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Acta toxicológica argentina

versión On-line ISSN 1851-3743

Acta toxicol. argent. vol.23 no.1 Ciudad Autónoma de Buenos Aires mayo 2015

 

REPORTES DE CASOS

Ayahuasca, qualidade de vida e a esperança de adictos em recuperação: relatos de caso

Ayahuasca, quality of life and the hope in recovering of addicts: case reports

 

Dias de Jesus Júnior, Tenes1; de Oliveira Salvi, Jeferson2*; Ramos Evangelista, Dilson Henrique3

1Laboratório Exame. R Maringá, 647 - Nova Brasília, CEP: 76908-40, Ji-Paraná - Rondônia, Brasil.
2Departamento de Farmácia, Centro Universitário Luterano de Ji-paraná (CEULJI/ULBRA), Av. Eng° Manfredo Barata Almeida da Fonseca, 762, Jardim Aurélio Bernardi - Caixa Postal 271 - CEP 76.907-438 - Ji-Paraná - Rondônia, Brasil
3Departamento de Matemática e Estatística de Jiparaná, Fundação Universidade Federal de Rondônia (UNIR), Ji-Paraná, RO. Rua Rio Amazonas, 351, Jardins dos Migrantes, CEP 96900-726 - Ji-Paraná, RO - Brasil.

* jefersonsalvi@hotmail.com

Recibido: 11 de junio de 2014
Aceptado: 9 de marzo de 2015

 


Resumo. O uso contínuo da Ayahuasca é objeto de estudo devido aos poucos dados pré-clínicos e clínicos referentes à seguridade em relação ao seu uso prolongado. Evidências científicas demostram os benefícios no âmbito psicoterapêutico, à eficácia junto ao tratamento do etilismo crônico e outras drogas de abuso. Esta pesquisa trata-se de um estudo observacional do tipo relato de casos, com o intuito de descrever e relacionar a experiência do uso ritualístico da Ayahuasca à descontinuidade do uso abusivo de substâncias químicas. Os participantes (n=6) constituíram-se de pessoas institucionalizadas em uma comunidade religiosa que faz uso ritualístico do preparado dos vegetais Banisteriopsis caapi e Pyschotria viridis. Por meio de entrevistas individuais registrou-se o histórico de cada indivíduo com base no período de uso e a substância química utilizada. Em seguida aplicou-se questionários específicos para determinar a qualidade de vida e o nível de esperança. Determinou-se os parâmetros hematológicos afim de avaliar eventuais disfunções hematopoiéticas e por fim avaliou-se a satisfação destes em participar da pesquisa. Observou-se baixos valores (p>0,05) para os domínios de capacidade funcional e limitações por aspectos emocionais, o nível de esperança médio foi significativo (p=0,02) e sustentou as perspectivas positivas registradas nas entrevistas, os valores hematológicos estiveram dentro da normalidade e foi alto o nível de satisfação dos participantes com a pesquisa. Concluiu-se que a utilização da Ayahuasca, por meio de um segmento religioso, contribuiu de maneira fundamental para o abandono ou descontinuidade do uso de substâncias química, sendo considerada pelos mesmos uma forma de tratamento.

Palavras chave: Dependência química; Santo Daime; Qualidade de Vida; Relatos de caso

Abstract. The continuous use of Ayahuasca is the aim of various studies due to few preclinical and clinical data related to security in relation to its prolonged use. Scientific evidences demonstrate the benefits of psychotherapeutic efficacy in the treatment of chronic alcoholism and other drugs abuse. This research is an observational study of reported cases aiming to describe and relate the experience of the religious ritual that uses Ayahuasca to the discontinuity of the overuse of chemicals. Participants (n = 6) consisted of members of a religious community that makes use of ritualistic infusion of the plants Banisteriopsis caapi and Psychotria Viridis. Through individual interviews, the history of each based on the period of use and the chemical substance used was recorded. Then specific questionnaires to determine the quality of life and level of hope were applied. Haematological examinations were performed to determine the possible hematopoietic disorders and finally, their satisfaction in participating in the research was evaluated. Low values (p>0.05) for the domains of functional capacity and limitations due to emotional problems were observed. The average level of hope was significant (p=0.02) and sustained positive outlook recorded in the interviews, the hematological values were within normal limits and the degree of participant satisfaction was high with the search. It was concluded that the use of Ayahuasca through a religious segment contributed mainly to the abandonment or discontinuation of the use of chemical substances, being considered a form of treatment.

