SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 issue19Intrumentos de políticas públicas: Factores claves de las capacidades estatalesGobernanza y escalas como metáforas de lo social: Una indagación crítica de sus fundamentos author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

  • Have no cited articlesCited by SciELO

Related links

  • Have no similar articlesSimilars in SciELO

Share


Documentos y aportes en administración pública y gestión estatal

On-line version ISSN 1851-3727

Doc. aportes adm. pública gest. estatal  no.19 Santa Fe June/Dec. 2012

 

ARCHIVOS

Ajustes espaciais na fronteira da Amazônia setentrional brasileira: Políticas públicas e interações do Platô das Guianas (1940-2010)1

Jadson Luís Rebelo Porto
Universidade Federal do Amapá (Brasil)

Eliane Superti
Universidade Federal do Amapá (Brasil)

E-mail: jadsonporto@unifap.br

E-mail: esuperti@unifap.br



RESUMO
As politicas de integração regional na América do Sul tem provocado o debate sobre as áreas periféricas, principalmente quando essas áreas coincidem com a posição fronteiriça internacional, assumindo conotação estratégica, pois uma decisão local pode influenciar dinâmicas internacionais. Este trabalho faz uma reflexão sobre a mudança de enfoques da fronteira da Amazônia no Amapá de periférica para estratégica, estimulando novos usos do território, pelos investimentos externos de empresas privadas e de políticas públicas de integração ao platô das guianas. A hipótese aqui considerada é que a condição periférico-estratégica amapaense é decorrente das ações de políticas públicas estimuladas inicialmente pela justificativa da Defesa Nacional e, posteriormente pela sua integração ao mundo globalizado e articulado em redes, mediante aos constantes ajustes espaciais, executados e fortalecidos pelo Governo Federal.

PALAVRAS-CHAVE: Politicas públicas; Áreas periféricas; Amazônia; Platô das Guianas; Ajustes espaciais.

RESUMEN
Las políticas de integración regional en América del Sur han llevado al debate sobre áreas periféricas, principalmente cuando estas áreas coinciden con una posición fronteriza internacional, asumiendo una connotación estratégica, ya que decisiones locales pueden influir en la dinámica internacional. Este trabajo trae como reflexión los cambios de enfoques de la frontera del Amazonas en Amapá de perisférica a estratégica, estimulando nuevos usos del territorio por inversiones externas de empresas privadas y de políticas públicas de integración de Guyanas. La hipótesis considerada aquí es que la condición periférica-estratégida de Amapá es el resultado de acciones de políticas públicas estimuladas inicialmente por la Defensa Nacional y posteriormente por su integración al mundo globalizado y articulada en red a través de constantes ajustes espaciales ejecutados y fortalecidos por el gobierno federal.

PALABRAS CLAVE : Políticas públicas; Áreas periféricas; Amazonas; Guayanas; Ajustes espaciales.

ABSTRACT
The policies of regional integration in South America has led the debate on the outlying areas, especially when these areas coincide with the international border position, assuming strategic connotation, as a local decision can influence international dynamics. This work is a reflection on the changing approaches the border of the Amazon in Amapá peripheral to strategic, encouraging new uses of the territory by foreign investments in private companies and public policy of integration to the Guyana plateau. The hypothesis considered here is that the condition-peripheral strategic Amapá is a result of public policy actions stimulated initially by the justification of National Defence, and later by its integration into the globalized world and articulated in networks, by the constant spatial adjustments, implemented and strengthened by federal government.

KEY WORDS: Public policy; Outlying areas; Amazon; The Guiana Plateau; Space adjustments.



1. INTRODUçÃO

O debate sobre as politicas de integração regional sul-americana fez reascender as discussões entorno das áreas periféricas. Estas áreas têm dispensado atenções que focam aspectos que perpassam, dentre outros, pela: sua inserção nas dinâmicas econômicas regional, nacional ou global; sua dinâmica econômica local como reflexo de (des)articulações políticas locais; ou sua posição na divisão do trabalho nas mais variadas escalas. Quando essas áreas periféricas coincidem com a sua posição fronteiriça internacional, novas reflexões são exigidas, pois uma decisão local pode influenciar dinâmicas internacionais. À medida que novos espaços amazônicos foram conquistados, ajustes espaciais foram instalados a fim de garantir a melhor e maior mobilidade dos fluxos comerciais tanto em escala regional, quanto internacional. No que se refere à escala nacional, tal condição tornou-se mais intensa somente a partir da década de 1940, quando foi criado o Território Federal do Amapá sob a justificativa da Defesa Nacional. Porém, no que tange às suas articulações internas, somente após a década de 1970, com a integração nacional via rodoviária. Embora em escala global já estivesse conectada e acionada pela via fluvial, através do rio Amazonas.

Este trabalho visa discorrer sobre a mudança de enfoques da fronteira da Amazônia setentrional (em especial ocaso amapaense, sua interação espacial entre Brasil e França no contexto sul americano), de periférica para estratégica, sem, no entanto, lhe permitir abandonar sua primeira condição. Esse movimento tem estimulado novos usos do território, pelos investimentos externos de empresas privadas e de políticas públicas, gerando espaços de restrição em oposição aos espaços de expansão, novas implicações geopolíticas, pelos recentes acordos diplomáticos entre Brasil e França (Pós-1995) e novos conflitos decorrentes das reconstruções da fronteira.

O Estado do Amapá se localiza na fronteira com a Guiana Francesa e Suriname, na foz do rio Amazonas (ver Mapa 1). É um dos entes federativos autônomos mais recentes do Brasil (juntamente com Roraima e Tocantins, transformados em estados pela Constituição Brasileira de 1988) e apresenta-se em um processo de construção de sua organização e ordenamento espacial. Sua origem como integrante da federação brasileira é decorrente de sua criação como Território Federal (1943).

Mapa 1: Estado do Amapá.

A condição fronteiriça amazônica, em especial a amapaense, é considerada periférica para a escala política nacional, mas estratégica para o capital internacional. Por possuir a única relação inversa nas relações e interações espaciais fronteiriças com o Brasil, o contato da periferia brasileira (na Amazônia setentrional, pelo Estado do Amapá) e com a ultraperiferia francesa (pela Guiana Francesa), as reflexões devem tomar outro rumo, pois em ambos os casos não se configuram em áreas insulares (características das ultraperiferias europeias, exceto a Guiana Francesa), mas continentais.

