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Runa

versión On-line ISSN 1851-9628

Runa vol.42 no.1 Ciudad Autónoma de Buenos Aires abr. 2021  Epub 21-Abr-2020

http://dx.doi.org/10.34096/runa.v42i1.8647 

Dossier - Artículo invitado

Polícia e ladrão:uma abordagem etnográfica em pesquisa multimétodos

Police and thief:an ethnographic approach to multi-method research

Policía y ladrón:un enfoque etnográfico en investigación con múltiples métodos

Gabriel Feltran1  * 

Luana Motta2  ** 

1 Professor do Departamento de Sociologia da UFSCar e pesquisador do CEBRAP - São Paulo

2 Professora do Departamento de Sociologia da UFSCar - São Paulo

Resumo

Este artigo reflete sobre as associações metodológicas necessárias para compreender um fenômeno social tão complexo quanto a letalidade policial no Brasil. Mais especificamente, detemo-nos sobre a reação policial e repressiva aos roubos e furtos de veículos, em São Paulo. Metodologicamente, mobilizamos uma abordagem etnográfica, com reconstrução de jornadas típicas, que não se furta de utilizar outras técnicas de pesquisa, todas submetidas à reflexividade própria da observação participante e das epistemologias compreensivas. Do ponto de vista dos conteúdos, indissociáveis de qualquer reflexão teórico-metodológica, argumentamos que as taxas de letalidade policial não estão “fora de controle” ou revelam “desvio” na atuação policial. Essa letalidade, ao contrário, tem padrões muito claros de seletividade, recorrência e legitimação social, que apresentamos neste artigo articulando dados etnográficos a uma série de dados quantitativos oficiais, seja do perfil socioeconômico de regiões da cidade, seja de diferentes tipos de atividade criminal e policial.

Palavras-chave: Etnografia; Métodos; Roubo de carros; Letalidade policia; Desigualdade

Abstract

This article aims to reflect on the methodological combinations necessary to understand a social phenomenon as complex as police lethality in Brazil. Specifically, we focus on the repressive police reaction to vehicle robbery and thefts in São Paulo. Methodologically, we mobilize an ethnographic approach, with reconstruction of typical journeys, articulating it with other research techniques, all submitted to the reflexivity proper to participant observation and comprehensive epistemologies. Regarding the contents, inseparable from any theoretical-methodological reflection, we argue that police lethality rates are not “out of control” or reveal “deviation” in police action. This lethality, on the contrary, has very clear patterns of selectivity, recurrence and social legitimation, which we present in this article by articulating ethnographic data with a series of official quantitative data, whether from the socioeconomic profile of city regions, or from different types of criminal and police activities.

Key words: Ethnography; Methods; Car theft; Police lethality; Inequality

Resumen

Este artículo reflexiona sobre las combinaciones de estrategias metodológicas necesarias para comprender un fenómeno social tan complejo como la letalidad policial en Brasil. Más específicamente, nos enfocamos en la reacción policial y represiva a los robos de vehículos en San Pablo. Metodológicamente, movilizamos un enfoque etnográfico, con reconstrucción de trayectorias típicas, que no significa alejarse del uso de otras técnicas de investigación, todas ellas sujetas a la reflexividad propia de la observación participante y las epistemologías comprensivas. Desde el punto de vista de los contenidos -inseparable de cualquier reflexión teórico-metodológica-, sostenemos que los índices de letalidad policial no están “fuera de control” ni revelan “desviaciones” en la actuación policial. Esta letalidad, por el contrario, tiene patrones muy claros de selectividad, recurrencia y legitimación social, que presentamos en este artículo en el cual articulamos datos etnográficos con una serie de datos cuantitativos oficiales, ya sea del perfil socioeconómico de las regiones de la ciudad, o de diferentes tipos de actividad delictiva y de la policía.

Palabras clave: Etnografía; Métodos; Robo de automóviles; Letalidad policial; Desigualdad

Introdução

Wellington é um rapaz sorridente de pele parda e 19 anos de idade, morador de uma favela de Osasco, zona Oeste de São Paulo.1 Numa manhã nublada, novembro de 2018, o rapaz saiu de casa para fazer um serviço, no qual teria a companhia de um parceiro e vizinho, Adriano, dois anos mais novo que ele. Os dois haviam sido contratados para entregar um Citroen C4, novo, em um desmanche clandestino de veículos, que há anos opera no bairro ao lado da favela. Pelo serviço daquele dia, Wellington e Adriano receberiam, cada um, meio salário mínimo brasileiro, algo como 0,5% do valor comercial do carro. Sabendo que precisavam encontrar um carro novo, os rapazes se dirigiram de trem à Cássis, região abastada do quadrante sudoeste de São Paulo. Chegando lá no final da manhã, encontraram o Citroen perfeito, estacionado numa rua próxima a uma estação de metrô. Esperaram ali por perto até o dono aparecer. Na hora do almoço, os rapazes já dirigiam o carro novo, no caminho de volta para casa.

A Polícia Militar foi informada pelas vítimas imediatamente após o roubo. Acionaram-se todas as viaturas da região, muito patrulhada tanto pela segurança pública, como por agentes privados. A comunicação entre seguranças privados e policiais é estreita, em São Paulo, sobretudo em bairros ricos. Uma viatura localizou o veículo roubado em movimento, apenas quinze minutos depois da ocorrência. Wellington e o parceiro, que já julgavam terem sido bem sucedidos na ação, foram surpreendidos por uma sirene policial se aproximando atrás dele, enquanto dirigiam pela Rodovia Anhanguera, sentido oeste.

Wellington estava “no piloto” e se desesperou. Ao invés de parar, acelerou mais forte e entrou pela primeira estrada vicinal que encontrou, em fuga. Um quilômetro de perseguição depois, os rapazes perderam o controle do carro em uma curva fechada; o Citroen saiu da pista e despencou por um barranco de seis metros de altura, atravessando as touceiras de capim que beiravam a estrada. O carro se deteve só lá embaixo, com a dianteira apontada para um córrego. Atordoados pelo acidente, os dois rapazes ainda tentaram fugir, à pé. Os policiais se aproximaram rápido, entretanto. Adriano conseguiu se embrenhar no mato e correu. Wellington não teve a mesma sorte. Enquanto saía do Citroen, foi baleado duas vezes por tiros de uma pistola automática ponto 40. Seu corpo caiu, imediatamente.

Adriano narrou a história desses eventos para o dono do desmanche, experiente no ramo do roubo de carros, no dia seguinte. Nós, pesquisadores, estávamos na casa desse dono de desmanche, entrevistando-o para nossa pesquisa coletiva sobre o mercado veicular ilegal em São Paulo. Ouvimos juntos toda a história. Nesse mesmo dia, fotos de Wellington, de seu parceiro e do carro que roubaram, caído no córrego, estamparam as páginas de um jornal de bairro Lapa. Os policiais haviam fotografado a cena, invadido o celular de Wellington, e no jornal havia também a foto de um revólver calibre 38, antigo. No jargão policial, esse revólver é conhecido como “vela”, porque seria plantado na cena para “velar” o morto.