Keywords: Chemical dependence; Hoasca; Quality of life; Case reports


 

Introdução

Drogas ilícitas e lícitas são substâncias que têm a capacidade de ocasionar vício ou dependência, ambos desígnios reconhecidos como doença crônica do cérebro. A dependência química possui um desenvolvimento progressivo associado a influência genética, considera-se que o início está relacionado às interações psicológicas e físicas do indivíduo e, quando não tratada, pode ser fatal (El-Guebaly 2010; Smith 2011).

Entre os anos de 2009 e 2010, estimava-se que o número de indivíduos que já fizeram uso de substâncias proibidas ou controladas, ao menos uma vez, era de cerca de 272 milhões, tal valor correspondia a 6,1 % de toda população do mundial (UNODOC 2011). Alguns autores consideravam que aproximados 10 % da população urbanizada faz uso abusivo de drogas, sendo que o uso do álcool e da nicotina apresenta maior prevalência (Kessler et al. 1997; Grant et al. 2004; Pinho 2008). Estudo desenvolvido em Porto Velho (BRASIL 2010), capital do estado de Rondônia, demonstrou que 23 % da população de estudantes se referiram ao uso de substâncias químicas lícitas ou não, sendo que, a utilização do álcool contemplou o primeiro lugar (55,6 %), seguido pelo tabaco e pelo uso de solventes/inalantes. O consumo de forma repetitiva de certas substâncias químicas pode levar o indivíduo a expressar comportamentos compulsivos que o caracterizam como adicto, há o desejo de utilizar o objeto-droga constantemente, sem considerar as consequências advindas de tais atos. A adicção, portanto, pode ser definida pelo uso repetitivo de uma droga ou dependência de uma substância química. Como consequência há a neuroadaptação, caracterizada pela distorção ao nível cerebral modificando ou influenciando no que realmenteé necessário para a manutenção da homeostase do organismo (ASAM 2011).

O chá da ayahuasca é obtido por meio da decocção das folhas do arbusto Pyscotria viridis com o cipó da espécie Banisteriopsis caapi. A primeira planta, descrita em 1977, apresenta em suas folhas o alcalóide N.N-dimetiltriptamina (DMT) (Blackledge 2003). O cipó, conhecido popularmente como Mariri, é nativo das zonas tropicais da América do Sul e das Antilhas, possui β-carbolínas responsáveis pela inibição reversível da enzima monoaminoxidase do tipo A (Callaway e Grob 1998 citado por Pires et al. 2010).

Via oral os efeitos do decocto são perceptíveis aproximadamente em uma hora, sendo menos intensos que os efeitos produzidos pela administração via parenteral ou respiratória, possuindo uma duração de aproximadamente quatro horas (Brito 2004).

Historicamente uma grande variedade de povos indígenas fazia uso ritualístico de várias substâncias alucinógenas, no entanto, cerca de 70 tribos distintas da Amazônia fazem o uso da ayahuasca, que com o decorrer do tempo passou a ser utilizado por civilizações de vilarejos nos estados brasileiros do Acre e de Rondônia, principalmente quando da imigração de trabalhadores para a prática do extrativismo da borracha na região Norte (Monteiro 1983; Labate e Araújo 2002).

O consumo religioso no Brasil é amparado por lei (BRASIL 2004) e a reelaboração das antigas tradições indígenas (Labate 2004; Lima 2004) acabou por promover a difusão dos rituais para outros países, tais como: Austrália, África do Sul, Canadá, França, Espanha, Estados Unidos, Japão e Holanda (Labate e Feeney 2012; Blainey 2014). Após a regularização do uso da ayahuasca para finalidades religiosas, a liberdade para realização do uso ritualístico possibilitou a expansão para além da cultura indígena, ocasionando o aumento significativo de adeptos (Callaway et al. 1994).

