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Acta toxicológica argentina

On-line version ISSN 1851-3743

Acta toxicol. argent. vol.26 no.3 Ciudad Autónoma de Buenos Aires Dec. 2018

 

ARTÍCULOS ORIGINALES

Análise do impacto do uso de organofosforados e carbamatos em trabalhadores rurais de um município da região noroeste do estado do Rio Grande do Sul

Impact analysis of the use of organophosphates and carbamates rural workers of the municipality in a northwest region of Rio Grande do Sul

 

Klein, Bianca N.1; Staudt, Keli J.2; Missio, Raquel1; Peruzzi Hammad, Marielli1; Almeida Alves, Izabel1,2*

1Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões. URI Campus Santo Ângelo, Rua: Universidade das Missões, 464, Bairro Universitário, Santo Ângelo, RS, Brasil, CEP 98.802-470. Telefone: (55) 3313-7900. Brasil.

2Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS, Porto Alegre/RS, Brasil.

*izabelalmeidaa@hotmail.com

Recibido: 23 de febrero de 2018.
Aceptado: 6 de noviembre de 2018.


Resumo

Anualmente milhões de agricultores são intoxicados no mundo, e destes, mais de 20 mil morrem em consequência da exposição a agrotóxicos. Intoxicações por organofosforados (OF) e carbamatos (CAR) representam as maiores ameaças à saúde dos trabalhadores rurais. Os OF e CAR atuam na inibição da enzima colinesterase, sendo assim a inibição desta mostra-se um excelente indicador da severidade da intoxicação. O objetivo deste estudo foi analisar o impacto do uso de OF e CAR em trabalhadores rurais na cidade de Mato Queimado/RS. Foi realizado um estudo transversal, prospectivo e experimental. Investigaramse 27 trabalhadores rurais expostos. Foram realizadas coletas sanguíneas e dados epidemiográficos nos meses de fevereiro e março de 2014. A atividade da colinesterase foi determinada através do método bioquímico cinético colorimétrico. A faixa etária média dos participantes foi 34,6 anos (± 8,5). A forma de contato mais prevalente foi a aplicação do produto (88,9%). O tempo médio de exposição foi de 10,7 anos. 70,4% relataram usar equipamentos de proteção individual (EPI), sendo mais frequente o uso de máscara (55,5%). A média dos valores de colinesterase para foi de 3244,45 U/I (± 345,8), níveis estes abaixo dos de referência. Através dos resultados obtidos nesta pesquisa torna-se imprescindível a utilização de meios de monitoramento biológico dos trabalhadores rurais na finalidade de prevenção e promoção da saúde.

Palavras-chave: Inseticidas organofosforados; Carbamatos; Trabalhadores rurais; Colinesterase.

Abstract

Annually millions of rural workers are intoxicated in the world, and of these, more than 20,000 die as a result of exposure to pesticides. Intoxication by insecticides organophosphate (OF) and carbamates (CAR) represent the greatest threats to the health of rural workers. OF CAR and act on the inhibition of cholinesterase enzyme, thus inhibition of this proves to be an excellent indicator of the severity of the intoxication. The objective of this study was to analyze the impact of using OF CAR and in rural workers in the city of Mato Queimado/RS. A cross-sectional, prospective and experimental study was conducted. Twenty-three rural workers exposed were investigated. Sample collection and data demographic were conducted in February and March 2014. The cholinesterase activity was determined by biochemical kinetic colorimetric method. The average age of participants was 34.6 years (± 8.5). The most prevalent form of contact is via the application of the product (88.9%). The mean duration of exposure was 10.7 years. Still, 70.4% reported using personal protective equipment (PPE), more frequent use of mask (55.5%). The average values for cholinesterase was 3244.45 U/l (± 345.8) levels below those of the reference. The results obtained in this study are essential to use biological monitoring means of rural workers in purpose of prevention and health promotion.

Keywords: Insecticides organophosphates; Carbamates; Rural workers; Cholinesterase.


