SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.25 issue2Caustic alkali intake: Frequent and preventable poisoning with serious consequences author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

  • Have no cited articlesCited by SciELO

Related links

Share


Acta toxicológica argentina

On-line version ISSN 1851-3743

Acta toxicol. argent. vol.25 no.2 Ciudad Autónoma de Buenos Aires Sept. 2017

 

REVISIONES

Intoxicação por diquat

Diquat intoxication

 

da Silva Baptista Faria, Rita Isabel

Centro Hospitalar de Leiria. Rua das Olhalvas 2410-197 Leiria, Portugal.

faria.rita.fr@gmail.com

Recibido: 28 de octubre de 2014
Aceptado: 7 de agosto de 2017


Resumo.

O paraquat e o diquat são herbicidas de contacto do grupo dos bipiridilos, utilizados largamente para controlo de ervas daninhas. A importância deste grupo de herbicidas reside na sua utilização frequente para fins suicidas e pela inexistência de antídoto ou tratamento médico específico. O envenenamento com diquat é muito menos comum que com o paraquat e por isso existem poucos casos descritos na literatura. A dose letal de ambos é sobreponível, contudo o diquat é considerado menos tóxico devido ao menor dano pulmonar. Por outro lado, o diquat tem efeitos tóxicos graves sobre o sistema nervoso central. Por este motivo os sinais de neurotoxicidade pelo diquat são os mais relevantes e incluem sinais de parkinsonismo. O rim é a principal via excretora do diquat e a necrose tubular aguda é a lesão tipicamente identificada. A sobrevida depende de dois fatores: a concentração da substância no plasma e o tempo após a ingestão. O tratamento centra-se em três pontos essenciais: prevenção da absorção, rápida excreção e modificação dos efeitos tecidulares. A hemoperfusão é mais eficaz na clearance do diquat do que a hemodiálise e a sua utilização nas primeiras 12 horas de intoxicação pode reduzir a mortalidade.

Palavras-chave: Intoxicação; Diquat; Lesão renal aguda; Revisão.

Abstract.

Paraquat and diquat are contact herbicides from bipyridyl group, commonly used in weed control. The importance of this herbicide group is due to its frequent use with suicidal purpose and because there is neither an antidote nor a specific treatment. Poisoning with diquat is much less common that with paraquat, so there are few cases published in literature. The lethal dose of both is similar, however diquat is considered less toxic because it causes less lung damage. On the other side, diquat has severe toxic effects on central nervous system and neurotoxic signs are the more relevant, and include Parkinsonism. The kidney is the main excretory pathway of diquat and acute tubular necrosis is typical. Survival depends on two factors: plasma concentration and time of ingestion. Treatment focus in three key points: preventing absorption, rapid excretion and tissue effects. Hemoperfusion is more effective in diquat clearance than haemodialysis and its use in first 12 hours can reduce mortality.

Keywords: Intoxication; Diquat; Acute kidney failure; Review.


Introdução

O paraquat e o diquat são herbicidas de contacto do grupo dos bipiridilos, não-seletivos e não-residuais, largamente utilizados principalmente na agricultura e por agências governamentais e indústrias para controlo de ervas daninhas. O envenenamento com diquat é muito menos comum que com o paraquat. Devido à elevada mortalidade do paraquat houve associação de um emético na formulação, na tentativa de reduzir a absorção na ingestão acidental ou intencional. A importância deste grupo de herbicidas reside na sua utilização frequente para fins suicidas, por não existir nenhum antídoto específico nem tratamento médico adequado com capacidade de reduzir a elevada morbi-mortalidade (Inchem.org).

O diquat está disponível na forma de sal dibromido e é utilizado em solução aquosa dada as suas características hidrofílicas. Os representantes comerciais são Reglone® (Syngenta), Dextrone® (GEVERS e ORES) e Aquacide® (Athea laboratories inc), tendo sido o primeiro registo comercial nos Estados Unidos em 1961 (Howd 2000).

Propriedades fisico-químicas

A estrutura quaternária polarizada conferelhe elevada solubilidade aquosa, sendo pouco solúvel em álcool e insolúvel em solutos orgânicos não-polares. As cargas positivas são responsáveis pela ligação aos locais aniónicos do solo e sedimentos. A forte natureza desta ligação protege o diquat da degradação, limita a sua atividade biológica e diminui a mobilidade no ambiente. Por este motivo a toxicidade para os humanos advém da exposição antes da sua aplicação no solo e ervas daninhas. O diquat é comercializado em solução aquosa, necessitando de diluição aquosa da solução para ser utilizado.