Sobre o ente federativo brasileiro (hoje inexistente no Brasil), os Territórios Federais, observa-se que não se pode mais analisar a fronteira da Amazônia setentrional somente pela ação política, mas que se deve ter por pressuposto a inclusão de aspectos que perpassam pelo uso de suas potencialidades, pela sua articulação em um mundo configurado em rede, pelas suas interdependências com os demais entes federativos brasileiros; sua organização e ordenamento espacial; pela gestão do seu espaço mediante os aspectos de ordenamento, a configuração e o planejamento territorial; e as suas relações e conflitos internos.

A hipótese aqui considerada indica que a condição periférico-estratégica amapaense é decorrente das ações de políticas públicas estimuladas inicialmente pela justificativa da Defesa Nacional e, posteriormente pela sua integração ao mundo globalizado e articulado em redes, mediante aos constantes ajustes espaciais, executados e fortalecidos pelo governo federal.

Para explicar a hipótese aqui considerada, este artigo está assim composto: inicialmente, uma breve discussão sobre os ajustes espaciais na fronteira estimulando novos usos do território. Em seguida, analise dos ajustes espaciais e as políticas públicas na fronteira, destacando a busca pela integração física da Amazônia brasileira. Por fim, apresentação dos ajustes espaciais como estimulador da interação da fronteira e consolidador da condição fronteiriça amapaense.

2.
AJUSTES ESPACIAIS E O USO DO TERRITÓRIO: NOVOS OLHARES PARA A FRONTEIRA

As criações/construções de condições espaciais, capazes de instalar próteses e um sistema de engenharia que possibilitaram a diversificação produtiva do seu espaço, produziram também ajustes que originam uma nova configuração territorial (Porto et al, 2007:188-199). Entende-se por próteses, os atos elaborados externamente e implantados localmente os quais impõem novos ritmos ao meio primitivo. Essas próteses podem ser de vários modelos e que transformam e reconfiguram um espaço já existente (Quadro 1).

Quadro 1: Modelos de Próteses instalados no espaço

Por «ajustes espaciais», Porto et al. (2007) entendem como as adaptações que são efetivadas no espaço, visando à garantia da instalação, existência, fluidez, manifestação e reprodução do capital.

A instalação de próteses no espaço amapaense vem desde o período colonial. A própria colonização deste espaço impôs novos ritmos às dinâmicas espaciais pré-existentes e aos seus moradores, seja pelo modelo de exploração dos produtos naturais amazônicos, pela sua ocupação e modelos de defesa (construção de fortes), pelo modelo administrativo de seu território (povoados, vilas, cidades, Capitanias, Províncias, Estados, Territórios Federais), seja pelo domínio territorial com demarcações fronteiriças acordadas em tratados internacionais em processos de conquista e compras de terras de países vizinhos (Acre).

Dos modelos de próteses identificados no Quadro 1, para o caso amapaense chama-se atenção aos seguintes:

a. Próteses jurídicas: a criação da Capitania do Cabo Norte (1616); a transformação da Vila de Macapá em cidade (1858); o acordo entre Brasil e França (1901); a criação de municípios; a criação do Território Federal do Amapá (1943), a partir do modelo acreano (1904); as normas de regulamentação nos Territórios, com destaque ao decreto 411/1969; a transformação do Território Federal em Estado (Constituição de 1988); a Constituição estadual (1991); as normas de regulamentação do Estado.
b. Próteses institucionais: a criação de municípios; a criação do Território Federal do Amapá (1943); a transformação do Território Federal em Estado (Constituição de 1988); a criação da Câmara de Vereadores, da Assembleia Legislativa, de Secretarias, das Universidades (federal e estadual) e de órgãos de representação de classe.
c. Próteses administrativas: a criação de cargos do poder executivo, legislativo e judiciário nas esferas municipal estadual e federal.
d. Próteses tecnológicas: implantação de técnicas e tecnologias na exploração de produtos naturais e na implantação de modelos de agricultura de produtos importados de outras regiões. Destacam-se, neste contexto, os processos de mecanização na mineração, na pesca e exploração madeireira.

Segundo Couto et al. (2006:11) a dinâmica dos ajustes espaciais ocorrida no Amapá foram implantados e estimulados pelo uso de redes e a sua mobilidade no espaço amapaense, os quais foram estimulados pela instalação de sistemas de engenharia e redes de próteses tecnológicas neste espaço. Esses seriam responsáveis pela criação de um cenário propício apenas à exploração e não ao desenvolvimento que condenou o Amapá a ser apenas um grande negócio (não havendo o interesse de desfazê-lo) mantendo seu atraso em relação aos outros estados da federação. Por outro lado, essa dinâmica está diretamente ligada aos movimentos de criação destruidora que se manifestaram pela atuação desses fatores e suas influências sobre a expansão e mobilidade informacional no espaço amapaense.

Couto e Porto (2006), por sua vez, esclarecem que a inserção do setor energético na segunda metade do século XX e a construção de uma rede de sistemas de engenharia (estradas; ferrovias; hidrelétrica; porto) com elevada participação do Estado nas obras, possibilitou a criação de condições para a manifestação de ajustes espaciais. Com a criação da rede de próteses, tornou-se possível o aumento do consumo e distribuição de energia, assim como a diversificação das atividades produtivas, principalmente na exploração mineral, com elevada participação do capital internacional.

Com a instituição do Território Federal do Amapá (1943), foram criadas diretrizes políticas e administrativas, infraestruturas e incentivos para o desenvolvimento de atividades econômicas (pelo Governo Federal), principalmente voltadas ao setor do extrativismo mineral, «que em muito contribuiu para a estruturação econômica amapaense e para sua organização espacial» (Porto, 2003:115). A função da União foi criar «ajustes espaciais», mediante a intensidade da magnitude do Estado. Ou seja, criaram-se condições para que o capital se manifestasse e ganhasse movimento. Assim, Couto et al. (2006) informam que a instalação da Indústria e Comércio de Minérios SA (ICOMI) engajou este ex-território na economia global, caracterizando a gênese da exploração de recursos minerais (manganês) em larga escala na Amazônia com tecnologia moderna no período de 1957 a 1997.

Este engajamento, como ação do capital internacional, é explicado por Harvey (2005:118) ao demonstrar que «nas novas regiões, a superacumulação de capital exige um ajuste espacial, talvez mesmo à custa do capital nas regiões antigas». Tal condição é vista na atuação da empresa Bethlehem Steel Company que representava o interesse norte-americano em relação ao manganês da Serra do Navio, pela sua representante, ICOMI.