São poucos os dados e as informações pré- -clínicas e clínicas, sobre o uso continuo da ayahuasca, que forneçam uma base cientifica sólida em relação a segurança de sua utilização (Barker et al. 2001; Mckenna 2004), porém, evidências demonstram os benefícios no âmbito psicoterapêutico, sua eficácia junto ao tratamento do etilismo crônico e do uso de outras drogas de abuso, além de mudanças em estados comportamentais de ansiedade, alienação, agressividade, dentre outros (Grob et al. 1996; Halpern 1999; Stuckey et al. 2005; Celeste 2010).

O uso ritualístico dos vegetais tem se expandido, nos últimos anos, além da cultura indígena, abrindo espaço para movimentos religiosos que têm como objetivo a busca de modificações morais através da facilitação da introspecção e o alcance do autoconhecimento (Callaway et al. 1994).

Objetivou-se determinar a qualidade de vida e os níveis de esperança de indivíduos de uma comunidade religiosa Ayahuasqueira que tiveram experiência prévia com o uso abusivo de substâncias químicas. Também considerou-se avaliar o nível de esperança mediante o abandono da adicção e a manutenção de estados sóbrios, analisou-se parâmetros hematológicos e a percepção destes mediante as intervenções propostas pela pesquisa.

Materiais e métodos

Trata-se de um estudo observacional e exploratório do tipo relato de casos. A amostra foi constituída por um total de seis indivíduos, quatro homens e duas mulheres, que já utilizaram algum tipo de substância lícita ou ilícita de forma abusiva, todos membros de uma Comunidade Ayahuasqueira situada no município de Ouro Preto do Oeste, interior do estado de Rondônia, Brasil.

Os voluntários foram informados sobre a proposta do estudo e assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE).

Os dados que os caracterizam como participantes foram obtidos a partir da realização de uma entrevista de caráter informal e por pauta, contando com gravação de áudio. A qualidade de vida foi avaliada pelo questionário validado em português, o Short Form-36 (SF-36). A avaliação da esperança foi realizada por meio da metodologia de HERT (Cristina e Aurora 2008). A satisfação dos participantes foi avaliada por escala visual analógica desenvolvida para o intuito (EVA-S), estas foram entregues separadamente com instruções explicativas para manutenção da sigilosidade (figura 1). Este instrumento oferece um score de 0 a 10, pior e o melhor valor, respectivamente. No final os resultados foram convertidos em frequência relativa para melhor interpretação dos dados.


Figura 1. Escala visual analógica aplicada pra a satisfação (EVA-S)

Para determinar o perfil hematológico coletou- -se 5 ml de sangue, a amostra foi acondicionada em tubos que foram transportados a temperatura média de 5ºC para análise em laboratório clínico particular, considerou-se a determinação dos seguintes parâmetros: hemoglobina (HGB), volume corpuscular médio (VCM), hemoglobina corpuscular média (HCM) e concentração de hemoglobina corpuscular média (CHCM).

Considerações éticas

O trabalho foi aprovado pelo parecer número 481.398 do Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) do Centro Universitário Luterano de Ji-Paraná (CEULJI/ULBRA), estado de Rondônia, norte do Brasil, mediante autorização prévia do responsável pelo local de estudo.

Análises estatísticas

Para análise dos dados foi utilizado o software Microsoft® Excel, e teste de Wilcoxon Signed Rank Test através do programa SPSS 20.0, considerando nível de significância (p≤0,05), para todos os testes.

Resultados

Para obtenção do valor de p para cada dimensão ou parâmetro observado nos questionários e exames hematológicos utilizou-se o teste de Wilcoxon Signed Rank, no qual para a amostra inicial foi utilizado o valor da média do escore proposto para cada questionário e a média para os valores de referência de adultos nos exames hematológicos. A obtenção de tais valores se deu pela soma do menor e maior escore dividido por dois. Para tais valores encontrou-se: Questionário Qualidade de Vida (SF-36) 50; Escala de Esperança de HERT (EEH) 30; Hemoglobina (HGB), 15; Volume Corpuscular Médio (VCM) 88,5; Hemoglobina Corpuscular Média (HCM), 29,1 e Concentração de Hemoglobina Corpuscular Média (CHCM) igual a 33,6.

