no cd-rom Relógio de ouro, assim como sites externos e dicionários. Ao pesquisar, o sujeito elabora e organiza informações, sintetiza e se apropria de conceitos. A pesquisa é uma possibilidade de formação do sujeito na autosuficiência, na crítica e na auto-crítica, como aponta Demo (2004).
Por meio da pesquisa e da leitura o sujeito pode, além de ampliar sua rede conceitual, entender a organização do conhecimento científico. Esta estratégia leva em conta que o conhecimento não se encontra acabado, mas em processo de construção, e que o aluno se educa por meio da pesquisa. Vale ainda ressaltar que a Internet nos apresenta um universo extremamente amplo para a pesquisa, uma facilidade de intercâmbio que supera qualquer outro meio pela velocidade com que a informação se apresenta a nós. Um texto digital faz parte de um grande rizoma, uma vez na www, ele se mantém visível, conectado a muitos outros, e a rede de informações se amplia, se desdobra e o leitor, para partilhar desses mútiplos espaços, precisa se mover. Neste sentido, a leitura na rede é aberta e o leitor, tendo que pular de nó em nó, faz o exercício da leitura global e intertextual.
Tendo em vista que a produção de textos é um dos objetivos da disciplina de Língua e Literatura, além dos professores utilizarem o espaço informatizado de sua escola para que os alunos lessem textos literários no site do nupill e no cd-rom Machado de Assis, eles possibilitaram diversas atividades de produção por meio do computador, uma experiência que permite aos alunos vivenciarem o papel de criador e fruidor. Podemos observar na Tabela 1 que algumas produções, como a textual, utilizaram o computador apenas como um meio de registro, como uma máquina de escrever. Por outro lado, outras, como a literária, fizeram uso dos recursos que o computador disponibiliza como é o caso das poesias digitais.

Tabela 1. Produções dos alunos

IV.1. Produção dos docentes

Gostaríamos neste artigo de focar nossa atenção em três tipos de produção empregadas pelos docentes: literária, dramática e oral. Durante o processo de formação dos professores, a leitura de poesias visuais e eletrônicas causou um impacto positivo muito grande nos cursistas que declaram estar trabalhando muito pouco com essa possibilidade de leitura. Um dos projetos desenvolvidos por uma das professoras em curso Poesia em ação: palavra, imagem e movimento, propôs aos alunos experimentações literárias digitais, o que resultou na criação de um bom acervo de textos poéticos em meio eletrônico. Ao analisarmos os depoimentos de alguns dos estudantes envolvidos neste projeto, poderemos perceber que eles entenderam o texto como um material original, criativo, que depende muito da intervenção do leitor na construção de sentidos. A característica da dinamicidade também é citada por eles como um diferencial desse tipo de poesia, e um deles revela que essa composição textual chama a atenção do leitor, como podemos observar na sequência.

"O poema virtual exige muito da criativiade e os movimentos dão vida às palavras e às frases." (Sujeito 01)
"A poesia está em movimento, dando novo sentido às palavras." (Sujeito 02)
"As poesias chamam a atenção dos leitores, deixando-os mais concentrados a cada poesia que vê, poesias e frases bem criativas com suas formas e movimentos diferentes." (Sujeito 03)
"As poesias apresentadas no site são muito criativas, e fazem o leitor ter que exercitar a mente para poder entender as poesias, pois apenas uma palavra pode querer expressar mais coisas." (Sujeito 04)
"Os poemas vistos tinham mais sentidos com as imagens e com os movimentos dos slides." (Sujeito 05)
"Demoramos para ter alguma idéia, mas depois as palavras passaram a ter vida." (Sujeito 06)

A questão da autoria é apresentada por um dos alunos. Está implícita na afirmação seguinte como o processo de escrita necessita da leitura para se concretizar.

"Com as ideias dos autores, os alunos colocaram suas cabeças para funcionar e mostraram que têm criatividade o bastante para fazerem um trabalho bem feito." (Sujeito 07)

Para analisarmos a produção oral, gostaríamos de trazer dois estudos, o de Lèvy (1993) e o de Santos (2003). Segundo Levy (1993:10):

"la succession de l'oralité, de l'écriture e de l'informatique comme modes fondamentaux de gestion sociale de la connaissance ne s'opère pas par simple substituition, mais plutôt par complexifications et déplacemente de centre de gravité".