Metabolismo e farmacocinética

i. Absorção e excreção

A via de absorção com maior impacto é a gastrointestinal, quando a administração é oral. A absorção cutânea é pouco significativa, sobretudo através da pele íntegra, e a inalatória pode causar irritação da nasofaringe mas poucos efeitos sistémicos (Charles et al. 1978). A difusão dos compostos químicos através das membranas celulares depende das suas propriedades lipofílicas e hidrofílicas. Perante as características catiónicas do diquat, a sua difusão na fase lipídica da membrana é limitada (Czyzewska 1985). Quando a administração do herbicida é oral, a excreção é maioritariamente fecal (90 a 97%) e 4 a 6% na urina. Por outro lado quando a administração é subcutânea a proporção é inversa (Daniel et al. 1966; Mills 1994).

ii. Distribuição

A concentração sérica do paraquat e diquat é sobreponível nas primeiras 24 h mas o nível sérico do paraquat é superior nas horas seguintes. No estudo anatomopatológico postmortem o diquat tem concentrações teciduais inferiores, excepto na bílis, o que sugere que a captação biliar contribui para a diminuição da concentração sérica e tecidular após a ingestão (Ameno et al. 1994).

O diquat sofre uma metabolização mínima que ocorre sobretudo no fígado. Esta metabolização é mediada pelo citocromo P450 com o aumento da expressão de várias enzimas de fase I e II (Gallagher et al. 1995). Os metabolitos obtidos nos humanos são as formas monopiridona e dipiridona (Fuke et al. 1996). O diquat alimenta o ciclo redox, promovendo a formação de radicais livres responsáveis pela peroxidação lipídica e citotoxicidade. Esta reação ocorre predominantemente no pulmão, fígado, rins e córnea, da qual advêm os efeitos deletérios nos órgãos alvo (Sandy et al 1987; Rikans et al. 1993).

Toxicidade para os humanos

O diquat é menos frequentemente utilizado do que o paraquat e por esse motivo existem poucos casos de intoxicação descritos na literatura, cerca de 40 no período compreendido entre 1960 e 2009 (Jovic-Stosic et al. 2009).

A dose letal de ambos é sobreponível, contudo o diquat é considerado menos tóxico devido ao menor dano pulmonar (Stevens et al. 1991). O LD50 nos humanos é de aproximadamente 3-5 mg/Kg, o que se traduz em 10 a 15ml de uma solução a 20% (Senarathna et al. 2009). A dose letal de toma única é aproximadamente 20ml da solução comercializada, contudo existem preparações que combinam diquat com paraquat cujo volume letal é inferior (Steavens Teare 1976). O modo de ação do diquat não está completamente esclarecido. In vivo os efeitos tóxicos incluem desidratação grave após administração oral e convulsões após administração parentérica. In vitro a molécula do diquat produz radicais livres a nível microssomal (Jones e Vale 2000).

Na intoxicação crónica, a exposição ocupacional de pequenas doses de forma repetida causa lesões na pele e unhas, epistáxis e cataratas (Clark e Hurst 1970; Swan 1969). Apesar da absorção através da pele intacta ser reduzida, pequenas abrasões ou ulcerações cutâneas permitem uma maior absorção com efeitos sistémicos (Vanholder et al. 1981). Na exposição aguda, os sinais e sintomas iniciais dependem da dose e da via de exposição. A toxicidade local está descrita após exposição oral, dérmica, inalatória, oftálmica e vaginal. Conjuntivite e úlceras da córnea surgem com a exposição oftálmica e necrose da mucosa vaginal quando esta é a via de contacto (Cant e Lewis 1968; Swan 1968). Quando a via é oral, os primeiros sintomas são dor da orofaringe, tórax e abdómen devido às suas propriedades corrosivas sobre a mucosa e portanto do surgimento de edema e ulceração da mucosa da boca, faringe, esófago, estômago e intestino. Se a dose ingerida for pequena, estes sintomas podem surgir apenas após 24-48 h (Stephens et al. 1979; Jones e Vale 2000). É frequente ocorrer ulceração hemorrágica da mucosa e o edema da língua e orofaringe pode condicionar a necessidade de entubação orotraqueal para proteção da via aérea (Valiante et al. 1992).

Podem ocorrer hematemeses e hematoquézias, sendo o íleus intestinal característico de vários casos de intoxicação por diquat (Vanholder et al. 1981). Por este motivo, deve ser pesquisada frequentemente a presença de ruídos hidroaéreos abdominais. O íleo paralítico pode ocorrer entre 1 a 4 dias após a ingestão, associado a choque hipovolémico por sequestração de fluidos no terceiro espaço e consequentemente com alta mortalidade.