Entrevistas

As palavras textuais das entrevistas encontram- se em itálico, sendo que apenas os trechos de maior importância foram comentados. Os participantes consideraram o uso ritualístico da Ayahuasca uma forma de tratamento e acreditavam que poderão abandonar a adicção ou se manter sóbrios, houve aqueles que atribuíram o abandono da dependência química à Ayahuasca.

Fato comum expresso pelos indivíduos foi o relato de que o chá tem a capacidade de mostrar o erro, ou seja, de mostrar o que a pessoa está fazendo de errado e o que é necessário mudar.

João (nome fictício): "Eu digo que o vegetal ensina, ele mostra aquilo que tem guardado, mostrando tudo àquilo que fizemos de errado e já esquecemos e outras coisas recentes".

A maioria dos participantes definiu o período de drogadição em suas vidas como um período muito ruim, como tempo perdido.

Maria (nome fictício): (...) "Hoje eu penso assim: eu perdi muito tempo da minha vida, esse tempo que eu passei, assim, usando bebida alcoólica, fumando, pra mim foi um tempo perdido, foi o pior tempo da minha vida".

Quando questionada sobre uma melhora na saúde após o início do uso ritualístico da ayahuasca Maria relatou:

"Muito grande, inclusive eu tinha muito problema com estômago, porque o álcool e o cigarro causam esse tipo de problema e eu também tomava muito medicamento para depressão (...) depois que eu comecei a tomar o chá eu não sinto mais nada e também contra insônia eu me sinto bem, eu durmo e acordo disposta, não sou mais aquela pessoa que quando estava só no remédio antidepressivo eu acordava, mas acordava querendo cair por qualquer canto".

Por meio das falas os participantes relataram que a partir do momento em que começara a fazer o uso ritualístico do decocto não sentiram o desejo de utilizar nenhuma substância química.

Suzana (nome fictício): "Nesses três meses que eu estou aqui, no primeiro mês eu senti os efeitos da abstinência, ai eu comecei a beber o chá e agora passou".

Roberto (nome fictício): "Do primeiro dia em que eu bebi, eu parei automaticamente de usar droga. (...) Não entrei mais, em momento nenhum eu senti o desejo. (...) Foi um choque na minha memória, me fez recordar de quem eu sou, de quem eu era, me mostrou que eu não era aquilo, mostrou o que eu não estava conseguindo enxergar".

Quando questionados sobre os tipos de drogas que já utilizaram obteve-se como resultado uma maior prevalência no uso de álcool, utilizado por todos os indivíduos, seu percentual foi de 27 % em relação as demais drogas utilizadas, a cocaína, utilizada por 5 indivíduos, correspondeu ao 23 %, a maconha e o tabaco corresponderam cada uma a um percentual de 18 % e foi utilizada por 4 indivíduos, o crack foi utilizado por 3 indivíduos e seu percentual em relação as demais drogas foi de 14 %.

Qualidade de vida (SHORT FORM - 36)

Utilizado em diversos ensaios clínicos, o questionário é composto por 8 dimensões, sendo elas: capacidade funcional, limitação por aspectos físicos, dor, estado geral de saúde, vitalidade; aspectos sociais, limitação por aspectos emocionais e saúde mental.

Na Tabela 1 encontram-se os valores dos escores alcançados pelos participantes do estudo. O desvio padrão demostra que para cada parâmetro observado houve diferentes pontuações alcançadas, para cada indivíduo, em relação à média de todos os participantes do estudo. Desse modo observa-se que os participantes tiveram como resultado uma menor variação de pontuação no parâmetro relacionado à vitalidade, onde o valor médio obtido foi de 52,5 ± 18,09, e uma maior variação em relação à limitação por aspectos físicos, 50± 47,43. Tal achado implica que boa parte da população estudada alcançou níveis de vitalidade próximos.

