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Acta toxicológica argentina

On-line version ISSN 1851-3743

Acta toxicol. argent. vol.24 no.3 Ciudad Autónoma de Buenos Aires Dec. 2016

 

ARTÍCULOS ORIGINALES

Avaliação da qualidade da água do Rio dos Sinos (Brasil) por meio do teste de micronúcleos em Cyprinus carpio e de análises físico-químicas e microbiológicas

Evaluation of water quality of the Sinos River (Brazil) by micronucleus test in Cyprinus carpio and physicochemical and microbiological analysis

 

Santos de Souza Mateus¹*, Zimmermann Prado Rodrigues Gabriela¹, Dalzochio Thaís¹, Goldoni Angélica², Ressel Simões Leonardo Airton¹, Gehlen Günther¹, Basso da Silva Luciano²

1Universidade Feevale. Campus 2. Instituto de Ciências da Saúde. Laboratório de Histologia Comparada. Endereço: Rodovia RS- 239, km 2755, CEP 93352-000, Novo Hamburgo, RS, Brasil. ²Universidade Feevale. Campus 2. Instituto de Ciências da Saúde. Laboratório de Citogenética Animal. Endereço: Rodovia RS-239, km 2755, CEP 93352-000, Novo Hamburgo, RS, Brasil.
*mateussouza@feevale.br

Recibido: 9 de noviembre de 2015
Aceptado: 9 de septiembre de 2016


Resumo.

O Rio dos Sinos está localizado na região sul do Brasil, possui aproximadamente 190 km de extensão e fornece água para atividades agrícolas, industriais e para o consumo de mais de um milhão de habitantes. Este rio é considerado um dos mais poluídos do Brasil e, portanto, estudos para avaliar a qualidade da água ao longo de sua extensão são necessários. O teste de micronúcleos em eritrócitos de peixes tem sido utilizado com sucesso para detectar a presença de poluentes mutagênicos nos ambientes aquáticos. O objetivo do presente estudo foi avaliar a qualidade da água do Rio dos Sinos por meio do teste de micronúcleos em Cyprinus carpio bem como de análises físico-químicas e microbiológicas. Foram coletadas amostras de água nos trechos superior (Caraá), médio (Parobé) e inferior (Novo Hamburgo) do Rio dos Sinos em dezembro de 2013. As amostras foram transportadas para o laboratório para análise de 14 parâmetros de qualidade da água bem como para a exposição de espécimes de C. carpio por 72h em aquários. Não foram verificadas diferenças significativas na frequência de micronúcleos e anormalidades nucleares nos grupos expostos a água do rio em comparação ao grupo controle. Apenas um parâmetro de qualidade da água foi observado em desacordo com a legislação no trecho superior do rio, enquanto que nos trechos médio e inferior foram seis e cinco parâmetros, respectivamente. Os resultados demonstram que o Rio dos Sinos apresenta redução da qualidade da água ao longo de sua extensão e indicam ausência de potencial genotóxico no período amostrado.

Palavras-chave: Rio dos Sinos; Biomarcadores; Qualidade da água; Cyprinus carpio.

Abstract.

The Sinos River is located in South of Brazil, it has about 190 km of extension and provides water for agricultural and industrial activities, and for consumption of more than one million inhabitants. This river is considered one of the most polluted rivers in Brazil; therefore, studies aiming to evaluate the water quality along its course are necessary. The micronucleus test in fish erythrocytes has been successful used to detect mutagenic pollutants in the aquatic environment. The objective of this study was to evaluate the water quality of the Sinos River by the micronucleus test in Cyprinus carpio, as well as physicochemical and microbiological analyses. Water samples were collected in the upper (Caraá municipality), middle (Parobé municipality) and lower (Novo Hamburgo municipality) sections of the Sinos River, in December 2013. The samples were transported to the laboratory for analysis of 14 water quality parameters and for exposure of C. carpio for 72 hours in aquaria. Significant differences in micronucleus and nuclear abnormalities frequencies were not found between the control and the exposed groups. Only one parameter of water quality exceeded the limit of the legislation in the upper section of the river, while in the middle and lower sections, six and five parameters, respectively. These results show that the Sinos River presents a reduction in water quality along its extension and indicates the absence of genotoxic potential in the sampled period.

Keywords: Sinos river; Biomarkers; Water quality; Cyprinus carpio.


Introdução

O Rio dos Sinos, localizado na região nordeste do Rio Grande do Sul, é considerado um dos principais rios do estado, concentrando na área de sua bacia hidrográfica significativa percentagem da população, além de um gran de parque industrial e turístico (Comitesinos 2000). Ao longo de sua extensão, de aproximadamente 190 km, fornece água para atividades agrícolas, industriais e para consumo humano, sendo também utilizado como meio de diluição de efluentes de esgoto doméstico, efluentes industriais e dejetos de origem rural (Bieger et al. 2010).

Os impactos provocados pelas atividades antrópicas contribuem para a redução da qualidade da água do Rio dos Sinos. Monitoramentos de parâmetros físico-químicos da água realizados ao longo do rio indicam que essa redução ocorre principalmente no seu trecho inferior, próximo a grandes centros urbanos, nos quais há maior densidade populacional e industrial (Blume et al. 2010). De acordo com o órgão estadual de meio ambiente (SEMA 2014), diversos pontos ao longo do rio foram avaliados nas classes III e IV de qualidade de água conforme classificação estabelecida pela resolução brasileira CONAMA 357/2005 (Brasil 2005), na qual a classe I representa a melhor qualidade e a classe IV a pior.

Além do monitoramento de parâmetros físicoquímicos, diversos estudos propondo a utilização de bioindicadores como ferramentas complementares na avaliação da qualidade das águas do rio têm sido realizados (Schulz e Martins-Júnior 2001; Rechenmacher et al. 2010; Scalon et al. 2010; Nunes et al. 2011; Scalon et al. 2013; Weber et al. 2013; Bergamaschi et al. 2015; Bianchi et al. 2015). Tais estudos são importantes para que a análise dos impactos provocados pelas atividades antrópicas seja mais ampla, visto que proporcionam a possibilidade de revelar o potencial tóxico da água aos organismos vivos. Peixes são bastante utilizados como bioindicadores de ambientes aquáticos, tanto em estudos in situ, devido a sua grande disponibilidade e importante papel na cadeia trófica (Oost et al. 2003), como em laboratório, devido à facilidade de manutenção e exposição (Al-Sabti e Metcalfe 1995).

O teste de micronúcleos e anormalidades nucleares em eritrócitos de peixes é uma ferramenta muito utilizada para análise da genotoxicidade da água devido a sua simplicidade e rapidez de análise (Bolognesi e Hayashi 2011). Os micronúcleos são fragmentos cromossômicos ou cromossomos inteiros não inseridos no núcleo celular durante o processo de divisão (Al-Sabti e Metcalfe 1995). As anormalidades nucleares são deformações na morfologia do núcleo, as quais também são consideradas indicadoras de efeitos genotóxicos (Çavas e Ergene-Gözükara 2005).

A espécie Cyprinus carpio (Linnaeus, 1758) da família Cyprinidae, conhecida popularmente como carpa comum, é muito utilizada em pisciculturas no Brasil. É originária da Europa Oriental e da Ásia Ocidental e foi uma das primeiras espécies a serem cultivadas em aquicultura. Atualmente seu cultivo ocorre em todos os continentes devido a sua rusticidade e facilidade de criação (Querol et al. 2005). A espécie já foi utilizada com sucesso em estudos de avaliação de genotoxicidade (Buschini et al. 2004; Gustavino et al. 2005; Canistro et al. 2012; García-Medina et al. 2013). Nesse contexto, o objetivo do presente estudo foi avaliar a qualidade da água do Rio dos Sinos por meio do teste de micronúcleos em C. carpio bem como de análises físico-químicas e microbiológicas.

Material e métodos

Área de estudo

A Bacia Hidrográfica do Rio dos Sinos está localizada a nordeste do estado do Rio Grande do Sul, entre as coordenadas geográficas de 29° 20' a 30° 10' de latitude Sul e 50° 15' a 51° 20' de longitude Oeste. Possui área de aproximadamente 3.800 km², abrangendo, parcial ou totalmente, 32 municípios e uma população estimada em 1.249.000 habitantes (SEMA 2010). O principal curso de água da bacia e que dá nome a mesma é divido em três trechos: superior, com 25 km de extensão, caracterizado por alta declividade do fundo e rápido fluxo das águas; médio, que se estende por 125 km e cuja altitude varia de 60 m a 5 m em declividade média; inferior, com aproximadamente 50 km de extensão, no qual a declividade é suave e o fluxo das águas é lento (Comitesinos 2000).