Após absorção sistémica, o diquat não é seletivamente concentrado no tecido pulmonar como acontece com o paraquat. Em estudos animais o diquat causa lesão ligeira e reversível nos pneumócitos tipo I mas não lesa os pneumócitos tipo II, por este motivo não evolui para fibrose pulmonar progressiva (Lam et al. 1980; Vanholder et al. 1981; Olson 1994). Por outro lado, a pneumonia está frequentemente presente nestes doentes (Vanholder et al. 1981; Vale 2005). Radiologicamente surgem infiltrados pulmonares difusos semelhantes aos da síndrome de dificuldade respiratória aguda associados muitas vezes a insuficiência respiratória com necessidade de ventilação mecânica (Smith e Rose 1977; Im et al. 1991).

Por outro lado, o diquat tem efeitos tóxicos graves sobre o sistema nervoso central (SNC) (McCarthy e Speth 1983; Sechi et al. 1992), o que não é típico com o paraquat (Reigart e Robert 2013). Não está bem esclarecido se os efeitos sobre o SNC são efeitos tóxicos diretos ou secundários a efeitos sistémicos da intoxicação (Vanholder et al. 1981; Olson 1994). Os sinais de neurotoxicidade pelo diquat são então os mais relevantes, incluindo nervosismo e irritabilidade, agitação, desorientação, incapacidade de reconhecer familiares e amigos, hiporreflexia. Os efeitos neurológicos podem evoluir para coma e morte, associados a crises convulsivas, enfarte e hemorragia cerebrais (Jones e Vale 2000; Tominack 2002). Estão descritos casos de enfartes isquémicos e hemorrágicos do tronco cerebral, sobretudo da ponte (Powell et al. 1983; Saeed et al. 2001), após intoxicação por diquat, assim como enfartes isquémicos da cápsula interna (Schonbirn et al. 1971).

Os efeitos neurológicos podem evoluir para coma, acompanhados de convulsões tónicoclónicas, e resultar na morte do paciente. O coma pode desenvolver-se desde as primeiras 18h até 4 dias após a ingestão (Jones e Vale 2000; Tominack et al 2002).

O parkinsonismo deve-se às semelhanças deste composto a MPTP (1-metil-1-4-fenil -1,2,3,6-tetrahidropirimidina) o responsável químico por casos de parkinsonismo induzido por fármacos. Um estudo em modelo animal que revelou a perda de neurónios dopaminérgicos induzido pelo diquat sugere que os efeitos Parkinson-like são possíveis. Os efeitos do diquat nos neurónios dopaminérgicos requerem provavelmente doses elevadas, contudo é possível que haja disrupção da barreira hemato-encefálica pelo herbicida que aumente a captação cerebral do mesmo. Existem casos descritos de parkinsonismo após exposição dérmica ao diquat (Borm et al. 1988; Brooks et al. 1999; Hantson et al. 2000).

O rim é a principal via excretora do diquat absorvido pelo organismo, a lesão renal é portanto uma característica importante da intoxicação. O grau de lesão pode variar de proteinúria transitória, hematúria, piúria até progredir para lesão renal aguda. Esta lesão renal pode surgir desde a primeira hora até 5 dias após a ingestão. Em estudos post-mortem a necrose tubular aguda é a lesão tipicamente identificada (Hantson et al. 2000). A lesão renal aguda está mais relacionada com nefrotoxicidade direta do que com distúrbios hemodinâmicos, podendo ser agravada por estes. A sequestração volémica no intestino pode provocar hipoperfusão renal e agravar a lesão (Mcarthy e Speth 1983; Hantson et al. 2000).

A lesão renal é mais frequente e mais grave com o diquat do que com o paraquat (Mahien et al 1986). O doseamento da creatinina sérica pode ser comprometido pela interação do diquat com o picrato de sódio, o que conduz a valores de ureia e creatinina discrepantes (Schimdt et al 1999).

A alteração da função hepática surge frequentemente, mas na maioria dos casos é ligeira e com remissão espontânea. A elevação das transaminases, fosfatase alcalina e LDH refletem lesão hepática, podendo evoluir para necrose centro-lobular. Pode surgir hiperbilirrubinemia com icterícia (Hargreare et al. 1969; Parkinson 1980; Bismuth et al. 1990).

O coração é também atingido nesta intoxicação. Os efeitos cardiotóxicos do diquat conduzem a arritmias malignas como taquicardia ventricular e fibrilhação ventricular. Observam- se ainda critérios de enfarte agudo do miocárdio com alterações electrocardiográficas sugestivas de isquémia e elevação dos biomarcadores de necrose miocárdica. Este evento surge mesmo em doentes sem doença coronária conhecida nem factores de risco, o que sugere cardiotoxicidade do herbicida. O enfarte agudo do miocárdio é confirmado post-mortem, onde se identificam ainda locais de hemorragia subendocárdica na parede do ventrículo esquerdo e músculo papilar adjacente (McCarthy e Speth 1983; Schmidt et al. 1999; Hantson et al. 2000).

