Introdugao
Os avanzos nas pesquisas de medicamentos, em conjunto com sua promogao comercial, criaram uma excessiva crenga da sociedade em relagao ao poder desses agentes. O desenvolvimento tecnológico e a sua efetividade fez com que esses produtos alcangassem papel central na terapéutica clínica. Pode-se afirmar que, os medicamentos ocupam posigao de principal tecnologia empregada na área da saúde (Pontes Junior etal. 2008). Entretanto, embora sejam formulados para prevenir, minimizar e/ou curar enfermidades, os produtos farmacéuticos podem produzir efeitos adversos, os quais podem resultar em graves consequéncias a saúde humana (Baniasadi et al. 2014; Sousa et al. 2018). Diante do fato, uma crescente atengao tem sido dada aos temas relacionados com a seguranga dos pacientes. Diversos países tém estudado o assunto na tentativa de definir estra-tégias que aumentem a eficácia dos fármacos e reduzam seus riscos (Bordet et al. 2001; Antoñan-zas 2002; Beijer e Blaey 2002). Nesse contexto, surge a necessidade do desenvolvimento de métodos epidemiológicos de vigilancia e seguranga do uso de medicamentos. Emerge entao, a partir da década de 1960 a chamada farmacoepide-miologia, definida como a aplicagao de métodos e raciocínios epidemiológicos sobre os efeitos benéficos e adversos do uso de medicamentos em populagoes humanas (Botelho e Reis 2015). Esta ciéncia foi inicialmente subdividida em duas grandes subáreas: Estudos de Utilizagao de Medicamentos (EUMs) e farmacovigilancia. No entanto, o seu gradativo aprimoramento ao longo dos anos, resultou na necessidade da aplicagao do fator económico ao processo farmacológico, surgindo assim uma terceira vertente: a farma-coeconomia (Moscou et al. 2016).
Para a incorporagao de legislagao específica e aplicagao da farmacoepidemiologia e suas verten-tes, ocorreram alguns eventos trágicos referente ao de uso de medicamentos. Em 1930, o solvente orgánico dietilenoglicol foi utilizado em um xaro-pe de sulfanilamida e culminou na mortalidade por envenenamento de 105 pessoas nos Estados Unidos. Posteriormente, o Congresso americano aprovou em 1938 uma lei federal de alimentos, medicamentos e cosméticos devido ao aciden-te de saúde pública vinculada ao dietilenoglicol (Melo et al. 2006; WHO 2006; Jahan et al. 2017) Já em 1960, a Food and Drug Administration (FDA), iniciou a coleta de notificagoes de reagoes adversas a medicamentos e financiou o primeiro programa hospitalar de monitoramento intensivo de fármacos. O ano de 1961 foi marcado pelo desastre teratogénico da talidomida que culminou na sensibilidade internacional do potencial tóxico de produtos farmacéuticos e da necessidade de regulamentagao para evitar o uso de compostos prejudiciais (Ortega e Domínguez-Gil 2000; Moro e Invernizzi 2017). Estudos epidemiológicos estabeleceram a relagao do fármaco a defeitos congénitos graves em milhares de bebés. Na Inglaterra, este acontecimento levou a criagao do “Comitee on Safety of Medicine”. Posteriormente, a Organizagao Mundial da Saúde estabeleceu um Centro de Monitorizagao de fármacos de abran-géncia mundial (Moscou et al. 2016; Newbronner et al. 2017). Nas décadas de 1980 e 1990 ocorreu uma série de eventos de reagoes adversas graves. Respondendo a esses problemas, foi criada nos Estados Unidos a “Joint Comission on Prescription
Drug Use” e, na Ingaterra, a “The Drug Research Trust” (Kongkaew et al. 2008).
No Brasil, sobretudo em decorréncia dos maleficios oriundos do uso indiscriminado da talidomida foi criada em 1997 uma legislagao especifica sobre a produgao e comercializado desse fármaco, regida pela Agencia Nacional de Vigilancia Sani-tária (ANVISA) - portaria número 354 - SVS/MS. Posteriormente, foram elaboradas também pela ANVISA uma resolugao e duas portarias que abar-cam o controle da talidomida. A portaria número 344 - SVS/MS que dispoe sobre o regulamento técnico de substancias e medicamentos sujeitos a controle especial. Já a resolugao RDC número 11 de 2011 apresenta sobre o controle da talidomida e do medicamento que a contenha, e a RDC número 50 de 2015 as indicagSes previstas para o tratamento com essa substancia Ministerio da Saúde 1998; ANVISA 2011 a y b.