Tabela 1. Valores de maior e menor escore, média, desvio padrão e valor de p, obtidos através do questionário SF-36.

Ao observar os demais parâmetros nota-se uma alternação dos valores referentes ao desvio padrão, de modo que para as dimensões analisadas há uma considerável alternância de um indivíduo para outro, demostrando assim a diferença na qualidade de vida encontrada em cada participante.

Por meio das análises, as dimensões que avaliam a capacidade funcional e a limitação por aspectos emocionais apresentaram valores estatisticamente significativos em relaçãoà média do escore proposta pelo questionário. Os valores obtidos para tais dimensões foram: capacidade funcional p=0,046 e limitação por aspectos emocionais p=0,024.

Escala de Esperança de HERT (EEH)

Os valores encontrados, presentes na tabela 2, refletem uma média significativa (p<0,05) relacionada às perspectivas dos participantes na descontinuidade ou interrupção do uso abusivo de substâncias químicas. Tal evidência confirma o que fora registrado nas entrevistas. A Figura 2 indica que as variáveis dos escores alcançados refletem o alto nível de esperança expresso por cada indivíduo, sendo o maior escore de 43 pontos e o menor de 36 pontos, ambos escores estão acima da média proposta pelo questionário.


Figura 2. Resultados individuais relacionados à esperança na manutenção da descontinuidade do processo de adicção mediante à prática da atividade ritualística.

Tabela 2. Valores encontrados para os níveis de esperança.

Escala visual analógica para satisfação (EVA-S)

Dentre as definições propostas para a autodeclaração sobre a experiência em participar da pesquisa, no ambiente de suas práticas religiosas, a grande maioria dos indivíduos (83,3 %) demostrou-se muito satisfeita, sendo que apenas um indivíduo (16,7 %) declarou-se satisfeito.

Parâmetros hematológicos

A média dos valores de referência utilizados para obtenção de p, para cada parâmetro, foi de hemoglobina=15,15 g/dl; Volume Corpuscular Médio=88,5 fl; Hemoglobina Corpuscular Média=29,1 pg; Concentração de Hemoglobina Corpuscular Média=33,6 %.

Por meio dos valores obtidos em relação à média dos valores de referência observa-se que as os parâmetros volume corpuscular médio (VCM) e hemoglobina corpuscular média (HCM) apresentaram diferença estatisticamente significante (p=0,002) quando comparados com a média dos valores de referência. Já os parâmetros hemoglobina (HGB) e concentração de hemoglobina corpuscular média (CHCM) não apresentaram valores estatisticamente significativos, demostrando desse modo que o uso ritualístico da ayahuasca não causou alterações em tais parâmetros (tabela 3).

Tabela 3. Resultados dos exames hematológicos.

Discussão

Observou-se uma forte carga emocional e cognitiva nos depoimentos, provavelmente oriunda da somatização das experiências anteriores, todos demostram intento de mudanças e restauração de valores interrompidos pela adicção. Estes achados podem ter sido alcançados devido ao estado de introspecção induzido após o uso da infusão, conforme Palhano- Fontes et al. (2015) há redução das atividades e conexões de centros da rede neural do modo padrão, ativada quando há o repouso ou a divagação, sem interferência significativa na rede da tarefa positiva, ativada em tarefas orientadas. Ideia sustentada por experiência semelhante realizada em 1960, com o LSD-25, onde teve-se como objetivo alcançar uma mudança radical de valores, filosofia de vida e atitudes perante os outros, o mundo e consigo mesmo, no estudo em questão dentre os objetivos propostos muitos foram atingidos (Grof 2001).

Ao considerar que a adicção é uma doença que perturba as funções biológicas, essenciais à neuroquímica, observa-se que a população apresentou escores com valores acima da média em 7 das 8 dimensões do SF-36, obtendo maiores escores nas dimensões que avaliam a capacidade funcional e a saúde mental. Infere- -se que o uso ritualístico da Ayahuasca proporcionou aos participantes uma boa qualidade de vida o que condiz com a busca pessoal pela cura e pelo equilíbrio (Barbosa 2009; Han et al. 2010).