De todas as características descritas, as que se associam a pior prognóstico são a rápida instalação da lesão renal aguda, o íleo intestinal com sequestração de fluidos, complicações pulmonares com necessidade de ventilação mecânica e coma.

Diagnóstico

Os testes colorimétricos são os mais amplamente usados em contexto de emergência. O diagnóstico da intoxicação por diquat é feito quando se obtém a cor verde ao adicionar ditionito de sódio e hidróxido de sódio a uma amostra de urina do doente em causa. Por analogia com o diagnóstico do paraquat, presume- se que quanto maior a intensidade da cor obtida, pior o prognóstico (Proudfoot et al. 1979; Hart at al. 1984). Os níveis do tóxico podem também ser determinados no sangue e urina através de métodos de espectrofotometria, cromatografia e radioimunoensaio (Levitt 1979). Segundo Proudfoot (1989), o aumento da sobrevivência do envenenamento depende simultaneamente de dois fatores: a concentração da substância no plasma e o tempo pós-ingestão. A probabilidade de sobrevida aumenta se a concentração plasmática não ultrapassar os valores de 2.0, 0.6, 0.3, 0.16 e 0.1 mg/L às 4, 6, 10, 16 e 24 h, respetivamente, após a ingestão (Proudfoot et al. 1979).

Tratamento

O tratamento da intoxicação por diquat é semelhante à intoxicação por paraquat e centra- se em três pontos essenciais: prevenção da absorção, rápida excreção do tóxico absorvido e modificação dos efeitos tecidulares.

i. Prevenção da absorção

Esta é sem dúvida a fase mais importante do tratamento. Deve ser feita imediatamente descontaminação da pele e mucosas, nomeadamente irrigação ocular com água abundante, remover todas as roupas e fazer lavagem corporal. A contaminação ocular deve ser avaliada e tratada por um oftalmologista. As lesões cutâneas ligeiras geralmente respondem apenas à descontaminação se não existir contacto prolongado com o agente, podendo contudo levar várias semanas a desaparecer. Lesões mais graves deverão ser avaliadas pelo Dermatologista. Não foi demonstrada eficácia da lavagem gástrica devendo ser realizado apenas quando o doente se apresenta na primeira hora após ingestão. Lavagem gástrica mais tardia aumenta o risco de hemorragia ou mesmo perfuração devido ao traumatismo mecânico sobre tecidos já submetidos a traumatismo químico (Meredith e Vale 1987; Mizutani et al. 1992; Meredith e Vale 1995).

Os agentes adsorventes mais frequentemente utilizados são o carvão ativado, a terra de Fuller, bentonite e sulfato de magnésio. Há vários estudos no sentido de comparar a eficácia adsorvente dos vários compostos, contudo não mostraram diferenças significativas entre a utilização dos três compostos isoladamente. Parece haver no entanto um aumento significativo da sobrevivência (de 65- 70% para 94%) (Graudreault et al. 1985) com a utilização concomitante de carvão ativado e do citrato de magnésio. O carvão ativado é igualmente eficaz, está mais amplamente disponível e tem a vantagem do menor risco de induzir fibrose pulmonar quando acidentalmente aspirado (Honore et al. 1994). Desta forma deverá ser feita lavagem gástrica abundante (3 a 5 L) se for na primeira hora após ingestão e se não se verificar a existência de lesões cáusticas graves do tubo digestivo, seguida da administração de carvão ativado (1 g/kg – máximo 50 g). Este conteúdo deve ser repetido de 3 em 3 ou de 4 em 4 horas durante as primeiras 48 h.

ii. Aumento da excreção do diquat absorvido

O valor clínico da eliminação ativa no tratamento da intoxicação por diquat não é consensual, apesar de habitualmente recomendada independentemente da técnica utilizada (hemodiálise, hemoperfusão, plasmaferese ou diurese forçada (Lheureux et al. 1995). A fluidoterapia endovenosa nas intoxicações (cloreto de sódio isotónico, lactato de Ringer e dextrose 5% em água) deve ser precoce uma vez que permite a correção da desidratação, acelera a excreção do tóxico, reduz a concentração tubular renal do mesmo e corrige a acidose metabólica. Contudo o balanço hídrico deve ser vigiado para evitar sobrecarga de volume, assim como pesquisar regularmente proteínas e células na urina como sinal de necrose tubular aguda iminente.

A diurese forçada é um método simples e de instituição imediata. É mais eficaz nas primeiras horas da intoxicação quando ainda não existe lesão renal aguda e a clearance do tóxico atinge os 200 mL/m3 (Hoffmann e Henningsen 1976). É essencial manter um débito urinário adequado, sendo que o valor alvo mínimo ronda uma diurese de 200 mL/h com balanço hídrico nulo ou positivo (Honore et al. 1994).

Se ocorrer falência renal os fluidos devem ser interrompidos e deve iniciar-se técnicas de substituição renal extracorpórea. A hemodiálise é eficaz quando as doses do tóxico são elevadas e quando a clearance se situa acima dos 70 mL/m3 (Ponce et al. 1986). Quando as doses são baixas, a hemoperfusão é 5 a 7 vezes mais eficaz do que a hemodiálise (Hoffmann e Henningsen 1976). O diquat, por analogia ao paraquat dada a semelhante estrutura, não é adequadamente dialisável devido às suas características: elevado volume de distribuição com maior percentagem intracelular, elevado peso molecular e a ligação às proteínas plasmáticas.

A hemoperfusão é um método capaz de extrair do sangue a maioria das substâncias tóxicas, excepto os metais pesados e monóxido de carbono. Nesta técnica é utilizado um filtro de carbono ou de poliestireno (resina), que substitui o habitual filtro de hemodiálise, onde é adsorvido o tóxico em circulação.

Apesar da concentração plasmática do diquat ser reduzida após hemodiálise ou hemoperfusão, a redistribuição a partir dos tecidos ou da absorção contínua a partir do trato gastrointestinal pode causar elevação dos níveis plasmáticos no período pós-dialítico. Por este motivo é mais adequado utilizar técnicas de substituição renal contínuas (Pond et al. 1987; Koo et al. 2002). A hemoperfusão é mais eficaz na clearance do diquat do que a hemodiálise e a sua utilização nas primeiras 12 horas de intoxicação pode reduzir a mortalidade (Okonek et al. 1976; Okonek et al. 1982; Lheureux et al 1995). Um estudo de hemoperfusão com filtro de carbono num centro de intoxicações por pesticidas demonstrou 50 sobreviventes em 150 pacientes tratados com uma redução da concentração plasmática mais rápida nos sobreviventes (Hong et al. 2003). Os resultados favoráveis não são transversais a todos os estudos, contudo hemoperfusão ou hemodiálise prolongadas, com tratamento contínuo durante 2 a 3 semanas após a ingestão, estão associadas a bons resultados clínicos (Okonek et al. 1976; Okonek et al. 1982). Por este motivo e apesar de existir controvérsia acerca da sua eficácia, na maior parte das vezes é iniciada hemodiálise ou hemoperfusão numa fase precoce após a admissão hospitalar. As complicações da hemoperfusão incluem a hemorragia relacionada com a utilização obrigatória de heparina, hipotensão, diminuição da hemoglobina e plaquetas também relacionada com a heparina não fraccionada e diminuição do cálcio sérico com necessidade de monitorização apertada e reposição.

A plasmaferese é apenas utilizada esporadicamente nestas situações, sendo a sua capacidade depurativa semelhante à da hemoperfusão. Não apresenta alguns dos inconvenientes da hemoperfusão como a destruição plaquetária, a necessidade de anticoagulação e a inutilização do filtro adsorvente pela formação de trombos. Poderá ter algum potencial antioxidante através do plasma fresco de substituição (Ponce et al. 1986).

iii. Modificação dos efeitos tecidulares

No diquat surgem frequentemente convulsões e comportamentos psicóticos que melhor se controlam com lorazepam. O controlo da dor deve ser feito com sulfato de morfina em administrações subcutâneas ou em perfusão contínua endovenosa, consoante a gravidade.

O paraquat e diquat produzem radicais livres de oxigénio lesivos para as células provocando peroxidação lipídica das membranas celulares. É a este nível que se centram as tentativas de minimizar a lesão celular. São vários os fármacos discutidos sobretudo em relação ao paraquat pelo maior número de casos estudados, nomeadamente a desferroxamina, N-acetilcisteína, vitamina E e ácido ascórbico, contudo nenhum deles tem eficácia comprovada sobretudo na intoxicação por diquat (Redetzki et al. 1980; Ponce et al. 1986; Honore et al. 1994; Lheureux et al. 1995).

Os casos de intoxicação grave devem ser admitidos em Unidades de Cuidados Intensivos para uma monitorização adequada e realização, quando necessário, de procedimentos invasivos para monitorização e terapêutica precocemente.

Conclusões

O envenenamento com diquat é muito menos comum do que com o paraquat devido à sua menos frequente utilização. A dose letal é equivalente, contudo o diquat é consideradomenos tóxico por não causar fibrose pulmonar progressiva. Por outro lado, tem efeitos tóxicos sobre o SNC, causando parkinsonismo, convulsões ou mesmo coma. A via de absorção com maior significado é a gastrointestinal, sendo a o rim a principal via excretora. O tratamento centra-se na prevenção da absorção, aumento da excreção do tóxico e modificação dos efeitos tecidulares. A lavagem gástrica após a primeira hora de ingestão aumenta o risco de hemorragia e perfuração. É essencial uma adequada hidratação e diurese. As técnicas de substituição renal extracorpórea contínuas são uma terapêutica eficaz, sobretudo a hemoperfusão que pode reduzir a mortalidade se instituída nas primeiras 12 h.

Bibliografia

1. Ameno K., Fuke C., Shirakawa Y., Ogura S., Ameno S., Kiriu T., Kinoshita H, Ijiri I.. Different distribution of paraquat and diquat in human poisoning cases after ingestion of a combined herbicide. Arch Toxicol. 1994;68(2):134-7.         [ Links ]

2. Bismuth C., Garnier R., Bans F.J., Muszynski J., Keyes C. Paraquat poisoning. An overview of the current status. Drug Saf. 1990;5(4):243-51.         [ Links ]

3. Borm P.J., Van Vliet C. Susceptibility in Parkinson ´s disease. “Of mice and men”. Med Hypotheses. 1988; 27(3):205-7.

4. Brooks A.I., Chadwick C.A., Gelbard H.A., Cory-Slechta D.A., Federoff H.J. Paraquat elicited neurobehavioral syndrome caused by dopaminergic neuron loss. Brain Res. 1999; 823:1-10.         [ Links ]

5. Cant J.S., Lewis D.R. Ocular Damage due to paraquat and diquat. Br Med J. 1968; 2(599):224.         [ Links ]

6. Charles J.M., Abou-Donia M.B., Menzel D.B. Absorption of paraquat and diquat from the airways of perfused rat lung. Toxicology. 1978,8:59-67.         [ Links ]

7. Clark D.G., Hurst E.W. The toxicity of diquat. Brit J Industr Med. 1970 27, 51-55.         [ Links ]

8. Czyzewska K., Knapowski J., Kontek M. Paraquat effect on the bioeletric parameters of thw rabbit small intestine and its in penetration in vitro. Acta Med Pol. 1985;26:13-25.         [ Links ]

9. Daniel J.W., Gage J.C. Absorption and excretion of diquat and paraquat in rats. Brit J Indust Med. 1966;23:131-6.         [ Links ]

10. Fuke C., Ameno K., Ameno S., Kinoshita H., Ijiti I. Detection of two metabolites of diquat in urine and serum of poisoned patients after ingestion of a combined herbicide of paraquat and diquat. Arch Toxicol. 1996;70(8):504-7.         [ Links ]

11. Gallagher E.P., Buetler T.M., Stapleton P.L., Wang C., Stabl D.L., Eaton D.L. The effects of diquat and ciprofibrate on mRNA expression and catalytic activities of hepatic xenobiotic metabolizing with exposure to pesticides, farming, well water and rural living. Neurology. 1995;50(5):1346-50.         [ Links ]

12. Graudreault P., Friedman P.A., Lovejoy F. Efficacy of activated charcoal and magnesium citrate in the treatment of oral paraquat intoxication. Ann Emerg Med. 1985;14(2):123-5.         [ Links ]

13. Hantson P., Wallemacq P., Mahien P. A case of fatal diquat poisoning: toxicokinetic data and autopsy findings. J Toxicol Clin Toxicol. 2000;38(2):149-52.         [ Links ]

14. Hargreare T.B., Gresham G.A., Karayannopoulos S. Paraquat poisoning. Postgrad Med J. 1969;45(527):633-5.         [ Links ]

15. Hart T.B., Nevitt A., Whitehead A. A new statistical approach to prognostic significance of plasma paraquat concentrations. Lancet. 1984;2:1222.         [ Links ]

16. Hoffmann A., Henningsen B. Efficacy of gut lavage, hemodialysis and hemoperfusion in the therapy of paraquat or diquat intoxication. Arch Toxicol. 1976;36(1):43-51.         [ Links ]

17. Hong S.Y., Yang J.O., Lee E.Y., Kim S.H. Effect of haemoperfusion on plasma paraquat concentration in vitro and in vivo. Toxicol Ind Health. 2003; 19:17.         [ Links ]

18. Honore P., Hantson P., Fauville J.P., Peeters A., Manieu P. Paraquat poisoning: State of the art. Acta Clin Belg. 1994;49:220-8.         [ Links ]

19. Howd R. Diquat: Public Health Goals for Chemicals in Drinking Water. California Public Health Goal. 2000.         [ Links ]

20. Im J.G., Lee K.S., Han M.C., Kim S.J., Kim I.O. Paraquat poisoning: findings on chest radiography and CT in 42 patients. AJR Am J Roentgenol. 1991;157:697.         [ Links ]

21. International Programme on chemical Safety (IPCS). Paraquat. INCHEM.org (online). [Consulta 20 de outubro de 2014]. Disponível em: http://www.inchem.org/documents/pims/chemical/pim399.htm.         [ Links ]

22. Jones G.M., Vale J.A. Mechanisms of toxicity, clinical features, and management of diquat poisoning: a review. J Toxicol Clin Toxicol. 2000;38(2):123-8.         [ Links ]

23. Jovic-Stosic J., Babic ´ G., Todorovic ´ V. Fatal diquat intoxication. Vojnosanit Pregl. 2009;66(6):477-481.         [ Links ]

24. Koo J.R., Kim J.C., Yoon J.W., Kim G.H., Jeon R.W., Kim H.J., Chae D.W., Noh J.W. Failure of continous venovenous hemofiltration to prevent death in paraquat poisoning. Am J Kidney Dis. 2002;39:55.         [ Links ]

25. Lam H.F., Azawa J., Gupta B.N, van Stee E.W. A comparison of the effects of paraquat and diquat on lung compliance, lung volume, and single-breath diffusing capacity in the rat. Toxicology. 1980;18:111-23.         [ Links ]

26. Levitt T. Determination of paraquat in clinical practice using radioimmunoassay. Proc Anal Div Chem Soc. 1979;16:72.         [ Links ]

27. Lheureux P., Leduc D., Vaubinst R., Askenasi R. Survival in a case of massive paraquat ingestion. Chest. 1995;107(1):285-9.         [ Links ]

28. Mahien P., Bonduelle Y., Bernard A., De Cabooter A., Gala M., Hassoun A., Koenig J., Lauwerys R. Acute diquat intoxication. Interest of its repetead determination in urine and the evaluation of renal proximal tubule integrity. J Toxicol Clin Toxicol. 1986;24(1):11-20.         [ Links ]

29. McCarthy L.G., Speth C.P. Diquat intoxication. Ann Emerg Med. 1983;12(60):394-6.         [ Links ]

30. Meredith T., Vale J.A. Treatment of paraquat poisoning: gastrointestinal decontamination. In: Paraquat poisoning: Mechanisms, prevention, treatment, Bismuth C, Hall AH (Eds), Series: Drug and Chemical Toxicology, v10, Marcel Decker, New York 1995. P.297.         [ Links ]

31. Meredith T.J., Vale J.A. Treatment of paraquat poisoning in man: methods to prevent absorption. Hum Toxicol 1987;6:49.         [ Links ]

32. Mills I.H. Diquat: Disposition and metabolismo in the rat. ICI study No. CTL/P/214. DPR Vol.226-018#043645.         [ Links ]

33. Mizutani T., Yamashita M., Okubo N., Tanaka M., Naito H. Efficacy of whole bowel irrigation using solutions with or without adsorbent in the removal of paraquat in dogs. Hum Exp Toxicol. 1992;11:495.         [ Links ]

34. Okonek S., Hofmann A., Henningsen B. Efficacy of gut lavage, hemodialysis, and hemoperfusion in the therapy of paraquat or diquat intoxication. Arch Toxicol. 1976;36-43.         [ Links ]

35. Okonek S., Weilemann L.S., Majdandzic J., Setyadharma H., Reinecke H.J., Baldamus C.A., Lohmann J., Bonzel K.E., Thon T. Successful treatment of paraquat poisoning: activated charcoal per os and “continuous hemoperfusion”. J Toxicol Clin Toxicol. 1982;19:807.

36. Olson K.R. Paraquat and diquat. In: Olson K.R., Anderson I.B., Clark R.F., Benowitz N.L., Kearney T.E., Blanc P.D., Osterloh J.D. Poisoning and Drug Overdose, 2nd ed. Norwalk CT: Appelton and Lange,1994, pp.245-6.         [ Links ]

37. Parkinson C. The changing pattern of paraquat poisoning in man. Histopathology. 1980;4(2):171-83.         [ Links ]

38. Ponce P., Lobos A., Bordalo J., Moreira J. Tratamento da intoxicação por paraquat: Plasmaferese vs hemodiálise. Acta Med Port. 1986;7(5-6):193-6.         [ Links ]

