I. Introdução
Desde as eleições norte-americanas de 2016, pesquisadores de diferentes países vêm se dedicando ao estudo do fenômeno das fake news que são informações, notícias e histórias intencionalmente divulgadas com o intuito de enganar o público (Allcott e Gentzkow 2017; Guess, Nagler e Tucker 2019, Levinson 2016, Lobo 2017). Embora esta prática sempre tenha existido no mundo, o advento da internet no final do século XX transformou a comunicação e a vida em sociedade, especialmente quando esta plataforma combinada a inovações em serviços passou a constituir no século XXI uma nova tendência conhecida como servitização (Tigre 2019).
Como afirma o autor, os consumidores se mostram cada vez menos interessados na posse de produtos e mais no uso de serviços, o que permite a hipersegmentação de mercados pelas empresas, gerando efeitos heterogêneos nas atividades econômicas. A nova economia do compartilhamento baseada na difusão de plataformas tecnológicas de serviços online permite a empresas de diferentes setores econômicos a utilização de recursos subaproveitados ou ociosos, ao mesmo tempo em que oferece ao público experiências de consumo customizadas associadas ao senso de identidade e de pertencimento a comunidades específicas.
Quando considerada no âmbito político que é o objeto deste artigo, a possibilidade de dividir um público amplo em múltiplos públicos de interesse constitui uma nova prática capaz de alterar o comportamento de eleitores e o resultado final dos pleitos nas democracias representativas? Esta foi a questão que inspirou o estudo aqui apresentado com base na constatação do uso crescente de redes sociais online para fins político-eleitorais (García-Guerrero, 2019). Elas vêm ampliando o poder de disseminação de fake news que intoxicam indivíduos e grupos gerando desconfiança, confusão e desinformação (Canavilhas, Colussi e Moura 2019, Chaves e Braga 2019, Delmazo e Valente 2018, Wilke 2020).
As redes sociais online -doravante denominadas redes sociais- agilizam a divulgação de informações, notícias e histórias que em muitos casos atingem grande repercussão sem que os usuários tenham tempo ou desejo de verificar sua autenticidade antes do compartilhamento com outros indivíduos e grupos (Calvo e Aruguete 2020). Neste ambiente em que o imediatismo é a tônica, a utilização de sites que escondem perfis falsos e de informações e narrativas distorcidas, fraudulentas, tóxicas ou totalmente fabricadas que circulam com grande rapidez tem amplo potencial de manipular a opinião pública. Configura-se um novo ambiente de pós-verdade no qual as percepções e conveniências humanas se sobrepõem à realidade dos fatos (García-Guerrero 2019, Tusa e Duran 2019, Utami 2018, Wilke 2020).
O acesso e a disseminação acrítica de informações, notícias e histórias desse tipo podem influenciar sobremaneira as escolhas humanas, inclusive politicamente (Hamelin, Mandrekar e Harcar 2019, Matassi e Boczkowski 2020). A política vem sendo capturada pelo espaço dos meios de comunicação e das redes sociais, o que vem provocando profundas transformações no funcionamento do mundo político (Ríspolo 2020). Nestes novos espaços virtuais, o voto pode ser modificado ou mesmo moldado por fake news (Wilke 2020). Com efeito, o uso de redes sociais, a cultura de partilha e a sensação de pertencimento abrem espaço para que a desinformação atinja um novo patamar (Chaves e Braga 2019, Delmazo e Valente 2020).
A disseminação de fake news em aplicativos de diferentes tipos constitui hoje uma nova prática de comunicação entre as pessoas. Neste novo ambiente marcado pelo excesso e desordem de informações circulam aquelas incorretas e falsas sem a intenção de causar danos, ao lado de outras com esta intenção precípua e daquelas de natureza privada que se tornam públicas com o intuito de promover escândalos ou destruir a reputação de figuras públicas como os políticos (Tusa e Durán 2019, Wardle e Derakhshan 2017). Como se pretende mostrar aqui, o uso de fake news como estratégia eleitoral vem sendo objeto de preocupação em diversos países.
Assim, o presente artigo aborda o tema recente da disseminação de fake news nas redes sociais a nível mundial considerando o amplo e diversificado campo da comunicação política por meio de uma revisão sistemática da literatura que difere das revisões tradicionais de natureza narrativa. Além dessa introdução, apresenta-se na seção dois esta metodologia que foi baseada na aplicação do Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA). Na seção três os resultados obtidos são descritos de maneira geral e na seção quatro eles são analisados e discutidos a partir dos artigos científicos coletados. Na seção cinco são apresentadas as considerações finais e a seguir as referências utilizadas.