Quanto à construção de redes infraestruturais no espaço amapaense, redes essas aqui entendidas como «um meio de produzir o território» (Raffestin, 1993:45). Logo, a rede é proteiforme, móvel e inacabada, e é essa falta de acabamento que ela tira sua força no espaço e no tempo: se adapta as variações do espaço e às mudanças que advêm do tempo. A rede faz e desfaz as prisões do espaço, tornado território; tanto libera quanto aprisiona. É o porquê de ela ser o «instrumento» por excelência do poder (Raffestin, 1993:204).

Partindo deste ponto de vista «a densidade e a diversidade das redes presentes no espaço geográfico seriam um fator essencial para determinar os limites do território» (Machado, 1998:46). Assim, «desenho, construção e utilização de uma rede dependem dos meios à disposição (energia e informação), dos códigos técnicos, sociopolíticos e socioeconômicos, assim como dos objetivos dos atores» (Raffestin, 1993:204).

Com a configuração das redes informacionais no espaço amapaense, ocasionados pela ação dos fixos e fluxos, este espaço passa por uma nova configuração territorial, seja esta ocasionada pelo ganho de próteses tecnológicas ou pelas construções de redes de circulação e comunicação os quais são modeladores do território (Raffestin, 1993:204). Estes são inseparáveis dos modos de produção e que asseguram a mobilidade desses modos de produção, a exemplo das atividades executadas pela empresa ICOMI.

Devido à nova configuração territorial do espaço amapaense, alavancado pela criação/construção de condições (Porto, 2007) e pela ação dos ajustes espaciais (Couto et al., 2006), tornava-se necessário ampliar a infraestrutura do setor energético para haver a possibilidade de desenvolvimento, valorização e produção de novos territórios.

3. AJUSTES ESPACIAIS E POLITICAS PÚBLICAS NA FRONTEIRA: A BUSCA PELA INTEGRAçÃO FÍSICA DA AMAZôNIA BRASILEIRA

Desde a década de 1960, a construção de condições para a articulação da Amazônia ao cenário nacional, via rodoviária, tem sido estimulado. A mobilidade que até então eram feitas pelos rios, recebe uma alternativa: pela rodovia; As cidades começam a crescer com as costas viradas para o rio; recursos naturais em terra firme são acessados pelo grande capital através dos grandes projetos na região; novas configurações espaciais e políticas públicas foram criadas para ajustarem-se às necessidades do capital, dentre eles os Planos Plurianuais (PPA).

A partir da Constituição de 1988, o planejamento das ações do estado para o período de 04 anos tornou-se obrigatório e denominado de PPA. O PPA passou a compor o arcabouço constitucional pelo qual as políticas públicas estatais de médio e longo prazo voltaram a ser discutidas. Contudo, foi apenas no o governo de Fernando Henrique Cardoso, que o Estado brasileiro, pós-regime militar, retoma efetivamente o papel de planejamento governamental para o território nacional com Plano Plurianual para o período de 1996 a 1999, intitulado «A Brasil em Ação».

Envolto pelo contexto da globalização, das reformas liberais e estruturação dos blocos econômicos, o plano «Brasil em Ação», assim como o PPA «Avança Brasil» (2000/2003) que o sucedeu, buscava, no âmbito da economia internacional, assegurar a inserção competitiva do país via modernização produtiva. Na análise de Monié (2003), durante os anos 1990, a necessidade em reduzir o custo Brasil, ou seja, de minimizar o conjunto de pontos de estrangulamento da cadeia produtiva e comercial que encareciam e afetam a competitividade dos produtos nacionais, foi decisiva para retomada dos grandes investimentos de infraestrutura.

Mas, não se tratava apenas de eliminar os gargalos, melhor preparar e interligar a infraestrutura econômica interna, algo que não era novidade nas ações do Estado. Em um cenário de comércio mundializado, em que as estratégias de mercado se voltavam para a articulação de blocos econômicos, tornava-se imperativo a promoção da integração física do país as nações sul-americanas. No Brasil, assim como na América do Sul, a ampliação do comércio regional e o aumento da participação no comércio global passaram a ser entendidos como elementos indispensáveis para o desenvolvimento econômico. A integração representava a ponte de ligação entre a regionalização e a globalização das economias sul-americanas. Isto, por sua vez, exigia um sistema de infraestrutura eficiente capaz de garantir competitividade e permitir a exploração novos espaços de acumulação de capital.

Os PPA's elaborados no primeiro e segundo governo Fernando Henrique Cardoso eram, assim, portadores de uma diferença importante em relação às políticas territoriais do período anterior: traçavam linhas de intervenção com a pretensão de integrar o país a América do Sul, abrindo mercados do Atlântico ao Pacífico. As estratégias de integração internacional desenhadas no governo FHC, mesmo com críticas e reestruturações, foram em linhas gerais incorporadas e aprofundadas no governo de Luís Inácio Lula da Silva e se fizeram presentes no PPA de 2004/2007 e no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) de 2007/2010.

O enfoque da integração de mercados fez com que a Amazônia ocupasse uma posição central diante das estratégias do Estado brasileiro. Primeiro, porque é através da região amazônica que o país tem conexão física com seis outros Estados sul-americanos e com a Guiana Francesa. Isso torna suas fronteiras internacionais importantes espaços estratégicos. Segundo, a região amazônica, mais uma vez, é encarada como fronteira de recursos que apresenta grande potencial para exploração econômica, apesar de, e mesmo considerando suas especificidades ambientais. Aberta a múltiplas possibilidades por conta de seus estoques incomparáveis de biodiversidade, bens culturais imateriais e materiais, assim como recursos naturais inexplorados a região desperta interesse do grande capital e das redes internacionais por seu forte potencial de capitalização (Superti, 2011).

A retomada da concepção de fronteira de recursos e dos projetos de infraestrutura econômica na região amazônica surgiu em contraste á luta de movimentos locais de preservação ambiental e melhoria das condições de vida das comunidades extrativista, à atuação de ONG's ambientalistas nacionais e internacionais e à tendência crescente de políticas publicas estatais preservacionistas que marcaram o período imediato pós-regime militar. Estado nacional foi obrigado a dar respostas na forma e politicas públicas de proteção ambiental dada as fortes pressões internas ligadas aos conflitos sociais e ambientais, que levaram a morte de Chico Mendes em 1988, a mobilização internacional e nacional que denunciava os malefícios da depredação ambiental promovida pelas politicas de ocupação via colonização e exploração de seus recursos minerais e hidrelétricos. E, ainda, pelos debates e compromissos assumidos nos eventos internacionais sobre meio ambiente promovidos pela ONU.