39. Pond S.M., Johnston S.C., Schoof D.D., Hampson E.C., Bowles M., Wright D.M., Petrie J.J. Repeated hemoperfusion and continuous arteriovenous hemofiltration in a paraquat poisoned patient. J Toxicol Clin Toxicol. 1987;25:305.         [ Links ]

40. Powell D., Pond S.M., Allen T.B., Portale A.A. Hemoperfusion in a child who ingested diquat and died from pontine infarction and hemorrhage. J Toxicol Clin Toxicol. 1983;20(5):405-20.         [ Links ]

41. Proudfoot A.T., Stewart M.S., Levitt T., Widdop B. Paraquat poisoning: significance of plasma-paraquat concentrations. Lancet. 1979;2:330-2.         [ Links ]

42. Redetzki H., Wood C., Grafton W. Vitamin E and paraquat poisoning. Vet Hum Toxicol. 1980;22(6):395-7.         [ Links ]

43. Reigart J.R., Robert J.R. Paraquat and diquat. In: Recognition and management of Pesticide Poisonings, 6th Ed. U.S. Environmental Protection Agency; 2013. EPA-735-R-98-003, pp 108-17.         [ Links ]

44. Rikans L.E., Cai Y. Diquat-induced oxidative damage in BCNU-pretreated hepatocytes of mature and old rats. Toxicol Appl Pharmacol. 1993;118(2):263-70.         [ Links ]

45. Saeed S.A., Wilks M.F., Coupe M. Acute diquat poisoning with intracerebral bleeding. Postgrad Med J. 2001;77(907):329-32.         [ Links ]

46. Sandy M.S., Moldeus P., Ross D., Smith M.T. Cytotoxicity of the redox cycling compound diquat in isolated hepatocytes: involvement of hydrogen peroxide and transition metals. Arch Biochem Biophys. 1987;259(1):29-37.         [ Links ]

47. Schmidt D.M., Neale J., Olson K.R. Clinical course of a fatal ingestion of diquat. J Toxicol Clin Toxicol. 1999;37(7):881-4.         [ Links ]

48. Schonborn H., Schuster H.P., Kossling F.K. Clinical and morphological findings in an acute oral intoxication with Diquat (Reglone). Arch Toxikol. 1971;27(3):204-16.         [ Links ]

49. Sechi G.P., Agnetti V., Piredda M., Canu M., Deserra F., Omar H.A., Rosati G. Acute and persistente Parkinsonism after use of diquat. Neurology. 1992;42:261-3.         [ Links ]

50. Senarathna L., Eddleston M., Wilk M.F. Woolen B.H., Tomenson J.A., Roberts D.M., Buckley N.A. Prediction of outcome after paraquat poisoning by measurement of the plasma paraquat concentration. Q J Med. 2009;102:251–259.

51. Smith L.L., Rose M.S. A comparison of the effects of paraquat and diquat on the water contente of rat lung and the incorporation of thymidine into lung DNA. Toxicology. 1977;8(2):223-30.         [ Links ]

52. Stephens D.S., Walker D.H., Schaffner W., Kaplowitz L.G., Brashear H.R., Roberts R., Spickard W.A.Jr. Pseudodiphtheria: prominent pharyngeal membrane associated with fatal paraquat ingestion. Ann Intern Arch Intern Med. 1979;139:172.         [ Links ]

53. Stevens J.T., Summer D.D. Herbicides. In: Hayes W.J., Laws E.R., editors. Handbook of Pesticide Toxicology. Classes of Pesticides. San Diego. Academc Press; 1991. P.1343-45.         [ Links ]

54. Stevens Teare R.D. Poisoning by paraquat. Med S Law. 1976;16:9.         [ Links ]

55. Swan A.A. Exposure of spray operators to paraquat. Br J Ind Med. 1969;26:322.         [ Links ]

56. Swan A.A. Ocular damage due paraquat and diquat. Br Med J. 1968;2(605):624.         [ Links ]

57. Tominack T.L., Poud S.M. Herbicides. In: Goldfrank ´s Toxicologic Emergencies. 7th ed. New York: McGraw-Hill; 2002. P.1393-410.         [ Links ]

58. Vale A. Bipiridyl herbicides: mechanisms of toxicity,features and management. Clin Toxicol 2005; 43:426-8.         [ Links ]

59. Valiante F., Farinati F., Dal Santo P., Germanà B., Di Mario F., Nacarato R. Upper gastrointestinal injury caused by diquat. Gastrointest Endosc. 1992;38(2):204.         [ Links ]

60. Vanholder R., Colardyn F., De Reuck J., Praet M., Lameire N., Ringor S. Diquat intoxication: report of two cases and review of literature. Am J Med. 1981;70(6):1267-71.         [ Links ]

 

 

Creative Commons License All the contents of this journal, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution License