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Estudios - Centro de Estudios Avanzados. Universidad Nacional de Córdoba

versión On-line ISSN 1852-1568

Estud. - Cent. Estud. Av., Univ. Nac. Córdoba  no.21 Córdoba jun. 2009

 

BIBLIOGRÁFICAS

Da Escritura Feminina / Da Escritura

Ivony Lessa Santos

Muitas escritoras, muitos estudiosos, têm se detido a analisar a existência/ possibilidade/insulto da "Literatura Feminina". Muitas reflexoes são feitas, mas poucas tocam a questão básica: taxonomia, por que não? Para que serve um termo se não sabemos qual o estatuto dele e de que maneira o empregamos? Como podemos concordar ou discordar dele se não sabemos exatamente a quê faz referência? Faz-se necessária uma análise mais detalhada, um retalhamento, melhor dito, para chegarmos á raiz da controvérsia. Deixamos as intuições e vamos dissecar o assunto de uma maneira mais lógica, bem "masculina" ...

Literatura Feminina, então, é um termo controverso. Aqui chamamos Literatura Feminina cautelosamente de "termo". Na realidade, não serve. Teremos que avaliar em que sentido é usada a expressão, e isso é fundamental.

Diz-se Literatura Feminina para diferenciá-la de outras, ou para especificá-la. Ateremo-nos a estas duas possibilidades, mais epistemológicas, por agora. Seria, então, uma classificação ou uma subcategoria dentro do grande oceano da Litera-tura Universal.

Muito fácil seria iniciar meu lamento dizendo que eu, enquanto mulher, quero fazer Literatura, não Literatura Feminina. Afinal, é na Literatura que se encon-tram os gênios, não na Literatura Feminina (os gênios homens e mulheres, obvia-mente). Mas isso seria simplificar e ficar dando voltas pirracentas, em que muita gente acharia que teria muitas razões para dizer que não faria diferença nenhuma.

Voltemos á Ciência. Uma Classificação, analisemos esta possibilidade.

Uma classificação é válida quando conforma dentro de si todos os membros de uma espécie. Vamos classificar a Literatura com critérios geográficos. Há a Literatura Francesa, a Argentina, a Brasileira, a Angolana, a Estadunidense, e assim, tranqüilamente se pode acomodar toda a Literatura em gavetinhas nacionais (continentais, municipais etc). Uma classificação perfeitamente válida e útil. Encerro um objeto (de estudo, de interesse etc) com critérios positivos e negativos. Literatura Brasileira está em contraste com o quê? Com a literatura não brasileira (ou seja, de escritores não nascidos no Brasil, ou que nunca estiveram no Brasil, ou que não escreveram sobre o Brasil, dependendo da amplitude que se quiser dar á classe).

Hm ... Encontramos o primeiro probleminha, que já não era segredo para ninguém. Não se apresenta um contrário para a Literatura Feminina. O que é a Literatura não Feminina?

Estaria bom começar por definir o que É a Literatura Feminina.

Um pouco complexo, também. Haveria quem quisesse restringir o conceito, ou seja, não seria simplesmente a literatura escrita por mulheres, mas que também tratasse de temas femininos, ou sob uma ótica deliberadamente feminina.

Exemplos há, no entanto, de escritores (homens) que abordaram a temática feminina, sob pontos de vista também femininos (que maravilha, a ficção!...). A estes, entretanto, é terminantemente negada esta classificação. Logo, a utilidade do critério negativo. Não sei exatamente o que é Literatura feminina, mas sei que não é escrita por homens.

Partindo desta diferenciação miserável, porém clara, Literatura Feminina é, pelo menos, literatura escrita por mulheres. O contrário óbvio, já que chegamos a uma distinção biológica, seria a Literatura Masculina, escrita por homens, pelo menos. Ainda biologicamente, poderiam-se plantear outras classes, talvez, dependendo do critério adotado para definir "homem" e "mulher". Seria prudente excluir destas categorias os hermafroditas, por exemplo? ...

Ou estaria Literatura Feminina referindo-se a opção sexual (uma vez que adoram taxar de literatura feminina aqueles escritos mais centrados em questoes corporais)? Seria, em primeiro lugar politicamente incorreto, ou fariam-se necessárias mais subdivisões: Literatura Heterossexual Feminina, Literatura Heterossexual Masculina, Literatura Homossexual Feminina, Literatura Homossexual Masculina, Literatura Transgênero Feminina, Literatura Transgênero Masculina, Literatura Bissexual Feminina, Literatura Bissexual Masculina, e talvez mais algumas que me tenham passado.