Contudo, se por um lado o meio ambiente adquiriu espaço na agenda política externa e interna pela atuação de importantes forças politicas, inclusive amazônidas, por outro, se tornou evidente a força do imperativo macroeconômico como definidor das políticas territoriais a partir de meados da década de 1990. A participação do país no sistema internacional marcado pelas reformas econômicas neoliberais dependia de sua capacidade em alcançar novos mercados e incrementar competitividade externa de seus produtos.

O planejamento do Estado incluía a Amazônia na perspectiva macroeconômica de inserção do país no mercado supranacional. Sua forma de organização e articulação das ações dava-se através dos Eixos Nacionais de Integração (ENID).

Os ENID balizaram a organização espacial das ações estatais considerando o território nacional com um espaço geoeconômico aberto, delimitando regiõesde planejamento que não respeitavam necessariamente o recorte político-administrativo. Diferentemente dos polos de desenvolvimento que haviam marcado a década de setenta e estimulavam o crescimento polarizado, os eixos priorizaram as redes capazes de promover integração e modernização da infraestrutura econômica comercial em amplas áreas.

Os projetos, de acordo com documento do BNDES (s/d) sobre os eixos de integração e desenvolvimento, que participou do estudo de formulação dos eixos, deveriam ser atrativos para investimentos do setor privado através de parcerias e não pretendiam englobar todos os investimentos necessários ao país, mas aqueles estruturantes, capazes de alavancar outros investimentos e dinamizar a economia das regiões.

Ao se concluir os estudos de estruturação dos eixos, já no final dos anos 1990, eles apontavam as possibilidades de investimentos do capital nacional e internacional. Divulgadas em um portfólio com 952 oportunidades, para o período de 2000-2007, as ações seriam financiadas pelos Governos Federal e Estaduais, iniciativa privada e parcerias, envolvendo investimentos totais na ordem de R$ 317 bilhões, sendo que o maior volume de recursos, R$ 186,1 bilhões, eram voltados para obras de infraestrutura econômica organizados em 494 projetos (Brasil, 2002). As parcerias publico-privadas se apresentavam como um condicionante importante da efetivação do programa, diante da posição Estado que alegava não deter a soma dos recursos necessários para viabilizar a totalidade dos investimentos (Becker, 1999). Além disso, o papel do Estado, face ao planejamento era o de indutor, coordenador e regulador do processo.

A função principal da execução das ações previstas no estudo dos eixos era a «integração entre as economias regionais e destas com os mercados internacionais, aspecto elevado à condição de peça fundamental para o desenvolvimento e o crescimento econômico do país» (Curado, 2010:84). A lógica que orientou a formulação dos eixos estava fundada na inserção competitiva do país na economia mundial de modo que, ainda segundo Curado (2010:84) «os projetos contidos nos Enid consideram o incremento com o comércio exterior como saída única para seu programa de desenvolvimento». E, desse modo, privilegiaram as obras de transporte, energia e telecomunicações capazes de garantir a acessibilidade do capital e o escoamento da produção.

Construídos, resumidamente, a partir dos critérios: malha multimodal de transportes; hierarquia funcional das cidades; identificação dos centros dinâmicos e os ecossistemas existentes, os eixos totalizam em nove grandes cortes espaciais: Arco Norte; Araguaia - Tocantins; Madeira - Amazonas; Oeste; Rede Sudeste; Sudoeste; Sul; São Francisco e Transnordestino.

Na análise de Becker (1999), os Eixos da forma como foram definidos e aplicados, contemplavam parcialmente os interesses das elites regionais para melhoramentos pontuais em termos de logística, mas não levaram em conta suas estratégias de inserção produtiva. Atendiam aos interesses vinculados ao agronegócio com a abertura de corredores de exportação de grãos do Centro-Oeste através da Amazônia para os países do hemisfério Norte e de maneira decisiva considerava a intenção de estreitar relações econômicas com os países amazônicos.

Dos nove eixos definidos no estudo final, quatro impactam na Amazônia Legal e destes dois são amazônicos e representam corredores logísticos de integração nacional e internacional da região. O Madeira - Amazonas, como saída para o Atlântico, e o Arco Norte, como saída para o Caribe e elo de intercâmbio regional com Guiana Francesa, Suriname e Guiana. Ambos têm o transporte como elemento central. No caso do eixo Madeira - Amazonas a vertebração principal é a Hidrovia. Já no Arco Norte, as rodovias BR -174 em Roraima, e a BR-156 no Amapá. (Santana, 2009:58).

Em ambos os eixos amazônicos, as principais vulnerabilidades, sob a ótica do crescimento econômico e atração de investimentos públicos e privados, estão na ineficiência e precariedade da infraestrutura econômica -transporte, energia e comunicação-, na concentração da renda e dos serviços em algumas cidades, principalmente nas capitais, e na inexistência de recursos humanos qualificados e fragilidade local em prepará-los.

As potencialidades apontadas para investimento nos dois eixos ligam-se a exploração da biodiversidade e da biotecnologia, com a agregação de valor aos produtos regionais, o uso sustentado das riquezas minerais, dos produtos florestais, produção de papel e celulose, a modernização e difusão da pesca, cujo maior potencial está na área influenciada pela foz do rio Amazonas, exploração do potencial hidroelétrico e de energias alternativas e do ecoturismo.

A área total dos dois eixos abrange os estados do Amazonas, Acre, Rondônia, Roraima e Amapá. Neles se destaca os projetos de ligar por estradas pavimentadas o Amapá a Guiana Francesa, ou seja, o Brasil a França, país membro da Comunidade Econômica Europeia, e Amazonas, Roraima a Venezuela, permitindo o tráfico rodoviário entre as capitais Manaus (BR), Boa Vista (BR) e Caracas (VE). Ambas as ligações são significativas para composição de um novo cenário geopolítico e a segunda coloca a Zona Franca de Manaus, grande produtora de eletroeletrônicos, em uma posição estratégica para o comércio com o mercado sul americano. Entretanto, segundo Kohlhepp (2001) o fator principal do planejamento infraestrutural presente nos projetos dos eixos amazônicos foi o de possibilitar o transporte da produção agrícola, conectando sistemas de transportes multimodais.

