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Revista del Museo de Antropología

versión impresa ISSN 1852-060Xversión On-line ISSN 1852-4826

Rev. Mus. Antropol. vol.9 no.2 Córdoba dic. 2016

 

Antropología Social

Discussão acerca do método etnográfico: a mortificação enquanto ação relacional do Opus Dei

 

Discussion about ethnographic method: mortification as relational action of Opus Dei

 

Lizarelli, Nayara Cristina

 

*Mestranda, bolsista CAPES, Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (UNESP), Faculdade de Ciências e Letras, campus de Araraquara/SP/Brasil. E-mail: na_lizarelli@hotmail.com

 

Recibido 09-03-2016. Recibido con correcciones 24-10-2016. Aceptado 24-10-2016

 

Resumo

Este trabalho propõe uma breve discussão sobre método etnográfico contemporâneo exponenciado por Bruno Latour, Marilyn Strathern e Eduardo Viveiros de Castro. Partindo de alguns dos principais conceitos elaborados pelos autores, como "rede", "perspectivismo" e "relação", o artigo busca compreender a mortificação como a essência responsável pela concretização de todas as ações relacionais e os sentidos presentes no interior do Opus Dei. Além de recorrer aos autores, a discussão abarca relatos da primeira pesquisa de campo realizada no Centro Cultural Alfa, em São José dos Campos/SP (Brasil), entre 2012 e 2013.

 

Palavras-chave: Etnografia; Opus Dei; Perspectivismo; Rede

 

Abstract

This work proposes a brief discussion about the contemporary ethnographic method represented by Bruno Latour, Marilyn Strathern and Eduardo Viveiros de Castro.Starting with some of the key concepts developed by the authors as "Mesh," "perspectivism" and "relation", this work seeks to understand the mortification as the responsible essence the implementation of all the relational actions and meanings present in Opus Dei. Even though I refer to the authors, the discussion includes reports of the first fieldwork on Alfa Cultural Center in São José dos Campos/ SP (Brazil), between 2012 and 2013.

 

Keywords: Ethnographic; Opus Dei; Perspectivism; Mesh.

O que aparentemente pode significar um contexto isolado, na verdade não é um contexto isolado. Tudo é relação1, isto é, todos os coletivos se organizam à sua maneira (Strathern, 2014a), e as relações, presentes no interior de cada um deles, são possíveis devido à existência de um conjunto de outras relações que as precederam e de outras relações que são exteriores àquelas já existentes.

A relação, neste trabalho, parte dos pressupostos de Marilyn Strathern (2014a), e significa construção. Portanto, se a relação constrói texto, ações, significantes, significados, simbologias, sentido etc., pode-se dizer que as várias relações que constroem um coletivo se relacionam entre si. Neste ponto, com o intuito de aprofundar o debate, recorro ­ assim como Strathern o fez ­ aos postulados de Bruno Latour, discutindo esta noção de relação proposta pela autora conjuntamente à noção de rede (Latour, 1994).

Toda rede é real, coletiva e discursiva (Latour, 1994). Toda rede é composta por pontos que podem ser conectados com outros pontos resultando, assim, em infinitas combinações. Tal método de análise não separa categorias; as relacionam. Nesta rede as rupturas representam um ponto de parada que pode ser conectado a outras ramificações, outras conexões. Strathern (2014a), ao afirmar que tudo é relação, retoma este conceito proposto por Latour e complementa defendendo que pensar em relação pressupõe considerar que haverá sempre dois pontos de vista (Strathern, 2014c). Em outras palavras, pode-se dizer que cada sistema simbólico produz suas próprias relações, também chamadas inter-relações2.
Tais relações estão ligadas, são múltiplas e organizadas sob a forma de rede. Assim, nesta rede relacional todo objeto que a compõe é múltiplo, mutável e variável.

Esta rede pode conectar-se a outra e tal conexão se dará por relação. Relação pressupõe, portanto, cooperação já que seus elementos nem sempre serão semelhantes como, por exemplo, a relação presente entre uma roseira e uma abelha, o destino de ambas é diferente, porém elas cooperam entre si. Tal fenômeno também pode ser visualizado em campo, entre antropólogo e nativo bem como observador e observado, que serão discutidos neste trabalho. Tais exemplos, inclusive, apontam que na relação haverá pelo menos dois pontos de vista.