Introdução

A lei federal Nº 7.802/1989 define agrotóxicos como sendo: “Os produtos e agentes de processos físicos, químicos ou biológicos, destinados ao uso nos setores de produção, no armazenamento e beneficiamento de produtos agrícolas, nas pastagens, na proteção das florestas nativas ou implantadas, e de outros ecossistemas e de ambientes urbanos, hídricos e industriais. Com finalidade de preservar a produção da ação danosa de seres vivos considerados nocivos" (Lei federal Nº 7.802/1989). Estima-se que milhões de agricultores são intoxicados anualmente no mundo e destes, mais de 20 mil morrem em consequência da exposição à agrotóxicos, e destes a maioria reside em países ainda em desenvolvimento. Como principais causas desta ocorrência pode-se citar a falta de legislação e de controle do uso adequado destes produtos, associados ao baixo nível de informação dos trabalhadores quanto aos riscos que estão expostos (Pires et al. 2005).

Autoridades de diversos países e principalmente a Organização Mundial da Saúde (OMS) preocupam-se com os inúmeros casos de intoxicações por pesticidas organofosforados (OF) e carbamatos (CAR), destes os OF representam as maiores ameaças para à saúde, devido seu potencial toxicológico e facilidade de exposição (Faria et al. 2004).

O avanço da prática agrícola no Brasil deu-se com o surgimento de novas tecnologias que envolvem a utilização de sementes geneticamente modificadas e insumos industriais como os fertilizantes e os agrotóxicos. A implementação destas técnicas, infelizmente, nem sempre estão acompanhadas por programas de qualificação dos trabalhadores, e como consequência expõem as populações rurais a riscos ocupacionais. Destacam-se os riscos ocupacionais causados pelo uso prolongado de substâncias químicas como os OF e CAR, substâncias estas altamente perigosas que são capazes de produzir desequilíbrios ambientais e diversos problemas à saúde humana (Moreira et al. 2002).

Os OF são ésteres derivados do ácido fosfórico, e altamente lipossolúveis, o que favorece a acumulação destes compostos no organismo (Moreau et al. 2008). Já os CAR são ésteres do ácido carbâmico e apresentam lipossolubilidade (inferior aos OF) e pouca solubilidade em água, são considerados de toxicidade aguda média, não apresentam capacidade de acumulação nos tecidos gordurosos, e sua concentração tende a ser maior nos órgãos envolvidos na sua biotransformação, como por exemplo, o fígado. Por apresentar maior instabilidade que os OF, são menos persistentes no organismo e no meio ambiente, sendo que sua degradação ocorre mais rapidamente (Oda et al. 2008).

A colinesterase é uma enzima com função de catalisar a hidrólise da acetilcolina e outras colinas, regulando a transmissão do impulso nervoso nas sinapses do nervo e na junção neuromuscular. Dois tipos de colinesterase são determinadas: acetilcolinesterase (AChE) e a pseudocolinesterase também conhecida como butirilcolinesterase. Enquanto a acetilcolinesterase é encontrada nas hemácias e terminações de nervos colinérgicos, a pseudocolinesterase encontra-se no plasma, fígado, músculo liso e adipócitos (Strelitz et al. 2014).

A pseudocolinesterase é geralmente utilizada como referência em testes clínicos que refletem os níveis de enzimas no sangue que sofrem quimicamente com a ação de colinesterase, como os OF e CAR. No plasma de humanos a proporção de pseudocolinesterase a acetilcolinesterase é de 1.000: 1. Como as concentrações de acetilcolinesterase no sistema nervoso periférico dificilmente serão realizadas, os valores de pseudocolinesterase servem como substituto de informações para projetar perigos potenciais para saúde humana (Tunsaringkarn et al. 2013).