Embora as propostas do ENID's amazônicos não estejam concretizadas plenamente, as obras estão em andamento. No Amapá, a conclusão do asfaltamento da BR156 está prevista para 2013 junto com a inauguração da ponte binacional, já concluída em 2011
.

Fotografia 1: Ponte binacional ligando Oiapoque à cidade guianense de Saint-Georges

Ao se concretizar os corredores logísticos da Amazônia brasileira se integrará 8272 km2 de fronteiras internacionais com seis dos sete países, além do Brasil, parceiros da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica e com o departamento ultramarino francês. Os investimentos nos Eixos amazônicos permitirão ligações estratégicas com o mercado sul-americano e o aparelhamento de corredores de exportação, por meio da ampliação de aeroportos, pavimentação de rodovias, ampliação da rede elétrica, aparelhamento de portos.

Todavia, a integração proposta tem limites claros definidos pela vinculação comercial, ou seja, a construção de redes infraestruturais que permitam o escoamento da produção para o mercado nacional e internacional, principalmente do agronegócio e a acessibilidade do capital a espaços específicos de interesse de acumulação sem garantias de que exerça efeito multiplicador do desenvolvimento. Para Santana (2009:105), «por não considerar as estruturas econômico-produtivas regionais anteriores, o modelo de desenvolvimento provoca desagregação interna à região (fragmentação), atomizando-a em subáreas articuladas a espaços nacionais e/ou internacionais». Além disso, o discurso de sustentabilidade e as questões ambientais, como as ligadas a abertura de estradas em regiões de densas florestas, são desarticulados e restam como equações a ser resolvidas.

A proposta de desenvolvimento presente nos ENID se estendeu em linha contínua, dos governos de Fernando Henrique Cardoso ao de Luís Inácio Lula da Silva, marcando no período de 1996 a 2010 e tende a se manter como diretriz de ação do atual governo de Dilma Rousseff. A concepção de que a integração física nacional e supranacional, sob a lógica do mercado, é peça essencial para fazer avançar o desenvolvimento do país orientou, na primeira década deste século, as politicas públicas estatais para a Amazônia.

O novo contorno de atuação do Estado Nacional nas regiões de fronteira internacional se deu, também, pela articulação política dos países da América do Sul para a implantação do projeto Integração das Infraestruturas Regionais Sul-Americanas (IIRSA). A IIRSA, lançada em 2000 em reunião organizada por iniciativa brasileira, tem relação direta e complementar com a concepção dos Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento e está atrelada as ambições da politica externa brasileira para América do Sul. Segundo informação do Ministério do Planejamento (MP) do governo federal brasileiro;

«A ideia de formar a IIRSA se originou a partir da experiência brasileira de planejamento territorial, conhecida como Estudo dos Eixos, realizada pelo Ministério do Planejamento (MP) em conjunto com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) no ano 2000, que planejava o país a partir de regiões identificadas por seu inter-relacionamento económico». (Ministério do Planejamento, 2012)

Tanto o IIRSA quanto as políticas internas deste primeiro decênio foram construídos com a mesma orientação, qual seja; promover a integração competitiva a partir de volumosos investimentos em infraestrutura organizados em eixos de integração e desenvolvimento. A IIRSA em nível sul-americano, como bloco regional, e os PPA's e o PAC em nível nacional, acelerando a economia e colocando o Brasil em situação vantajosa em relação ao mercado sul-americano.

A IIRSA é um projeto pan-americano de doze países da América do Sul, que projeta a integração da região para formar uma unidade. A estrutura sistêmica e logística para essa integração é o desenvolvimento da telecomunicação, do transporte e energia através de políticas territoriais ao longo da América do Sul. O Projeto prevê a formação de corredores de exportação através da construção de infraestruturas interligadas com o objetivo de superar os gargalos históricos de conectividade entre os países e viabilizar o aumento dos fluxos comerciais no mercado sul americano e deste com o mercado mundial. O comércio se configura como elemento aglutinador para composição da unidade regional.

Concebida com base do conceito de regionalismo aberto elaborado pela Comissão Econômica para América Latina e Caribe - CEPAL (2000) na década de 1990, a IIRSA focaliza o continente Sul-Americano como espaço geoeconômico integrado onde, para o avanço do crescimento econômico, é preciso reduzir ao mínimo as barreiras internas ao comércio e os estrangulamentos infraestruturais. O conjunto dos projetos de investimento foi organizado a partir de dez eixos de integração que são: Eixo Andino; Eixo Peru-Brasil-Bolívia; Eixo de Capricórnio; Eixo Mercosul-Chile; Eixo Andino do Sul; Eixo Escudo das Guianas; Eixo do Amazonas; Eixo Interoceânico Central; Eixo Hidrovia Paraguai-Paraná; e Eixo do Sul.

A Amazônia é cruzada diretamente por três eixos, o do Amazonas, do Escudo das Guianas e eixo Peru-Brasil-Bolívia, tanto na direção leste-oeste quanto norte a sul. Para Thery (2005:46), com o IIRSA, a «Amazônia torna-se o centro do continente, em vez de ser a periferia dos países que a compõem, mesmo não sendo a parte do continente onde passam os fluxos mais densos, (...)». Dos três eixos, o Escudo das Guianas impacta de maneira direta sobre a fronteira setentrional no Amapá.

Nos eixos amazônicos do IIRSA, a pavimentação de rodovias, a abertura de vias navegáveis, permitindo inclusive a união bi-oceânica -Atlântico/Pacífico- no eixo do Amazonas, a interconexão de portos, e o incremento de infraestrutura de integração entre os países nas áreas de tríplices fronteiras, são elementos definidores do que eles significam. Todos tem foco no escoamento da produção, no aproveitamento do potencial hidroelétrico e na exploração dos recursos minerais e florestais da região. Parte desse cenário, o eixo do Escudo das Guianas está organizado em quatro grandes grupos que reúne por áreas de interconexão 18 projetos. Dentre estes, nove projetos são de integração binacional ou trinacional nos três setores de atuação da IIRSA (Quadro 2).

Quadro 2: Projetos Binacionais e Trinacionais do Eixo Escudo das Guianas - IIRSA.

Dos projetos de caráter binacional ou trinacional do eixo do Escudo das Guianas dois estão concluídos, três estão parcialmente concluídos e em execução e quatro não foram iniciados. O percentual de implementação dos projetos da IIRSA nesse eixo é de 55 % e soma -excluindo os projetos não iniciados e de valor não informado- o montante de investimento da ordem de U$S 1 010 900,00.

No Amapá, a perspectiva de integração com o Escudo das Guianas tem acentuado uma nova dinâmica econômica com o acirramento do mercado de terras e um novo ritmo das relações comerciais. Tem ressaltado, também, a já forte presença do capital internacional na exploração de produtos e insumos locais. Esse movimento tende a impor ao estado e aos municípios -administrativamente frágeis e empobrecidos- a necessidade de promoverem outras reestruturações infraestruturais e logísticas para assegurar sua efetiva participação no movimento do capital, tais como: o asfaltamento, construção e recuperação de outras vias de comunicação (ferrovias e rodovias), ampliação e modernização do porto de Santana e o enfrentamento do problema energético.

Os investimentos necessário à execução dos projetos do IIRSA contam com o financiamento de Instituições Financeiras Multilaterais (IFMs), especificamente com a Corporação Andina de Fomento (CAF), o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e com o Fundo Financeiro para o Desenvolvimento da Bacia do Prata (Fonplata). Destas instituições, apenas o Fonplata não atua diretamente nos eixos amazônicos. As IFM's são importantes porque apoiam os investimentos que cada país executa a seu custo em seu território, e, também, porque são capazes de influenciar a implementação de políticas públicas dos seus países-membros condicionando os empréstimos à realização de políticas que adotem diretrizes econômicas por elas estabelecidas.

Como se trata de instituições dotadas de recursos advindos do dinheiro público de seus países-membros, a correlação de forças no seu interior está definida pelo poder econômico exercido por cada país de acordo com sua participação na composição do capital do banco (Curado, 2010). O direcionamento dos investimentos realizados pela instituição e sua relação com os Estados- membros tem em sua base essa correlação de forças. A definição e viabilidade da agenda de projetos prioritários para execução é, também, configurada sob os impulsos do jogo politico travado no interior das IFM's.

O importante papel desempenhado pelas instituições de financiamento e as diretrizes estabelecidas pela politica externa brasileira para América do Sul, fizeram com que o presidente o presidente Luís Inácio Lula da Silva incluísse o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) ente os financiadores do IIRSA em 2003. O BNDES, em convênio com a CAF, passou a ser o primeiro banco nacional a financiar os projetos do IIRSA ao lado das agências multilaterais. Com isso, o Estado brasileiro assumiu papel de importante protagonista na definição da agenda e execução dos projetos prioritários no continente. Além disso, segundo Curado (2010) alavancou a expansão em outros países de grandes empresas nacionais, tais como Odebrecht, Camargo Correia, Queiroz Galvão, ao incluir como exigência do financiamento a contratação de pelo menos uma empresa brasileira.

O processo de integração sul-americano pelo incremento da infraestrutura econômica tem potencial transformador das relações que historicamente marcaram os países da América do Sul. Contudo, assim como a proposta de desenvolvimento presente nas politicas internas brasileiras, seus limites estão definidos pelas relações de mercado. O desenvolvimento proposto tem o comércio com elemento central, via o aumento dos fluxos de riquezas produzidos e consumidos na América do Sul. Não se projeta a integração na área social e a discussão sobre a imigração, mesmo nas cidades gêmeas das regiões de fronteira, ou a gestão ampliada do meio ambiente, ainda que projetos de grande impacto afetem zonas de importante biodiversidade da Amazônia continental.

No caso específico da Amazônia brasileira, os limites são percebidos, também, pela ausência de politicas efetivas que minimizem graves problemas internos já existentes e que tendem a se acirrar como a concentração fundiária ao longo das redes de transportes rodoviários, os conflitos sociais advindos da intensificação da migração e da grilagem de terras, o avanço da pressão antrópica sobre as Terras Indígenas e as Unidades de Conservação e o desmatamento pela expansão da fronteira agrícola e exploração desordenada dos recursos florestais.

O processo de integração das infraestruturas físicas dos países sul americanos mobilizado pela globalização e pelas estratégias mundiais de mercado forçou a produção de redefinições sobre as áreas de fronteiras internacionais. Espaços político-econômicos outrora periféricos são transformados em locais centrais e estratégicos, cujo entendimento exige a somatória entre os conceitos de espaço geoeconômico e geopolítico em uma equação de analise das relações de poder, desenvolvimento econômico e espaço geográfico. Isso significa que, as politicas públicas brasileiras de integração supranacional não descartaram o aspecto geopolítico de defesa e segurança das áreas de fronteira, mas obrigou a incorporação da questão do desenvolvimento econômico.

4. AJUSTES ESPACIAIS E A CONDIçÃO FRONTEIRIçA AMAPAENSE

A construção da condição fronteiriça amapaense teve maior efetividade após a instalação do ente Território Federal, em 1943, na região lindeira a Guiana Francesa. Essas Unidades Federativas, contudo, não se resumiram somente às suas experiências administrativas ou às suas políticas públicas. Há também outros fatores de análise que devem ser considerados para o melhor entendimento de suas participações nos cenários nacional e regional (Porto, 2010a; Porto et al., 2011), dentre elas as pertinências, as transformações e as permanências daquelas ações no espaço amapaense e na fronteira.

Após a instalação do novo ente federativo, novos dinamismos territoriais foram efetivados com a entrada de novos atores, elementos e categorias econômicas e políticas ao seu cotidiano. Isso modificou o seu espaço e suas relações espaciais e estimulou novas organizações socioeconômicas com a inserção de infraestrutura (rodovia, ferrovia, porto, Usina Hidrelétrica).

Contudo, por mais que os Territórios Federais tivessem existido por 84 anos na realidade brasileira (1904-1988), não conseguiram estabelecer uma visão clara sobre o que significou essa experiência na organização espacial da região e muito menos sobre as suas atuações no federalismo brasileiro. Mas as permanências deixadas nesses espaços, visando o fim das precariedades política, econômica, institucional e político-administrativo para que se tornassem autônomas, estimulou o crescimento e o desenvolvimento dessas novas entidades federativas.