Para compreender a complexidade das relações presentes nas diversas sociedades (tanto na sociedade do outro como na sua própria) é necessário olhar para a rede bem como para cada uma de suas intersecções, para cada nó (que apresenta em seu interior uma infinidade de relações), colocando-as sob o mesmo patamar, em pé de igualdade. Fazer isso pressupõe considerar diferentes perspectivas sobre a mesma sociedade.

Desse modo, este trabalho propõe discutir brevemente os desafios de se fazer etnografia na contemporaneidade, buscando compreender a complexidade das relações, das percepções e das ações. Além disso, tal discussão também discorre sobre a escrita antropológica e a relação que se dá entre o observador e o observado. Com o intuito de elucidar o debate, exponho de forma sucinta a primeira pesquisa in loco realizada, em 2013, na casa de numerárias do Opus Dei, chamada Centro Cultural Alfa3, localizada na cidade de São José dos Campos/SP, no Brasil.

****

O Opus Dei, do latim "Obra de Deus", é uma prelazia pessoal da Igreja Católica Apostólica Romana, disposta de forma hierárquica, fundada em 02 de outubro de 1928, na Espanha, por Josemaría Escrivá de Balaguer4
(Allen Júnior, 2006). Uma prelazia organizada institucionalmente sob moldes tradicionais católicos, pressupõe, primeiramente, a figura do Prelado, e a disposição interna de seus elementos se dá de forma hierarquizada. Partindo de tal afirmação, tem-se, portanto, o prelado como autoridade máxima no que diz respeito à instituição. Acima da figura do prelado tem-se o Papa e Deus. Por outro lado, ínfero ao Prelado, tem-se os padres numerários (formados e ordenados pela Sociedade Sacerdotal da Santa Cruz5),
seguido pelas(os) numerárias(os)6
e numerárias auxiliares7 que vivem exclusivamente nos centros da organização a serviço da mesma, e os supernumerários(as)8,
seguidos pelos colaboradores e adjuntos. O lema do Opus Dei condiz à Santificação do Trabalho. Esta questão é muito interessante devido à sua dimensão e importância no interior da prelazia. A santificação é o ingrediente fundamental. De acordo com a teologia do Fundador, todos são chamados à santidade, porém, não a uma santidade ideal que se dá mediante grandes feitos, mas à santificação através das pequenas coisas, dos pequenos gestos, do cotidiano, isto é, uma santificação individual que deve ser construída aqui e agora, na escola, no trabalho, na família, com os amigos, o tempo todo (Escrivá, 1977; 1999; s/ano; 2012). Esta santificação individual consiste em unir-se à Cruz de Cristo, mediante a mortificação9.
A Obra10,
desde sua criação, em contexto de Guerra Civil Espanhola (1936-1939), carrega consigo uma bagagem histórica um tanto quanto polêmica, devido, primeiramente, ao modo com que São Josemaría pensava, a forma com que se relacionava com o mundo, com as questões políticas, sociais e religiosas, vistas como conservadoras e, muitas vezes, radicais. Vale ressaltar quedurante a Guerra Civil Espanhola, o Fundador defendeu escancaradamente a vertente conservadora católica. Isso também aconteceu no Concílio Vaticano II. No início do século XXI, as polêmicas que rodeiam o Opus Dei se acentuaram principalmente após o lançamento do livro O Código Da Vinci (2004) de Dan Brown, seguido pelo filme, que trouxe como um de seus personagens principais, o misterioso Silas que se mortificava e, supostamente, o fazia devido à sua participação na Obra.

Polêmicas à parte, a escolha por abordar a mortificação neste artigo é resultado de uma pesquisa minuciosa de viés bibliográfico e in loco, realizada desde 2011, que nos permite olhar para as práticas corporais de cunho religioso de modo diferente, quebrando as ataduras conceituais que são a nós impostas socialmente, e que são interiorizadas por cada um naturalmente. Pretendo, portanto, através das discussões de Marylin Strathern (2014), Eduardo Viveiros de Castro (2008) e Bruno Latour (1994), olhar para a mortificação como uma prática que não se limita apenas ao seu conceito teológico doutrinal, mas também a um conjunto de relações múltiplas, que se ligam à uma miríade de concepções, de sentidos, de significantes e significados, ou seja, de "perceptos" (Strathern, 2014). Assim, nesta nova complexidade, a mortificação estaria inserida em uma "rede" (Latour, 2008), compondo um de seus nós e, consequentemente, se ligando a outros pontos e nós complexos, permitindo-nos assim outras tantas concepções, interpretações e modos de olhá-las, de concebê-las.

Porém, para trilhar este complexo caminho, optei por começar pelo fio que relaciona a mortificação ao mundo, ou seja, a configuração social agindo como uma intervenção direta e indireta na vida e conduta dos indivíduos: em um mundo global, marcado pelas inseguranças, pelos medos, pelo incerto (Marramao, 2009; Beck, 2005), pelo hiperindividualismo (Ehrenberg, 2010), bem como por outros tantas problemáticas que lhes são próprias, a religião acaba eclodindo como uma necessidade pessoal, já que ­ como é o caso do Opus Dei ­ ensina e ajuda os indivíduos a lidar com as dores e dificuldades provenientes dessa relação (homem/mundo), automotivando-os, autoconduzindo-os, ensinando-os que o caminho da dor e do sofrimento também possibilita o entendimento para tudo aquilo que se esconde (Lizarelli, 2015). Pensar deste modo nos leva à olhar a mortificação como uma ação relacional, que traz consigo outros elementos e significados que vão além do ato de mortificar-se.

Ademais, ao conjecturar a mortificação como uma ação relacional, a priori, é necessário fazê-lo tendo em vista que o ato em si traz consigo vários modos de interpretação: há a concepção daquele que o pratica, a concepção daquele que mesmo não a praticando está, de certo modo, familiarizado com a mesma, bem como há a concepção daqueles que possuem certo distanciamento, isto é, daquele que observa. Assim, a mortificação poderá ser concebida de formas variadas e também poderá fazer com que tanto observador quanto observado, possam pensá-la de acordo com os conceitos que já estão prontos e que foram interiorizados por cada um deles, em contextos diversificados. Por conseguinte, cada significado que lhe é dado é texto.

Relação, Perspectiva E Rede Como Método.

Tudo é texto (Strathern, 2014a), portanto, o discurso é texto, a ação é texto e, consequentemente, as relações também o são. Assim, todo texto nada mais é que um exercício radical de retórica (Strathern, 2014a). Retórica, em seu viés filológico, corresponde à arte da palavra. Esta, mediante o texto, pode se apropriar de uma miríade de formas: pode ser persuasiva, comunicativa e até mesmo um artefato. Esta variedade do texto e de suas representações nos diversos grupos sociais, bem como nos diversos discursos ­ tanto do antropólogo quanto do nativo11
­ conjuntamente às relações preexistentes neles, trazem a qualquer observação, reflexão ou descrição, um altíssimo grau de complexidade.

Se tudo é texto, o ponto de vista do nativo é texto, assim como o ponto de vista do antropólogo também o é. De ambos os textos, de ambos os discursos, nasce uma relação de sentido e de conhecimento que é associada de forma diversa pelo antropólogo e pelo nativo (Viveiros de Castro, 2008). São duas perspectivas diferentes que, se ligadas mutuamente, não podem ser percebidas como opostas, mas como complementares, como uma relação que se dá através de uma alteridade discursiva, trazendo a complexidade do dito, do não dito, da ação, do significante e do significado.

Para Viveiros de Castro (2008), os discursos do antropólogo e do nativo não estão situados no mesmo plano; "[...] o sentido que o antropólogo estabelece depende do sentido nativo, mas é ele quem detém o sentido deste sentido ­ ele quem explica e interpreta, traduz e introduz, textualiza e contextualiza, justifica e significa este sentido" (Idem, p.115). Ambas as perspectivas tornam o trabalho de campo desafiador e este desafio se intensifica com a escrita. Isto ocorre porque, conforme observou Strathern (2014c, p.346), "[...] as ideias e narrativas que conferiam sentido à experiência de campo cotidiana têm de ser rearranjadas para fazer sentido no contexto dos argumentos e das análises dirigidos a outro público", ou seja, primeiramente, anterior à escrita, o antropólogo em campo se depara com dois desafios: o primeiro correspondente a trazer ao nativo sua condição de sujeito e compreender, a partir disso, que há um discurso presente no nativo que é diferente do seu discurso. E, o segundo desafio, que é lidar com os pressupostos discursivos que o antropólogo traz consigo, entendendo assim que todo conhecimento anterior que o observador construiu sobre o nativo pode ser desconstruído. Nesta desconstrução destacam-se dois elementos centrais: a imprevisibilidade e a coleta de dados. A imprevisibilidade corresponde ao pressuposto de que toda organização social complexa, "na medida em que gera comportamentos imprevisíveis, não lineares" (Strathern, 2014c, p. 349) produzem resultados múltiplos e essas possíveis mudanças ocorridas ao longo do tempo podem ou não ter um impacto significativo no sistema social estudado. Já a coleta de dados corresponde ao reconhecimento de que "as pessoas são mais que entrevistados que respondem às perguntas; são informantes no sentido mais completo do termo, pois têm controle sobre a informação que oferecem" (idem, p.351).

O desafio do pesquisador de campo, mediante tamanha complexidade, condiz, portanto, em habitar todos esses campos ao mesmo tempo, principalmente aquele que permeia a relação do seu discurso com o discurso do nativo. Tal complexidade pode se tornar uma armadilha, conforme apontou Viveiros de Castro (2008), em que, ao escrever sobre as relações em campo, o pesquisador passa a responder pelo nativo. Assim,

[...] o antropólogo associa o nativo a si mesmo, pensando que seu objeto faz as mesmas associações que ele ­ isto é, que o nativo pensa como ele. O problema é que o nativo certamente pensa [destaque do autor], como o antropólogo; mas muito provavelmente ele não pensa como o antropólogo (Viveiros de Castro, 2008, p.119).

Isto é, o nativo pensa tanto quanto o antropólogo, faz associações, raciocina, produz conceitos, percebe o mundo e as coisas, porém, não necessariamente, ele vai pensar e associar como da mesma forma que o antropólogo; não necessariamente compartilhará o mesmo modo de pensar, de agir, de lidar com os conceitos. Eis, então, a indispensabilidade de recorrer ao ponto de vista `perspectivista', que permite perceber as coisas, os discursos, as ações, tendo no horizonte que este perceber, na sua complexidade, está além daquilo que o conceito cria, ou seja, compreender que há várias perspectivas que não se anulam, mas que se completam, e que, por trás de cada relação e suas interpretações, existe uma rede extensa que interliga cada uma delas a outros infinitos significantes e significados.

Do modo com o qual apreendo este método perspectivista, penso que é imprescindível ao antropólogo ter a clareza de que a visão do outro é permeada por vários fatores e sentidos que são muitas vezes imperceptíveis para ambas as partes. Esses outros fatores seriam as variáveis responsáveis por compor suas "redes" (Latour, 1994) e que estariam relacionadas às vivências, às suas percepções internas, externas, objetos e pessoas que os rodeia, influências de dogmas, pensamentos, sentidos. Partindo deste ponto e considerando que esta rede relacional influencia tanto a visão do observador quanto do observado, pode-se notar que todos esses "perceptos12"
contribuem na complexidade das informações colhidas em campo.

Sobre esta discussão pode-se antever uma possível armadilha em ambos os casos. Compartilhar do ponto de vista perspectivista, considerando a rede de relações e suas consequentes subjetividades, culmina na criação de "perceptos". Porém, anterior a esta, é imprescindível ter em vista que, tanto o observador quanto o observado carregam consigo uma carga significativa de conceitos. Estes conceitos influenciam direta e/ou indiretamente o modo de pensar, agir, relacionar e digerir informações, verdades, concepções sobre o mundo, a natureza, as coisas e a vida. Isto é, tanto o antropólogo quanto o nativo se observam e são observados mutuamente e, sem sombra de dúvidas, suas percepções sobre o que veem serão diversas, principalmente se considerarmos os fatores acima.

Partindo de tal argumentação, como compreender a perspectiva do outro? Como criar os "perceptos" a partir dessas relações? Como "traduzi-los" na escrita? Como fazer da escrita um meio que permite a criação de "perceptos" entre o nativo e aqueles que estão distanciados do campo?