Isto conformaria uma Classificação. Caberia aos interessados defender sua relevância.

Estamos, no entanto, falando de Literatura Feminina, e tentemos fazê-lo mais simples. O que poderia, segundo estes critérios, diferenciar a escritura de uma mulher da escritura de um homem?

Oras, sendo, em primeiro lugar, uma diferenciação biológica, busquemos nesta lama os primeiros critérios. (Lama porque os cientistas humanos tendem a ter ojeriza de classificações nestes termos ... Isso em si faz o tema todo mais curioso ... ) Eu não tenho nada contra a biologia, e, de fato, creio que pode explicar muitas coisas.

Como "cientista humana", no entanto, regalo-me algumas licenças poéticas.

Citarei um estudo que assisti algum dia, em algum canal de televisão, que foi feito em algum lugar provavelmente dos Estados Unidos. De sua validade, a única prova que posso dar é a da minha memória, portanto, minha palavra. Como isso para mim basta, e será coisa tratada de passagem, continuo o assunto.

Era um estudo que analisava os cérebros masculinos e femininos, supostamente a fonte de toda razão e capacidade de escritura de qualquer ser humano. Em computadores apareciam "fotografias" com cores distintas para os distintos níveis de utilização das distintas áreas do cérebro, lado a lado o de uma mulher e o de um homem. Realizando as mes mas tarefas, era impressionante a diferença de cores e áreas utilizadas em um e em outro.

Aceitemos, então, que existe a diferença. Logo, haveria Literatuta Feminina e esta classificação se faria possível baseando-se em parametros biológicos - mulheres escrevem Literatura Feminina.

O problema neste momento seria a falta de conhecimento sobre o que implica toda essa agitação cerebral. Em algum futuro, mais ou menos longinquo, quando os biólogos neurologistas souberem decifrar o quê exatamente significa tudo isso, poderemos sim ter um senhor material para grandes classificações. Não é o caso ainda, e, curiosamente, este tipo de distinção objetiva parece andar muito ao largo das preocupações de quem pretende que exista uma Literatura Feminina.

Da minha experiência, entretanto, poderia tentar dar algumas causas para esta diferença - que, desde sempre, eu não nego que talvez exista. Por exemplo, como citado anteriormente, atribui-se uma valorização sensorial á Literatura Feminina. Despejo algumas intuições.

A mulher sabe que seu corpo não lhe pertence. Não necessariamente sabe, mas é obrigada a sentir quando é confrontada com sua fragilidade, nos procedimentos sexuais quase necessariamente invasivos, quando tem cáries pela transferência do cálcio de seus dentes para os ossos do bebê. O corpo do homem tampouco lhe pertencej pertence, enfim, a esta realidade física. A determinação biológica e o desenvolvimento histórico não lhe facilitam esta percepção, que acaba sendo possivel somente em situação de catástrofe, quando o "mundo" efetivamente lhe cobra algo. Então, irremediavelmente essa não-pertenencia associa-se a violência, algo externo e, novamente, não essencial. Para a mulher esta cessão do corpo é geralmente voluntária, permitindo distanciá-lo, vê-lo mais facilmente até como uma entidade distinta de si, permite observá-lo "de fora", analiticamente.

Se isso pode determinar o desenvolvimento cognitivo de toda e qualquer mulher? Não sei, que cada ser humano ainda é um abismo. Não me vejo em condições de chegar a nenhuma conclusão aquí, o que torna o tema quase impertinente.

Há determinações biológicas, logo inerentes, que provavelmente devem influir na constituição psicológica da mulher, portanto na sua produção mental O ser humano, como qualquer ser vivo, é composto de alguns sistemas que têm o fim de cumprir certas funções. Um deles é o reprodutivo, isso constitui uma mulher e um homem, ou o pólo masculino e feminino das espécies que os possuem. Sabemos que pode ser dramático para a mulher lidar com seu tempo curto. A uma certa idade ela perde parte de si, ou ainda, se perde e tem que se re criar.

Urna argumentação ou outra, o corpo da mulher aparece de maneira central, como algo que se pode perder, temporana ou definitivamente. Gomo tudo que tem data para acabar, sua importância torna-se mais evidente.

Enfim, sendo perguntada e obrigada a responder, colocaria nestas razões uma possível "diferença" na literatura escrita por mulheres, mas posso estar redondamente enganada, obviamente, ou parecendo simplista. Creio que haja, na realidade, um sem número de outros condicionamentos, das mais diversas ordens. O que tampouco implicaria, necessariamente, em qualquer distinção essencial e necessária.

Suponhamos, entretanto, que estas hipóteses pudessem ser aceitas, e estas fossem explicações do porque de a Literatura Feminina ser diferente. Haveria, suponhamos, uma diferença cabal, capaz de sustentar o rótulo.

E chegamos a questão política, ou ontológica.

Em primeiro lugar, seria necessário um consenso da comunidade, esta seria uma institucionalização. Considero esta possibilidade muito pouco provável como "classificação", uma vez que há uma disparidade efetiva e gigantesca entre os escritos de diferentes mulheres e, obviamente, entre a escritura de uma mesma mulher. A falta de um parametro negativo de comparação praticamente impossibilita esta tarefa. Há tentativas de definir o que a escritura feminina é, mas não se pode dizer o que ela não é. Isso diminui em pelo menos 50% as chances de validade do conceíto, de uma já díminuta possíbílídade.

Pensemos, então, como subcategoria (ao lado, por exemplo, de Literatura de Cordel), textos escritos por mulheres que expõem temáticas/sensibilidades femininas. As temáticas/sensibilidades femininas seriam suficientes para definir uma subcategoria, seriam suficientes para demonstrar sua especificidade, sua "diferença", e este seria um possível postulado para aceitar a Literatura Feminina sem seu contrário. O fato de termos uma experiência de vida especial, distinta da do homem, nos faria o "diferente", o digno de categorização especial.

A questão é: como podemos ser o "diferente" se representamos cinqüenta por cento da humanidade?

Esta condição é do ser humano, não da mulher. É da espécie humana que seu polo feminino perca a função reprodutiva em determinada idade. Não é do ser humano a condição de poder reproduzir-se até o fim da vida - e uma vez que somos racionais, fazer disso uma problemática mais central. Assim, se socialmente tivessem sido as mulheres desde sempre as escritoras, o "diferente" seria quando um homem se pusesse a escrever sem enfatizar a "tal sensibilidade", e poderíamos perceber melhor a especificidade de sua escritura enquanto homem - posto que ela não estaria diluída em milhares de anos, e trilhares de exemplares.

Sabemos - há provas escritas - que homens já escreveram e escrevem sobre temáticas/sensibilidades masculinas, e esta subcategoria não está em questão porque pareceria que neste momento social ela não seria particularmente interessante (e talvez fosse até mal vista). Um defensor da "Literatura Feminina" poderia argumentar que o relevo que se dedica a esta responde a fins práticos - fins estes: estimular a que mulheres escrevam, corrigir a defasagem histórica machista.

Muito bem. Almejar a igualdade refonçando a diferença, enfim. Não consigo entender que distorção lógica pode permitir este raciocinio, embora pareça ser praticado em larga escala. Algumas palavras a respeito.

Obviamente não critico o feminismo histórico, era absolutamente necessário em dado momento chamar a atenção ao problema de gênero e fazer do problema um problema efetivo. Chamar á ação, reivindicar.

No meio do caminho, no entanto, a sociedade - sim - mudou, e a afirmação do "ser feminino" deve deslocar-se. Hoje as mulheres estudam, votam, exercem a sua cidadania com igualdade de direitos e deveres. Nossa luta continua sim, mas na esfera do pequeno, do cotidiano, do pontual. A "sociedade" não pode fazer mais nada pela mulher - exceto fazer valer os direitos já adquiridos, por meios legais. No dia a dia ainda temos que lidar com o problema de "ser mulher e ser respeitada", mas nos espaços em que isso já está implícito (como o meio artístico), a questão passa a ser "ser respeitada por ser igual". Como exemplo, na sociedade capitalista a única justificativa por que uma mulher deve receber o mesmo salário que um homem na mesma função é a sua igualdade de condições em realizá-la. Uma vez no mesmo terreno, qualquer desigualdade impertinente é daninha.

Com isso o que proponho não é o fim do feminismo, mas a sua forma mais radical. Uma que nos permita libertar-nos da "mulher", esta construção histórica, em qualquer conceituação. É ser mulher na única coisa que nos faz sermos mulheres, a contingência física (e psicológica, se se quer, decorrente disso), não mais. É naturalizar esta condição.

Os conceitos são perigosos quando aplicados a natureza, a História tem exemplos dos mais trágicos. Sempre têm dois fios, permitem manipulação ideológica, dialética, abrem espaço para a crítica e para o contrário. Qualquer teorização em cima da "mulher" além de ser nociva, será necessariamente falsa. Teorias são produtos históricos, ser mulher é uma condição essencial.

Escrever, enfim, é do ser humano. O ser humano é homem e mulher. As classificações e especificações devem vir depois disso.

Teorizações sobre teorizações á parte, minha primeira professora de Latim, uma mulher inteligentíssima, sempre dizia que, quando um assunto começa a ficar complicado demais, devemos retroceder e parafrasear o grande cavaleiro Parsifal: ''A quem serve o Graal?". "A quem serve a Literatura Feminina?", no nosso mais singelo caso.

Porque teorias, conforme dito anteriormente, podem servir para qualquer finalidade. Os usos efetivos, mundanos, a apropriação real do conceito pode dar pistas mais interessantes. Citarei aqui três exemplos extraídos de uma rede de relacionamentos virtual, da qual 9 em cada 10 brasileiros com acesso á internet participam (www.orkut. com). Os excertos que se seguem são os textos introdutórios, auto-descrições, de comunidades destinadas a discussão da "Literatura Feminina":

Este espaço é destinado aos amantes de Clarice, Ligia, Rachel, Virginia, Cedlia, Florbela, Patrícia, Lucinda, Luciene, Marilza, Dunga, e tantas outras maravilhosas autoras que dão vida as palavras e nos embriagam com seus textos femininos.
Comunidade para homenagear e discutir a obra das nossas grandes escritoras, poetas, contistas, ensaístas ... enfim, mulheres que iluminam nossas almas e corações com seus trabalhos literários.
Toques de sensibilidade feminina: Rachel de Queiroz, Clarice Lispector, Cora Coralina, Addia Prado, Nélida Piñon, Lygia Fagundes Telles ..."

Arrisco-me a questionar. .. Se isto é Literatura Feminina, atendo-nos ao "feminina" que estas comunidades recortam, peço que alguém me explique o que é clichê. Ou publicidade de sabão em pó. Ou de perfume, em épocas natalinas.

A quem serve o clichê?

Que "mulher" é produzida pela "Literatura Feminina"?

**********************

Termino, apenas porque era inevitável, com uma pequena provocação lingüística:

Quando escutamos o termo "Literatura latino-americana", sabemos que quem a produz são escritores latino-americanos ou escritoras latino-americanas. Se escutamos "Literatura modernista", os produtores são escritores modernistas ou escritoras modernistas.

Quando escutamos "Literatura Feminina", quem a produz? Escritoras? Não me parece suficiente, ou o problema seria bastante menos sutil. Escritoras femininas ou escritores fe mininos? Não, porque escritores, por mais que mostrem uma "sensibilidade" que poderíamos com razão classificar "feminina", não são os produtores desta literatura. Escritoras femininas tampouco me parece um termo nem aceitável nem correto - até porque o contrário é verdadeiro ("escritor feminino" me parece um classificador equivalente a "escritora feminina", e "escritora masculina" me daria o mesmo tanto de informação). Chego a conclusão de que os produtores da "Literatura Feminina" são escritoras mulheres (ou femeas).

Muito bem. Sabemos que, segundo a gramática, a melhor classe para caracterizar substantivos são os adjetivos. Ou pelo menos a mais usual. Quando temos que classificar um substantivo com outro substantivo, este segundo não entra simplesmente como "adjetivante", sempre há uma relação implícita entre os dois. Caso Fosse uma relação tranqüila, seria manifestada com um adjetivo. Dois substantivos são duas entidades colocadas lado a lado, uma coisa não é intrínseca da outra, elas não "combinam" de maneira imediata.

Imaginemos: menino cantor, homem bomba, mulher objeto. A relacão que está implícita é a adversativa, nos seus mais variados enfoques. Menino, mas também cantor; homem fazando-se de bomba; mulher comportando-se como objeto.

Escritora,…(ainda que)… muljer?

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