Foi a partir desses «Estados em embrião» que os investimentos foram estimulados e orientados para a reestruturação da fronteira setentrional. Esses investimentos acabaram por calibrar a intensidade de ajustes para o uso do território lindeiro pelo capital, para atender suas necessidades e para manter-se articulado em rede. A região lindeira deixa de ser isolada, para ser articulada, organizada, conectada e acionada a/por/pelas novas redes sociais e econômicas globais. Com isso, novos usos da fronteira foram colocados em prática, notadamente após 1995 (Porto e Silva, 2009; Silva, 2008)

Gradativamente a esta fronteira se torna mais articulada e mais dinâmica; deixa de ser periférica para se tornar estratégica (Porto, 2010b), embora não tenha perdido aquela condição fronteiriça de periferia. Neste sentido, dependendo do foco de análise da fronteira da Amazônia, esta pode ser considerada ora como periférico/estratégica, ora como estratégico/periférica. Esta apresenta suas orientações embasadas nas ações propostas, em execuções, em articulações e investimentos do capital neste espaço. Aquela apresenta forte reprodução de elites tradicionais e políticas que não querem mudar o status quo.

Por outro lado, para o caso amapaense, a fronteira setentrional não se refere somente à fronteira continental. Pois a articulação efetiva que ocorre com a Guiana Francesa vai além da sua articulação física via infraestrutura (estimulada após meados da década de 1990). Esta conexão representa: interação com a zona do Euro; conexão imediata com o espaço da OTAN; proximidade com área científica de ponta, pela estação espacial de Kouru (estação esta que é integrante de estratégias científicas da União Europeia).

Acrescente-se, nesta reflexão acima, que o Amapá é um espaço litorâneo, com um sistema portuário capaz de receber embarcações de 11 metros de calado (semelhante aos principais portos da América do Sul). Considerando que a partir dos portos o mundo é o limite, as relações entre os espaços transcontinentais ocorrem sem que haja a conectividade imediata; ou seja, há uma conectividade relacional. Pelo Porto de Santana, o espaço relacional do Amapá chega à China.

Seja qual for a construção da configuração da fronteira da Amazônia setentrional, as ações de políticas de investimentos e de planejamento executadas pelo Estado foram e são fundamentais para as (re)construções deste espaço lindeiro.

Porto (2010a), por sua vez, entende que a condição fronteiriça amapaense está diretamente ligada aos movimentos de (des)construção e (des)territorialização; à grande atuação do Estado, porém com fraca fiscalização; à criação/ construção de próteses dos mais variados modelos; à existência, configuração e intensidade de articulação das redes existente, as quais expressam reflexos de cenários internacionais; às expectativas de integração com a Guiana Francesa; às suas restrições espaciais e; sua posição na economia-mundo como fornecedora de commodities e consumidora de produtos industrializados.

Com as expectativas da integração física do Amapá com o platô das Guianas, pela ponte sobre o rio Oiapoque, tem-se a perspectiva da mudança do eixo de conectividade da Guiana Francesa do Caribe para usar o sistema portuário de Santana; a relação fronteiriça com o vizinho francês será uma relação inversa, pois o Brasil, pelo Amapá, é vizinho à zona do Euro (moeda mais valorizada em relação ao Real), ou seja, as mercadorias são mais baratas neste lado da fronteira.

5. CONSIDERAçÕES FINAIS

A condição singular do estado do Amapá, de espaço simultaneamente estratégico e periférico, é fruto de um processo histórico de implementação de próteses viabilizadas por ajustes espaciais que evidenciam os múltiplos usos do território.

Sua configuração estratégica é decorrente de sua posição fronteiriça com território francês, país membro da comunidade econômica europeia, ampliando as interações entre Brasil-França. Destaque ao recém-lançado «Campus Universitário Binacional» (Brasil/Franca) no município do Oiapoque pela Universidade Federal do Amapá. É fruto, também, de sua vinculação geográfica ao platô das guianas, da preservação da floresta nativa e da imensa sociobiodiversidade que possui. Outro aspecto importante é sua posição litorânea com acessibilidade através do rio Amazonas a navios de grande calado ao porto da cidade de Santana, a 30 minutos da capital por rodovia pavimentada. Todos esses elementos que compõe seu potencial estratégico ganharam acentuada relevância diante das estratégias estatais de integração física e da Iniciativa de Integração Regional Sul Americana.

Sua condição periférica é fruto da distância dos grandes centros econômicos e políticos nacionais, de seu isolamento geográfico dado ausência de acesso rodoviário. É agravada pela fragilidade estrutural de sua economia, pouco diversificada, extrativista e produtora commodities, além de fortemente marcada pela importância do poder público na oferta de empregos. A pesar da constante presença do capital internacional e de grandes empresas de capital intensivo na exploração de recursos minerais desde a organização do extinto Território Federal do Amapá (1943-1988) e da tentativa de dinamização do comercio por meio da criação da área de livre comércio de Macapá e Santana (ALCMS). Essa condição se acentua também pela escassez de recursos humanos qualificados, especialmente na área tecnológica, e pelas debilidades de qualificação local. Associam-se a estas características as dificuldades políticas de representação e articulação no cenário nacional dos interesses locais e a manutenção de práticas clientelistas na administração do estado e dos municípios que comprometem o planejamento em longo prazo e a organização coletiva.

A execução dos ajustes espaciais que levaram a construção desse cenário foi decorrente de dois condicionantes que realizaram atos de criação/construção que afetaram a apropriação e a configuração territorial amapaense: a participação do governo federal na criação de condições para a mobilidade do capital no espaço amapaense e implantar ajustes para melhor articular as redes criadas/construídas; e a atuação do capital internacional na exploração de commodities, com o estímulo do Estado, no uso do território.

A dinâmica dos ajustes espaciais no Amapá está diretamente ligada aos movimentos de (des) construção e (des) territorialização espaciais, seja pelas redes, seja pela criação/construção de próteses dos mais variados modelos. Como também possui forte dependência da participação do Estado na sua economia e nas políticas públicas; estimula intensa articulação com o cenário internacional, notadamente como fornecedor de commodities. Exigindo, com isso, constantes reconstruções de ajustes espaciais. Essa situação foi a responsável pela criação de um cenário propício apenas a exploração e não ao desenvolvimento.

Neste sentido, com as expectativas da interação física no/do Platô das Guianas novos ajustes deverão ser criados, construídos, desfeitos, refeitos decorrente da perspectiva de mudança do eixo de conectividade da Guiana Francesa do Caribe para usar o sistema portuário de Santana (Amapá); a relação comercial fronteiriça com o vizinho francês será uma relação inversa, pois as mercadorias são mais baratas neste lado da fronteira.