A cinética da inibição da acetilcolinesterase parece ser dependente de dois fatores: a afinidade pela enzima e a capacidade de fosforilação. A ligação com o OF gera uma enzima estável, fosforilada e não reativa, que em circunstâncias normais pode ser muito pouco reativada, gerando sinais e sintomas prolongados e persistentes, resultando em manifestações do tipo: muscarínicas como, por exemplo, náuseas e vômitos; nicotínicas como taquicardia, midríase e em sistema nervoso central, como quadros de cefaleia e tremores. Os OF são considerados inibidores irreversíveis da AChE (Ecobichon 1996; Cassel et al. 2014).

A fisiopatologia da intoxicação por CAR difere dos OF em um importante aspecto, a inativação temporariamente (reversível) da acetilcolinesterase. A enzima quando carbamilada por CAR é instável e a regeneração da acetilcolinesterase é relativamente rápida, quando comparada com a enzima fosforilada pelos OF. Assim, os praguicidas CAR são menos perigosos em relação à exposição humana do que os OF (Silva 2005).

Os sinais de toxicidade podem ocorrer por três reações: estimulação dos receptores muscarínicos do sistema nervoso parassimpático autônomo; estimulação e subsequente obstrução dos receptores nicotínicos; e, efeitos à nível de sistema nervoso central (Ecobichon 1996).

A colinesterase atua no sítio aniônico e estearásico e pela força de Van der Waals, sobre as moléculas de acetilcolina, dando lugar ao complexo enzima-substrato. Pertencentes ao grupo das enzimas β-estearases, que reagem com os compostos OF ficando firmemente ligadas e em alguns casos até mesmo irreversivelmente fosforilada (Oga et al. 2008).

A colinesterase responsável pela hidrólise e destruição da acetilcolina, quando inibida dá lugar a um complexo enzima-substrato que reage fortemente com as substâncias OF e CAR. Sendo assim, a inibição da colinesterase plasmática mostra-se um excelente indicador da severidade da intoxicação por OF e CAR (Almeida 1986).

Tendo ciência deste cenário mundial em que a agricultura caminha, é necessário analisar o impacto do uso dos agrotóxicos por trabalhadores rurais da região noroeste do estado do Rio Grande do Sul. O município de Mato Queimado, situado na região noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, tem sua economia alicerçada no setor primário, voltado principalmente para o cultivo da soja. Possui uma área territorial de 113,95 Km², e sua população é de 2.022 habitantes, sendo que destes, os constituintes rurais predominam com 1.686, correspondendo a 83 % da população.

Tendo em vista que para a produção de grãos sadios, hoje em dia tornou-se praticamente indispensável à aplicação de OF e CAR nas cultivares, o que leva a exposição aos agrotóxicos os trabalhadores deste setor. Diante da demanda crescente da produção de alimentos a nível mundial, e consequentemente a utilização indiscriminada de produtos que favoreçam o aumento desta produção, o município de Mato Queimado enquadra-se perfeitamente na tendência global, quanto à utilização de OF e CAR nas lavouras. Visando a saúde do trabalhador rural o presente trabalho avaliou a exposição/ intoxicação de um grupo de trabalhadores rurais frente a agentes anticolinesterásicos (OF e CAR), por meio da diminuição das atividades colinesterásicas plasmáticas, verificando ainda a possível influência de alguns indicadores socioeconômicos e de utilização de agrotóxicos sobre a incidência das intoxicações.

Sendo assim, analisou-se o impacto do uso de inseticidas organofosforados e carbamatos em 27 trabalhadores rurais na cidade de Mato Queimado entre os meses de fevereiro e março de 2014 na região noroeste do estado do Rio Grande do Sul.

Materiais e métodos

Amostra

Os trabalhadores foram contatados a partir do registro dos trabalhadores rurais na EMATER (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural) da cidade de Mato Queimado/RS. Todos os trabalhadores foram convidados à participar da pesquisa momentos antes da coleta. Sendo assim, a amostra foi composta por 27 agricultores do município que apresentavam exposição aos compostos OF e CAR em suas atividades ocupacionais. Como grupo controle negativo foram coletadas amostras de 27 voluntários homens da cidade de Santo Ângelo/RS, que não tinham contato direto com agrotóxicos. Como critérios de inclusão, participaram desta pesquisa trabalhadores rurais, do sexo masculino, residentes do município de Mato Queimado/ RS que apresentaram exposição aos compostos OF e CAR em algum momento de sua atividade ocupacional.

Foram excluídos desta pesquisa, indivíduos que não atendiam aos critérios de inclusão citados à cima.

Coleta

Realizaram-se coletas de material biológico (sangue) e coletas de dados epidemográficos através da aplicação de um questionário (ANEXO A) entre os meses de fevereiro de 2014 e março de 2014. O período de coleta compreendeu os meses de aplicação dos produtos na lavoura.

Cada tubo de coleta foi etiquetado com um código correspondente a cada indivíduo, para resguardar o anonimato dos mesmos.

As amostras foram centrifugadas a uma rotação de 5.000 rpm por 10 minutos, seguido da separação do plasma e acondicionamento à -4 ºC no laboratório de bioquímica da instituição onde realizou-se as análises.

Dosagem da colinesterase

A dosagem da colinesterase plasmática trata- se de um método enzimático colorimétrico, realizado em um analisador bioquímico semi -automático, modelo BIO-2000, produzido pelo fabricante Bioplus Produtos PA de São Paulo/ Brasil.

O método baseia-se na determinação da atividade da enzima de Colinesterase. Sobre a ação catalítica de Colinesterase, a butiriltiocolina é hidrolisado em tiocolina e butirato:

A tiocolina reduz o hexacianoferrato (III), amarelo, em hexacianoferrato (II), incolor. O decréscimo da absorbância é medido a 405 nm.

Quanto às condições da reação e leitura, o comprimento de onda utilizado foi de 405 nm, temperatura da reação 37 ºC, volume de amostra pipetado 10 μl, sendo que o volume final da reação corresponde a 1,51 mL.

Para a dosagem da colinesterase, seguiu-se o protocolo especificado pelo kit utilizado da Colinesterase AA (Wiener lab., Rosário, Arg). Para execução da técnica, se pré-incubou o reagente B (iodeto de S-butiriltiocolina IBTC) (previamente reconstituído) à temperatura de 37ºC durante alguns minutos. Em uma cubeta termostatizada adicionou-se 10 μL da amostra (soro) e os seguintes reagentes: 1,2 mL do reagente A (ácido 5,5-ditiobis-2-nitrobenzioco DTNB) em tampão fosfato reconstituído, e 0,3 mL do reagente B já pré-incubado. Feita uma rápida homogeneização, procedeu-se a leitura no equipamento BIO-2000.

Para garantir a qualidade das análises foram realizadas dosagens de um material de controle (Standatrol S-E 2 niveles), com atividades conhecidas de colinesterase, em cada determinação.

Quanto aos valores de referência, seguiu-se o protocolo especificado pela bula do kit utilizado, sendo que estes valores a uma temperatura de 37 ºC, para homens correspondem a: 4400- 11700 U/I.

Análise estatística dos dados

A organização e as análises estatísticas dos dados foram realizadas utilizando o Microsoft Office Excel 2007 do Windows 7.

Aspectos éticos

Este estudo foi submetido ao Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões - URI (CAAE 30220514.6.0000.5354). Todos os indivíduos foram esclarecidos quanto à realização da pesquisa e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Resultados

Procedeu-se a coleta de material biológico/sangue e a aplicação do questionário em 27 trabalhadores rurais do município de Mato Queimado, do sexo masculino, sendo que a faixa de idade dos pacientes envolvidos no estudo foi de 22 a 50 anos com média de 34,59 anos (± 8,50). Através da aplicação do questionário foi possível observar os padrões de exposição dos trabalhadores rurais aos agrotóxicos OF e CAR. O tempo de exposição aos OF e CAR nos trabalhadores rurais, variou de 2 a 20 anos, com média de 10,7 anos (± 5,5).