A versão oficial dos fatos, lavrada no Boletim de Ocorrência, diz que Wellington disparou contra a viatura, em fuga, e que a polícia respondeu aos disparos em legítima defesa. Seu parceiro nos contou outra versão dos fatos, reproduzida acima. Disse que ele próprio havia abordado a vítima com uma arma, mas que depois do acidente, na fuga, a teria levado consigo. Wellington estaria desarmado. As versões da testemunha e dos policiais são conflitantes, mas apenas uma delas circulou publicamente. O parceiro de Wellington jamais recorreu a qualquer organismo oficial, nem a nenhuma entidade de defesa de direitos humanos, pedindo investigação dessa morte. Os familiares de Wellington sentiram-se envergonhados, o filho era um ladrão. A história do jornal de bairro, que ouviu os policiais, foi exatamente a mesma do Boletim de Ocorrência.

Este artigo reflete sobre as associações metodológicas necessárias para compreender um fenômeno social tão complexo quanto a letalidade policial no Brasil. Mais especificamente, detemo-nos sobre a reação policial e repressiva aos roubos e furtos de veículos, em São Paulo. Metodologicamente, defendemos aqui uma abordagem etnográfica que não se furte a utilizar outras técnicas de pesquisa, quali e quantitativas, todas submetidas à reflexividade própria da observação participante e das epistemologias compreensivas. Na nossa perspectiva, o trabalho de campo etnográfico, com reconstrução situacional e de jornadas típicas, pode se articular produtivamente ao uso de dados quantitativos e georreferenciados, e muitas outras técnicas, na busca por inferências sociológicas.

Fonte: Arquivo pessoal do parceiro de Wellington

Figura 1 Cena do crime; Wellington com seu parceiro, horas antes de sua morte; arma apresentada pelos policiais após o crime. 

Do ponto de vista dos conteúdos, indissociáveis de qualquer reflexão teórico-metodológica, argumentamos que as taxas de letalidade policial no Brasil (que correspondem a 12% dos homicídios no Brasil, 20% em São Paulo) (Bueno; Marques; Pacheco, 2019) não está “fora de controle”, nem é caótica, tampouco representa qualquer “desvio” na atuação policial esperada. Essa letalidade, ao contrário, tem padrões muito claros de seletividade e recorrência, inclusive de legitimação social, que conheceremos neste artigo articulando dados etnográficos, extraídos de situações de observação e reconstrução de “jornadas típicas”, a uma série de dados quantitativos oficiais, seja do perfil socioeconômico das diferentes regiões da cidade, seja de diferentes tipos de atividade criminal e policial.2

A articulação entre os procedimentos metodológicos, objeto fundamental de nossa reflexão aqui, é guiada por uma questão substantiva de pesquisa: o que explica os padrões de homicídios cometidos pelas polícias, em situações de roubo e de furto numa cidade tão desigual quanto São Paulo? A pergunta poderia ser simplificada, mas mantendo-se situada: como violência policial e desigualdades se relacionam, em São Paulo? Não é fácil responder a uma pesquisa dessas, mas resolvemos encarar o desafio teórico, político, metodológico e procedimental que ela nos oferece, ao menos para contribuir com o debate. No Brasil contemporâneo, essa é uma de nossas tarefas prementes.

Etnografia coletiva, multissituada, multimetodológica, de “jornadas típicas”

Já há duas décadas a questão do roubo de carros no Brasil, especialmente em São Paulo, é um problema público (Cefaï, 2002), diretamente associado à representação do problema da violência urbana (Machado da Silva, 2010). Muitos dos pesquisadores da equipe que conduziria nossa pesquisa sobre roubo de carros em São Paulo, entre 2015 e 2019, já vinham observando a centralidade dos carros nas dinâmicas criminais, suas conexões com mercados legais, assim como notavam os esforços estatais para regular e reprimir este mercado (Fromm, 2019; Pimentel, 2019; Feltran, 2019). Iniciamos nossa pesquisa procurando compreender como o mercado (i)legal de veículos funciona. Quem são seus agentes centrais e como operam suas disputas pelas fatias do mercado? Como dinâmicas legais e ilegais se conectam nele? Quanto custam os serviços, os veículos e as peças que se transaciona, e quais as fatias apropriadas por cada um dos seus operadores? Diferentes dimensões do mesmo fenômeno, portanto, nos ajudavam a caracterizar tanto o problema público, quanto o funcionamento pragmático da economia ilegal de veículos.

Rapidamente percebemos que, para dar conta de tal problema de pesquisa, seria preciso não apenas um esforço investigativo prolongado no tempo e no espaço, mas uma combinação de metodologias. Se, por um lado, nossas experiências em pesquisa etnográfica em periferias e entre agentes de segurança pública se mostravam rentáveis, por outro, desde o início, as fontes de dados quantitativos mostravam-se fundamentais para a caracterização da escala destes mercados e de suas implicações na vida paulistana. Métodos e técnicas de pesquisa diversos, articulados sob o pano de fundo da perspectiva etnográfica, tornaram-se ferramentas para cercar um fenômeno. Não tomamos o método, portanto, como um fim em si mesmo, algo cada vez mais recorrente nas Ciências Sociais. Método foi de fato visto como meio, como forma para se atingir um objetivo.

Ao longo das primeiras reuniões de pesquisa, montamos um time no qual, durante os quatro anos de trabalho, passaram 11 etnógrafos, em diferentes momentos de formação. Partimos para uma pesquisa coletiva intensiva a partir de 2016, sabidamente multissituada e multimétodos, que seguimos desenvolvendo durante quatro anos, até que nos apareceu a possibilidade de publicar um livro como resultado do trabalho (organizado por Feltran, no prelo). Ao longo do trabalho de campo visitamos tanto bares de favelas, quanto escritórios de executivos de grandes companhias de seguro automotivo; conduzimos pesquisa de campo em pequenas cidades, em regiões de fronteira, em consulados e em “cabriteiras”, por onde carros, armas e drogas eram traficados. Estivemos em centros de inteligência policial e em desmanches clandestinos, em muitas regiões da cidade, do país e do exterior. Conduzimos entrevistas de diversos tipos em agências públicas dos poderes executivo, legislativo e judiciário. Estivemos em instituições religiosas e junto a grupos criminais. Coletamos material acerca de muitas histórias de vida, de ladrões, policiais federais, civis e militares, prefeitos e senadores. O que nos interessava era compreender como funcionava a luta pelos recursos disponíveis nos mercados de veículos ilegais, e muita gente ganha dinheiro com eles. Complementamos nossa pesquisa etnográfica construindo trajetórias típicas dos destinos dos carros roubados em São Paulo, cruzando dados quantitativos e qualitativos produzidos tanto por governos, quanto por seguradoras. Utilizamos muitos documentos oficiais, analisados sob o crivo da experiência etnográfica. Ao final deste processo, alguns mapas e tabelas analíticas, como as que apresentamos abaixo, nos ajudaram a sintetizar os achados de pesquisa.

A orientação geral do grupo de etnógrafos que foi a campo em São Paulo, Rio de Janeiro, Cuiabá, Campos Verdes, Foz do Iguaçu, San Estéban, Santos, São Carlos, Berlim, Londres e Paris, além de outros territórios, foi sempre a de se fazer duas perguntas, traduzidas em muitas outras no cotidiano, mas que guiaram centralmente nossa investigação: de um lado, “como funciona?”; de outro, “quanto custa?”. Como um carro roubado pode vir a ser vendido no mercado legal? Como funciona para torna-lo legal, novamente? Quando custa essa legalização informal? Por quanto ele será revendido? E assim por diante, em todos os circuitos sociais e mercantis estudados, traduzidos depois em cinco trajetórias típicas.

Ao final do trabalho empírico, o material coletado por nossa equipe era imenso. Centenas de diários de campo, dezenas de entrevistas transcritas, relatos de campo ditados ao gravador e áudios de WhatsApp com informações de pesquisa, bem como centenas de documentos, extratos de legislação, prints de conversas virtuais, fotografias, além de muitos dados secundários quantitativos, organizados em tabelas produzida por governos, colegas pesquisadores e pelo mercado segurador, compunham nosso material de pesquisa.

Era preciso ter um norte para analisar tanto material, de modo produtivo, e esse norte analítico-metodológico foi, para nós, a compilação de cinco trajetórias típicas de carros roubados. Elegemos por diversos critérios que não caberiam aqui, todos eles substantivos, reconstruir as trajetórias típicas de uma Toyota Hilux 2016, um Hyundai HB20 2016, um Fiat Palio 2011, um Ford Ka Sedan 2018 e uma Fiat Strada 2014. Essas cinco jornadas nos permitiam demonstrar a vastidão do mercado de carros roubados no Brasil, sem intenção representativa, mas aludindo aos diferentes circuitos ilegais e de legalização que diferentes perfis de veículos, e portanto de consumidores e ladrões, acionam tipicamente. Com esses cinco percursos organizados, reconstruídos analiticamente, foi possível enxergar como, em uma enorme diversidade, repetem-se padrões e mecanismos de reprodução de desigualdades e violência urbana.

Cuadro 1 

Carro Para onde vai imediatamente Para quê é usado Para onde vai carro ou produtos trocados Mercados, compras e vendas Outros desdobramentos
Hillux 2016 Família de Campos Verdes; Assegurada, com rastreador Atravessa fronteira com a Bolívia, 80 km distante, por cabriteiras. Fica meses em San Matias, Bolívia, circulando sem placas. Trocada por 6 kg de pasta base de cocaína Caminhoneiro traz pasta base para bairro Ermelino Matarazzo, periferia de São Paulo Parte da droga é revendida no varejo da Zona Leste; parte da droga é exportada pelo Porto de Santos Legalizada em La Paz, o governo anistia proprietários sem papeis, vira carro de família de elite; Cocaína chega a festas de periferia em SP e clubs na Europa
Strada 2014 Seo Claudio Não tem seguro Esfria na rua, em Sapopemba, próximo a uma grande avenida, por 3 dias Furtadores buscam o carro e o levam para um galpão clandestino Veículo é “cortado” no galpão e produz um “pacote” de peças de interesse comercial Caminhão é carregado no galpão, peças enviadas para Belém-PA; 3500 km distante. Nota fiscal de outra Strada, similar, “esquenta” peças em desmanches ilegais em São Paulo
HB20 2014 João Assegurado, sem rastreador Fica “descansando” no próprio bairro, por dois ou três dias, prática comum para evitar prisões. “Caçadores” da Alvorada Seguros recuperam o veículo fazendo rondas no próprio bairro. Airbag estourado Vai para o leilão da Car Auction Corp., de terça feira. Comprado por Dalton, pequeno empresário do interior do Rio de Janeiro, que revende na cidade como carro usado Peças extraídas do carro no pátio do leilão circulam no mercado informal, revendas de batidos se tornam virtuais, territórios urbanos se especializam
Pálio 2011 Sérgio Não tem seguro Levado para uma COHAB da Cidade Tiradentes Proprietário aciona o PCC, sem sucesso porque não tinha argumento válido no crime. Depois registra o B.O. Desmanchado precariamente na frente da COHAB Algumas peças ficam e outras são levadas PM encontra carro depenado na COHAB Cidade Tiradentes, depois de mais de uma semana Liga para proprietário retirar da rua. Carcaça fica na casa de Sérgio, ele pensa destinações possíveis Peças vão para o Mercado Livre (venda virtual) Proprietário vai buscar peças no desmanche ilegal, para remontar o carro, mas desiste pelo custo. Estudante compra uma porta depois de ter batido seu carro.
Ka 2018 Diego Assegurado, alugado por motorista de Uber Pesquisadores acompanham a chegada do veículo na favela, ao som do funk e no meio a muita fumaça de maconha Circula em Sapopemba por 3 meses, ilegalmente, considerando a ausência de fiscalização e a tolerância comunitária Rapazes no rolê fora da favela são vistos pela polícia, dão fuga, batem e abandonam o carro. Polícia contata a Horizonte Seguros, que o envia para leilão Dono de desmanche arremata o Ford Ka no leilão, por meio de um comprador profissional Maurício etiqueta e vende as peças no Stratus. Um dos ladrões é morto pela polícia alguns meses depois.

Fonte: Feltran, no prelo.

Como essas trajetórias se desdobram, e como elas distribuem dinheiro -desigualmente- ao longo das cadeias mercantis? A cada ponto de parada dos carros -delegacias, leilões, seguradoras etc.- nossos pesquisadores também paravam para fazer pesquisa de campo. Quem ganha dinheiro, e quem perde, com esses carros? Que atores trabalham para que as trajetórias prossigam, na medida em que elas não são fluxos autônomos, mas dependem de agência e de estruturas de oportunidades específicas (Knowles, 2014)? O que essas trajetórias nos dizem sobre o conflito urbano em São Paulo, suas manifestações violentas? Neste artigo, tratamos de uma pequeníssima parte dos resultados desse estudo, focado no tema da letalidade policial. Por que foi depois desse exercício empírico e analítico, e não antes, que desigualdades e violência urbanas se firmaram como as duas categorias centrais de nosso empreendimento coletivo.

A construção metodológica de nossas jornadas típicas seguiu, portanto, a tradição das etnografias de objeto contemporâneas (Knowles, 2014; Tsing, 2015), mas também a das “narrative analysis” (Brian Alleyne, 2014). De fato, estudar a vida social de objetos é uma tradição metodológica já consolidada nas Ciências Sociais (Appadurai, 1986; Miller, 2001; Mintz, 2003; Latour, 2005; Henare, Holbraad e Wastell, 2007; Knowles, 2014; Kopytoff, 2014; Freire-Medeiros e Menezes, 2016). Mas não apenas nelas: “seguir o dinheiro”, por exemplo, é um dos métodos mais consolidados também nas investigações policiais dedicadas a compreender a operação de redes complexas do “crime organizado”. Recentemente, trabalhos seminais como os de Tsing (2015) e Knowles (2014) elevaram essa tradição a uma escala transnacional, e teoricamente inovaram ao focar não apenas nas trajetórias ou jornadas como conectores fundamentais para a compreensão de um mundo social globalizado, mas nos efeitos teóricos da operação metodológica por elas empreendida. Para muito além da ideia de fluxos, assemblages e linhas de força descarnadas, as autoras propõem uma teoria embedded em situações empíricas concretas. E, portanto, muito plurais.

Nessa forma de trabalhar, a própria construção formal das narrativas se tornou parte do trabalho metodológico-analítico. As jornadas de nossos cinco carros roubados/furtados foi uma composição, por agregação, de situações e personagens que conhecemos em campo, a partir do critério de plausibilidade e de tipicidade. As jornadas dos carros, analiticamente reconstruídas, deveriam ser típicas, ou seja, deveríamos reconstruir a cadeia de eventos nos quais elas se inscrevem segundo o perfil dos eventos que foram usualmente, com frequência, encontrados em campo. Não optamos na reconstrução dessas trajetórias típicas, portanto, por cenas excepcionais, ou por situações-limite, mesmo que observadas em campo. Optamos por aquelas cenas e situações repetitivas durante a pesquisa, ou repetitivas nos dados secundários analisados, como é repetitiva a morte de rapazes como Wellington, depois de roubos de veículos em regiões ricas da cidade.

O que fizemos analiticamente, portanto, foi agregar cenas típicas a começar pela cena de roubo do veículo; depois, as destinações imediatas típicas, depois as formas típicas de tentativa de recuperação em São Paulo (via seguradoras, polícia ou recurso a atores do mundo do crime), bem como as formas repressivas usualmente encontradas, a entrada dos carros roubados nos mercados legais, e assim por diante. Quando havia dados quantitativos confiáveis, eles foram o critério fundamental da construção de nossas jornadas. Se as seguradoras recuperam muito mais carros que as polícias em São Paulo, se os ladrões de carros são jovens em geral das favelas, ou se os desmanches têm perfis muito heterogêneos, por exemplo, essas se tornaram características reconstruídas nas jornadas. Se a polícia mata muitos ladrões de carro em São Paulo, mas a proporção é a de um ladrão morto pela polícia em centenas de roubos ou furtos, decidimos que nenhum dos nossos cinco casos terminaria com um ladrão morto, embora este seja um fenômeno importante para ser discutido, como fazemos neste artigo. E assim foi, a cada tomada de decisão quanto aos percursos apresentados, num longo trabalho analítico que nos levou um ano inteiro. Muitos testes, com diferentes versões das jornadas, nos levou às trajetórias que construímos, guiados pelos critérios da plausibilidade e da representatividade.

Cercando o fenômeno: a associação metodológica em ação

A morte de Wellington não foi excepcional. Entre 2012 e 2016, de 60% a 70% dos homicídios cometidos por policiais no município de São Paulo foram relacionados a roubos e furtos de veículos (Sou da Paz, 2019; Godoi et al., 2020). As polícias são responsáveis, no estado de São Paulo, por um a cada cinco homicídios registrados no estado (Bueno et al., 2019). O perfil socioeconômico das vítimas desses homicídios é exatamente o de Welington: homem, jovem, negro. Perfil semelhante também ao da maioria das vítimas dos homicídios totais em São Paulo; durante as últimas décadas, todos os dados oficiais e produzidos por organizações civis (Programa de Aprimoramento das Informações de Mortalidade (PRO-AIM), Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), Instituto Sou da Paz) são repetitivos em afirmar que mais de 90% das vítimas desses diferentes tipos de homicídios são homens; que de 70 a 75% deles são jovens entre 15 e 29 anos de idade; que mais de 60% deles são negros; e que cerca de 80% deles são moradores de favelas e bairros pobres. Mais impressionante é o fato dessa regularidade -homem jovem negro de periferia- se repetir não apenas no estado de São Paulo, mas também nos outros 26 estados do Brasil (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA, 2019).

No debate público, costuma-se atribuir essas correlações a uma única causalidade: o rapaz teria morrido porque é negro, ou porque é favelado, ou porque é ladrão. Embora seja evidente que essas características componham decisivamente o conjunto de causalidades, nas etnografias realizadas nos últimos quinze anos verifica-se que jovens negros e favelados de perfil “trabalhador”, como os que frequentam cursos técnicos ou mesmo as universidades do Brasil pós-ação afirmativa, estão muito distantes de conflitos letais. Ladrões ricos tampouco são mortos, no Brasil, e os escândalos de “corrupção” dos últimos anos demonstram que eles não são poucos. As causas da regularidade no perfil das mortes seguramente interseccionam o fato de jovens negros e favelados ocuparem, por excelência, os postos mais baixos nos mercados ilegais de drogas, armas, veículos e roubos (Hirata, 2018; Feltran, 2019, 2020). Morrem prioritariamente jovens negros favelados e que estão inscritos nos degraus baixos dos mercados ilegais, como Wellington.3 Essa regularidade nos diz muito, e principalmente, a respeito dos modos de atuação das polícias militares. Ela também parece nos dizer algo sobre os territórios urbanos, na medida em que, ao contrário do que se costuma pensar, essas mortes não se concentram nos territórios mais pobres e mais negros da cidade, mas nas fronteiras do conflito urbano entre ricos e pobres.

Tomemos as duas áreas em que mais ocorrem roubos e furtos de veículos, em São Paulo, para analisar a seletividade dos modos da atuação policial, e da letalidade policial na cidade. Os fenômenos do roubo e do furto, no Brasil, envolvem grupos sociais bastante distintos. A distinção entre esses tipos de crime manifesta-se, também, em regiões diferentes da cidade. O maior número absoluto de roubos, e também a maior soma de roubos e furtos, de modo regular durante os anos 2010, acontecia no distrito policial de São Mateus, zona Leste da cidade, ao lado de Sapopemba, onde fizemos boa parte de nossa pesquisa de campo.

Gráfico 1 Boxplot do número de roubos de veículos (Distritos Policiais, Município de São Paulo, 2012-2016). 4  

O distrito policial de São Mateus lidera o número de roubos de veículos, com quatro vezes mais ocorrências do que a média da cidade e acima mesmo de bairros vizinhos, também muito marcados por esse tipo de crime violento, como Sapopemba. A região administrativa na qual estão os distritos policiais de São Mateus e Sapopemba, embora heterogêneas, são predominantemente pobres. Esta região administrativa na área Leste da capital também lidera a soma entre roubos e furtos em São Paulo, seja em números absolutos, seja em taxas por 100 mil habitantes. Por outro lado, o gráfico abaixo nos demonstra que os maiores números absolutos de furtos de veículos, portanto sem uso de violência, concentram-se em uma das regiões mais ricas da cidade, a área contígua entre Lapa, Pinheiros, Perdizes e Vila Leopoldina, região Oeste da capital. As médias ali são três vezes mais altas que as da cidade, e as taxas por 100 mil habitantes também indicam o mesmo comportamento dos números absolutos.

Gráfico 2 Boxplot do número de furtos de veículos (Distritos Policiais, Município de São Paulo, 2012-2016) 

A partir de um trabalho cuidadoso de compatibilização entre os distritos policiais e os distritos administrativos da cidade, realizado por sobreposição cartográfica dos mapas e delineamento dos distritos censitários de cada distrito policial, sugerimos abaixo um olhar específico para a letalidade policial relacionada a roubos e furtos de veículos, nessas duas áreas de concentração de crimes. Chamaremos de “Zona A” aquela composta pelos distritos administrativos da Lapa-Vila Leopoldina, contidos no quartil mais rico da cidade, na zona Oeste de São Paulo, e de “Zona B” a área composta pelos distritos de São Mateus-Sapopemba, no quartil mais pobre de São Paulo, territorializado na zona Leste, onde concentram-se os roubos à mão armada.

Nossa equipe de pesquisa conheceu bem as duas áreas. Nos arredores da Zona A situam-se as principais universidades públicas e privadas da cidade de São Paulo, parte significativa da vida boêmia das classes médias, brancas e escolarizadas, além de muitos escritórios comerciais de profissionais liberais e da chamada “indústria criativa”, como produtoras de cinema, estúdios e equipamentos culturais. A Zona A é, por isso, local de grande concentração de carros novos. É um espaço de elite, e os territórios das elites são muito protegidos pelas forças da ordem: tanto policiais civis quanto militares, bem como agentes de segurança pública e privada, são muito visíveis nessa parte da cidade. Nossa equipe também conhece a Zona B há muitos anos, mas por outros motivos. Composta por distritos pobres que mesclam favelas, conjuntos habitacionais e loteamentos autoconstruídos, a zona é cortada por grandes avenidas comerciais, muitas delas dedicadas ao comércio de veículos e autopeças. Trata-se de uma região ocupada por migrantes internos, sobretudo a partir dos anos 1950 e, desde então, marcada pela sociabilidade operária. Percentuais mais altos de população negra, como o Mapa 3 demonstra adiante, caracterizam a Zona B, lócus de trabalho de campo intensivo da nossa equipe não apenas nesse projeto, mas em diferentes pesquisas anteriores (Feltran, 2011, 2020; Diniz, 2016; Maldonado, 2020).

Na Zona B as polícias são menos presentes do que na Zona A mas, sobretudo e como veremos, elas têm ali práticas diferentes. Moradores das favelas da Zona B costumam crescer temendo as polícias, nunca sentindo-se protegidos por elas. Quando assumiu o comando da força de elite da Polícia Militar em São Paulo, as Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar -a Rota, o Tenente-Coronel Pedro Silveira admitiu e reforçou esse modo distinto de atuar em cada região da cidade. À frente da corporação mais conhecida pela alta letalidade policial, o comandante afirmou o que todos sabemos:

[na periferia] é uma outra realidade. São pessoas diferentes que transitam por lá. A forma do policial abordar tem que ser diferente. Se ele for abordar uma pessoa [na periferia] da mesma forma que ele for abordar uma pessoa aqui nos Jardins [região nobre de São Paulo], ele vai ter dificuldade. Ele não vai ser respeitado. [...] O policial tem que se adaptar àquele meio que ele está. [Tenente Coronel Pedro Silveira, 23/8/2017]5

Tendo as características desiguais das Zonas A e B em mente, e sabendo que nelas circulam “pessoas diferentes”, vejamos como a letalidade policial se comporta no espaço urbano, a partir da análise do universo de todos os 183 Boletins de Ocorrência relacionados a mortes cometidas por policiais envolvendo veículos roubados/furtados nas cenas de crime, em um único ano:

As percepções da literatura etnográfica das últimas décadas, e dos dados quantitativos de letalidade policial, parecem demonstrar o que esse mapa também sugere: a letalidade policial marca as fronteiras do conflito urbano em São Paulo. Fronteiras raciais, de renda, escolarização, acesso a serviços essenciais e infraestrutura urbana. As mortes cometidas em situações que envolvem roubo e furto de veículos não se concentram, como se nota, nos extremos da cidade, mais negros e pobres; elas se concentram, como aconteceu no caso de Wellington, nas fronteira tensas entre áreas ricas e pobres, entre áreas mais brancas e mais negras (Feltran, 2008, 2011).6

Com o Mapa 3 em mãos, retornamos detalhadamente a cada um dos Boletins de Ocorrência dos casos de homicídio nas Zonas A e B, sempre que possível também consultando notícias de imprensa encontradas a partir deles. Quanto mais reconstruíamos as circunstâncias das mortes cometidas por policiais em cada área, mais percebíamos que o roubo de um veículo é suficiente para que legitime-se a morte do ladrão, na Zona B. Dez das treze mortes cometidas por policiais naquele ano derivaram de roubos de veículos populares, sem ações criminais subsequentes. Foram 11 ocorrências policiais, que resultaram em 13 mortes registradas, como veremos na Tabela 1 abaixo. Nessas áreas periféricas como a Zona B, muito menos cobertas por seguros de automóveis, jovens negros roubando carros de trabalhadores geram perda patrimonial significativa, uma vez que muitos não podem pagar por seguro e, por isso, têm prejuízos evidentes quando são vítimas de roubo ou furto.

Fonte: Elaboração própria - com apoio de Bruna Pizzol e Edgard Fusaro - a partir de dados de Boletins de Ocorrência do DHPP/SP e Distritos Administrativos (PMSP).

Mapa 1 Localização do universo de homicídios cometidos por policiais envolvendo veículos ilegais; destaque para zonas de mais alta incidência de furtos de veículos (Zona A) e de mais alta incidência de roubos de veículos (Zona B) [Município de São Paulo, 2012] 

São as classes médias e médias-baixas das periferias -que nos anos 1980 pagavam “justiceiros” para “limpar” seus bairros de pequenos ladrões, e que em 2020 produzem a crescente legitimação popular das ações policiais violentas nos seus territórios. São eles os que, na padaria, comentam pela manhã as notícias de atuação policial como a que vitimou Wellington. O populismo penal, em São Paulo, dirige-se sobretudo a esses grupos sociais e, durante a década de 2010, legitimou progressivamente não apenas a eleição de Jair Bolsonaro, mas todo um conjunto de políticos policiais e evangélicos cuja plataforma é a segurança, nos moldes velho-testamentistas do olho por olho, dente por dente.

Na Zona A, escolarizada e rica, há parcelas amplas da população que retoricamente defendem os direitos humanos e se mobilizam contra a violência policial, mesmo que ela lhes seja distante; isso de alguma forma controla externamente a atuação policial, mais técnica na região. No entanto, nesta mesma Zona A, o núcleo duro das elites não apenas legitima a ação policial letal nas periferias como, mais do que isso, reforça o armamento da segurança de seus próprios bairros. Ali na Zona A, que tem em média 83% de população branca,7 a polícia age de modo muito mais pontual, muito mais preciso. Mas se necessário, de modo muito mais letal do que nas periferias. Essa diferença é o que indicam os dados da Tabela 1 que relaciona a letalidade policial das Zonas A e B, onde respectivamente há maior incidência de furtos e roubos de veículos, na cidade de São Paulo:

Tabela 1 Roubos e furtos de veículos por letalidade policial (Zonas A e B, números absolutos, 2012). 

Furtos de veículos Roubos de veículos Mortes após furto Mortes após roubo Furtos/ Morte Roubos/ Morte
Zona A quartil mais rico zona Oeste (Lapa-Vila Leopoldina) 2109 600 2 7 1.054,5 85,7
Zona B quartil mais pobre zona Leste (São Mateus-Sapopemba) 1376 2297 0 13 - 176,7

Fonte: Elaboração própria, a partir de compatibilização de dados da SSP/SP (Roubo e Furto de veículos/Distritos Policiais) aos Distritos Administrativos (PMSP), utilizando dados do IBGE Censo 2010 e banco de letalidade policial do DHPP/SP.