NOTA

1. Agradecemos as críticas e sugestões do processo de arbitragem da Revista Documentos y Aportes en Administración y Gestión Estatal para elaboração deste artigo.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. BNDES (S/D). «Estudo dos Eixos de Integração e Desenvolvimento.» Versão editada, disponível em http://www.wisetel.com.br/biblioteca/doc_de_referencia/governo_brasileiro/eixos_integracao_desenvolvimento.htm (consultado em 09/06/2011).         [ Links ]

2. Brasil (2002). «Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento.» Disponível em http://www.planalto.gov.br/publi_04/eixosnacionais.pdf (consultado em 12/4/2011).         [ Links ]

3. CEPAL (2000). «O Regionalismo Aberto na América Latina e no Caribe: A Integração Econômica a Serviço da Transformação Produtiva com Equidade.» Em Bielschowsky, Ricardo (org.). Cinqüenta Anos de Pensamento na CEPAL. Conselho Federal de Economia-COFECON/Ed. Rio de Janeiro: Record.         [ Links ]

4. Couto, M.E.A. e Porto, J.L.R. (2006). Transformações espaciais amapaenses após a estadualização- 1990 a 2005. Macapá         [ Links ].

5. Couto, M.E.A.; Melo, L.R.P.; Monteiro, R.M.G.; Porto, J.L.R. (2006). Os ajustes espaciais e a expansão das redes geográficas: a inserção de próteses tecnológicas no espaço amapaense. Macapá         [ Links ].

6. Curado, P.R.F. (2010). O Estado brasileiro e a integração física e produtiva da Amazônia continental (1996-2006). Dissertação de Mestrado, Rio de Janeiro: UFRJ.         [ Links ]

7. Harvey, D.A. (2005). Produção capitalista do espaço. São Paulo: Annablume.         [ Links ]

8. Kohlhepp, G.A. (2001). «Amazônia frente a um novo desafio: o desenvolvimento sustentável e o programa Avança Brasil.» Cadernos Adeunauer, ano II, (4), pp. 9-38.         [ Links ]

9. Machado, L.O. (1998). «Limites, Fronteiras, Redes.» Em Strohaecker, T.M. et al. (orgs.). Fronteiras e Espaço Global. Porto Alegre: AGB.         [ Links ]

10. Monié, F. (2003). «Planejamento territorial, modernização portuária e logística: o impasse das políticas públicas no Brasil e no Rio de Janeiro.» Em Monié, F. e Silva, G. A mobilização produtiva dos territórios: instituições e logística do desenvolvimento local. Rio de Janeiro: DP&A.         [ Links ]

11. Ministério do Planejamento (2012). «Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA).» Disponível em http://www.planejamento.gov.br/secretaria. asp?cat=156&sub=302&sec=10 (consultado em 27/10/2012).

12. Porto, J.L.R. (2003). Amapá: Principais Transformações Econômicas e Institucionais - 1943 a 2000. Macapá: SETEC.         [ Links ]

13.Porto, J.L.R. (2006). (Re)construções amapaenses: 60 anos de transformações espaciais. Macapá: Jadson Porto (Série Percepções do Amapá, Vol. 4).         [ Links ]

14. Porto, J.L.R. (2010a). «Condição Fronteiriça Amapaense: Da Defesa Nacional à Integração (Inter) Nacional.» Em Nascimento, D.M. Amazônia e Defesa: dos fortes às novas conflitualidades. Belém (PA): NAEA/UFPa.         [ Links ]

15. Porto, J.L.R. (2010b). «A Condição Periférico-Estratégica da Amazônia Setentrional: A Inserção do Amapá no Platô das Guianas.» Em Porto, J.L.R.; Nascimento, D.M. Interações Fronteiriças no Platô das Guianas: novas construções, novas territorialidades. Rio de Janeiro: Publit.         [ Links ]

16. Porto, J.L.R.; Couto, M.E.A.; Barroso, J.M.; Santos, M.M.; Thalez, G.M. (2007). «Do território Federal a Estado: condicionantes para a execução de ajustes espaciais no Amapá.» Em Brasil, W. Mirtil, E.; Maciel, F. (orgs.). 35 anos de colonização da Amazônia. Porto Velho: EDUFRO, pp. 188-198.         [ Links ]

17. Porto, J.L.R. e Silva, G.V. (2009). «Novos usos e (re)construções da condição fronteiriça amapaense.» Em Novos Cadernos NAEA. Belém, 12 (2), pp. 253-297.         [ Links ]

18. Porto, J.L.R.; Superti, E.; Tostes, J.A. e Sotta, E.D.A (2011). «Reformatação da fronteira amapaense: das políticas públicas aos planos diretores e ambientais.» Em Porto, J.L.R.; Sotta, E.D. Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas: (re)territorialidades de cooperações em construção. Rio de Janeiro: Publit.         [ Links ]

19. Santana, M.A. (2009). A Experiência de Planejamento Regional do Brasil: O caso da Amazônia (1985-2003). Tese de Doutorado, Rio de Janeiro: UFRJ.         [ Links ]

20. Superti, E. (2011). «Políticas Públicas e Integração Sul Americana das Fronteiras Internacionais da Amazônia Brasileira.» Em Novos Cadernos NAEA, Vol. 2, nº 14, pp. 32-48.         [ Links ]

21. Théry, H. (2005). «Situações da Amazônia no Brasil e no continente.» Em Estudos Avançados. 19. Disponível em www.scielo.br/pdf/ea/v19n53/24079.pdf (consultado em 16/06/2011).         [ Links ]

22. Raffestin, C. (1993). Por uma geografia do poder. São Paulo: Ática.         [ Links ]

23. Santos, M. (1997). Metamorfoses do espaço habitado. São Paulo: Hucitec.         [ Links ]

24. Silva, G.V. e Porto, J.L.R. (2005). «O comércio internacional do Estado do Amapá: condições, construções e adaptações.» Trabalho apresentado no XV Encontro Nacional de Estudantes de Geografia - ENEG. Salvador / BA.         [ Links ]

25. Silva, G.V. (2008). «Usos contemporâneos da fronteira franco-brasileira: entre os ditames globais e a articulação local.» Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS.         [ Links ]



Creative Commons License All the contents of this journal, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution License