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Información, cultura y sociedad

versión On-line ISSN 1851-1740

Inf. cult. soc.  no.24 Ciudad Autónoma de Buenos Aires ene./jun. 2011

 

TEMA DE DEBATE

Pensata sobre a globalização e a necessidade de abordagem cognitiva para inclusão digital

Discussion of globalization and the need for cognitive approach to digital inclusion

 

Barbara Coelho Neves

Universidade Federal da Bahia, Instituto de Ciência da Informação. Reitor Miguel Calmon, s/n, Vale do Canela, Canela, 40110-903 - Salvador, BA - Brasil. Correo electrónico: barbaran@ufba.br

Artículo recibido: 02-03-10.
Aceptado: 11-04-2011.

 


Resumo: Trata-se de uma revisão dos debates em torno da globalização, seu relacionamento com a sociedade da informação e a implicação nas desigualdades sociais. A contextualização propõe apresentar um panorama contemporâneo, visando observar o caminho da inclusão digital - como os mecanismos de globalização intensificaram a exclusão - e como esta vem sendo concebida a partir dos novos argumentos acadêmicos que conferem importância nos recursos humanos (letramento e educação).

Palavras-chave: Globalização; Sociedade da informação; Desigualdade social; Inclusão digital; Educação-cognição.

Abstract: This is a review of debates about globalization, its relationship to the information society and the involvement of social inequalities. The context was developed in sections strategically independent that proposes to present the contemporary landscape that wants to observe the path of digital inclusion -how the mechanisms of globalization have intensified the exclusion- and how it is designed, by new academic arguments that give importance on human resources (literacy and education).

Keywords: Globalization; Information society; Social inequality; Social inclusion-digital; Education-cognition.


 

As alterações oriundas da Revolução Industrial modificaram profundamente as bases da economia e da sociedade. O crescimento dos meios de transporte e comunicação proporcionou a corrida de novos mercados consumidores, consolidando as empresas e o sistema capitalista.
Também as relações e a pesquisa -e principalmente a forma de buscar esses procedimentos- sofreram modificações devido à informatização e desenvolvimento das tecnologias de comunicação e informação (TIC) que culminaram no informacionalismo, também chamado de «pós-industrialismo» por Bell, «modernidade liquida» por Bauman ou ainda «capitalismo tardio» de Mandel e «modernidade reflexiva» por Giddens. Essas expressões estão ligadas às transformações nas relações, na estrutura do trabalho e reestruturação do capital na sociedade.

Este artigo apresenta uma breve explanação sobre globalização, para entender sua relação com a sociedade da informação e desigualdades sociais, procurou-se traçar um panorama para compreender a necessidade da inclusão digital com um viés mais voltado para uma abordagem cognitiva. Nestas circunstâncias, entende-se por abordagem cognitiva em inclusão digital a junção de aspectos cognitivos e ferramentas de tecnologia social, potencializando o sujeito a adaptar e criar conhecimento a partir do estímulo do pensamento crítico e participativo.
Este ensaio está estruturado em quatro seções. Na primeira serão tratados alguns aspectos da globalização, sua relação com o quesito tecnologia e comunicação. Em seção seguinte, se discute alguns dos aspectos sociais, sendo abordados pontos contextuais da sociedade da informação, sua interseção com a globalização e a consequente desigualdade social. A terceira seção apresenta os aspectos da inclusão digital, abordados de forma dialética, levando em consideração a importância da universalização do acesso à internet. Na quarta parte, juntamente com as considerações, observa-se a necessidade de reformulação da agenda pública que trata dos aspectos ligados à inclusão digital no Brasil com base em potenciais debates de autores que estão refletindo o tema em um contexto global, considerando aspectos cognitivos.