A resposta policial relativa aos roubos de veículos é, como se nota, muito mais letal na Zona A, embora mate-se muito mais, em números absolutos, na Zona B. Em média, na Zona A a polícia mata um ladrão a cada 85,7 roubos. Na Zona B rouba-se quase quatro vezes mais carros, e até que a polícia cometa um homicídio há, em média, duas vezes mais roubos. Os furtos de veículo, crime patrimonial sem violência, não geraram nenhuma morte na Zona B no período estudado, mesmo que o número de ocorrências seja enorme; na Zona A é preciso, na média, que ocorram mais de mil furtos para que haja uma morte e, como veremos a seguir, o furto não foi exatamente a causa única dos homicídios cometidos ali por policiais. Quanto mais estudávamos as situações de letalidade na Zona A, mais ficava claro que as mortes cometidas pela polícia naquela parte da cidade não ocorriam após roubos simples de veículos, como ocorreu com Wellington, ou como é comum na Zona B. Em todos os casos de mortes na Zona A, naquele ano, tratava-se de roubos ou furtos de veículos que, em seguida, foram usados em outra ação criminal mais grave (assaltos a residências, fábricas ou “sequestro-relâmpago”). Foram apenas quatro ocorrências policiais desse tipo, na Zona A, mas elas resultaram em nove pessoas mortas.

Repleta de policiamento civil, militar, público e privado, a Zona A tende a ser considerada “muito tranquila” pelos moradores (Araujo Silva, 2017). Não é tranquila, definitivamente, para quem rouba por ali. Sabendo do risco muito mais alto de serem mortos, escutamos diversas vezes de ladrões experientes que eles evitam roubar nas áreas mais ricas da cidade. Não conhecem o território tão bem, e sabem que o controle policial é muito mais estrito. Concentram suas ações armadas, portanto, em territórios próximos dos que vivem. Um ladrão nos disse, certa vez, que “tem caixa eletrônico mais perto, porque eu iria tão longe pra roubar”? O número de roubos violentos é, por isso, muito menor na Zona A se comparado à Zona B. A conflitividade armada se instala, preferencialmente, nos distritos de fronteira, em que há áreas de classe média e classe média baixa próximas a favelas. Reparemos como são mais esparsos e frequentes os homicídios na Zona B. É esse mecanismo de resposta estatal seletiva quanto ao território e aos perfis populacionais de cada território que, gerando reações do mundo do crime, termina por plasmar fronteiras urbanas críticas para a reprodução da violência nas periferias da cidade.

Quando o crime é apenas patrimonial, como no caso de furtos, a comparação entre as Zonas A e B demonstra também seletividade evidente; a repressão violenta da polícia é muito menor nesses casos, se comparada aos casos de roubo, e também muito mais forte na Zona A. Os proprietários das duas zonas, igualmente, terão proteções distintas com relação ao patrimônio. O seguro protege os mais ricos, mas não os mais pobres.

Na Zona A, a força letal é usada para produzir efeito demonstração, “mostrar quem manda”, como nos disse um policial entrevistado. A violência letal é empregada não apenas porque um veículo foi roubado -as prisões cuidam disso nas áreas ricas, e a polícia paulista sabe agir sem matar quando quer. Ela mata, entretanto, quando os códigos do conflito urbano que opõe policiais e bandidos são desrespeitados. Ou seja, quando “quem manda” naquele território é desrespeitado, em evidente alusão ao poder masculino comunitário. Três das mortes daquele ano de 2012, na Zona A, ocorreram quando, depois de roubarem um carro para este fim, três ladrões tentaram assaltar a residência de um policial, onde havia muitas armas. Foram rendidos e executados. Outras duas depois que um policial foi baleado por um ladrão em um carro furtado, três outras após um assalto a uma fábrica, utilizando carros roubados um pouco antes. Além disso, na Zona B a força policial é apenas uma dentre as forças armadas potencialmente acionáveis do local, e sabe-se disso muito bem. Os policiais definitivamente “não mandam” nas periferias da mesma forma como mandam nas áreas centrais. Suas ações são voltadas para proteger comerciantes, motoristas ou trabalhadores mais especializados, que as legitimam. “O policial tem que se adaptar àquele meio que ele está”, como nos disse o comandante Pedro.

Nas áreas predominante ricas e brancas como a Zona A, onde se concentra boa parte da riqueza da cidade, a polícia não tolera “invasores” desse perfil, sobretudo os que agirem violentamente. É dela, da polícia estatal, o monopólio legítimo da força na Zona A. Nas áreas de fronteira como a Zona B, as polícias disputam essa hegemonia armada com o “mundo do crime”, o PCC. Nelas, aliam-se aos setores dominantes locais -também brancos, mesmo que subalternos na cidade como um todo. A média de população branca em todo o distrito de Sapopemba era de 57,6%, com 41,7% de negros, enquanto nas favelas de Sapopemba, os brancos eram apenas 28,9%, os negros 68,1% (Oliveira, 2017). As polícias fazem controle também das fronteiras internas às periferias, que separam esses grupos dominantes locais daqueles mais pobres, os favelados. Novamente, as desigualdades agora capilares, internas à Zona B, recortam as populações em diferentes lados do conflito urbano.

“Adaptar-se ao ambiente”, como diz o comandante da Rota, significa então adaptar-se ao que desejam as elites locais, da estatura que forem, bem como aos seus sensos de justiça prevalentes; sejam eles mais afeitos à legalidade estatal moderna, no caso da Zona A, ou mais afeitos às normatividades velho-testamentistas comunitárias, no caso da Zona B. Mais moderno ou religioso, quase sempre uma mistura deles, esses sensos de justiça compõem regimes normativos, de governo disciplinar ou biopolítico, que de modo algum dispensam a utilização do poder soberano sobre vida e morte (Foucault, 1976; Stepputat, 2013; Hirata, 2018). As polícias brasileiras matam tanto em áreas ricas quanto pobres, com práticas e segundo regimes normativos diferentes, mas executando a mesma função social: proteger as elites locais, mais brancas e proprietárias, das ameaças que identificam nos setores mais pobres e negros, historicamente alijados da grande acumulação que, a partir dos anos 1980, só se tornou plausível a partir dos mercados ilegais. Eis o conflito fundamental.

É nesses setores mais pobres e negros, e em torno da disputa pela riqueza material e social dos mercados ilegais, que se prioriza o recrutamento criminal de Wellingtons, Michaels e Israeis para ações violentas, e é entre esses recrutados que se constitui o perfil preferencial da reação policial que encarcera e, se preciso, mata: pessoas jovens, negras, faveladas. Proteger os mais brancos -que controlam as corporações policiais por cima e, por isso, as Secretarias de Segurança Pública, mas que também legitimam a violência policial por baixo- tanto de crimes patrimoniais quanto da ameaça violenta que vem do mundo do crime das favelas parece ser a função por excelência do corpo policial.

Rapazes como Israel, Índio e Michael, que encontramos ao longo da pesquisa, expõem suas vítimas à violência armada potencial: os latrocínios, no Brasil, representam de 2-3% do total dos homicídios, cerca de 1.500 assassinatos por ano. Mas essa posição subalterna nos mercados ilegais, portando armas de fogo, expõe ainda muito mais os próprios ladrões -jovens pobres e negros da periferia, subcontratados pelos mercados ilegais- a uma potencial reação armada. No caso dos roubos de veículos, ouvimos na pesquisa relatos recorrentes de rapazes do perfil de Israel, Wellington ou Michael mortos em ação. Eles são baleados seja por reação armada do proprietário do veículo, seja por policiais que presenciam a cena ou que os perseguem depois dela. Três quartos dos homicídios no Brasil -algo em torno de 45 mil assassinatos por ano- vitimizam esse perfil.

Essas relações se tornam reificação seletiva de “tipos” urbanos, territórios e espaços sociais, um dos mecanismos mais diretos de reprodução de desigualdades persistentes em São Paulo (Bourdieu, 1997; Misse, 2010). Os efeitos dessa repressão diferencial, que se autoconfirma pela reificação desses territórios e seus rótulos, vão para muito além das mortes em si. Se a Zona A concentra carros mais novos, mas reprime muito radicalmente os roubos violentos, ladrões dali são impulsionados a uma muito maior especialização, se comparados aos que agem nas periferias. A Tabela 1, acima, nos mostra que a proporção na Zona A é de mais de 3 furtos para cada roubo, enquanto na Zona B há quase 2 roubos por furto. A reprodução de violência desigualmente aplicada nos territórios é, a partir desse mecanismo, imediata. Quanto mais especializadas as quadrilhas e os operadores, mais eles optam por furtar, não por roubar. Muito menos arriscada e muito mais rentável aos mercados é, para eles, a atividade do furto. Em especial quando estão nas fronteiras que separam brancos e negros, ricos e pobres, onde os crimes sem violência muito dificilmente serão investigados ou resolvidos.

Nenhum inquérito

Ações muito letais das polícias e as políticas de segurança, bem como as estratégias explícitas de ampliar muito o encarceramento provisório, têm tido forte legitimação social e, inclusive popular. Como muitos moradores de periferias que tiveram seus carros roubados, que não têm recursos para ter proteção do seguro, nem têm o direito de ter seu carro recuperado pelas polícias, que sabem que os ladrões de seu carro vieram da favela, e passam a ter ódio de todos os sujeitos de lá, que se parecem com Wellington e seu parceiro. A fala política que diz que o mundo está degenerado, e que se apresenta como restituidora da ordem pública, enunciada por Bolsonaro e seus aliados, canta como música aos seus ouvidos.

Por essa legitimação social e política recentes da atuação policial, não houve um inquérito para investigar a morte de Wellington. Não seria nem plausível que houvesse, em casos assim. A repercussão pública das mortes não é ligada, tampouco, à adequação da atividade policial. Discute-se mais como Wellington e seu parceiro, numa das fotos, “ostenta” uma garrafa de uísque, tentando representar a abundância e o desfrute da boa vida, ou vida loka, como se diz em São Paulo. “Morrer é parte dessa vida”, ouvimos em pesquisa de campo. Houve comoção entre os familiares e amigos, na comunidade em que Wellington vivia. Falou-se do caso por dois dias, para que todos soubessem do ocorrido, no ambiente comunitário, e dois muros foram pichados com seu nome, como usualmente acontece (Cozzi, 2018). O velório e o enterro de Wellington foram silenciosos, com poucos presentes, entretanto. Nesses casos, em que as vítimas morreram cometendo crimes, poucos se mobilizam para os funerais e as famílias se envergonham do tipo de morte que seus filhos tiveram.

A distribuição desigual da força letal, no tempo e no espaço, é um dos componentes mais fundamentais da percepção, presente em setores significativos das favelas, de que os governos jamais as protegerão. Por isso, exatamente, é que esses mesmos setores das favelas -sobretudo os ligados a mercados ilegais- consideram imperativo que as favelas se protejam por elas mesmas. A desigualdade da implementação da violência estatal, historicamente, relaciona-se então diretamente com a emergência de ordens coexistentes à estatal, em geral sustentadas por facções criminais, e nas últimas décadas, em São Paulo, ao PCC.

Por isso a versão dos policiais acerca da morte de Wellington foi a única que circulou publicamente e, em seguida, foi acolhida pela justiça. Os números de policiais condenados por casos assim, como as entidades de defesa de direitos humanos repetitivamente demonstram, no Brasil todo, são próximos de zero (Misse, Grillo e Neri 2015). O processo gerado pela morte é registrado como “auto de resistência”, como “resistência seguida de morte”, ou formas correlatas de documentar a letalidade policial, formas que vão mudando com o tempo e em cada estado da federação, dificultando a precisão dos números. Seja sob qual forma estejam registrados, oficialmente, esses processos de homicídios cometidos por policiais são arquivados pela justiça, e o assunto está oficialmente encerrado.

A alta letalidade policial das cidades brasileiras é protegida, portanto, não apenas pelo corporativismo das forças da ordem, mas também por sua força política, amparada tanto em suas armas quanto na legitimidade social de que desfrutam. Legitimidade que extrapola o tecido social e religioso, e se manifesta também na performance jurídica. Legitimidade tamanha em 2020, que o governo de Jair Bolsonaro chegou a enviar à Câmara de Deputados, um “pacote anticrime” no qual policiais que matassem em serviço seriam enquadrados automaticamente em cláusula de “excludente de ilicitude”. Não haveria sequer a necessidade de percorrer todo o rito jurídico até uma decisão judicial, nesses casos. A polícia, considerada a priori no lado certo da guerra, estaria decisivamente liberada para matar.8

Na matéria que noticiava a morte de Wellington, não havia tom jornalístico. Afirmava-se que um dos “malas” -jargão policial para bandido- que tinham roubado um carro não estava mais no mundo do crime, porque estava morto. Não houve outra versão pública sobre o caso, nem qualquer reação da família da vítima ou de entidades de defesa dos direitos humanos. Homicídios cometidos por policiais, na representação da “violência urbana”, são acréscimo de ordem, não de desordem. Há anos programas populares de rádio e TV, em todo o Brasil, difundem essa perspectiva sobre violência e segurança, mas também sobre o que devem fazer as polícias. Desde 2016, a esses programas somou-se forte propaganda policial por mídias sociais, nos bairros de São Paulo. Grupos de vizinhos compartilham fotos de “suspeitos” que andam pelas ruas, e há sempre um policial no bairro, responsável por imediatamente acionar seus “colegas”, e não a instituição policial, para averiguar, ou resolver a situação. Muitos trabalhos discutem a militarização urbana em São Paulo -menos produzida pelas Forças Armadas, e muito mais pelas polícias militares; essa militarização se faz em perfeita sintonia com a militarização da política, em plano mais amplo.

Sempre que um carro é roubado, também por isso, a resposta oficial se divide em duas frentes. Enquanto as polícias devem se ocupar de perseguir, prender ou punir os suspeitos, achacá-los quando possível e se apresentarem como uma “força do bem”, as seguradoras ocupam-se de tentar recuperar os veículos roubados de seus clientes. Em suma, a reação estatal foca na punição aos ladrões -letal, encarceradora, burocrática- como forma de constituição de uma comunidade moral-religiosa afeita à ocupação de espaços na política. As seguradoras vão noutra direção, e pensam sobretudo no mercado.

Wellington foi a primeira vítima de homicídio com quem nos deparamos, na pesquisa coletiva. Para os pesquisadores mais jovens da equipe, essa foi também a primeira vez que acompanharam, de mais perto, um caso de homicídio em São Paulo. Para os pesquisadores mais experimentados, entretanto, Wellington era mais um dos inúmeros casos que conhecemos de jovens moradores de favelas e periferias, operadores baixos de mercados ilegais, mortos após realizarem furtos ou roubos.