Dos indivíduos entrevistados, 100% (27) relataram ter contato com OF e/ou CAR em algum momento de sua atividade ocupacional. Quanto às formas de contato com agrotóxicos, observou- se que: 81,5% (22/27) dos indivíduos relataram ter contato com tais substâncias no preparo do produto, 88,9% (24/27) na aplicação do produto, 33,3% (9/27) na supervisão da aplicação na lavoura, 40,7% (11/27) no armazenamento destes agentes químicos, 11,1% (3/27) indivíduos no descarte das embalagens, e 7,4% (2/27) na limpeza e manutenção dos equipamentos.

Quanto ao tempo de exposição, observou-se que a maior incidência correspondeu à faixa de 5 a 10 anos (Figura 1).


Figura 1. Tempo de exposição a OF e CAR dos produtores rurais do município de Mato Queimado.

A Tabela 1 apresenta o número de indivíduos que utilizaram equipamentos de proteção individual (EPI), quais são estes equipamentos e às medidas de proteções gerais usadas. Dos indivíduos entrevistados, 27 (100 %) afirmaram que nunca necessitaram de atendimento médico hospitalar devido a quadros de intoxicação por tais substâncias, mas relataram apresentar alguns sintomas em decorrência do uso destes produtos, sendo os mesmos expostos na Tabela 2.

Tabela 1. Relação do uso de EPIs de segurança apresentada pelos trabalhadores rurais.

Tabela 2. Relação de indivíduos que já precisaram de atendimento médico-hospitalar devido intoxicação por OF e CAR, e a sintomatologia.

Procedeu-se a dosagem da atividade da colinesterase. A média dos valores de colinesterase foi de 3244,45 U/I (± 345,8) com variação de 2450 U/I a 3650 U/I, o que demonstrou dosagens significativamente baixas, quando comparados com os valores de referência preconizados 4400 a 11700 U/I.

Como grupo controle negativo, foram incluídas neste estudo, seis amostras biológicas de homens que relataram não ter contato com compostos químicos como OF e CAR. A faixa de idade variou de 24 a 61 anos, com uma média de 49,2 anos (± 14,6). A média dos valores de colinesterase foi de 9906 U/I (± 31,9) com variação de 9638 U/I a 12849 U/I. O que demonstra que estes parâmetros encontrados no grupo controle negativo, estão dentro dos limites de referência preconizados pelo kit comercial (4400 a 11700 U/I). Através do teste t de Student, p=0,04, foi possível comparar os valores de colinesterase plasmática do grupo controle com grupo dos trabalhadores expostos.

Discussão

O efeito dos agrotóxicos sobre a saúde humana se dá, sobretudo pela contaminação de trabalhadores que lidam diretamente com o manuseio do produto bem como sua aplicação (Soares et al. 2003). Ainda segundo este, os mais atingidos pela contaminação seriam os trabalhadores rurais responsáveis pela aplicação do produto do que os consumidores de alimentos. Sabe-se que dentre os diversos tipos de inseticidas aqueles responsáveis pelo maior número de intoxicações são os compostos OF e CAR.

Os dados coletados através da aplicação do questionário evidenciaram que o trabalho agrícola no município de Mato Queimado/RS é realizado por homens jovens, com idade que varia entre 22 a 50 anos, com média de idade de 34,59 anos (± 8,41). Sendo que destes, a maioria 44,44 % dos indivíduos expressaram como tempo de exposição à OF e CAR de 5 a 10 anos, o que evidencia que muitos destes indivíduos já entraram em contato com tais substâncias ainda quando adolescentes. Fato este também observado em estudo semelhante realizado na cidade de Guanajuato no México, onde dos 87 trabalhadores expostos à OFs (33,6 %) apresentaram como tempo de exposição de 5 a 10 anos (Nava et al. 1999).