A partir do fato ocorrido, o processo de regulagao de medicamentos se tornou mais criterioso no pais. Em 1999 é promulgada a Lei n° 9.782 que define o Sistema Nacional de Vigilancia Sanitária, atribuindo a ANVISA a competencia de estabelecer, coordenar e monitorar os sistemas de vigilancia toxicológica e farmacológica no pais. No ano de 2000, outra tragédia ocorreu na associagao com tratamento da leishmaniose, o antimoniato de meglumina causou 300 reagoes adversas locais sérias, algumas tendo por resultado a morte dos pacientes. Esse fato somente reforgou a iniciativa do desenvolvimento de processos de monitori-zagao de medicamentos no Brasil. E em 2001 é instituido o Centro Nacional de Monitorizagao de Medicamentos (CNMM), sediado na Unidade de farmacovigilancia da ANVISA (Galvao et al. 2014; Mota et al. 2018; Souza et al. 2018) e neste mesmo ano o Brasil passou a ser membro oficial no Programa Internacional de Monitoramento de Medicamentos (Mello et al. 2008).
Além da farmacoepidemiologia e suas verten-tes, outra área também vem ganhando destaque referente efeitos adversos de medicamentos, a ecofarmacovigilancia. A ecofarmacovigilancia é descrita por Holm e colaboradores (2013) como a ciencia relacionada a detecgao, avaliagao e o conhecimento de fármacos no ambiente. Essa ciencia se apresenta como um novo conceito que ainda nao apresenta regulamentagao (Holm et al. 2013) que abrange o desenvolvimento e design de medicamentos levando em conta a questao ambiental, educagao pela populagao do uso racional desses compostos e práticas de prescrigao mais adequadas (Velo e Moretti 2010; Wang et al. 2015)
Essa abordagem apresenta uma relagao com a presenga de produtos farmacéuticos no ambiente, que geralmente sao detectados em baixas concentragoes, e apresentam potenciais efei-tos negativos para a biota. (Mostofa et al. 2013). Existem algumas vias de entrada no ambiente de medicamentos no ambiente, uma delas está associada a excregao desses compostos e que nao sao completamente removidos nas estagSes de tratamento de esgoto (Heberer 2002; Bila e Dezotti 2003) e por consequencia resultam na contaminagao ambiental. Há também os residuos das indústrias farmacéuticas que também corroboram para a insergao de medicamentos no ambiente (Medhi e Sewal 2012). E uma outra via está relacionada ao descarte inadequado de medicamentos vencidos ou fora de uso que co-mumente é feito através do lixo comum ou em pias e vasos sanitários (Tong et al. 2011; Quadra et al. 2019).
Sendo assim, diante da necessidade da cons-cientizagao de que os estudos de farmacoepi-demiologia e da suas vertentes, bem como a ecofarmacovigilancia sao imprescindiveis para a detecgao, análise e solugao dos problemas ad-vindos do uso inadequado de medicamentos e sua relagao com o ambiente, este levantamento sistemático tem por objetivo descrever o cenário cientifico atual de pesquisas farmacoepidemio-lógicas realizadas no Brasil desde o aprofunda-mento da discussao temática iniciada, sobretudo em 2001, com a criagao do Centro Nacional de Monitorizagao de Medicamentos até os dias atuais e para os estudos da ecofarmacovigilan-cia desde 2007 quando foi descrita pela primeira vez. O estudo almeja ainda analisar o cenário de distribuigao de pesquisas entre os estados brasileiros; a evolugao de estudos no que tange aos principais grupos de riscos citados; princi-pais grupos de medicamentos; assim como as principais temáticas discutidas entre os artigos, no que se refere ao contexto da farmacoecono-mia, farmacovigilancia, ecofarmacovigilancia e estudos da utilizagao de medicamentos no Brasil.
Materials e métodos
Modelo conceitual de hipóteses Foi estabelecido um modelo conceitual de hipóteses cuja temática envolveu a evolugao de pesquisas em farmacoeconomia, farmacovigilancia e estudo da utilizagao de medicamentos no Brasil em relagao ao cenário internacional. As hipóteses abrangeram a seguinte questao problema: A farmacoepidemiologia e a ecofarmacovigilancia tem sido inserida no ambito sanitário/ambiental, desde sua inclusao no cenário brasileiro? Diante disso, foram estabelecidas as seguintes hipóteses: (i) a farmacoepidemiologia evoluiu satisfatoriamente no cenário brasileiro desde a criagao do Centro Nacional de Monitorizagao de Medicamentos, no ano de 2001; (ii) a farmacoepidemiologia tem tido sucesso como ferramenta de gerenciamento sanitário no Brasil; (iii) estudos na área de ecofar-macovigiláncia estao sendo realizados no Brasil.
Estratégias de pesquisa
Este estudo consistiu em uma revisao sistemática limitada a artigos cujas pesquisas farmacoepide-miológicas e da ecofarmacovigiláncia que foram realizadas no Brasil, entre os anos de 2001 e 2019, e publicados em revistas com fator de impacto como indicativo de qualidade. As pesquisas bibliográficas foram realizadas a partir dos bancos de dados PubMed, MEDLINE, Lilacs e SciELO. Foram exclusos da sistematizagao trabalhos que citaram a farmacoepidemiologia em estudos cujo modelo experimental nao fosse o humano, e cujo foco central se distinguiu quanto a correlagao da farmacoepidemiologia nos seus aspectos: económico, de vigiláncias sanitária, ambiental e estudo da utilizagao de medicamentos.
Foram selecionados para a análise, artigos cujo título, resumo e/ou corpo do texto necessaria-mente apresentassem descritores propostos pela biblioteca virtual em saúde, nos idiomas portugués, ingles e espanhol. Os descritores utilizados foram sistematizados nos respectivos campos de busca dos bancos de dados supracitados da seguinte forma: “Farmacoepidemiologia” AND “Farmacovigiláncia”; “Farmacoepidemiologia” AND “Farmacoeconomia”; “Farmacoepidemio-logia” AND “Estudo da utilizagao de medicamentos” “Ecofarmacovigiláncia”
Resultados
Com base nos critérios de busca previamente descritos foi obtido, entre os anos de 2001 e 2019, um total de 7.606 publicagoes internacional e nacionais. Estas publicagoes abordaram o contexto da farmacoepidemiologia em suas trés vertentes, de forma conjunta ou individualizada. Do total de 7.606 publicagoes, 31 (4,18%) foram realizadas no Brasil. Após a aplicagao de critérios de qualidade na área das ciéncias farmacéuticas foi obtida uma amostragem final de 144 publicagoes (Figura 1).
Analisando-se as metodologías empregadas entre os artigos selecionados, verificou-se que a avaliagao de registros, prescrigoes médicas, prontuários, receitas, bulas, documentos gover-namentais, registros hospitalares e/ou dados de publicidade e comercializagao de fármacos fo-ram as mais citadas, n=44 (30,6%); seguida de realizagoes de revisoes de literatura, n=36 (25%); obtengao de dados através de entrevistas e apli-cagoes de questionários exclusivamente, n=25 (17,4%); realizagoes de estudos epidemiológicos, complementados por entrevistas e aplicagoes de questionário, n=19 (13,2%); estudos unicamente baseados em dados epidemiológicos, através da análise de dados populacionais, estudos longitudinal e/ou estudos de cross-section, n=11 (7,6%) e estudos experimentais, com base na utilizagao de modelos animais in vivo e/ou in vitro, n=9 (6,3%).
As publicagoes distribuíram-se de forma desigual entre os estados brasileiros, sendo Sao Paulo, o estado com maior número de trabalhos. As regióes brasileiras com maiores números de pesquisas foram respectivamente: Sudeste com 89 publicagoes (62,7%), Sul com 27 (19%) e Nordeste e Centro-oeste com 13 estudos (9,1%), cada (Figura 2).
Avaliando-se como critério o ano de publicagao, obtiveram-se artigos publicados entre os anos de 2002 a 2019. Nota-se um maior número de realizagoes de estudos a partir de 2007. Entretanto oscilagoes tem sido observadas ao longo dos anos. O ano de 2017, seguido de 2014 e 2011 foram aqueles com maiores registros na literatura (Figura 3).