O trecho superior apresenta baixa densidade populacional e atividades econômicas predominantemente rurais. No trecho médio e principalmente no trecho inferior há grandes concentrações populacionais e industriais, sendo que afluentes do Rio dos Sinos drenam grandes centros urbanos como Novo Hamburgo e São Leopoldo. O trecho inferior da bacia é o que está exposto a maior pressão antrópica e nele está instalada a maior base industrial do estado do Rio Grande do sul (Figueiredo et al. 2010).

Coleta de águas superficiais

No mês de dezembro de 2013 foram realizadas as coletas de amostras de águas superficiais em três pontos do Rio dos Sinos, localizados nos municípios de Caraá (29° 45' 44.4" S / 50° 19' 39.8" W), Parobé (29° 41' 10.7" S/ 50° 51' 03.4"W) e Novo Hamburgo (29° 44' 12.5" S/ 51° 05' 29.1" W), representando os três trechos do rio, superior, médio e inferior, respectivamente (Figura 1). As amostras foram conduzidas ao laboratório, sendo os seguintes parâmetros analisados de acordo com o Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater (APHA 1998): demanda bioquímica de oxigênio (DBO), demanda química de oxigênio (DQO), fósforo total, nitrogênio amoniacal, sólidos suspensos, coliformes totais e termotolerantes, alumínio, chumbo, cobre, cromo total, ferro, níquel e zinco.


Figura 1. Localização da área de estudo. Pontos de coleta de água no Rio dos Sinos indicados por números: 1) Caraá, 2) Parobé, 3) Novo Hamburgo.

Procedimento experimental

O protocolo experimental do presente trabalho foi aprovado pela Comissão de Ética no Uso de Animais da Universidade Feevale (protocolo n.02.13022). Espécimes de C. carpio (n=40) foram adquiridos de um piscicultor local e aclimatados por sete dias em água da torneira declorificada com aeração constante, em sala com temperatura controlada (22±1ºC) e fotoperíodo natural. Após a aclimatação, os peixes foram aleatoriamente divididos em quatro grupos (n=10): Caraá, Parobé, Novo Hamburgo, os quais foram expostos à água proveniente do respectivo ponto de amostragem no rio, e um grupo controle mantido em água da torneira declorificada.

Após 72 horas de exposição, os animais foram sacrificados por secção da medula espinhal e através de um corte na região do pedúnculo caudal foi coletado sangue para a realização da técnica do esfregaço em lâmina citológica. As lâminas foram fixadas em etanol absoluto por 10 minutos e coradas em Giemsa 5% por 10 minutos, sendo então lavadas em água corrente, codificadas e analisadas em microscópio óptico em aumento de 1000x. Foram analisados 2000 eritrócitos por animal. Partículas pequenas, arredondadas ou ovais, não refrativas e com o mesmo padrão de coloração do núcleo principal foram consideradas micronúcleos (Çavas e Ergene- Gözükara 2005). Alterações na morfologia do núcleo, tais como brotamentos, invaginações e segmentações foram consideradas anormalidades nucleares (Carrasco et al. 1990; Pacheco e Santos 1997).

As frequências de micronúcleos e anormalidades nucleares foram comparadas entre os grupos expostos à água do rio e o grupo controle. A análise estatística foi realizada através do teste Kruskal-Wallis, considerando um nível de significância de 5% (p<0.05). O programa utilizado foi o Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) 22.0.

Resultados

Os resultados obtidos na análise de parâmetros físico-químicos e microbiológicos das amostras de água coletadas são exibidos na tabela 1. Não foram detectadas concentrações de nitrogênio amoniacal, cobre e cromo total em nenhum dos pontos. Todas as amostras apresentaram valores de DBO acima do limite permitido para águas de classe I (3 mg O2 L-1) conforme a resolução CONAMA 357/2005. Para os demais parâmetros analisados, Caraá apresentou todos os resultados dentro do limite para a classe I, enquanto Parobé e Novo Hamburgo ficaram acima do limite para fósforo total, coliformes termotolerantes, alumínio e ferro, sendo os maiores valores registrados para Novo Hamburgo. O ponto de Parobé foi o único em que foi detectado o metal chumbo e em concentração acima do limite para águas de classe I.

Tabela 1. Parâmetros físico-químicos e microbiológicos das amostras de água do Rio dos Sinos coletadas nas cidades de Caraá, Parobé e Novo Hamburgo, correspondendo aos trechos superior, médio e inferior do rio, respectivamente.