Esta proposição nos permite pensar no computador como mais um recurso tecnológico que a escola dispõe para dinamizar o processo de ensino e aprendizagem, sem apologias ao seu uso. É interessante observar que os professores envolvidos neste projeto de exploração de ambientes virtuais buscaram conciliar as estratégias que vinham já desenvolvendo em sala de aula com os recursos possíveis na exploração do cd Relógio de Ouro e do site do nupill, como nos permite visualizar a estratégia de Produção Dramática, que implica na encenação de peças de Machado de Assis e na adaptação dramática de alguns de seus contos e romances. O computador neste caso foi o aparato utilizado para os alunos efetuarem a leitura das obras, mas também para postagem das encenações orais registradas digitalmente em blogs e sites criados para este fim.
Esta constatação nos encaminha a pensar sobre a virtualidade do texto oral que, a partir do momento que é inserida num rizoma telemático como a Internet, passa a se perenizar, mas continua virtual. Santos (2003:105) parte do "pressuposto de que todo tipo de texto (aí incluída a oralidade) pode ser combinado em uma trama de textos, ou seja, em um texto de textos", o que na prática nos permite entender como se estabelece o vínculo entre as tradições orais e outras. Quando colocamos em circulação a produção oral dos alunos passamos a "entender como a novidade se opõe e se associa ao antigo ao mesmo tempo", como afirma Santos (2003:104).
Em síntese, percebemos dois movimentos muito salutares entre os professores que se dedicaram à exploração do cd Relógio de Ouro e do site do nupill: uma necessidade de levar para o meio digital estratégias já conhecidas e exploradas em sala de aula, como as histórias em quadrinhos e a dramatização, mas também se lançaram ao desafio de explorar o novo, neste caso, de práticas leitoras e de produção da poesia em meio digital.
Se computadores tornaram-se fundamentais para a Matemática e a Física, hoje podemos afirmar que eles também se tornaram importantes para os processos de leitura e escrita. Seu uso põe em foco não apenas a arte da palavra, mas as artes plásticas, sonoras, cinéticas, pois ao pesquisar sobre a literatura em meio eletrônico descobrimos não apenas a linguagem verbal, mas a visual, a sonora e a cinética. Mesmo sendo originalmente concebidas para o meio impresso, como a maioria das obras das bibliotecas digitais, uma vez circulando no meio eletrônico, elas se encontram num meio que disponibiliza outras ferramentas e portanto outros paradigmas de leitura. Santos (2003: 34) acrescenta que: "basta pensar no comando localizar como uma ferramenta que traz um ganho para a leitura, uma vez que ele representa uma economia de tempo considerável na localização da palavra ou expressões que, em caso contrário, dificilmente seriam reencontradas pelo leitor".
Concluímos que atingimos o objetivo a que nos propomos, que era explorar o uso do computador nas aulas de Língua e Literatura para ampliar as práticas leitoras de alunos do ensino médio, a partir do Site de literatura do nupill e do cd Relógio de Ouro de Machado de Assis. O computador, funcionando como uma interface entre o usuário e o mundo digital, criou novas possibilidades de práticas leitoras, abrindo perspectivas para outros paradigmas de compreensão das tecituras da cultura contemporânea.
Essas práticas leitoras se operacionalizam por meio de comandos que o leitor opera diante da máquina: é um link no texto que o transporta para outro site, uma caixa de diálogo que oferece as possibilidades de significação de determinada palavra ou expressão, é o recurso de poder escutar a leitura do texto em voz alta, uma página que se desdobra e oferece a contextualização histórica da obra ou ainda os dados acerca do autor. Eis aqui apenas alguns exemplos de recursos que ampliam as práticas leitoras. Nesse cenário, em que ferramentas tecnológicas são utilizadas para a leitura, desmistificamos a idéia de que o professor passa a ter um papel diferenciado. Diante do livro ou do computador, a ação do professor é de orientador da leitura, de interlocutor do aluno, de incentivador do processo, ampliando possibilidades do leitor entrar na obra, uma ação que orienta não apenas para o texto e seus elementos constitutivos, mas também uma participação ativa na experiência de leitura que possibilita a vivência humana do texto.
Yunes (2002) acentua um aspecto da leitura que é norteador: ela é uma ação humana, seja operada diante do livro ou do computador, e ela materializa um discurso que convida à reflexão. O professor é este agente que possibilita ao aluno descortinar os sentidos velados no texto, que o instiga a "penetrar surdamente no reino das palavras", a contemplá- las, a perceber suas mil faces secretas como nos fala Drummond, no poema Procura da poesia. O computador e seus diversos recursos poderão ajudar o leitor a encontrar a chave de leitura, a tirar as palavras do estado de dicionário. Um processo que dependerá não apenas do suporte material do texto, mas principalmente da disposição do sujeito leitor a navegar no texto, perfurá-lo, tergiversá-lo. Um investimento que necessita de um leitor experiente, como o professor, para levá-lo a aproveitar os recursos dessa maravilhosa máquina, o computador.

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