Neste estudo um número significativo de estudos (26%) nao especificou a faixa etária e/ou genero, citando apenas a populagao humana como limite empregado a realizagao da pesquisa. Os demais artigos especificaram faixas etárias e genero de forma individualizada ou conjunta. Grande parte dos trabalhos citou a categoria adulta, sendo as faixas etárias mais reportadas: adultos entre 21 e 59 anos de idade (39,1%) e idosos, acima de 60 anos de idade (12,5%). O restante das pesquisas apresenta estudos envolvendo adolescentes (5,7%) e criangas de forma genérica (1,6%) ou subcategorizada: neonatos, de 0 a 28 dias (3,1%); lactentes, 29 dias a 2 anos de idade (4,2%) e escolar, de 2 a 10 anos de idade (6,7%), criangas de 0 a 12 anos de idade (0,5%) e de ampla abrangencia a 0 até 112 anos (0,5%) Avaliando-se as populagóes de risco constatou-se que apenas 34 (23,6%) do total de 144 pu-blicagóes apresentaram aspectos fisiológicos e/ ou possíveis comorbidades associadas ao uso de medicamentos, sendo os grupos: pacientes hipertensos, oncológicos e gestantes os mais citados. Frente aos pacientes susceptíveis avaliados destacou-se que entre os grupos farmacológicos abordados, os antimicrobianos, os psicotrópicos e os antineoplásicos foram os mais discutidos. Associados aos medicamentos com atuagao a nivel de sistema nervoso central, tal qual os psico-trópicos, também foram avaliadas as categorias medicamentosas: ansiolíticos, hipnóticos, antide-pressivos e alucinógenos, bem como depressores de apetite (Tabela 1).
A temática: custo de cuidados em saúde foi a mais citada dentro do contexto da farmacoeconomia. Os demais artigos avaliaram ainda a relagao entre o custo de medicamentos e sua efetividade, no que tange aos beneficios gerados aos pacientes. Foram avaliadas ainda relagóes económicas quanto a terapia medicamentosa, seguranga de uso de medicamentos e financiamento público. Um número significativo dos artigos inseridos na temática: utilizagao de medicamentos dentro do contexto da farmacoepidemiologia no Brasil es-pecificaram as relagóes existentes entre o uso de fármacos e suas respectivas implicagóes a saúde do paciente. Grande parte dos trabalhos relatou ainda o uso inadequado de fármacos, no que tange a automedicagao e polimedicagao. Frente ao contexto da farmacovigilancia verificou-se que a temática: reagao adversa a medicamentos foi a mais citada. Grande parte dos trabalhos desti-nou-se a avaliagao, análise e obtengao de dados referentes aos efeitos colaterais atribuidos ao uso de medicamentos ou ainda medidas de vigilancia e notificagóes de eventos adversos. Um número expressivo de trabalhos evidenciou a importancia quanto a vigilancia frente a comercializagao, registro, controle da produgao, prescrigóes e preparos de novos fármacos inseridos no mercado, assim como destacaram a necessidade do uso adequa-do de sistemas de informagóes e notificagóes.
Demais informagóes sao destacadas na Tabela 2. Quanto aos artigos abordando a temática: ecofar-macovigiláncia, verificou-se que dos 18 trabalhos encontrados, todos sao publicagóes internacio-nais, o que evidencia uma escassez de estudos nessa abordagem no Brasil.
Discussao
O éxito das agóes medicamentosas encontra-se diretamente associado a realizagao de estudos farmacológicos, que possibilitem o uso adequado desses fármacos em condigoes clínicas, doses, períodos e regimes terapéuticos (Martins e Galato 2018). Atualmente os fármacos passam por um rigoroso processo de avaliagao ao longo do seu desenvolvimento. Uma agéncia regulamentadora solicita que antes do langamento de um novo medicamento no mercado seja evidenciada a sua eficácia e garantia para uso (Paumgartten 2019). Neste contexto, após a caracterizagao completa da molécula e avaliagao da sua cinética, farmaco-dinámica e toxicidade através de modelos animais (toxicologia nao-clínica) iniciam-se os estudos em humanos (estudos clínicos), sendo avaliados cri-térios tais como eficácia, efeitos farmacológicos adversos e seguranga de uso (Brick et al. 2008; Vidotti et al. 2008).
No entanto, apesar das modernas medidas re-gulatórias, prévias ao langamento de fármacos, a seguranga para disponibilizagao e uso dessas substáncias ainda causam inúmeras preocupa-goes. As limitagoes dos ensaios clínicos reforgam a necessidade da continuidade na avaliagao e identificagao dos efeitos adversos ao longo de todo o período de comercializagao do produto (Freitas e Romano-Lieber 2007). É nesse contexto que surge a necessidade da implementagao de medidas propostas pela farmacoepidemiologia: a farmacovigiláncia, farmacoeconomia e EUMs (Mota et al. 2008; Reis e Figueras 2010; Silva et al. 2014).
A Farmacovigiláncia possui seus objetivos dire-cionados a questoes de seguranga no uso de medicamentos (Botelho e Reis 2015), envolvendo todas as etapas de prevengao dos efeitos adversos até a comunicagao de tais eventos (WHO 2002; Maigetter et al. 2015). Ao passo que, a farmacoeconomia visa melhorar a eficiéncia dos gastos e análise dos custos e benéficos de terapia medicamentosa para sociedade e servigos de saúde (Areda et al. 2011; Rascati 2013; Dixon 2018). Os EUMs, por sua vez, relacionam-se a investigagoes referentes a comercializagao, distribuigao, pres-crigao e uso de medicamentos (Leite et al. 2008). As inúmeras aplicabilidades e benefícios provenientes dos estudos farmacoepidemiológicos levaram a sua implantagao em países europeus ainda na década de 1960. No Brasil, os estudos referentes ao campo da farmacoepidemiologia iniciaram-se, de forma incipiente nos anos de 1970. Durante as décadas de 1980 e 1990, a consciéncia sobre farmacovigiláncia comegou a ser formada nas escolas de saúde; grupos de defesa do consumidor; centros de informagoes sobre medicamentos e associagoes de saúde do profissional. Entretanto, é somente em 1998 que surge a Política Nacional de Medicamentos, destinada a seguranga, eficácia e qualidade dos medicamentos, a promogao do uso racional e ao acesso da populagao aqueles considerados essenciais. Ainda em 1998, foi elaborada a por-taria número0 344, que estabeleceu um controle mais efetivo na venda de diferentes medicamentos (Sampaio et al. 2018). Com a criagao da ANVISA em 1999, foi também estabelecida a farmacovigiláncia no Brasil e a partir de 2000, as unidades de farmacovigiláncia comegaram a obter notifica-goes referentes a reagoes adversas e qualidade (Mello et al. 2008)
Entretanto, é somente em 2001 que ocorre, de fato, a consolidagao da farmacoepidemiologia no Brasil, a partir da criagao do Centro Nacional de Monitorizagao de Medicamentos (CNMM), através da Portaria Ministerial da Saúde, número 696 de 2001 (Mendes et al. 2008; Botelho e Reis 2015; Mota et al. 2018).
A legislagao brasileira frente ao contexto da farmacoepidemiologia tem evoluído ao longo dos anos. Pesquisas nessa esfera tém sido desenvolvidas no Brasil, entretanto a uma baixa proporgao quando comparadas ao cenário internacional. Conforme evidenciado no presente levantamento sistemático, quando se estabelece uma relagao entre o número de estudos que abrangem a temática proposta de artigos publicados no Brasil em re-lagao ao cenário internacional, aproximadamente 4% das publicagoes inicialmente consideradas para a realizagao deste trabalho foram realizadas a nível nacional. Além disso, as publicagoes apresentam distribuigao desigual entre os estados brasileiros, sendo as regiées mais desenvolvidas economicamente as mais estudadas. Dessa forma, se evidencia um déficit significativo na realidade nacional ao nao se considerar a heterogeneida-de populacional de um país das dimensoes do Brasil, fato que consequentemente impacta na relagao risco/benefício da utilizagao de fármacos (Travassos et al. 2006; Pontes et al. 2017)