Na avaliação da atividade da colinesterase no grupo dos trabalhadores rurais, ou seja, aqueles indivíduos expostos aos OF e CAR em suas atividades ocupacionais, 27 indivíduos (100%) apresentaram determinado grau de intoxicação por tais compostos. Para estes, a dosagem da colinesterase variou de 2450 UI/ml a 3650 UI/ ml, com uma média 3244,44 UI/ml. Já no grupo controle negativo, ou seja, aqueles indivíduos que declarara não terem entrado em contato com substâncias tais como OF e CAR em suas atividades ocupacionais, a dosagem da colinesterase expressou valores de atividade dentro dos limites preconizados pelo teste. Para estes a atividade da colinesterase quando dosada apresentou limites entre 9638 UI/ml a 12849 UI/ ml, com uma média 9906 UI/ml (± 31,92).

Observa-se que os valores da colinesterase obtidos no grupo exposto aos OF e CAR, possui valor significativamente baixo, o que caracteriza atividade enzimática baixa e confere a estes determinado grau de intoxicação por esses compostos. Fato este que foi também observado em um estudo desenvolvido pela Universidade Federal do Ceará no ano de 2007, onde os níveis da colinesterase também mostraramse alterados com valores abaixo da referência (Chaves 2007).

Na literatura é possível encontrar publicações como no estudo de Nava e colaboradores demonstram, assim como o presente estudo, que o uso de OF e CAR reduz significativamente os níveis da colinesterase (Nava et al. 1999). Como é o caso de um estudo desenvolvido no Estado de Minas Gerais, pela Fundação Jorge Duprat Figueiredo, entre os anos de 1991 a 2000, onde 1.064 amostras biológicas foram coletadas em trabalhadores rurais para dosagem da colinesterase e observação da intoxicação por agrotóxicos dos grupos OF e CAR. Destes, aproximadamente 50,3% dos indivíduos se encontrava ao menos moderadamente intoxicado (Soares et al. 2003).

O presente estudo também evidenciou que dos 27 trabalhadores rurais entrevistados, todos relataram entrar em contato com OF e CAR em suas atividades ocupacionais. As formas de contato evidenciadas foram através da aplicação do produto (88,9%), no preparo do produto (81,5%), armazenamento do produto (40,7%), na supervisão das lavouras (33,3%), descarte das embalagens (11,1%) e na limpeza e manutenção dos equipamentos (7,4%).

Sabe-se que os OF e CAR possuem características lipofílicas e, por conseguinte apresentam facilidade em ultrapassar as membranas da pele, do trato gastrointestinal e das células pulmonares. A principal via de penetração dos OF e CAR que causa intoxicações ocupacionais é a absorção cutânea, entretanto no momento da aplicação e no preparo do produto, facilmente esses compostos foram aerossóis, e assim a inalação destes compostos é facilitada (Kundsen et al. 2007; Moreau et al. 2008). Correlacionando com os dados apresentados pelo presente estudo, o elevado número de trabalhadores que se expõe através do manuseio direto (aplicação e preparo do produto) com as reduzidas dosagens da colinesterase.

Assim como no presente estudo em que a forma de contato mais prevalente foi na aplicação do produto, um estudo desenvolvido no México comporta-se de maneira semelhante. Onde a principal via de contaminação para com OF e CAR apresentada se dá pela via respiratória (46,2%), seguida pela combinação da via respiratória mais a dérmica (38,4%), sendo que a situação mais frequente de intoxicação apresentou- se durante o manuseio direto com o produto nas atividades ocupacionais (61,5%) (Nava et al. 1999).

Pesticidas OF são inibidores da colinesterase, sendo extensivamente utilizados na agricultura. A inibição da colinesterase é um meio de monitorar a exposição aos OF (Tunsaringkarn et al. 2013). A inibição da AChE por compostos OF é bem conhecida e desencadeia um acúmulo endógeno de acetilcolina responsável pela toxicidade do sistema nervoso autônomo (Kundsen et al. 2007).