II. Metodologia
Diferentemente das revisões de literatura por conveniência que exploram trabalhos considerados pertinentes sobre temas selecionados, as revisões sistemáticas avançam ao utilizarem protocolos específicos que permitem sua reprodução por outros pesquisadores, tornando-se imparcial. As bases de dados consultadas, os critérios de busca e de seleção, inclusão e exclusão de documentos são explicitados, do mesmo modo que o processo de análise realizado, sendo evidenciadas também suas limitações. A partir de requisitos pré-determinados, as revisões sistemáticas de literatura apresentam evidências científicas consistentes (Galvão e Ricarte 2019).
Elas têm o propósito de oferecer uma síntese das pesquisas relevantes disponíveis para uma determinada área do conhecimento, fenômeno de interesse ou questão particular, por isso precisam ser rigorosas, confiáveis e auditáveis. Segundo Donato e Donato (2019), as revisões sistemáticas permitem uma avaliação cuidadosa, imparcial e abrangente da literatura, desde que cumpridos quatro requisitos: pesquisa exaustiva de toda a literatura relevante disponível; utilização de uma metodologia rigorosa; definição de uma estratégia de pesquisa também rigorosa; e envolvimento de pelo menos dois pesquisadores na extração de dados e triagem de documentos.
Como afirmam todos esses autores, algumas ferramentas têm sido desenvolvidas para auxiliar a aplicação dos requisitos necessários às revisões sistemáticas, de modo a garantir sua qualidade como o Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA) aqui utilizado. Eles destacam a lista dos itens que devem constar de uma revisão sistemática (PRISMA checklist) e o fluxo dos critérios de inclusão e exclusão de documentos (PRISMA flow diagram). Galvão, Pansani e Harrad (2015) ressaltam que o objetivo do PRISMA é ajudar os pesquisadores a melhorarem o relato de revisões sistemáticas e meta-análises, contribuindo também para a avaliação crítica de revisões sistemáticas já publicadas.
É consenso entre os autores que as revisões sistemáticas pressupõem a formulação clara de uma questão de pesquisa, métodos sistemáticos e explícitos para identificar, selecionar e avaliar criticamente os documentos relevantes, bem como a coleta e análise de dados e informações. As meta-análises, por sua vez, são técnicas estatísticas que podem ser utilizadas para integrar os resultados obtidos. Rodrigues, Mello e Afonso (2019) assinalam que as revisões sistemáticas se prestam à abordagem de temas emergentes e variados, oferecendo aos pesquisadores uma visão geral dos mesmos e das lacunas a serem exploradas, sendo a aplicação do PRISMA de grande utilidade.
Como afirmam Donato e Donato (2019), ser sistemático significa ter foco na estrutura, na organização e na documentação. Assim, a presente revisão sistemática foi organizada segundo a recomendação PRISMA que indica um checklist contendo 27 itens agrupados de acordo com a seguinte estrutura comum aos textos científicos: título; resumo; métodos; resultados; discussão; e financiamento. Outra sugestão é a utilização de um diagrama de fluxo, de modo a explicitar as etapas percorridas de identificação e seleção dos textos, de elegibilidade dos mesmos e de inclusão, compondo o total daqueles a serem analisados na íntegra, como é mostrado em Figura 1.
O ponto de partida de uma revisão sistemática de literatura é a formulação de uma questão de pesquisa norteadora do processo de busca nas bases científicas de dados e informações tal como: a prática de disseminação de fake news nas redes sociais é capaz de alterar os processos eleitorais nas democracias representativas? A partir desta questão geral, foram estabelecidos os termos de busca “fake news” and “social media” nas seguintes bases considerando o período de janeiro de 2000 a dezembro de 2020: Scopus (Elsevier); Web of Science (Clarivate Analytics); Directory of Open Access Journals (DOAJ); National Library of Medicine (Medline/PubMed); e Scientific Eletronic Library Online (Scielo).
Os termos de busca foram analisados nos títulos, resumos e palavras-chaves dos documentos, tendo sido encontrados apenas a partir de 2017, o que é coerente com o que aponta a literatura, pois a expressão fake news foi adotada por Levinson (2016) ao analisar as eleições presidenciais norte-americanas de 2016 que culminaram na escolha de Donald Trump. Do total de 1.819 documentos encontrados, foram excluídos aqueles não caracterizados como artigos científicos, além de artigos científicos não disponíveis por meio de acesso aberto. Depois disso foi feita a análise dos artigos indexados nas bases de dados e retiradas as duplicidades.
Os artigos científicos selecionados até então foram confrontados com a questão formulada para esta revisão sistemática, tendo sido realizada mais detidamente a leitura e análise dos títulos e resumos, excluindo-se a seguir também alguns artigos. Esta etapa de elegibilidade foi concluída com a leitura integral pelos pesquisadores de 121 artigos científicos dentre os quais 96 foram excluídos. A etapa final de inclusão contou então com um total de 25 artigos científicos selecionados para compor o processo de análise, discussão e síntese desta revisão sistemática, tendo sido considerados os itens do PRISMA checklist.
III. Descrição Geral de Resultados
Nesta seção os resultados obtidos são descritos inicialmente de maneira quantitativa e a seguir qualitativamente, sendo sintetizados na Tabela 1. Em caráter complementar, foi realizada uma busca de citações dos artigos incluídos no google scholar em 31 de dezembro de 2020 atualizada em 15 de fevereiro de 2022, quando se verificou um aumento do número de citações na grande maioria dos artigos. Em que pese a controvérsia apontada por Donato e Donato (2019) quanto ao uso do google scholar em revisões sistemáticas, considerou-se válida sua utilização como indicador da repercussão dos artigos por tratar-se de uma base de trabalhos científicos de amplo espectro. Assim, os artigos foram ordenados pelo número de citações e ano de publicação, sendo também apresentados os autores, os periódicos em que foram publicados e a abordagem principal utilizada em cada um deles (Tabela 1).
As eleições presidenciais norte-americanas de 2016 marcaram, não apenas o uso da expressão fake news tal como assinalado por Levinson (2016), mas análises subsequentes do tema ao redor do mundo. O primeiro artigo identificado na presente revisão sistemática foi o de Allcott e Gentzkow (2017) publicado no Journal of Economic Perspectives pertencente à American Economic Association. Trata-se de um trabalho com ampla repercussão, tornando-se referencial, dado o número diferenciado de citações quando comparado aos demais.
Em 2018 foram identificados cinco artigos dentre os quais o de Delmazo e Valente (2018) com o maior número de citações no ano em relação aos outros. O artigo publicado na revista portuguesa Media & Jornalismo aborda o papel da desinformação e das fake news nas redes sociais em diferentes países. Embora com repercussão bem menor, o artigo de Utami (2018) publicado no Jurnal Ilmu Sosial dan Ilmu Politik (JSP) analisa a circulação de fake news nessas redes nas eleições da Indonésia em 2017. Manalu et al. (2018) também focalizam as eleições na Indonésia, Banerjee e Haque (2018) analisam o contexto indiano, enquanto Pangrazio (2018) aborda o envolvimento dos indivíduos no compartilhamento online e menciona países como Estados Unidos, Macedônia e Austrália.
Em 2019 foram encontrados 12 artigos dentre os quais o de Guess et al. (2019) que é o segundo mais citado após o artigo seminal de Allcott e Gentzkow (2017). Os autores também abordam as eleições norte-americanas e o papel do facebook na propagação de fake news. Os artigos de Bovet e Makse (2019) e de Pennycook e Rand (2019) figuram a seguir como os mais citados, ambos abordando o fértil cenário para análise do tema nos Estados Unidos. Os outros nove artigos publicados em 2019 apresentam número bem mais baixo de citações. Em 2020 foram identificados sete artigos, destacando-se os de Zimmermann e Kohring (2020) e de Bradshaw et al (2020) como os mais citados no ano.
IV. Análise e Discussão de Resultados
Nesta seção os resultados da revisão sistemática realizada são analisados e discutidos, de modo a oferecer uma visão abrangente e ao mesmo tempo sintética dos artigos relevantes considerados. Foram identificados como objeto de estudo dos pesquisadores dezessete países, estando a referência aos Estados Unidos presente em dez artigos que representam 59% do total de 25 artigos científicos selecionados. Com efeito, o contexto eleitoral norte-americano foi um marco, tanto na abordagem do tema no presente artigo, como nas investigações encontradas, tendo sido abordado em caráter exclusivo ou simplesmente mencionado como referência no debate sobre a difusão de fake news, como mostra a Tabela 2.
Como assinalam Allcott e Gentzkow (2017) em seu artigo seminal que conta com 5.669 citações, os Estados Unidos representa o modelo de aplicação de fake news em processos eleitorais. Os autores utilizam uma abordagem, tanto teórica, como empírica, apoiando a sugestão de alguns autores de que Donald Trump não teria chegado ao poder se não fosse pela influência de fake news. De fato, a referência aos Estados Unidos foi encontrada em grande parte dos artigos aqui selecionados. Vale destacar que o artigo de Guess et al. (2019) sobre o mesmo tema com ênfase no facebook surge em segundo lugar com 763 citações e o de Bovet e Makse (2019) sobre o tema, mas com ênfase no twitter, figura em terceiro lugar com 533 citações.
Na Europa Ocidental os países apontados nos artigos foram Alemanha, Holanda, Reino Unido e em menor escala França, Suécia e Espanha totalizando 12 menções. Cabe destacar a referência a países do Leste Europeu como Macedônia e República Tcheca no artigo de Delmazo e Valente (2018), o quinto mais citado em relação ao total de artigos (145 citações). Os autores abordam também Estados Unidos, Alemanha e Reino Unido mas destacam o Brasil, fazendo uma análise ampla do uso de fake news e problematizando, inclusive, a prática jornalística atual afetada pela concorrência das mídias digitais e pela crise de confiança dos leitores nas mídias tradicionais. Vale acrescentar a presença do Leste Europeu na referência à Macedônia feita por Pangrazio (2018) e no estudo de caso de Sutu (2019) sobre a Romênia.
Na Ásia a Índia foi objeto de quatro artigos, a Indonésia de dois e a Malásia de um somando sete artigos. O artigo de Buragohain (2019) abordando a campanha política indiana foi o mais citado dentre aqueles com foco no país (35 citações). Com repercussão significativamente menor surgem os artigos de Banerjee e Haque (2018) que analisam o papel das fake news no contexto indiano e de Hamelin et al. (2019) e Kumar et al. (2019) que abordam o uso de fake news nas campanhas eleitorais norte-americana e indiana. Na Indonésia o impacto de fake news nas eleições foi analisado por Utami (2018) em Jacarta e por Manalu et al. (2018) em Samarão, enquanto Mohd Yatid (2019) abordou o tema na Malásia.
Na América Latina o Brasil também foi objeto de quatro artigos, o Equador de apenas um e a Bolívia idem perfazendo o total de seis artigos. O cenário brasileiro foi analisado em comparação ao norte-americano e europeu no artigo de Delmazo e Valente (2018) que foi o mais citado entre os artigos voltados para a região. O ambiente de fake news e de desinformação nas eleições do Brasil em 2018 foi analisado em profundidade por Canavilhas et al. (2019) e Chaves e Braga (2019), enquanto Rodrigues e Ferreira (2020) relacionaram o tema ao populismo de direita no Brasil e de esquerda na Espanha. O Equador foi o foco da análise de Garcia-Guerrero (2019) e a Bolívia de Copa e Rodríguez (2020), cabendo destacar por fim a referência à Oceania no artigo de Pangrazio (2018), o único a abordar a Austrália.
Foi realizada ainda uma análise dos principais temas encontrados nos 25 artigos científicos selecionados a partir das palavras-chave apontadas pelos autores. Elas foram agrupadas por repetição ou similaridade, tendo sido considerados em caráter complementar os títulos dos artigos e a abordagem principal utilizada pelos autores apresentada de maneira sintética na Tabela 1. Foram então estabelecidos dez grupos temáticos podendo o mesmo artigo figurar em mais de um grupo, o que retrata a abrangência no tratamento das questões pelos autores nos vários artigos em torno da questão de pesquisa que norteou esta revisão sistemática, como mostra a Tabela 3.
Foi identificado um primeiro grupo temático intitulado Economia das Fake News no qual os termos economia das fake news, fake news e junk news foram encontrados em 17 artigos científicos que representam 68% do total de artigos selecionados. Foi identificado um segundo grupo temático com igual número de menções e de representatividade em relação ao total de artigos denominado Era Digital, Mídias e Plataformas Digitais no qual as expressões era digital, internet, mídias sociais, redes sociais, mídias digitais, plataformas digitais, facebook, instagram, youtube e whatsapp foram marcantes.
O grupo temático chamado Campanhas Políticas, Eleições e Voto emergiu do agrupamento das expressões partidos políticos, partidarismo, campanhas políticas, eleições, comportamento de votação e decisão de voto presentes em 12 artigos que representam 48% do total. Os três grupos temáticos anteriormente mencionados concentram grande parte dos artigos, o que é coerente com a questão norteadora formulada: a prática de disseminação de fake news nas redes sociais é capaz de alterar os processos eleitorais nas democracias representativas? Contudo, reflexões e questões mais amplas endereçadas pelos autores foram identificadas e distribuídas em outros sete grupos temáticos.
Assim, no grupo temático Desordem da Informação foi considerada a dimensão da incorreção e a dos danos presentes nos termos informação incorreta (mis-information), informação falsa (dis-information) e má informação (mal-information) abordados de maneira explicita ou implícita em nove artigos que representam 36% do total. De modo geral eles retratam o fenômeno das fake news como parte do ambiente atual marcado pelo excesso de informação que acaba por confundir e intoxicar diferentes tipos de público, influenciando negativamente suas opiniões e percepções, inclusive de natureza política.
Com representatividade menor em relação ao total de artigos selecionados foram identificados outros seis grupos temáticos. No grupo Democracia, Política e Liberdade de Expressão foram consideradas em seis artigos estas três palavras-chave, além de confiança na mídia, confiabilidade da mídia, regulação de conteúdo e alfabetização digital. No grupo Comunicação, Política e Fontes de Notícias foram encontradas estas três palavras-chave em seis artigos que abordam a questão da comunicação política que vem sendo profundamente alterada pela utilização crescente das mídias digitais.
No grupo intitulado Pós-Verdade, Manipulação e Mídia foram agrupados cinco artigos que apontam como palavras-chave pós-verdade, manipulação, manipulação de fotos, desconfiança institucional, consumo de mídia, percepções hostis da mídia, trotes, memes e prática memética, revelando um novo ambiente institucional no qual as percepções e conveniências humanas vem se sobrepondo à busca da verdade e dos fatos. No grupo denominado Meios de Comunicação e Marketing foram agrupados três artigos onde foram encontradas as palavras-chave meios de comunicação, televisão, propaganda, marketing negativo e comportamento abordando o papel nocivo do marketing político.
Por fim, no grupo temático chamado Populismo, Mídias e Estratégias Digitais foram agrupados três artigos recentes que estabelecem análises políticas comparadas entre países a partir do populismo como palavra-chave, sendo também utilizadas mídias digitais, redes sociais, informação incorreta (mis-information), informação falsa (dis-information), fake news e percepções hostis da mídia. Os artigos analisam o papel das mídias e estratégias digitais na formação dos populismos de esquerda e de direita. No último grupo temático intitulado Conflito Social, Redes Sociais e Eleições foi identificado apenas um artigo que menciona estas três palavras-chave e outras duas como desinformação e fake news, apontando a convergência entre a desinformação política e social e o conflito eleitoral que ocorreu na Bolívia em 2019.
Verifica-se que os três primeiros grupos temáticos concentram a grande maioria dos artigos científicos analisados, aparecendo em destaque as palavras-chave fake news (15 artigos), mídias sociais (11 artigos) e desinformação (sete artigos). Elas retratam de maneira inequívoca a articulação entre o fenômeno das fake news e a comunicação política que a crescente utilização de mídias e plataformas digitais vem permitindo em todo o mundo. O fenômeno das fake news vem interferindo nas campanhas políticas, nos processos eleitorais e nas intenções de voto dos cidadãos em várias partes do mundo. Com efeito, a democracia, a política e a liberdade de expressão parecem assumir uma nova feição no ambiente de pós-verdade que vem marcando o século XXI, em especial a partir da segunda década.
V. Considerações Finais
Este artigo abordou o tema recente da disseminação de fake news nas redes sociais no âmbito da comunicação política por meio de uma revisão sistemática da literatura, de modo a oferecer uma visão abrangente e ao mesmo tempo sintética das pesquisas relevantes disponíveis. Diferentemente das revisões narrativas tradicionais, as revisões sistemáticas adotam protocolos específicos que permitem, tanto uma avaliação ampla da literatura existente, como a replicação da investigação exaustiva realizada por outros pesquisadores, sendo caracterizada como um método rigoroso, confiável e auditável.