Cada um desses casos provoca impacto pessoal, faz refletir sobre a morte e assenta uma nova camada de conhecimento sobre o conflito urbano em São Paulo. Para nós, refletir é um modo de elaborar essas experiências limite, para que elas um dia possam ser racionalmente pensadas. Foi associando métodos que pudemos compreender como o caso singular de Wellington -com sua cor de pele, perfil social do bairro em que mora, idade e atividade no mundo do crime- sua morte e o modo como se lidou com ela se inserem em uma dinâmica marcada pela recorrência. Todas as características eram muito recorrentes nas estatísticas de homicídios da distribuição dessa violência letal pelos territórios de São Paulo ao longo das últimas décadas, e por isso permitiram a reconstrução analítica de jornadas de pessoas e objetos. Os dados quantitativos de letalidade, a etnografia de situações e a análise espacial georreferenciada nos permitiram elhor caracterizar o fenômeno da violência/insegurança em suas múltiplas dimensões. Desse modo, pudemos desvelar alguns dos mecanismos pelos quais se gerencia a violência estatal nos territórios urbanos em São Paulo, e como eles estão ligados à reprodução de desigualdades persistentes. Mas também exercitamos o pensamento relacional para fugir da polaridade ladrão versus bandido, bem versus mal, e capturar as balizas da ação de cada sujeito -fincadas no mundo ordinário, e não extraordinário; no mundo cotidiano em que vivemos todos, e não num mundo espetacular -e abjeto- em que os outros viveriam, em confronto com nossas vidas saudáveis. A reflexividade etnográfica, ao final, seguiu sendo nossa abordagem metodológica principal, mesmo que outras tantas técnicas de pesquisa tivessem sido empregadas. Mapas, tabelas e números nos ajudaram muito, trazendo conteúdos fundamentais à compreensão do fenômeno que nos interessava, a atividade policial em São Paulo; mas o fenômeno só é compreendido quando esses dados, e essas técnicas, estão submetidos àquele quadro reflexivo etnográfico, que por ser reflexivo e saber onde se situa, defende hoje mais do que nunca a relevância pública do trabalho propriamente intelectual, do pensar com a técnica, mas também por sobre os limites de cada técnica.

Agradecimentos

Este texto está baseado em pesquisa coletiva (processo FAPESP 2013/07616-7), que contou também com o trabalho de Deborah Fromm, Gregório Zambon, André de Pieri Pimentel, Janaína Maldonado, Isabela Pinho, Lucas Alves, Juliana Alcantara e Luiz Gustavo Pereira. Partes deste texto contaram com comentários e apoio de Daniel Hirata, Evandro Cruz, Edgard Fusaro, Daniel Waldvogel, Rafael Rocha, Mariana Giannotti e Bruna Pizzol. Ao saberem sobre nossa pesquisa, Carolina Grillo e Rafael Godoi nos ofereceram gentilmente suas fontes sobre letalidade policial na cidade de São Paulo, cuidadosamente compiladas para o ano de 2012. Agradecemos a cada um destes pesquisadores pelo seu esforço, mas sobretudo por fazermos parte de uma rede de pesquisa tão substantiva, generosa e colaborativa. Quaisquer equívocos, no entanto, são de inteira responsabilidade dos autores.

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1 . Todos os nomes próprios de pessoas são fictícios ou foram trocados para evitar a identificação de nossos interlocutores de pesquisa. O mesmo foi feito com os nomes de bairros, quando a informação do nome verdadeiro permitisse identificar nossos interlocutores.

2. A compatibilização entre dados da Secretaria de Segurança Pública (produzidos por referência a Distritos Policiais) e dados do IBGE (produzidos por distritos censitários) foi feita graças aos subsídios da equipe de pesquisa do Centro de Estudos da Metrópole (Processo FAPESP 2013/07616-7).

3. O estado de São Paulo exibiu decréscimo consistente de mais de 80% das taxas de homicídio totais, entre 2000 e 2020. A letalidade policial subiu, no período. As causas da singularidade de São Paulo frente ao país, onde as taxas totais de homicídio foram crescentes no período, é polêmica na literatura especializada. A hipótese mais aceita tem sido a de participação decisiva do PCC para esses resultados (Lessing, 2017; Willis, 2015; Feltran, 2010, 2020; Cordeiro, 2018; Hirata, 2018). A literatura sobre homicídios na América Latina carece de uma teoria consistente para compreender como se dá a regulação pragmática da violência letal na região (Manso, 2002; Peres, Feliciano de Almeida, Vicentin, Cerda, Cardia e Adorno, 2011; Kahn, 2013; Murray, Cerqueira e Kahn, 2013; Manso e Godoy 2014; Peres e Nivette, 2017; Ruotti, Lopes, Almeida, Nasser e Peres, 2017; Justus, Ceccato, Moreira e Kahn, 2018). Sofisticadas metodologias que têm sido empregadas parecem ter grande potencial (Cerqueira e Soares, 2016; Biderman, De Mello, De Lima e Schneider, 2019), mas a ausência de um modelo teórico ainda permite a produção de correlações hipotéticas, que são tratadas como explicações (Nery, Souza, Peres, Cardia, e Adorno, 2014; Nery, 2016).

4. Como interessa-nos aqui correlacionar letalidade, situação socioeconômica e territórios, muito marcados pelo dinamismo do mercado de veículos, preferimos apresentar os números absolutos de roubos e furtos, ao invés das taxas por 100 mil habitantes. Essas taxas indicam, entretanto, a concentração de roubos e furtos exatamente nas mesmas áreas da cidade.

5. Disponível em: https://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,abordagem-nos-jardins-tem-de-ser-diferente-da-periferia-diz-novo-comandante-da-rota,70001948516

6. A sociologia urbana latino-americana tratou pouco dos temas raciais, ao contrário do que ocorreu nos Estados Unidos (Whyte, 2012; Wilson, 2014; Duneier, 2015; Venkatesh, 1997; Goffman, 2015). Já a história urbana e cultural brasileira, e sobre o Brasil, demonstrou há tempos a pertinência da necessidade de correlacionar raça e cidade aos marcadores já muito estudados, sobretudo de classe, para favorecer uma compreensão das desigualdades e violências de Estado (Chalhoub, 2018; Fischer, 2004; 2008).

7. Os distritos da Lapa e da Vila Leopoldina tinham respectivamente 86,57 e 81,36% de população branca (Censo 2010 IBGE).

8. Os limites do plausível têm sido desafiados por esses esforços jurídicos. O Senador Flávio Bolsonaro, filho do Presidente da República, protocolou também em 2019 o Projeto de Lei N° 4640, que instituiria um outro excludente de ilicitude, na medida em que mortes cometidas por policiais seriam designadas como “suicídio por policial”. Os mortos pela polícia deveriam, segundo o senador, serem considerados “suicidas”, porque responsáveis pelas próprias mortes. O projeto não havia tramitado até 2020.

Financiamento: Este texto está baseado em pesquisa coletiva que contou com financiamento da Fundação Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (processo FAPESP 2013/07616-7).

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