A cinética da inibição da acetilcolinesterase parece ser dependente de dois fatores: a afinidade pela enzima e a capacidade de fosforilação. A ligação com o OF gera uma enzima estável, fosforilada e não reativa, que em circunstâncias normais pode ser muito pouco reativada, gerando sinais e sintomas prolongados e persistentes, que irão requerer uma intervenção medicamentosa. Devido a esta razão os OF são considerados inibidores irreversíveis da AChE (Ecobichon 1996; Kaur et al. 2014).

Embora os OF e CAR produzam sinais e sintomas agudos semelhantes, usualmente a toxicidade dos CAR tem menor intensidade de duração do que os OF. Ainda, os OF são altamente lipossolúveis e depositam-se nos tecidos adiposos, podendo se redistribuir para a circulação agravando o quadro agudo (Oga 2008).

Quanto à sintomatologia apresentada, o indivíduo pode desenvolver; miose intensa (pupila puntiforme), bradicardia, hipotensão, taquicardia, arritmias, opressão torácica, dispneia, edema pulmonar, insuficiência respiratória aguda, irritação das mucosas, cefaleia, tonturas, desconforto, agitação, ansiedade, tremores, dificuldade para se concentrar, visão turva, náuseas, vômito, cólicas, incontinência urinaria e diarreia (Oga et al. 2008; Paudyal 2008).

Através do desenvolvimento deste estudo, pode- se perceber que os indivíduos que mesmo com a longa exposição aos agrotóxicos e limites da colinesterase apresentarem-se significativamente baixos, estes não relatam sintomas de intoxicações. Segundo Soares (2003), isto é possível ocorrer em pessoas com exposição sistemática a inseticidas OF, porém podem facilmente simular outras patologias que podem ser confundidas com outras enfermidades (Soares 2003). Os agricultores entrevistados neste estudo relataram que os sintomas mais observados após contato com OF e CAR seriam: irritação dos olhos, seguidos por cansaço e quadro de cefaleia.

Quanto ao uso de equipamentos de proteção individual, encontramos uma divergência em relação ao estudo, pois 70,4% dos indivíduos afirmaram utilizar EPIs de segurança, enquanto que 29,6% afirmaram que não utilizaram nenhum tipo de EPI.

Este dado também foi observado em um estudo semelhante desenvolvido na cidade de Botucatu, São Paulo em uma empresa de citros. Onde dos 24 indivíduos incluídos na pesquisa, todos usavam EPIs de segurança, mesmo assim a atividade da colinesterase quando dosada apresentou limites abaixo daquele preconizado pela referência, bem como as demais sintomatologias apresentadas neste estudo em questão (Brega et al. 1998).

O fato de 70,4% do grupo pesquisado afirmar que usaram EPIs de segurança, e mesmo assim os resultados da colinesterase dar significativamente baixo pode ser explicado devido ao fato de que muitos destes agricultores se envolvem na manipulação e preparo do produto, desde a limpeza e o descarte destas embalagens, sendo que em alguns destes procedimentos, o indivíduo pode estar desprotegido, sem o uso do EPIs como é o recomendado.

Além do mais, observamos que através do questionário apenas 4 indivíduos (14,81%) afirmaram usar macacão apropriado para aplicação do inseticida, o que impossibilita que tais compostos atravessam a pele, sabemos que tais substâncias são altamente lipofílicas, como é o caso dos OF (Oga et al. 2008; Tunsaringkarn et al. 2013; Kaur et al. 2014).

Isso leva a crer que os sistemas de informação sobre o emprego seguro e correto dos agrotóxicos são precários. Este detalhe faz com que a maioria dos indivíduos tenha contato com os pesticidas através da via dérmica, não usando proteção adequada para aplicar ou misturar tais formulações.

Dos EPIs, o mais utilizado foi a máscara com 55,5% de adesão entre os indivíduos, seguidos de luvas com 51,8%, botas com 33,3%, óculos com 22,2%, e macacão com 14,8% de adesão. E das medidas de proteção geral 70,4% indivíduos realizam higienização após contato com OF e CAR, 59,2% realizam a observação dos ventos antes da aplicação do composto e apenas 11,1% dispõem de cabine no trator.

Salienta-se também, que o fato de o questionário ter sido livremente respondido pelos participantes desta pesquisa, o mesmo pode ter fornecido respostas tendenciosas sobre o mesmo. O que justificaria os 70,4% dos participantes relatarem o uso de EPIs, entretanto o que foi observado nos resultados da redução da colinesterase demonstra a falha na proteção individual.

Outro parâmetro que foi observado com a aplicação do questionário, e que pode ser um fator importante na explicação dos reduzidos níveis de colinesterase nos trabalhadores rurais, diz respeito ao tempo prolongado de exposição dos entrevistados, e os efeitos cumulativos que estas substâncias provocam no organismo (Mwila et al. 2013). Onde 44,4% afirmam ter de 5 a 10 anos de exposição com tais substâncias. Este trabalho confirmou o alto grau de toxicidade dos compostos OF e CAR, pois os trabalhadores rurais do município de Mato Queimado/ RS expostos a estes agentes químicos desenvolveram baixa da atividade enzimática da colinesterase. Fato este que se deve à fosforilação do ingrediente ativo e a consequente inibição da acetilcolinesterase (AChE), que impede a ativação da acetilcolina nas sinapses nervosas. (Moreau et al. 2008).

Efeitos muscarínicos e nicotínicos foram observados, embora alguns trabalhadores afirmarem que não sentem nenhum desconforto após aplicação destes produtos em suas atividades ocupacionais ou que nunca precisou de atendimento médico para tais efeitos (Tabela 2). É importante salientar que os sintomas da intoxicação por organofosforados e carbamatos são muito fáceis de confundir com outras condições clínicas menores pelos pacientes, mascarando a intoxicação e prejudicando a busca por atendimento. Além disso, Mato Queimado é um município pequeno com 1700 habitantes, e embora não possua hospital e unidades básicas de saúde, conta com assistência médica da cidade vizinha, com 5 km apenas de distância, que conta com um hospital de pequeno porte e três unidades básicas de saúde.

Conclusão

Foi observado elevado índice de toxicidade destes compostos, sendo que das 27 amostras coletas, todas apresentaram redução significativa da colinesterase, indicando assim determinado grau de intoxicação para com tais substâncias. Pelo total de agrotóxicos utilizados no Brasil, algumas culturas agrícolas merecem atenção, devido esses produtos serem aplicados intensivamente por unidade de área cultivada, além disso, por essas culturas ocuparem extensas áreas no país e na região sul do país, como é o caso da cultura de soja.

O presente estudo pode caracterizar os aspectos da exposição ocupacional aos agrotóxicos no contexto da agricultura da cidade de Mato Queimado na região noroeste do Rio Grande do sul. Sendo este um município que tem sua economia totalmente alicerçada no setor primário, no cultivo e produção de grãos, estes agricultores expressam forte relação com as substâncias OF e CAR, consequentemente desenvolveram a redução da colinesterase, o que expressa a estes determinados graus de intoxicação por tais compostos.

A inibição da atividade da enzima mostra-se um excelente indicador da severidade da intoxicação por OF e CAR. Tais dosagens mostram-se importantes, uma vez que ao ser notado uma diminuição relativamente pequena da colinesterase, o trabalhador deve ser removido da exposição. A redução da colinesterase no plasma pode permanecer por trinta dias, e o da colinesterase dos eritrócitos por 90 dias após o último contato com o produto e a possível exposição. Através dos resultados obtidos nesta pesquisa torna-se imperativo a utilização de meios de monitoramento biológico destes trabalhadores com a finalidade de prevenção e promoção da saúde. Sendo assim, os trabalhadores rurais do município de Mato Queimado/RS apresentam risco ocupacional aos agrotóxicos com agravo à saúde, como demonstrado pela dosagem de biomarcadores.

Bibliografia citada

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Anexo A - questionário epidemiográfico


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