Quando considerada no âmbito político que é o objeto deste artigo, a possibilidade de dividir um público amplo em múltiplos públicos de interesse constitui uma nova prática capaz de alterar o comportamento de eleitores e o resultado final dos pleitos nas democracias representativas? Esta foi a questão que norteou o trabalho aqui apresentado baseada em evidências crescentes quanto à utilização de redes sociais para fins político-eleitorais. Elas vêm ampliando o poder de disseminação de fake news que intoxicam indivíduos e grupos gerando desconfiança, confusão e desinformação.
Trata-se de um tema recente, pois o primeiro artigo científico foi publicado em 2017 tendo os Estados Unidos como modelo de aplicação de fake news em processos eleitorais, por isso o país é mencionado na grande maioria dos artigos analisados. Contudo, novos casos foram estudados, tanto em países desenvolvidos, como em desenvolvimento totalizando 17 países, o que mostra a relevância e abrangência da abordagem da comunicação política na era digital, sobretudo nas décadas recentes.
Na Europa Ocidental os principais países apontados nos estudos foram Alemanha, Holanda e Reino Unido, mas também França, Suécia e Espanha, tendo sido mencionados aqueles do Leste Europeu como Macedônia, República Tcheca e Romênia. Na Ásia foram encontrados estudos sobre a Índia, além de Indonésia e Malásia, estando a América Latina representada sobretudo por estudos a respeito do Brasil, mas também do Equador e da Bolívia. A política vem sendo capturada pelo espaço dos meios de comunicação e das redes sociais, podendo dispor de novas formulações e estratégias, por isso o uso de fake news em eleições vem sendo objeto de preocupação em vários países.
No ambiente atual marcado pelo excesso e desordem de informações circulam com grande velocidade aquelas incorretas, falsas e de má qualidade sem que os usuários tenham tempo ou vontade de verificar sua autenticidade antes do compartilhamento com outros. Configura-se um novo ambiente de pós-verdade no qual as opiniões, percepções, impulsos e conveniências humanas se sobrepõem à investigação da verdade a partir dos fatos. Nesse cenário complexo, foram identificados dez eixos temáticos a partir da análise de palavras-chave, títulos e abordagem principal utilizada pelos autores nos artigos.
Os resultados indicam a articulação entre o fenômeno das fake news e a comunicação política que a crescente utilização de mídias digitais vem permitindo em todo o mundo. O exame do impacto das fake news sobre o comportamento dos eleitores e os resultados eleitorais nas democracias representativas foi a preocupação dominante nos artigos, em que pese tratar-se de um tema recente que requer, por conseguinte, novas investigações. Ainda assim, os estudos são convergentes ao problematizarem de diferentes maneiras o ambiente atual de sobrecarga de informações e seus desdobramentos econômicos, políticos e sociais, como ilustram os vários eixos temáticos identificados.
Temas como economia das fake news, mídias digitais, campanhas políticas, eleições e voto concentraram a maior parte dos artigos, conectando-se ao tema da desordem da informação também encontrado, embora em menos da metade dos artigos. A tríade democracia, política e liberdade de expressão esteve presente, ao lado de comunicação, política e fontes de notícias e de pós-verdade, manipulação e mídia. A relação entre meios de comunicação e marketing também esteve presente nos artigos, tendo sido ainda apontadas, tanto a relação entre populismo, mídias e estratégias digitais, como entre desinformação e conflito social.
Por fim, sugere-se que os temas indicados possam ser explorados com maior profundidade em novos estudos ou em futuras revisões sistemáticas de literatura, sendo interessante neste caso ampliar o período de tempo considerado, de modo a contemplar a aplicação a novas realidades, bem como a evolução das abordagens e do número de publicações. Os estudos de revisão sistemática se prestam ao tratamento de temas emergentes e variados como o que foi aqui apresentado oferecendo aos pesquisadores, tanto uma visão geral dos mesmos, como das lacunas existentes, podendo ser também utilizadas as recomendações contidas no Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA) que no presente estudo se mostraram de grande utilidade.
Fonte: Elaboração dos Autores
Fonte: Elaboração dos Autores
Fonte: Elaboração dos Autores