Os dados obtidos pela EEH apontam que todos os indivíduos apresentaram um alto nível de esperança mediante o abandono ou interrupção do uso abusivo de substâncias químicas. Estudos descrevem a esperança como um importante papel para avaliar uma população mediante um tratamento ou uma doença. Altos escores também foram encontrados em pacientes com Diabetes mellitus do tipo 2 e pacientes oncológicos, com doença inicial ou metastática (Cristina e Aurora 2008). Orlandi e Praça (2013) evidenciaram a efetividade da escala de EEH na identificação de altos níveis de esperança, relacionando ainda a fé como conforto, discutindo e distinguindo os conceitos de espiritualidade e religiosidade em mulheres com HIV/AIDS.

O contentamento dos participantes, mediante os dados da EVA-S, reflete um resultado positivo após a experiência de reviver momentos e sentimentos pretéritos durante as entrevistas, bem como, com a aceitação da presença dos pesquisadores no ambiente em que a comunidade fora desenvolvida.

Em complicações decorrentes do alcoolismo são frequentes os quadros de anemia devido aos problemas nutricionais que levam a carência do ácido fólico ou a deficiência de folato em indivíduos que fazem uso de bebidas destiladas. Em casos de anemia megaloblástica, decorrentes da deficiência de folato, os valores encontrados no hemograma são de hemoglobina (<12 g/dl para mulheres e <13 g/dl nos homens) e o VCM é elevado (> de100 μm3). A anemia ferropriva em etilistas geralmenteé consequente a sangramentos gastrintestinais, identificam-se baixos valores de VCM (< de 80 μm3) e de CHCM (< de 32g/dl). Os valores obtidos neste estudo indicam não haver alterações em nenhum dos parâmetros hematológicos investigados, demostrando, deste modo, que o uso da Ayahuasca não apresentou influencia tal como as ações metabólicas do álcool (Maio et al. 2000).

A dependência química é de fato um problema social crescente, onde as alternativas relacionadas às políticas públicas desempenham importante papel, todavia o sucesso do tratamento depende da complexidade de diferentes fatores envolvidos. Intervenções como tratamento de quadros de adicção necessitam de fontes externas de reforço (Higgins et al. 1994; Vuchinich 1996).

A utilização de substâncias químicas para atenuar ou tratar quadros de dependência é uma estratégia possivelmente mais aceita do que o uso da infusão dos vegetais, parte pela falta de informação e parte pelos pré conceitos relacionados à liberdade religiosa. Oliveira-Lima e colaboradores (2015), por exemplo, demostraram em ratos a diminuição de comportamentos precoces relacionados ao início e ao desenvolvimento do alcoolismo, além disso, registrou-se a reversão da expressão dos efeitos crônicos com a interrupção da sensibilização comportamental, normalmente induzida pelo etanol.

Estudo realizado em São Paulo observou uma relação entre a diminuição da intensidade de sintomas psicopatológicos e a melhora da qualidade de vida (SF-36) através do uso ritualístico da Ayahuasca (Barbosa et al. 2009), mudanças psicológicas e comportamentais positivas também foram significativamente registradas, através da avaliação da esperança e da qualidade de vida, por Thomas et al. (2013) que consideraram o uso cerimonial da Ayahuasca um instrumento terapêutico justificado, em uma comunidade rural no Canadá.

Ao se analisar a problemática da adicção e os esforços das autoridades mundiais em definir formas efetivas de tratamento, considera-se a o uso da ayahuasca uma alternativa a ser discutida, uma vez que, além dos benefícios evidenciados também se trabalha a espiritualidade e a religiosidade dos adeptos. Todavia, ressalta-se a necessidade de mais estudos para se considerar os fatores que influenciam o metabolismo dos vegetais, as técnicas de preparo e a padronização posológica para a determinação dos riscos/benefícios do uso crônico do decocto.

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