Globalização e a inclusão digital

Globalização é uma palavra que se tornou popular, estando geralmente associada às mudanças ocorridas a partir dos anos 80. Tendo predominantemente tomado lugar de destaque nas discussões - não somente no meio acadêmico, mas também no meio jornalístico, político, midiático, no círculo dos banqueiros e entretenimento (Scholte, 2001:14, tradução nossa).
Tamanha a amplitude dos processos em jogo, a globalização pode ser entendida como um «[...] conjunto vasto de prescrições todas elas ancoradas no consenso hegemônico. Este consenso é conhecido por ‘consenso neoliberal' ou ‘Consenso de Washington' por ter sido em Washington, em meados da década de oitenta» (Santos, 2005: 27). O neoliberalismo apresentou-se contra qualquer regulação do mercado por parte do Estado. Anderson (2007) explica que, embora o neoliberalismo pregasse o corte de relações profundas do Estado com a área social, acúmulo de capitais e privatizações, o modelo não foi feliz na redução de custos sociais. Para Anderson «[...] economicamente o neoliberalismo fracassou, não conseguindo nenhuma revitalização básica do capitalismo avançado» (Anderson, 2007: 23). Sendo que para Mattelart (2005: 91, tradução nossa) «[...] não existe globalização sem o desmantelamento das regulamentações públicas [...]» o que significa um quadro jurídico propício ao livre mercado. Segundo Santos (2005) esse conjunto de consensos -subscrito pelos países que compunham o primeiro mundo, hoje chamados de Estados centrais do sistema mundo, viria a abranger o futuro da economia mundial, as políticas de desenvolvimento e especificamente o papel do Estado na economia - é o que se poderia denominar de paternidade das características hoje dominantes da globalização.
A ausência de regulação em uma economia globalizada, diante de um mercado feroz por lucros largos, facilmente, desencadeia, proporcionalmente, bolhas e mais tarde grandes crises. Dessa forma, o discurso de Santos (2005) constitui contemporâneo, principalmente, frente à concatenação da crise iniciada em setembro de 2008 graças ao «[...] comportamento fraudulento [...] de instituições financeiras [e], sobretudo, na ausência de qualquer vontade ou capacidade reguladora do FED [Federal Reserve ou Banco Central Americano] e do governo norte-americano» (Dowbor, 2009).
A idéia-força que fomenta os divergentes consensos reza o desaparecimento das clivagens entre países que no século passado desencadearam duas guerras mundiais (hoje em dia as pequenas guerras se concentram na periferia do sistema), dando lugar à interdependência, coalizões entre grandes potências e à cooperação e integração regional. Em outras palavras, está nas mãos dos países centrais a condução dos mecanismos capazes de controlar focos de instabilidades e conflitos nos países periféricos e ‘semi-periféricos'. Também são percebidas mudanças profundas na geografia. Os ‘atores centrais' nos anos oitenta desenvolveram um estreitamento da «[...] geografia da economia global e a acentuação do eixo Este-Leste. Isto torna-se evidente com o enorme crescimento de investimento [...] denominado pela tríade: os Estados Unidos da América, a Europa Ocidental e o Japão» (Sassen, 1994:10 apud Santos, 2005: 30, grifo do autor).
Milton Santos chamou atenção para os aspectos nocivos da globalização, alertando que não se deve admitir uma percepção enganosa. Ele considerou a existencia de três mundos em um só, ou três globalizações. O primeiro seria o mundo tal como a mídia -precioso aparato da globalização- apetece fazer as massas enxergarem: a globalização como fábula. O segundo seria o mundo tal como ele é - imposto pela realidade movida pelo consumo fundamental e da informação como alimento do capital: a globalização perversa. E o terceiro seria um mundo como ele pode [ser]: ou seja, uma outra globalização embasada pela apropriação das TIC e informação pelas massas (Santos, 2000).

Assim como a globalização é uma cadeia de relação sustentada pelo consenso neoliberal, existem outras manifestações relevantes, a cerca de seu debate: as comunicações, organizações, ecologia, produção e esfera militar. Destaca-se o aspecto comunicação, por seu papel central e propulsor fomentado por meio das redes, viabilizadas pelas tecnologias de informação e comunicação (TIC), que desencadeiam, no novo padrão de acumulação e reestruturação do capitalismo, tamanha junção de interesses entre grandes economias. Essas tecnologias, renomeadas de tecnologias avançadas de informação e comunicação (TAIC), permitem o contato imediato entre pessoas, organizações e países, eliminando as diferenças e dificuldades do espaço-tempo para o transito da informação. Assim, esse aspecto é fator determinante para os ritmos e graus de desenvolvimento econômico. 
A evolução dos sistemas de comunicação culminou em um novo estágio do capitalismo, o que Castells (2005) chamou de ‘informacionalismo'. O respectivo termo é uma designação dada pelo teórico, para representar o que seria uma terceira revolução industrial. Desde o surgimento do «informacionalismo», as disparidades entre países e pessoas têm crescido consideravelmente. E isto não só ocorre porque os países menos favorecidos estão excluídos do trâmite econômico global, mas também, porque as exportações, por exemplo, em países pobres, são de produtos primários enquanto que os ricos baseiam-se em uma exportação pautada em pesquisa, conhecimento e alta tecnologia. Uma política desenvolvida pelas grandes instituições (Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional, Organização Européia para o Comércio e Desenvolvimento, Organização Mundial do Comércio), visando uma nova roupagem ao capitalismo. De acordo com Lizst Vieira (1997), estas instituições internacionais «[...] deixam poucas dúvidas de que a palavra serve para designar, uma nova configuração do capitalismo, nascida da liberalização e desregulamentação ante a qual os países e os agentes econômicos não globalizados [...] deverão aprender a se conformar» (Vieira, 1997: 13). 
Deste modo, no atual contexto, observa-se que a riqueza passa a ser cada vez mais associada à possibilidade dos atores em desenvolver uma economia baseada no conhecimento. É necessário conhecimento tanto para produção como para o consumo. Fala-se agora de um conhecimento movimentado pelos capitais «cognitivos» ou de informação que transitam em uma malha dinâmica, onde aqueles que participam possuem seu «ponto/capital» proporcionalmente valorizado. O valor do passe está atrelado à ligação que o indivíduo tem com esta rede, sendo relevantes alguns aspectos como: o tipo de ligação, o meio em que está inserido, sua bagagem cognitiva, entre outros aspectos. Na sociedade atual, o conhecimento tem se tornado «mais que» essencial para as riquezas das nações.
Os fatores discorridos acima levam, assim, à compreensão de que os países de economia desenvolvida são os mesmos da produção técnico-científica. Isto graças, segundo Barros (2005), a «[...] estarem ancorados numa significativa tradição de valorização e estímulo às atividades científicas e tecnológicas [...]», ampliando continuamente suas bases e, adotando políticas que, mesmo que dotadas de intenções neoliberais, se estendam a outras parcelas menos abastadas da população. Uma dessas políticas, que vem visando à inserção de indivíduos menos favorecidos nas novas mídias, é a inclusão digital.
O discurso da inclusão digital versa em seu cerne que se trata de uma efetiva ferramenta que, adotada como política para inclusão social, pode alterar o presente quadro de pobreza dos países periféricos e a amenizar as desigualdades gritantes dos ‘semi-periféricos'. Acredita-se que é com base nesta premissa que tem havido uma proliferação de propostas que trazem como bordão a inclusão digital associada à inclusão social. Visando reduzir as desigualdades e aumentar a competitividade de pessoas e de países de maneira gradual e mais igualitária, tal tema tem cativado o estudo de diversos pesquisadores e entidades como será analisado a seguir.

Inclusão digital e a necessidade de cognição

Ao comparar os processos de desenvolvimento entre um homem cultural e um homem primitivo, Vygotsky e Luria perceberam que nos aspectos naturais das funções psicológicas estes últimos são mais superiores que o homem cultural. Nas funções naturais o homem primitivo «[...] é incomparavelmente superior ao homem cultural e, não obstante, sabemos muito bem que a vida mental deste último é muito mais rica, que ele é muito mais poderoso e, frequentemente, é muito mais bem orientado em seu meio ambiente [...]» (Vygotsky e Luria, 1996: 178), controlando os fenômenos ambientais. O homem sofre influencias do ambiente industrial e cultural.
No processo evolutivo, o homem «[...] inventou ferramentas e criou um ambiente industrial cultural, mas esse ambiente industrial alterou o próprio homem; suscitou formas culturais complexas de comportamento, que tomaram o lugar das normas primitivas» (Vygotsky e Luria, 1996: 179). A influência do ambiente resultou no surgimento de novos mecanismos sem precedentes no animal, tornando o ambiente interiorizado [internalizado]; o comportamento tornou-se social e cultural não somente em seu conteúdo, mas também em seus mecanismos, assim como no meio de se orientar, informar e educar. A capacidade de fazer uso desses meios tornou-se um indicador do nível de desenvolvimento psicológico, ainda mais contundente com o ambiente criado para o atual estágio da globalização. Segundo Vygotsky e Luria (1996), os processos de aquisição de ferramentas, juntamente com o desenvolvimento específico dos métodos psicológicos internos e com a habilidade de organizar funcionalmente o próprio comportamento, é que caracterizam o desenvolvimento cultural da mente.
Desse modo, passa-se a ter controle dos objetos (primeiro estágio do desenvolvimento cultural), utilizando-os, inicialmente como ferramentas, para consequentemente internalizá-los relacionando-os com o ambiente através da criação de significado através de processos mediados (segundo estágio de desenvolvimento cultural). Com base nesse conspecto observa-se a necessidade de serem considerados aspectos cognitivos como a mediação e a internalização para a inclusão digital. Por meio de estudos comparativos ou mapeamentos sociais é possível visualizar os drásticos disparates entre atores tanto no contexto local, nacional e global.
O conceito de uma «exclusão digital» tem envolvido excedentes a mais de uma década. «Alguns insistem que existem exclusões múltiplas ou leis de ênfase múltipla e diferenças em acesso e padrões de uso» (Lentz e outros, 2004: 76 tradução nossa). Em essência, a exclusão digital é a lacuna de conectividade que se encontra exacerbada por fatores de ‘impedimento' variados, que podem ser de caráter geográfico, étnico, de rentabilidade e nível educacional.
Segundo Fuentes-Bautista, Straubhaar e Spence (2004) -em estudo feito para verificar o desenvolvimento das iniciativas com internet promovidas por ONG's e Governo no Brasil e em Cuba- o combate as desigualdade promovidas pela exclusão digital deve ser uma convergência de ações. Essas ações visam mapear completamente os canais das ações não somente do governo, mas também a intervenção local, das ONG's nacionais e internacionais, universidades, municipalidades, participação política e instituições de lucro e práticas internacionais. A inclusão passa a ser considerada como um desafio no plano sócio-político, visto que é preciso romper com a exclusão digital. Esta exclusão pode gerar o analfabetismo digital e consequentemente levar a letargia comunicativa, o isolamento e o bloqueio do aprendizado coletivo. Contudo, percebe-se que para haver inclusão digital efetiva, baseada em aprendizado, é necessário muito mais que os instrumentos básicos (computador, linha telefônica e provedor de acesso).
As estatísticas de acesso à internet e computadores revelam que os Estados não podem ignorar a distribuição desigual (Dijk, 2005) e isso é fato, pois, principalmente nos países desenvolvidos, a difusão dessas tecnologias alcançou rapidamente a maioria. Entretanto, é preciso considerar a questão da exclusão balizada não somente nos conceitos de classe social e desigualdade que enfocam o trabalho (Demo, 2002), mas também integração e de estímulos para transformar o turbilhão de informação em conhecimento. Isso significa mais um entrave à mobilidade social para as camadas da sociedade que não tiveram acesso à educação.
No caso brasileiro, Mattos e Chagas (2008) -exemplificam que as dificuldades intensificadas pela globalização e abalo devido às crises financeiras ampliaram profundamente as diferenças no lado educacional da sociedade- «[...] fazendo do fator cognitivo outro elemento que limita as possibilidades de se construir no país um projeto de efetiva ampliação da inclusão digital».
Com base nas visões de estudiosos do tema, percebe-se a importância da formulação de critérios mais canalizados nas perspectivas educacionais, deixando um pouco de lado a frieza das estatísticas. Critérios mais delimitados poderiam subsidiar uma matriz que considerasse aspectos cognitivos para a inclusão digital como educação, mediação e conteúdo. Assim, os órgãos do poder público, responsáveis pela formação destas políticas, poderiam consultá-la, podendo servir de parâmetro para as iniciativas de inclusão digital brasileiras.

Aspectos cognitivos para inclusão digital: foco no contexto brasileiro

Atualmente muitos autores, especialmente instituições de pesquisa, vêm se preocupado com os indicadores de exclusão digital, como aborda Lentz e outros (2004: 77, tradução nossa) «[...] agências governamentais, pesquisadores acadêmicos, fundações nacionais e grupos comunitários têm trabalhado para mapear a brecha entre os com e sem telefones, computadores pessoais, ou acesso a internet por ano». Contrapartida há alguns pesquisadores que vêm trabalhando esses indicadores com uma abordagem menos técnica, focada na disponibilização de infraestrutura. No contexto global, têm-se os trabalhos de Warschauer (2006) e Dijk (2005) que vêm considerando aspectos cognitivos como conteúdo, recursos humanos e educacionais. No Brasil, embora de maneira tímida, algumas reflexões começam a chamar atenção para este ângulo como possibilidade de inclusão digital efetiva pautada em uma abordagem cognitiva. Denomina-se uma inclusão digital efetiva baseada em aspectos cognitivos aquela que considera a convergência dos recursos pensados por Warschauer (2006) com elementos básicos da teoria vygotskyana (Neves, 2009). Os recursos são os físicos (equipamentos e conexão), digitais (linguagem e conteúdo), humanos (letramento e educação) e sociais (comunidade e instituições). Quanto aos elementos da teoria de Vygotsky destaca-se: sua concepção de desenvolvimento, a zona de desenvolvimento proximal e a mediação. 
A tecnologia maciça no âmbito social é uma realidade presente nos países desenvolvidos, como os EUA, Canadá e Japão. Tais países possuem características ditatoriais no que refere a ampla facilidade de articulação entre TIC, capital e concentração de skills. A informação qualificada dinamiza os jogos globais; e, para fazer parte deste contexto torna-se imprescindível a capacidade de compreensão, visando utilizar todas as potencialidades das TAIC.
A utilização efetiva desses potenciais em países como o Brasil vêm sendo tímido, se comparado a países como Filândia, devido ao nível desigual quanto à educação formal e por seus baixos níveis de leitura nas massas da população. Essa diferença cognitiva não é capitada pelas estatísticas que mapeiam a inclusão digital. Esses indicadores tradicionais- como pontuam Mattos e Chagas (2008) -retratam «[...] uma realidade tão positiva como parece sugerir a fria análise das estatísticas.» A divisão digital não está estritamente ligada ao acesso. Há outros pontos a serem considerados que, segundo Castells (2005), estão atrelados à nova divisão tecnológica e a disparidade de conhecimento.  Warschauer (2006) coloca que a obtenção da alfabetização informacional e o acesso às TIC proporcionam habilidade para o individuo processar e utilizar a informação, que só é possível por meio da conectividade, um viés essencial para promoção da inclusão digital. Para o autor, a TIC, se adequadamente associada, explorada e fomentada pode estimular o desenvolvimento das características cognitivas do indivíduo. Para Dijk (2005, tradução livre) o contexto da atual sociedade da informação favorece àqueles que possuem engajamento (habilidades diferenciadas em informação, comunicação e mediação da leitura).
Muitas das iniciativas de inclusão digital no Brasil possuem características técnicas, ou seja, pautadas nos modelo de acesso equipamentos e conectividade, o que tão pouco descaracteriza a proposta da política global de inclusão digital. Pois, o recurso físico (computadores e conectividade) são essenciais para implementação desses projetos. Porém, sem a adoção de outros recursos como motivação da utilização e produção de conteúdos e linguagem, da consideração do trabalho de mediação e participação ativa da comunidade tais iniciativas tendem a definhar em pouco tempo. 
Dwyer e outros (2007) dizem que embora seja «[...] verdade que muitas atividades novas são desenvolvidas graças ao computador, mas transformar o computador numa panacéia capaz de consertar os males do sistema educacional parece ser uma ideologia». Ou seja, usar por usar o computador não é requisito prévio para inclusão digital efetiva. O grupo de pesquisadores, representados por Dwyer concluem que o uso do computador (seja na escola, em casa, no trabalho, em estabelecimento público ou privado) não está «[...] associado a uma melhoria uniforme do desempenho [...]». No caso dos estudantes que compõem a amostra desta pesquisa, os autores completam, informando que pelo contrário, «[...] aqueles que sempre usam o computador tiveram um pior desempenho que outros usuários da mesma classe social e para os mais pobres, o resultado foi mais nítido ainda» (Dwyer e outros, 2007).
Em outra ocasião observou-se um fenômeno parecido. Onde se percebeu, em pesquisa realizada sobre inclusão digital, em um telecentro dentro de uma universidade em cidade do nordeste brasileiro, que 28% dos frequentadores acessam ao MSN e que 80% utilizam o Orkut para fortalecer laços de amizade (Neves e Gomes, 2008). Ou seja, os jovens geralmente utilizam a internet para fins de entretenimento. Daí a relevância das iniciativas procurarem meios de inclusão diferentes do modelo somente baseado em equipamentos e conectividade. É coerente considerar outros aspectos cognitivos como a educação, mas também a mediação e o acompanhamento psicológico (esse último muito importante se a amostra se tratar de sujeitos em situação de risco social como moradores de rua, por exemplo). Entretanto, não é mérito deste ensaio versar que procurar entretenimento na internet não representa «está incluído», mas sim que o incluído digitalmente parece ser aquele capaz de entreter-se e aprender (na) e por meio da internet.
Ao que parece, no Brasil, o tipo de inclusão digital predominante é o baseado em um foco mais tecnicista, alinhado nos modelos de acesso que Warschauer (2006) chamou de baseado em computadores e conectividade. As reflexões apontam que a segunda inclusão com foco no modelo -que também comenta Warschauer- baseado em aspectos do letramento, ainda está por vir. 
Ao dificultar o desenvolvimento, a exclusão digital contribui para a consolidação da pobreza e distanciamento das camadas sociais, que também pode ser percebida no âmbito mercadológico, visto que as oportunidades de emprego tornam-se inacessíveis para os digitalmente excluídos no contexto de globalização. Para que a alfabetização digital possa ser universalizada, dependerá da ação intermediária do Estado. Não esquecendo que a formulação, execução e avaliação das políticas públicas necessitam do envolvimento das ONGs, organizações corporativas e da sociedade civil (Neves e Gomes, 2008: 7).
Dessa forma, diante desses aspectos e, visando o «[...] entendimento de tais problemáticas, o conceito de digital divide deve ser reformulado» (Dijk, 2005: 3) em uma agenda pública, aberta ao debate com os diversos atores da sociedade, levando em consideração essas dimensões menos óbvias da exclusão digital. Portanto, este é um dos grandes desafios da democratização digital, que deve não apenas promover o acesso a este universo de informações, mas também mediar os sujeitos na perspectiva de transformar a informação em conhecimento e em capital social, visando competência para sobreviver no mundo globalizado pelas redes.

Algumas considerações

A discussão central deste artigo está na questão do indivíduo, o processo da globalização altera a rede de relacionamento entre os indivíduos, influindo nas estruturas econômicas e políticas, na qual a inclusão social configura uma importante interface. Compreender as mudanças que remodelam a sociedade na contemporaneidade perpassa, necessariamente, por uma análise da dinâmica do mundo em constante transformação.
Acredita-se que no atual momento da inclusão digital o sujeito -dito como incluído- deverá ser capaz de não somente ter acesso aos serviços do governo como também utilizá-los de maneira crítica, passando a participar da esfera governamental de maneira efetiva. Quiçá passando a se aproximar do hipotético e estimado cidadão munido de informações.
A utilização crítica das informações, disponibilizadas por órgãos públicos a partir de qualquer parte do mundo, podem vir a ser um instrumento eficaz para a construção de atos mais democráticos.
Surge, portanto, a necessidade de se criar e pôr em prática políticas de inclusão digital assim como também o fomento do debate que levem às agendas mundiais, sobre efeitos da globalização em paralelo com a desigualdade e exclusão digital, às pródigas problemáticas. Neste sentido vários países, inclusive o Brasil, têm engendrado programas para viabilizarem a inserção da sociedade no contexto mais amplo da sociedade da informação.
O fato é que, no âmbito da globalização, a exclusão digital é um problema social, que gera desigualdades entre as pessoas dentro dos países e também entre estes. A nova face da exclusão social impede o crescimento político, econômico e social tanto dos países quanto dos indivíduos.
O atual momento da modernidade, balizado por tecnologias inteligentes, exige das sociedades maior esforço cognitivo. Também as relações e o trabalho requerem que o sujeito seja capaz de selecionar, significar e potencializar a informação. O volume brutal de conteúdos e a migração das atividades para a rede prescrevem que as diferenças cognitivas não podem ser desconsideradas pelas políticas norteadoras da inclusão digital.   
Nesse contexto, uma abordagem voltada para adoção de metodologias de acesso para inclusão digital, que privilegie ações de mediação entre aparatos de alta tecnologia como os computadores e a internet e o usuário pode ser um viés positivo no desenvolvimento. Tal desenvolvimento, aqui neste texto, é compreendido como um termo que envolve crescimento no iscricto sensu da palavra. Ou seja, desenvolvimento do indivíduo (usuário) e do ambiente (sociedade globalizada) em que este está inserido.   
Assim, tem-se muito a refletir, entretanto, em um debate que fuja ao modelo neoliberal. O momento parece propício para se empreender nas iniciativas já em curso elementos que envolvam cognição como mediação e internalização, sempre à luz da literatura e em constante debate com a sociedade civil que precisa deixar de ser enxergada como mera consumidora nesse, e desse processo.

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