Para o teste de micronúcleos (Tabela 2), não foram verificadas diferenças significativas nas comparações das frequências de micronúcleos e de anormalidades nucleares dos grupos expostos à água do rio em relação ao grupo controle.

Tabela 2. Frequências de micronúcleos (MN) e de anormalidades nucleares (AN) em espécimes de Cyprinus carpio expostos à água do Rio dos Sinos.

Discussão

O trecho superior do rio apresentou, em geral, parâmetros físico-químicos e microbiológicos dentro dos limites permitidos para águas de classe I conforme a resolução brasileira CONAMA 357/2005. Segundo o Comitesinos (2000), essa região apresenta os menores impactos ambientais da bacia hidrográfica. Os trechos médio e especialmente inferior, por outro lado, estão expostos a maiores pressões antrópicas (Blume et al. 2010), de forma que a maior quantidade de parâmetros acima dos limites de concentração para a classe de melhor qualidade de água nessas regiões é reflexo dessa situação.

Diversos estudos já foram realizados na Bacia Hidrográfica do Rio dos Sinos visando à avaliação do potencial genotóxico de suas águas. Scalon et al. (2013) revisaram o resultado de alguns desses estudos, os quais aplicaram diferentes metodologias, como o teste Salmonella/ Microssoma, teste de micronúcleos em linhagem celular, teste Allium cepa, entre outros, constatando que houve tanto resultados positivos quanto negativos para efeitos genotóxicos.

Scalon et al. (2010) propuseram o primeiro experimento utilizando biomarcadores de genotoxicidade em peixes para avaliar a água do Rio dos Sinos, o teste de cometa em eritrócitos de Hyphessobrycon luetkenii. Os autores verificaram alterações sazonais na frequência de danos de DNA induzida pela água dos trechos superior e inferior. Scalon et al. (2013), também utilizando teste de cometa em H. luetkenii, verificaram efeito genotóxico na água do trecho médio na coleta de verão e nos três trechos na coleta de inverno quando comparados ao grupo controle. Bergamaschi et al. (2015) aplicaram o teste de micronúcleos e anormalidades nucleares em eritrócitos de peixes da espécie Leporinus obtusidens expostos à água coletada nos três trechos do rio, não encontrando diferenças significativas entre esses grupos e o controle. Bianchi et al. (2015) aplicaram tanto o teste de micronúcleos e anormalidades nucleares quanto o ensaio cometa em eritrócitos de Astyanax jacuhiensis expostos á água do Rio dos Sinos. Para a primeira metodologia, não encontraram diferenças entre os trechos analisados, mas para a segunda, verificaram aumento na frequência de danos ao material genético dos grupos expostos à água dos trechos médio e inferior em comparação ao trecho superior.

O teste de micronúcleos em eritrócitos de C. carpio já foi utilizado com o objetivo de verificar o potencial genotóxico de determinadas substâncias (Buschini et al. 2004; Gustavino et al. 2005; Canistro et al. 2012; García-Medina et al. 2013) ou a sensibilidade da espécie às mesmas (Al-Sabti 1986; Grisolia e Cordeiro 2000). São poucos os estudos visando à avaliação de corpos de água com a espécie. Grisolia e Starling (2001) e Grisolia et al. (2009) realizaram o teste em espécimes capturados no lago Paranoá, Brasília.

A ausência de diferença nas frequências de micronúcleos e de anormalidades nucleares entre o grupo controle e os grupos expostos à água do rio indica a ausência de potencial genotóxico da água do Rio dos Sinos em C. carpio no período amostrado. As baixas frequências de micronúcleos nos animais do presente estudo e também reportadas na literatura para a espécie (Grisolia e Starling 2001; Grisolia et al. 2009), podem ser consideradas a taxa basal para a espécie e é similar a observada para a maioria das espécies de peixes, cujas médias variam entre 0 e 1 micronúcleos por 1.000 células (Bolognesi e Hayashi 2011). Este estudo foi o primeiro a aplicar o teste de micronúcleos em C. carpio para avaliação da qualidade da água do Rio dos Sinos, e, para que esta espécie seja utilizada como bioindicadora, algumas variações nas condições experimentais devem ser testadas, tais como maiores períodos de exposição, e também a análise de maior número de células, tal como sugere Udroiu (2006) para espécies nas quais as frequências de micronúcleos são baixas.

Agradecimentos.

Os autores agradecem à Universidade Feevale, ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS) pela concessão de bolsas.

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