Essa ideia se faz particularmente importante ao se considerar a disponibilidade para o uso de novos medicamentos langados no mercado. Pode-se afirmar que os novos medicamentos langados no comercio necessitam de um processo de far-macovigiláncia mais ativo, pois informagées limitadas sobre suas agoes terapéuticas e reagoes adversas comprometem nao somente a saúde dos respectivos usuários que pode representar um aumento na morbilidade e mortalidade dos pacientes, mas também eleva os gastos gerados pelo sistema de saúde (Vidotti 2000; Batel Marques et al. 2016; Barata-Silva et al. 2017; Souza etal. 2018).Quanto ao gerenciamento económico do sistema de saúde, salienta-se que a temática: custo de cuidados em saúde foi a mais abordada. Essa temática se caracteriza pela análise e comparagao dos custos e consequencias de terapias medicamentosas para pacientes, sistemas de saúde e sociedade (Secoli et al. 2005). Segundo dados da Organizagao Mundial de Saúde (OMS), os hospitais despendem de 15 a 20% do orgamento referente as complicagoes provocadas por mau uso de medicamento (ANVISA 2006). Diante disso, destaca-se que as pesquisas far-macoepidemiológicas podem auxiliar nos estudos farmacoeconómicos oferecendo os métodos mais eficazes para a elaboragao de projetos de estudos de custo-benefício entre outros (Steinke 2018). Nesse contexto, verifica-se a grande relevancia da agao conjunta entre os tres pilares que compoem a farmacoepidemiologia, cujo objetivo central se encontra alicergado na seguranga do paciente e na prevengao de reagoes farmacológicas adversas. A reagao adversa a medicamentos consiste em uma resposta nociva e nao intencional ao uso de um medicamento, e ocorre em doses normalmente utilizadas em seres humanos para profilaxia, diagnóstico, tratamento de doengas ou para a modificagao de determinada fungao fisiológica. (Ortega e Domínguez-Gil 2000; Bif et al. 2014; Varallo et al. 2014). Dados do Sistema de Notificagoes em Vigilancia Sanitária expoe que entre os anos de 2006 a 2013, foram reportados 103.887 eventos adversos, destes 38.730 apre-sentavam uma correlagao com medicamentos (Sousa et al. 2018).
Estudos tem demonstrado que a prevalencia de reagoes adversas é maior em mulheres, a exemplo do grupo de gestantes, e em idosos (Mannesse et al. 2000; Pouyanne et al. 2000; Caamaño et al. 2005; Andrade et al. 2014). A utilizagao de medicamentos por gestantes e suas possíveis reagoes adversas sobre o feto passou a ser objeto de grande preocupagao após a tragédia da talido-mida ocorrida entre 1950 e 1960. O fato ocorrido provocou decisivas mudangas nas atitudes e práticas relativas a prescrigao de medicamentos durante a gestagao (Newbronner et al. 2017). No que se refere aos idosos, observa-se no Brasil um aumento populacional significativo dessa faixa etária, atrelado ao consumo de medicamentos. Os idosos sao quatro vezes mais hospitalizados por reagoes adversas quando comparados a faixa etária dos indivíduos nao idosos, abaixo de 60 anos de idade (Mendes et al. 2008; Cassoni et al. 2014; Carvalho et al. 2017; Oliveira e Corradi 2018). Salienta-se que as reagoes adversas provenientes do uso de medicamentos representam um aumento significativo nos dias de internagao, além de elevar os custos dos tratamentos, so-bretudo para pacientes hospitalizados. Dentre os grupos farmacológicos mais citados como causa de admissoes hospitalares por reagoes adversas destacam-se os cardiovasculares, anti -inflamatorios, analgésicos, psicotrópicos, antibióticos, antidiabéticos, antineoplásicos, diuréticos, anticoagulantes e corticosteroide (Botelho et al.2018). No presente levantamento sistemático os antimicrobianos foram os medicamentos mais abordados. Os agentes antimicrobianos estao entre os fármacos mais prescritos em hospitais e representam aproximadamente de 20% a 50% dos gastos com medicamentos (Vlahovic-Pal-cevski et al. 2000). Além disso, estima-se que seu uso seja inapropriado em cerca de 50% dos casos prescritos, sendo considerado como um dos fármacos mais citados em relatos de reagoes medicamentosas adversas no ámbito hospitalar (Gallelli et al. 2002; Mazzeo et al. 2004).
Cabe ainda destacar que o uso indiscriminado de antimicrobianos tem contribuido para selegao genética de micro-organismos mais nocivos, tor-nando-os mais resistentes a essas substancias, o que gera mais um risco para a saúde pública (Usha et al. 2010; Prestinaci et al. 2015). Neste sentido, ao adotar a ecofarmacovigilancia em relagao a administragao de antimicrobianos e de outros medicamentos deve-se incentivar a prescrigao e manejo sustentável de fármacos e melhorar a sua coleta quando nao sao utilizados, tais medidas sao fundamentais para reduzir a resistencia bacteriana (Wang et al. 2015; Chen et al. 2018) e demais impactos desses compostos no ambiente. No entanto, a ecofarmacovigilancia só será adotada quando incorporada na indústria farmacéutica e pela sociedade (Liu et al. 2017). Nesse contexto, destaca-se a necessidade de investir nessa área no Brasil, já que nao foram encontrados nesta revisao estudos nacionais da ecofarmacovigilancia.
Ainda em relagao ao consumo indiscriminado de medicamentos, ficou evidenciado o hábito dos brasileiros de automedicagao conforme verificado neste levantamento onde 22,7% dos trabalhos realizados abordavam esse assunto. Estudos revelam que a automedicagao geralmente está associada a dificuldade de acesso ao servigo de saúde (Navaes et al. 2010). Os principais problemas relacionados a esse hábito sao o desperdicio de recurso e aumento da resistencia a patógenos, bem como reagoes adversas (Bennadi 2014). Sendo assim, a implementagao de programas de monitoramento e notificagao de eventos adversos consiste em uma importante medida profilática, uma vez que, fornece subsidios aos processos de vigilancia e notificagao, permite o uso seguro de medicamentos e capacita os profissionais da saúde (Louro etal. 2007; Barata-Silva etal. 2017). No entanto, apesar dos avangos observados nos últimos anos quanto a farmacovigilancia de reagoes adversas, sobretudo a partir da implantagao do Servigo de Atendimento ao Consumidor (SAC), em 1998, conforme portaria número 802 da ANVISA, ainda se observam carencias quanto aos processos de registros, notificagSes e captagSes de suspeitas de eventos adversos. Embora, o SAC permita a possibilidade de prescritores e usuários de medicamentos relatarem prováveis eventos adversos, a obrigatoriedade da notifi-cagao desses eventos, imposta pela legislagao, recai principalmente sobre as indústrias farmacéuticas (Galvao et al. 2014; Botelho et al. 2018).
Conclusao
No Brasil, apesar dos avangos da legislagao farma-coepidemiológica e melhoria gradativa no processo de fiscalizagao, ainda permanecem caréncias, quanto ao aporte de uma perspectiva cientifica, em particular frente a heterogeneidade étnica e socioeconómica de sua populagao. Tal problemática cria lacunas e afeta a realizagao de medidas fiscalizadoras eficientes, o que compromete drasticamente a seguranga quanto ao desenvol-vimento de novos fármacos e, sobretudo eleva a probabilidade de riscos a populagao usuária, bem como o ambiente. Destaca-se ainda a relevancia dos sistemas de notificagSes governamen-tais quanto a responsabilidade de compartilhar informagSes para a populagao provenientes dos diversos processos de irregularidades farmacológicas constatadas. Entretanto, salienta-se que a eficiencia e éxito desse processo dependem nao apenas dos órgaos governamentais competentes, mas também de notificagSes provenientes dos profissionais da saúde, usuários de servigos e empresas fornecedoras. Dessa forma, a im-plantagao de uma visao farmacoepidemiológica sustentável através do estimulo a participagao de todos os atores envolvidos nesse processo contribuirá decisivamente para uma melhor com-preensao e prevengao de efeitos adversos, além de melhorar o gerenciamento dos diferentes recursos terapéuticos e económicos do sistema de saúde brasileiro. Além disso, faz se necessário o incentivo para os estudos que contemplem a ecofarmacovigilancia no cenário brasileiro e sua perspectiva ambiental.
A partir da realizagao deste estudo espera-se que os resultados apresentados sirvam como base para o fomento e incentivo para realizagao de pesquisas cientificas no que tange farmacoepi-demiologia e suas vertentes, bem como fornecer subsidios para aplicagao de políticas mais efica-zes de controle e prevengao, de modo a garantir uma melhor eficiencia quanto a monitorizagao da administragao de medicamentos.