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Memoria americana

versión On-line ISSN 1851-3751

Mem. am.  n.16-1 Ciudad Autónoma de Buenos Aires ene./jun. 2008

 

ARTÍCULOS

Índios e mestiços no Rio de Janeiro: significados plurais e cambiantes (séculos XVIII-XIX)

Indians and mestiços in Rio de Janeiro: plural and changing meanings (18th - 19th centuries)

Maria Regina Celestino de Almeida

Professora do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense. Rio de Janeiro, Brasil; Pesquisadora do CNPq. E-mail: reginacelestino@uol.com.br

Resumo

As novas proposições teóricas e conceituais da História e da Antropologia sobre os processos de mestiçagem da América têm conduzido à idéia de identidades plurais e à percepção de que as categorias étnicas são historicamente construídas e adquirem significados distintos conforme os tempos, os espaços e os agentes sociais em contato. Este trabalho apresenta uma reflexão sobre esses significados enfocando especialmente os interesses dos índios aldeados do Rio de Janeiro em suas relações com os demais grupos étnicos e sociais com os quais interagiam. Prioriza-se o período das reformas pombalinas ao século XIX, quando as disputas em torno dessas classificações tornaram-se mais visíveis na documentação: enquanto autoridades políticas e intelectuais afirmavam a condição de mistura e dispersão dos índios aldeados, estes últimos reivindicavam direitos com base na identidade indígena. Essas disputas por classificações étnicas são vistas como disputas políticas e sociais, que não se dissociavam dos conflitos em torno das terras das aldeias e das políticas indigenistas do período pombalino e do Império brasileiro.

Palavras chave: Índios; Mestiços; Etnicidade; Rio de Janeiro

Abstract

Historians and anthropologists have been developing new concepts and theories about the mixing process of Indians in America which allow us to think that identities are plural and that ethnic classifications are historical constructions that have specific meanings according to regions, spaces and social agents in contact. This paper presents a discussion about these meanings, emphasizing the aims of Rio de Janeiro village's indians, taking into account their relations with other ethnic and social groups with whom they used to interact. The period focused extends specially from Pombal's reforms to the 19 th Century, when the disputes about ethnic classifications comes up more clearly in the sources: while political authorities and intellectuals state mixed condition and dispersion of indian's villages, these ones argued for collective rights based on their indigenous identities. These disputes about indigenous peoples'classification on different categories can be seen as political and social disputes, which must be associated with land conflicts and indigenous policy of Pombal's period and brazilian Imperium.

Key words: Indians; Mestiços; Ethnicity; Rio de Janeiro.

Introdução

A aproximação cada vez mais intensa da História e da Antropologia tem conduzido a novas proposições teóricas e conceituais sobre relações interétnicas e processos de mestiçagem que permitem um novo olhar sobre as relações de contato entre os índios e as sociedades coloniais e pós-coloniais. Conceitos básicos para o estudo dessa temática, tais como etnicidade e cultura repensados a partir dessas abordagens interdisciplinares ampliam-se e complexificam-se em inúmeros estudos de casos que, nas últimas décadas, têm revelado realidades múltiplas e complexas sobre as interações entre os mais diversos grupos étnicos e sociais nas Américas. Culturas e etnicidades vistas como produtos históricos, dinâmicos e flexíveis, que continuamente se transformam através da experiência dos agentes sociais em contato, conduzem à idéia de identidades plurais e à percepção de que as categorias étnicas são historicamente construídas (Boccara 2000, Mattos 2000, Gruzinski 2003, Lima 2003, de Jong y Rodríguez 2005).

A partir dessa perspectiva, é possível perceber diferentes significados que as categorias índios e mestiços adquirem conforme os tempos, os espaços e os agentes sociais em contato. O objetivo deste artigo é refletir sobre tais significados, enfocando os interesses e as disputas dos índios das aldeias do Rio de Janeiro e os discursos das elites intelectuais e políticas. Pretende-se enfatizar o período que se estende das reformas pombalinas à segunda metade do século XIX, quando as propostas assimilacionistas passaram a integrar as políticas indigenistas da Coroa portuguesa e do Império brasileiro. A documentação analisada, basicamente correspondência entre autoridades da capitania e depois província do Rio de Janeiro, petições dos índios e relatos de viajantes e memorialistas, revela instigantes contradições em torno da classificação das populações indígenas nas categorias citadas. Enquanto alguns políticos e intelectuais afirmavam a condição de mistura, dispersão e desaparecimento dos índios das aldeias, estes últimos reivindicavam direitos com base na identidade indígena, muitas vezes reconhecida nas entrelinhas dos próprios documentos oficiais que a negavam, como se verá mais adiante.

Do ponto de vista metodológico, as imprecisões e contradições dos registros sobre as classificações étnicas de índios, negros e mestiços, incluindo a imensa variedade de nomes para designar esses últimos têm sido objeto de instigantes reflexões sobre as formas como essas identificações eram vistas, usadas e apropriadas pelos vários agentes envolvidos, tanto os registradores quanto os registrados (Sirtori 2006, Oliveira 1997, Mattos 2000, Soares 2000, Lima 2003, Resende 2003). Essa observação é válida para diferentes tipos de fontes, sejam elas oficiais, cartoriais ou paroquiais. A problematização dessas imprecisões à luz das novas propostas teórico-conceituais da História e da Antropologia nos permite percebê-las como reflexos da própria fluidez e pluralidade dessas identidades nas sociedades colonial e pós-colonial. Se, nos registros, indivíduos passavam de índios a mestiços, de negros a pardos e vice-versa, isso reflete uma realidade cotidiana daquelas sociedades, onde eles podiam se identificar ou serem identificados de uma ou de outra forma, conforme interesses e possibilidades.

Diante disso, as controvérsias sobre a classificação das populações indígenas nas categorias de índios ou mestiços podem ser vistas, conforme ressaltou Boccara (2000), como disputas políticas e sociais. Tais disputas não se dissociam dos embates relacionados às terras das aldeias que, desde a segunda metade do século XVIII, eram, no Rio de Janeiro, objeto de intensas contendas (Almeida 2001). As categorias de índios e mestiços serão vistas, pois, como construções históricas que adquirem significados específicos conforme os agentes sociais e os momentos históricos por eles vivenciados. Na complexa dinâmica social das sociedades americanas, grupos e/ou indivíduos podem ter sido identificados ou assumido a dupla identidade de "índios mestiços" (Cadena 2005), da mesma forma que podem também ter priorizado uma ou outra, conforme a especificidade das situações e dos agentes com os quais atuavam. Se os significados dessas categorias se alteravam com o tempo, convém lembrar que os interesses das populações igualmente se alteravam, podendo levá-las, portanto, a assumir ou valorizar mais uma ou outra. Além disso, convém lembrar que ao assumir a condição de mestiços, os índios não necessariamente abdicavam de suas identidades indígenas, como têm revelado inúmeros trabalhos na atualidade (Poloni-Simard 2000, Cadena 2005, Wade 2005). No âmbito deste trabalho, abordo mais especificamente situações nas quais a classificação como mestiços significava perdas para os índios, razão pela qual, acredito, afirmaram sua condição de indianidade.

Cabe ainda ressaltar que a reflexão sobre os significados de "ser índio" e "ser mestiço" para os diferentes agentes históricos em contato, no Rio de Janeiro, implica em tecer algumas considerações também sobre a categoria dos negros e seus descendentes, na medida em que identidades e classificações étnicas se constroem de forma referencial entre os sujeitos e os grupos que interagem em contextos sociais e históricos específicos (Schwartz 1996).

Índios, negros e mestiços na América

Diferentes grupos étnicos nativos dos continentes americano e africano foram incorporados aos processos de conquista e colonização das Américas e classificados nas amplas e genéricas categorias de índios e negros. A partir dos séculos XV e XVI, sobretudo, essas categorias passaram a ser utilizadas, em larga escala, pelos europeus para designar consideráveis parcelas de populações que se incorporavam às sociedades coloniais escravistas americanas ocupando seus estratos mais inferiores e sujeitos à escravidão ou ao trabalho compulsório. Os mestiços, resultantes do processo de interação entre os mais diversos grupos étnicos e sociais nas colônias, constituem uma terceira categoria ainda mais ampla e genérica do que as primeiras, na medida em que se refere a todos os descendentes do cruzamento físico e/ou cultural de grupos diversos1.

Deve-se destacar, como alertou Schwartz (1996), que as identificações desses grupos nessas categorias com seus respectivos significados constroem-se com referência aos lugares econômico-sociais ocupados pelos sujeitos e grupos e face às relações que desenvolvem uns com os outros. Afinal, as identidades e classificações étnicas são contrastivas e se estabelecem a partir das interações entre os grupos (Oliveira 1976, Barth 2000). São, portanto, construções históricas, que adquirem sentidos diversos conforme os tempos, espaços e os agentes sociais aos quais se referem e para os quais são significantes. Convém, ainda, lembrar que tais sentidos continuamente se alteram no jogo das relações entre os diferentes agentes sociais.

Índios e negros foram incorporados ao Império Português nos estratos inferiores da pirâmide social. A eles foram estendidos os estatutos de limpeza de sangue típicos do Antigo Regime em Portugal, que proibia o acesso a títulos honoríficos e a cargos públicos e eclesiásticos às chamadas raças infectas. Estas incluíam, inicialmente, judeus e mouros, conforme as ordenações afonsinas (1446-1470), porém logo passaram a abranger também índios, negros e seus descendentes através das ordenações manuelinas (1514-1521) e filipinas (1603), respectivamente (Mattos 2001). Índios, negros e seus descendentes viviam, portanto, na América, em condição subalterna, sujeitos a preconceitos e discriminações impostos pela própria legislação que, além de os obrigar ao trabalho compulsório, os colocava em condição de inferioridade.

Essas difíceis e violentas condições vivenciadas por esses povos não lhes retirou, no entanto, a capacidade de agir em busca de melhores condições de sobrevivência no mundo colonial, nem os impediu de rearticular suas relações sociais, culturas, memórias e identidades. Nesse processo, reinventaram, assumiram ou rejeitaram as formas de classificação étnica que lhes eram dadas ou impostas pelos colonizadores, como têm demonstrado inúmeros estudos recentes. Conforme assinalaram Hill (1996) e Ramos (1988), por maior que seja a violência do contato, há sempre uma reação criativa por parte dos índios, na medida em que não há tradição estática e que mesmo reduzidos à escravidão e às piores condições, os grupos sociais humanos são capazes de reconstruir significados, fortalecendo ou recriando identidades e culturas.

Pesquisas atuais têm evidenciado inúmeras reconstruções identitárias e culturais dos índios e negros inseridos no mundo colonial (Boccara 1998, Escobar 1998, Reis 1997, Oliveira 1999, Soares 2000, Gruzinski 2003). No caso dos índios aldeados no Rio de Janeiro, demonstrei em outro trabalho como, ao longo dos três séculos de colonização, eles passaram a se identificar a partir da aldeia na qual habitavam reivindicando os direitos que lhes haviam sido dados por sua condição de aliados da Coroa portuguesa Essa identidade -de índio aldeado, súdito cristão do Rei português, para o qual prestavam serviços, sobretudo, militares- lhes garantia direitos e, sem dúvida, ela se construía com referência aos demais grupos com os quais interagiam, sobretudo, negros e índios escravos (Almeida 2003).

Do século XVI ao XIX, os índios nas aldeias coloniais tinham situação jurídica especifica que lhes determinava o lugar político, econômico e social ocupado na hierarquia da colônia. Se, por um lado, encontravam-se em posição subalterna, entre os estratos mais inferiores da sociedade, sendo inclusive obrigados ao trabalho compulsório em benefício dos colonos, tinham também algumas vantagens que esforçaram-se por garantir. De acordo com Schwartz (1987), a colônia era um mundo em construção, onde outras identidades também se formavam interagindo num contexto hierárquico, escravocrata e desigual que, junto com as condições econômico-sociais, tinham forte influência na definição dos referenciais de identificação entre os grupos sociais.

A escravidão e a conseqüente existência de um grupo social numa categoria hierarquicamente inferior, sobretudo a dos índios escravos, constituiu, me parece, elemento referencial importante para os índios aldeados. Apesar das perdas, a condição de aldeados lhes dava alguns privilégios em relação aos que ocupavam posição inferior na escala social. Tinham direito à terra, embora uma terra bem mais reduzida que a sua original, tinham direito a não se tornarem escravos, embora fossem obrigados ao trabalho compulsório, tinham direito a se tornarem súditos cristãos, embora tivessem que se batizar e, em princípio, abdicar de suas crenças e costumes. As lideranças tinham direito a títulos, cargos, salários e prestígio social. Dentro dessas condições limitadas, restritas e, sem dúvida, opressivas, os índios aldeados encontraram possibilidades de agir para fazer valer esse mínimo de direitos que a lei, apesar de oscilante, lhes garantia e fizeram isso até o século XIX, conforme várias petições que apresentavam a autoridades coloniais e metropolitanas (Almeida 2003).

Convém considerar, no entanto, o amplo e variado processo de mestiçagem que, sem dúvida, ocorria no interior dessas aldeias. Apesar da imprecisão das fontes, é possível afirmar que, além da mistura de diferentes grupos étnicos numa mesma aldeia, era freqüente a presença de não índios em seu interior, contrariando os esforços dos jesuítas em mantê-los afastados. Assim é que no interior das aldeias coloniais, os chamados índios aldeados (como se identificavam para reivindicar seus direitos às autoridades coloniais e metropolitanas) deviam igualmente se misturar com negros, brancos pobres e mestiços, com os quais provavelmente conviviam. As interações nos sertões e nas aldeias eram intensas como têm revelado trabalhos recentes e, evidentemente, eles se misturavam.

Cabe, pois, considerar que, muito provavelmente, na segunda metade do século XVIII (ou mesmo antes) devia ser impossível distingui-los por sinais diacríticos, laços consangüíneos e/ou caracteres físicos distintos dos demais grupos com os quais se relacionavam. Unificava-os a idéia de pertencer à aldeia e o compartilhamento de um passado comum que remontava à fundação da aldeia e à aliança com os portugueses, bem como a ação política coletiva em busca dos direitos que lhes tinham sido dados (Weber 1994). Apesar das misturas, mantinham, como informam os documentos 2, a identidade indígena que naquele mundo conturbado, lhes garantia a vida comunitária e a terra coletiva. Considero, portanto, possível afirmar que os índios aldeados no Rio de Janeiro, na segunda metade do século XVIII e no decorrer do XIX, eram, provavelmente, "mestiços", porém "índios". Em outras palavras, haviam vivenciado um longo processo de misturas e metamorfoses, mantendo o sentimento de comunhão étnica, desenvolvido na experiência comum do processo de territorialização nas aldeias coloniais, no sentido dado por Pacheco de Oliveira (1999) e, assim, podiam identificar-se ou serem identificados como índios ou como mestiços, conforme circunstâncias e interesses.

Essas questões tornaram-se mais evidentes após a legislação pombalina que introduziu a proposta assimilacionista e o incentivo aos casamentos mistos e à mestiçagem para acabar com as distinções entre índios e não índios, como se verá a seguir.

Reformas pombalinas: disputas sobre classificações étnicas

Com o objetivo de integrar os índios à sociedade colonial, a legislação indigenista de Pombal passou a incentivar a miscigenação entre índios e brancos, proibindo as discriminações sociais contra os índios, que deviam igualar-se, sem distinção alguma aos demais vassalos do Rei (Almeida M. 1990, Almeida R. 1997, Domingues 2000). A lei da liberdade (1755), também no bojo dessas reformas, proibia a escravização indígena sob quaisquer circunstâncias. A mestiçagem era estimulada através da lei de casamentos que dava benefícios àqueles que se casassem com índios, principalmente em áreas periféricas, onde a presença branca era rarefeita (Almeida 1990, Garcia 2007, Rocha 2007). O Diretório, legislação indígena feita para a Amazônia e depois estendida às demais regiões do Brasil, incluía vários itens que procuravam acabar com as diferenças culturais entre os índios e os demais vassalos. A própria lei, portanto, visava a acabar com as discriminações contra os índios, incorporando-os à sociedade como súditos iguais aos demais.

Se este objetivo não foi plenamente atingido, teve o efeito de acentuar ainda mais as diferenças de níveis quanto aos preconceitos e discriminações em relação a negros e índios, em prejuízo dos primeiros. Já em períodos anteriores, conforme assinalou Schwartz (1996), as discriminações contra os índios eram menores, sobretudo nos primórdios da colonização, cuja época variou conforme as regiões. Segundo este autor, referendado por de Mello (1989) e pela própria documentação, o preconceito contra negros e mulatos era maior do que em relação aos índios. As concessões de títulos honoríficos, por exemplo, cuja proibição às raças infectas foi muitas vezes desconsiderada, diante da necessidade de prestigiar os colaboradores da Coroa, foram mais freqüentes para os índios do que para os negros. Ainda que pese uma participação maior dos índios nos serviços militares (principais feitos para a concessão de títulos das ordens militares), os autores citados deixam claro que os defeitos sangüíneos dos índios eram mais facilmente perdoáveis.

Acredito que o estigma da escravidão, muitíssimo mais forte entre os negros do que entre os índios, teve um peso considerável nessa diferença. De acordo com Mattos (2000), no século XVII, em algumas regiões, negro e preto já eram praticamente sinônimos de escravo, sem contar que os índios escravos eram chamados negros da terra. Tais considerações me parecem importantes para se pensar que, na composição social da colônia, os índios das aldeias não ocupavam a posição mais inferior e, ao que parece, tinham consciência disso, pelo menos as suas lideranças. Com a legislação pombalina, essas diferenças se acentuaram. Um dos artigos do Diretório, por exemplo, falava sobre "a infâmia de se chamar negros aos índios" 3, claro indício da manutenção do significado depreciativo da categoria negro na sociedade colonial setecentista.

Cabe refletir sobre as possíveis compreensões que os próprios grupos étnicos e sociais tinham a respeito dessas categorias utilizadas para classificá-los. Apesar das lacunas, alguns indícios em diferentes tipos de fontes nos permitem pensar como os índios, fossem eles aldeados ou não, vivenciaram esse período e se preocuparam com as classificações nessas categorias. Afinal, elas lhes davam um lugar na hierarquia social daquelas sociedades, podendo trazer-lhes prejuízos ou ganhos. Em 1771, o índio capitão-mor de São Barnabé denunciou seu colega, um índio capitão-mor da aldeia de Ipuca por ter se casado com uma preta "manchando com este casamento o seu sangue e fazendo-se por esta causa indigno de exercer o posto de capitão-mor" 4. Sem entrar nas razões dessa denúncia, que podia ter sido motivada por simples desafeto, cabe reconhecer o fato da consciência dos índios sobre sua posição de superioridade em relação aos negros, diante da legislação pombalina. O fato dessa "falha sangüínea" adquirida por vontade própria ter sido denunciada por um dos pares do acusado - o capitão -mor de São Barnabé 5- demonstra terem os índios igualmente aprendido os preconceitos e as discriminações da sociedade colonial em que viviam, tal como fizeram os negros que, uma vez libertos, preferiam ser reconhecidos como pardos (Mattos 2001, Viana 2007).

É instigante constatar também que índios destribalizados, em grande parte identificados como mestiços nas variadas categorias de pardos, caboclos, etc, igualmente fizeram uso da legislação pombalina para evitar a escravização. Resende (2003) demonstrou como os índios das vilas de Minas Gerais se recusavam a casar com negros escravos, afirmando sua condição de índios livres. Recusavam a condição de mestiçagem e se afirmavam índios para escaparem da escravização ilegítima. A autora trabalhou com processos de petição de liberdades em que essas situações se evidenciam. Garcia (2003) também percebeu situação semelhante no Rio Grande do Sul.

Na segunda metade do século XVIII, com as reformas pombalinas, as propostas de mestiçagem para a incorporação das populações indígenas à sociedade colonial portuguesa passaram a integrar a política indigenista e as contradições sobre a classificação dessas populações nas categorias de índios e mestiços tornaram-se bastante visíveis na documentação. O Diretório visava a transformar as aldeias em vilas e freguesias e incentivava a presença de não índios em seu interior para apressar o processo de mestiçagem, porém assegurava a manutenção das terras coletivas para os índios e creio que foi, principalmente, em torno desse direito que muitos deles se mantiveram como índios por mais um século após essas reformas. Autoridades e moradores afirmavam as condições de mestiçagem dos índios que habitavam as aldeias, enquanto os últimos mantinham as reivindicações pela manutenção das terras e dos direitos coletivos, com base nas garantias que lhes tinham sido dadas pela condição de índios aldeados.

Com base nas idéias de Cohen (1978), para o qual os grupos étnicos se mantêm distintos em sociedades mais amplas, enquanto condições e privilégios por sua posição se mantiverem, é interessante pensarmos nas funções das aldeias e suas mudanças a longo prazo para constatar que, no final do século XVIII e início do XIX, os índios aldeados aparecem como os agentes sociais mais interessados, senão os únicos, em mantê-las. Se nos séculos XVI e XVII, a fundação e a manutenção das aldeias interessava aos vários segmentos da sociedade colonial, sobretudo pelos privilégios dos colonos em usufruir do trabalho compulsório dos índios aldeados, deve-se convir que tal situação iria se alterar no decorrer da colonização.

No final do século XVIII e início do XIX, por várias razões, cuja discussão não cabe no âmbito deste trabalho, os colonos e mesmo algumas autoridades passaram a se interessar muito mais pelas terras dos índios do que por seu trabalho. Isso, sem dúvida, funcionou como motivação e incentivo à política assimilacionista e às propostas de mestiçagem. Não obstante, algumas tentativas de terminar com as aldeias fracassaram, em grande parte, pela participação dos índios que lutavam por sua manutenção e a elas retornavam. Nessa época, a julgar pela documentação, os índios, com alguns aliados entre as autoridades coloniais responsáveis pelas aldeias, eram os personagens mais interessados em permanecer como grupos distintos na colônia 6. Isso se explica, em grande parte, pelo fato de que, apesar de todas as mudanças, a principal função das aldeias para os índios se mantinha: espaço de sobrevivência no mundo caótico e ameaçador da colônia. Apesar das políticas assimilacionistas, os índios aldeados continuavam vendo-se e sendo vistos como tais.

Se, de acordo com Cohen (1978), os grupos têm interesse em manter-se distintos, enquanto condições políticas e econômicas estão ligadas a essa distinção, essa parece ter sido uma forte razão para os índios aldeados, no século XIX, terem resistido à política assimilacionista, mantendo, para usar a expressão de Cardoso de Oliveira (1976), sua "identidade contrastiva" em relação aos moradores com os quais interagiam e até dividiam o mesmo espaço. As lutas nessa época se faziam principalmente pela manutenção do patrimônio, ao qual tinham direito como grupo: as terras e os rendimentos das aldeias. Foi principalmente em torno da ação política comum pela manutenção desses direitos que essas identidades, a meu ver, se mantiveram e até se fortaleceram neste período, contra as pressões que se faziam no sentido de reconhecê-los como mestiços.

O século XIX: o discurso da mestiçagem e a manutenção das identidades indígenas

A política indigenista do século XIX manteve e acentuou a perspectiva assimilacionista lançada por Pombal. O discurso da mestiçagem tornou-se intenso entre autoridades políticas e intelectuais. Predominavam, então, as teorias evolucionistas que afirmavam a hierarquia das raças e a inferioridade dos índios considerados, no entanto, redimíveis "mediante a catequese que os retiraria de sua situação 'bárbara e errante' para inseri-los no interior da civilização" (Schwarcz 2001:112). O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, criado em 1838, lançou, em 1840, um concurso para selecionar a melhor proposta para uma História do Brasil. O vencedor, Von Martius, vinculava o desenvolvimento do país ao aperfeiçoamento das três raças, cada qual com características e papel próprio: o branco era o agente civilizador que deveria ajudar o índio a resgatar sua dignidade original através da civilização, enquanto o negro era detratado e visto como empecilho ao progresso (Guimarães 1988, Schwarcz 2001).

A proposta em relação aos índios estava bem de acordo com a política indigenista do Império e com o interesse de câmaras municipais e moradores interessados em apoderarem-se das terras das aldeias. Convém lembrar que a legislação dos Oitocentos, apesar de prever a extinção das aldeias, quando os índios atingissem o estado de civilização, mantinha seu direito à terra coletiva, enquanto eles fossem considerados como tais 7. Assim é que razões políticas, econômico-sociais e ideológicas somavam-se para incentivar autoridades, moradores e intelectuais a proclamar o estado de mistura e mestiçagem dos índios, contribuindo para o seu desaparecimento enquanto categoria, o que justificaria a extinção das aldeias.

A documentação analisada é reveladora da preocupação do Estado em obter o máximo de informações possíveis sobre os aldeamentos e os índios com o nítido objetivo de dar cumprimento à política assimilacionista, a ser implementada conforme as situações específicas de cada região. A tônica dos documentos insistia na decadência, miserabilidade e diminuição dos índios e suas aldeias. O s índios, por sua vez, souberam também valer-se da proteção da lei e, com o apoio de algumas autoridades civis e eclesiásticas, conseguiram, a meu ver, retardar o processo de extinção de suas aldeias (Almeida 2005). No Rio de Janeiro, dando cumprimento às ordens do governo central, o presidente da província estabeleceu significativa correspondência com as autoridades municipais, sobretudo juízes de órfãos para saber se "existem povoações de índios, qual o estado de seu aldeamento, nação e patrimônio" 8. O teor dos documentos aponta para o interesse das autoridades em extinguir as aldeias. Para isso era preciso constatar seu desaparecimento ou estado de decadência, o que se revela em muitos relatos com referência a antigas aldeias abandonadas há muitos anos, por índios que viviam dispersos, vagando pelos sertões.

De acordo com um documento de 1859 da Diretoria Geral dos Índios em Quissamã, os descendentes dos índios da aldeia de São Pedro encontravam-se confundidos com a massa geral da população, não sendo possível calcular o seu número. É instigante ler no mesmo documento que, em 1856, os informes de um membro da Comissão Municipal de Cabo Frio computava "a população derivada dos indígenas em cerca de novecentos indivíduos de um e outro sexo" 9. Para contrastar com a afirmação da mistura, cabe citar outro documento de 1865, no qual os índios de São Pedro ainda "pedem providências para que cesse o vexame que estão sofrendo pela falta de registro de terras"10.

Para autoridades políticas do Rio de Janeiro oitocentista, transformar os índios em mestiços significava a possibilidade de extinguir as aldeias oficialmente e incorporar suas terras às câmaras municipais. Para os índios, a condição de mestiçagem implicava na perda da condição jurídica especial que lhes dava direitos, sobretudo, à terra, aos rendimentos das aldeias e à vida comunitária.

O discurso da decadência das aldeias e condição de mistura, dispersão e desaparecimento dos índios, no entanto, não se restringiu aos políticos. Intelectuais simpáticos aos índios também consideravam a necessidade de integrá-los e defendiam isso, não apenas em benefício da nação, mas também dos próprios índios. Em sua concepção, as condições de miserabilidade e exploração nas quais viviam os índios das aldeias, só podiam trazer-lhes prejuízos. A terra coletiva e a possibilidade de vida comunitária por ela garantida, tão caras aos grupos indígenas, não eram, absolutamente, valorizadas por intelectuais que comungavam com a lógica do progresso e da civilização. A "Memória Histórica e Documentada das Aldeias de Índios da Província do Rio de Janeiro" escrita por Joaquim Norberto de Souza Silva (1854) insere-se nesse contexto. Apesar da simpatia com que o autor trata dos índios, demonstrando preocupação com sua sorte e sobrevivência, a tônica de seu texto é a decadência e miserabilidade das aldeias que deviam caminhar para a extinção. Os inúmeros relatos de viajantes que passaram pelo Rio de Janeiro nesse período, apresentam conteúdo semelhante.

Sem negar que essas descrições podiam conter grande dose de verdade, sobretudo aos olhos das autoridades e dos viajantes em busca da "civilização" e do desenvolvimento econômico e social nos moldes europeus, é fundamental considerarmos a contrapartida dessa situação que se expressa na persistência desses "grupos diminutos e miseráveis" que teimavam em continuar existindo e reivindicando direitos apesar de todas as pressões e discriminações contra eles. É interessante perceber que apesar de irrisórios, mal administrados, sujeitos a usurpação e insuficientes para cobrir as despesas das aldeias e a assistência aos índios necessitados, como descritos pelos Juízes de Órfãos, os rendimentos das aldeias eram disputadíssimos e os índios conseguiram mantê-los por várias décadas dos Oitocentos, até que as aldeias fossem finalmente extintas.

Cabem ainda algumas reflexões sobre o discurso da dispersão e da mistura, freqüente no século XIX que, como visto nos exemplos citados, questionava a identidade indígena dos aldeados buscando confundi-los com os moradores e dando subsídios às autoridades competentes para legitimar a extinção de suas aldeias. Dentre os principais problemas relacionados à identificação étnica de grupos indígenas sem sinais culturais nitidamente distintos dos regionais com os quais interagem, destaca-se a acusação freqüente de oportunismo político no sentido de inventar uma identidade para obter com isso vantagens econômicas. Ao tratar desse problema na atualidade, Pacheco de Oliveira (1999) destacou a complexidade da questão, enfatizando que a identidade de um grupo jamais se constrói a partir do nada. Ao contrário, o sentimento de coletividade e de pertencimento ao grupo a partir de alguma procedência comum são fatores essenciais para isso, bem como um certo compromisso entre os membros dos grupos nas ações presentes e futuras. Não há como, segundo o autor, se pensar em individualidades, quando se trata de reivindicar direitos coletivos concedidos a grupos que, de uma forma ou de outra, têm que ter alguns elementos em comum para se identificarem.

Além disso, convém atentar para os fortes preconceitos e discriminações aos quais se sujeitam esses grupos, para lembrar, ainda com Oliveira, que não se assume impunemente a identidade de índios no Brasil. Guardadas as devidas proporções de diferenças e distâncias temporais, tal problemática se aplica também aos índios aldeados no século XIX. Tanto nas petições dos índios, quanto nas acusações contra eles feitas por moradores e autoridades no sentido de não serem índios "primordiais" e de estarem usufruindo de privilégios econômicos que só contribuíam para incentivar sua indolência nata, encontramos elementos significativos para reconhecer as discriminações acima referidas, bem como as disputas em torno da questão sobre a autenticidade de ser índio.

Os discursos das autoridades se faziam no sentido de extinguir as aldeias e "civilizar" os índios, daí serem eles freqüentemente apresentados como miseráveis, decadentes e misturados, não tendo mais quase nada de índios. Revelador nesse sentido é o texto de um memorialista do século XIX que, ao tratar das origens da aldeia de Mangaratiba, afirmou ter ela se formado com os índios vindos de Porto Seguro e outros do rio de São Francisco do sul, de Itaguaí e de várias outras aldeias que

o capitão-mor fazia reconhecer como se fossem da mesma linhagem e da mesma aldeia, e como tais ficaram considerados: também de alguns homens de cor, que ou perseguidos nos lugares onde habitavam ou por outros motivos buscavam a proteção da aldeia (Teixeira citado em Silva 1854: 415).

O autor escreveu para defender a idéia de extinção da aldeia argumentando que o número de "índios puritanos" era diminuto em Mangaratiba e a aldeia, podia-se dizer, estava quase extinta, pois os representantes dos "índios primordiais" não excediam a vinte ou trinta e os demais, que ainda se intitulavam índios, já eram mestiços em sexta ou sétima geração ou descendentes de índios vindos de fora, como de Itaguaí, aldeia de São Pedro, de São Barnabé, e até do Rio São Francisco, segundo o autor.

A afirmação evidencia, além da mistura étnica e da mestiçagem no interior das aldeias, a identificação dos índios aldeados de Mangaratiba entre si, identificação essa construída pelos casamentos mistos e pela vivência em comum. Procuravam a aldeia em busca de proteção e ali ficavam compartilhando espaço e problemas comuns. Não eram índios, disse o memorialista, mas sentiam-se como tais e esta me parece ser a questão básica, pois era em torno desse sentimento de grupo que a ação coletiva se fazia. Além dos índios, outros grupos étnicos e sociais foram atraídos à aldeia pela proteção que ela proporcionava e ali reunidos eram, enquanto grupo, senhores de um patrimônio comum que lutavam para garantir.

Em 1835, misturados e espalhados entre a população, os índios de Mangaratiba ainda se distinguiam, conforme as afirmações contraditórias do Juiz de Órfãos. Disse ele não haver mais aldeia por ter sido ela substituída por uma vila do mesmo nome e estarem os índios espalhados, fazendo parte da população geral, mas mantinham seu patrimônio: alguns poucos habitavam e cultivavam ainda as terras que lhes haviam sido doadas e a parte delas não ocupada pelos índios estava aforada a agricultores que pagavam arrendamento gasto para o sustento dos índios necessitados. Sem dados para avaliar o número de índios, o Juiz de Órfãos dispunha-se, se necessário, a fazer uma lista deles, embora não estivessem aldeados, claro indício de que mantinham-se à parte da população geral 11. É instigante constatar que, em 1858, a Câmara de Mangaratiba ainda não havia conseguido incorporar o patrimônio dos índios.

Quanto às discriminações e preconceitos, eles são também claramente visíveis no século XIX nos discursos das autoridades e moradores referindo-se sempre aos miseráveis e indolentes índios, que impediam o progresso e o desenvolvimento econômico. Referindo-se aos efeitos da discriminação, Cardoso de Oliveira (1976) chamou a atenção para o fato dos índios muitas vezes acobertarem-se sob a capa de caboclos para evitarem constrangimentos. Em nossos dias, na cidade de Manaus, índios destribalizados, com freqüência, dizem-se peruanos ou colombianos, fingindo às vezes, desconhecimento do nhengatú , como é chamada a língua geral na região, atitude perfeitamente compreensível diante dos fortes preconceitos contra eles. Situação semelhante pode ter ocorrido com os índios das aldeias no século XIX, quando se viam em situações nas quais a identificação como índios ao invés de benefícios só lhes traria constrangimentos. Por essa razão, talvez, os índios de São Lourenço tenham fingido desconhecer a língua geral diante de J. Norberto Silva que, tendo escrito por volta de 1864, afirmou ter sido o Príncipe Maximiliano de Wied Neuwied mais afortunado do que ele, quando os visitou em 1815/1817, pois "os índios entenderam algumas palavras da língua geral que eles lhes recitou" enquanto "hoje ou fingem ignorar, ou completamente ignoram a língua dos seus antepassados, dos quais não querem descender!" (Silva 1854: 281). O episódio aponta para a possibilidade de estarmos diante de comportamentos diferenciados conforme o agente social com o qual se interage (Carneiro da Cunha 1987, Oliveira1999), pois o próprio J. Norberto Silva reconheceu que os índios podiam estar fingindo. Ao que parece, comportavam-se como os de Manaus da atualidade, identificando-se ora como mestiços, ora como índios, conforme interesses e circunstâncias.

Considerações finais

Do século XVI ao XIX, os índios aldeados da capitania e depois província do Rio de Janeiro vivenciaram um longo processo de metamorfoses étnicas e culturais, misturando-se com vários grupos étnicos e sociais, tendo sido classificados sucessiva e simultaneamente nas categorias de índios e mestiços. Neste trabalho, procurei refletir sobre os significados dessas categorias, considerando-as como construções históricas que adquirem sentidos diversos, conforme os períodos, os espaços e os interesses dos agentes sociais em contato. Enfoquei especialmente as disputas em torno dessas classificações que se tornaram mais visíveis a partir da segunda metade do século XVIII e no decorrer do XIX, enfatizando o interesse dos índios em manter a identidade indígena que lhes garantia direitos coletivos sobre a terra, em contradição com o discurso de mistura e dispersão desenvolvido por autoridades políticas e intelectuais. Tornaram-se mestiços, porém não deixaram de ser índios e, conscientes dos direitos que identidade indígena lhes possibilitava, souberam acioná-la quando necessário. Nesse sentido, essas disputas por classificações étnicas foram vistas como disputas políticas e sociais, que não se dissociavam dos conflitos em torno das terras das aldeias e das políticas indigenistas do período pombalino e do Império brasileiro.

Notas

1. Para uma discussão mais aprofundada sobre os diferentes significados do mestiço em tempos diversos nas sociedades americanas, ver de la Cadena (2005).

2. Ao encaminharem queixas ou solicitações às autoridades coloniais ou metropolitanas, os índios aldeados identificavam-se pelo nome de batismo e a partir da aldeia na qual habitavam. Essa afirmação fundamenta-se em ampla pesquisa no Arquivo Nacional (RJ) e, sobretudo, no Arquivo Histórico Ultramarino (Lisboa), onde foram consultados manuscritos avulsos e os documentos catalogados por Castro e Almeida (1921), ambos sobre a capitania do Rio de Janeiro. Especialmente ricas em informações sobre as petições dos índios são as Consultas do Conselho Ultramarino, dentre as quais, cabe citar: Consulta do Conselho Ultramarino de 13 de janeiro de 1650. Ms.Arquivo Histórico Ultramarino (AHU) Documentos Catalogados por Castro e Almeida (RJCA), cx.4, doc.685; Consulta do Conselho Ultramarino de 9 de abril de 1650. Ms.AHU. (Documentos Avulsos Rio de Janeiro (RJA), cx.3, doc.1.; Consulta do Conselho Ultramarino sobre o requerimento do capitão mor e índios da Povoação de vila Nova de São José d'El Rei. 5 de dezembro de 1799.Ms. AHU,RJA, cx.176, doc. 9; Consulta do Conselho Ultramarino sobre o requerimento de Manoel de Jesus e Souza. 7 de janeiro de 1796. Ms.AHU,RJA, cx.162,doc.2; Requerimento do Capitão Mor e Índios da aldeia de São Lourenço da capitania do Rio de Janeiro. Ms.AHU RJCA, doc. 5562 Publicado em grande parte em Castro e Almeida (1921) v.VI, pp.481-482. Cabe ainda informar que grande parte dessa documentação já foi catalogada e digitalizada através do Projeto Resgate Barão do Rio Branco e encontra-se, hoje, disponível na Biblioteca Nacional e no Arquivo Nacional, ambos no Rio de Janeiro. Outras Indicações acerca dessa documentação encontram-se em Almeida 2003.

3. "Diretório que se deve observar nas povoações dos índios do Pará e Maranhão enquanto Sua Majestade não mandar o contrário", em Carlos de A. Moreira Neto. Índios da Amazônia. De Maioria a Minoria (1750-1850) , 1988: 166-205. §10, p.170. Rio de Janeiro, Vozes.

4. Baixa que deu el rei a um índio capitão-mor por se haver casado com uma preta.1771. Em Joaquim Norberto de Souza e Silva, "Memória Histórica e Documentada das Aldeias de Índios do Rio de Janeiro".$ Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil 1854: 462.

5. Consulta do Conselho Ultramarino sobre a representação de João Batista da Costa, Capitão -Mor da Aldeia de São Barnabé. 22 de fevereiro de 1780. Ms. Arquivo Histórico Ultramarino (AHU) Rio de Janeiro Avulsos (RJA), cx. 122, doc. 33.

6. Na segunda metade do século XVIII, tentativas de extinção de antigas aldeias indígenas esbarraram na resistência dos índios. Especialmente reveladores a esse respeito são os documentos relativos à Aldeia de São Francisco Xavier de Itaguaí,que chegou a ser extinta e foi restabelecida por pressão dos próprios índios. Grande parte dessa documentação está publicada em Silva (1854).Dentre outros, cabe destacar: Requerimento do capitão-mor da aldeia de Itaguaí, José Pires Tavares à rainha dona Maria I In: Silva 1854: 353-358; Atestado do Marquês de Lavradio, Lisboa, 3 de janeiro de 1786. In: Silva 1854: 358-361 ; Atestado de Ignacio de Andrade Souto Maior Rendon, coronel de milícias, Marapicú, 10 de abril de 1804 In:.Silva 1854:360;367-369; Atestado do Dr. Francisco da Silva Veiga e Magro de Moura, datado de Lisboa a 7 de janeiro de 1786. In Silva 1854: 361-363; Atestado de Franciso Dias Paes Leme da Câmara.1786. In. Silva 1854: 363-365; Atestado de Ignacio de Andrade de Souto Maior Rendon, coronel de milícias. 1804. In: Silva 1854. 367-369; Portaria de 6 de agosto de 1790. In . Silva 1854:.372; Carta do Capitão mor da Aldeia de Itaguaí José Pires Tavares ao Vice-Rei, 1805.In: Silva. 1854: 373-374; Requerimento de José Pires Tavares, Capitão-Mor da aldeia de Itaguaí e informações que acerca do mesmo deu o ouvidor José Albano Fragoso.1804. In: Silva 1854:.375-376; Atestado de José Albano Fragoso. 1802. In Silva 1854: 371-372; "; Consulta da mesa do desembargo do paço sobre o requerimento do comendador Antonio Gomes Barros. Palácio da Boa Vista, 18 de outubro de 1819. In Silva 1854: 382-402; Consulta da mesa do desembargo do paço sobre a representação do juiz das demarcações dos aforamentos da fazenda de Santa Cruz em que faz ver a necessidade de criar-se uma vila no lugar da aldeia de Itaguaí. Em Silva 1854: 404.

7. O Regulamento das Missões de 1845 manteve os direitos dos índios nas aldeias, decretando ser obrigação do Diretor Geral designar terras para plantações comuns, para plantações particulares dos índios e para os arrendamentos. No entanto, de acordo com as orientações assimilacionistas predominantes, ao referir-se às aldeias, decretava, em seu artigo 1 ° § 2, que se informasse ao "Governo Imperial sobre a conveniência de sua conservação, ou remoção, ou reunião de duas, ou mais, em uma só", Decreto N ° 426 - de 24 de Julho de 1845- Regulamento acerca das Missões de catechese e civilização dos Índios. In: Beozzo, 1983:169, 174. A Lei de Terras de 1850 explicitava ainda mais nitidamente a política assimilacionista do Império: reservava as terras para os índios em usufruto, afirmando que "não poderão ser alienadas, enquanto o governo Imperial, por ato especial, não lhes conceder o pleno gozo delas, por assim o permitir o seu estado de civilização"(Wolney 1983:371 citado em Motta 1998). A partir de 1861, o encargo da catequese e civilização dos índios passou ao Ministério dos Negócios, Agricultura, Comércio e Obras Públicas, evidenciando que, no século XIX, a questão dos índios tornara-se, em algumas regiões, essencialmente uma questão de terras, como afirma Carneiro da Cunha (1992).

8. Ms. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ), Fundo Presidência da Província (PP) col.115, dossiê 312, Pasta 1, n.3

9. Idem

10. Ms Arquivo Nacional (AN) Série Agricultura, IA7-1 fl.62v.

11. Ofício do Juiz de Órfãos Francisco José Fructuoso, ao presidente da Província em 13 de janeiro de 1835. Silva,1854, n ° 15:439. Para uma discussão mais ampla sobre a construção da identidade de índios aldeados, ver Almeida 2003.

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Fecha de recepción: 15 de enero de 2008.
Fecha de aceptación: 15 de abril de 2008.

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