Sobre a complexidade e o desafio de compreender a perspectiva do outro, Viveiros de Castro (2008, p. 114) destaca que "[...] Ainda quando antropólogo e nativo compartilham a mesma cultura, a relação de sentido entre os dois discursos diferencia tal comunidade: a relação do antropólogo com sua cultura e a do nativo com a dele não é exatamente a mesma". Isto é, independente de ambos compartilharem a mesma cultura, as percepções sobre a mesma serão diversas. Ressalto neste ponto que essas percepções diversas não se excluem, mas são relacionais, de certo modo complementares, e da relação delas, resultam os "perceptos", ou seja, a possibilidade de conceber a visão sobre algo de maneira diferente.

Esta nova condição de ver é possível graças à relação. Marilyn Strathern (2014c) ressalta a importância da relação, principalmente quando discorre sobre "interrelação", que nada mais é que o entrelaçamento das relações que são, a priori, universais. A profundidade de tal argumentação encontra-se na noção de que nesta cadeia infinita de relações, todo objeto comum é múltiplo, mutável e variável. Para sê-lo, este objeto múltiplo comum varia conforme o seu ponto de partida e depende do nó da rede em que é analisado, bem como das relações que o permeiam, das possibilidades e, também, da perspectiva abordada.

Quanto à "perspectiva", considerada fundamental para Strathern, a mesma recorre a Viveiros de Castro e explica o método do seguinte modo:

Ele [Viveiros de Castro] escreve sobre uma ontologia complexa de mundos múltiplos, onde a experiência é em certo sentido radicalmente dividida

[...]São esses os mundos amazônicos do Araweté e de outros povos, que se baseiam na suposição de uma comunidade entre todos os seres animados; as pessoas compartilham com os animais os mesmos tipos de alma e, portanto, as mesmas identidades e construtos mentais. O que os diferencia são seus corpos. São os corpos que veem e que determinam o que é visto. A partir sobre seu corpo humano, os seres humanos só podem "ver" os animais como não humanos. Mas quando o ponto de vista dos animais é imaginado, essas criaturas não veem os seres humanos como seres humanos ­ para elas, as pessoas aparecem como animais e os animais aparecem como pessoas uns para os outros. (Strathern, 2014c, p.392).

Assim, é possível dizer que o viés perspectivista nos convida a perceber as relações de outro modo, fazendo do outro um sujeito, considerando sua subjetividade, sua complexidade, bem como a rede de relações que o permeia. Assim uma nova relação surgirá e esta relação tenderá a ligar nossa rede, nossa percepção à percepção do outro, nos permitindo além de compreendê-lo o mais verdadeiramente possível, encontrar pontos em ambas as redes que anteriormente eram invisíveis aos dois.

Nas suas entrelinhas, tal aproximação e relação pode fazer com que o discurso do nativo funcione dentro do discurso do antropólogo "[...] de modo a produzir reciprocamente um efeito de conhecimento sobre este discurso" (Viveiros de Castro, 2008, p.115), isto é, o que Strathern (2014a, p.134,137-138) chamou "autoantropologia".

Relação, Perspectiva E Rede Em Campo

Em pesquisa de campo realizada, em 2013, no Centro Cultural Alfa de São José dos Campos/SP, pude notar a complexidade desta rede de relações principalmente nos momentos em que buscava compreender alguns conceitos que me eram familiares, como o de mortificação.

Iniciei os estudos sobre o Opus Dei no início de 2011 e por período aproximado de 01 ano a pesquisa se limitou apenas ao levantamento bibliográfico da Obra. Tal levantamento me proporcionou grande familiaridade com conceitos relevantes para compreender esta prelazia como um todo. O primeiro contato com a casa de numerárias do Opus Dei deu-se em janeiro de 2013 através de um convite realizado por uma das jovens que frequentava o Centro após assistir a minha apresentação sobre o andamento da pesquisa na Universidade Estadual de Campinas ­ UNICAMP, em outubro de 2012.

A primeira visita, ocorrida entre os dias 22 e 24 de janeiro de 2013, teve como intuito conhecer a rotina das numerárias e, conjuntamente a elas e com o apoio de colaboradoras, participar do projeto social chamado RURAL, promovido pelo Centro, que beneficiou 230 crianças do bairro Dom Pedro, localizado na periferia da cidade. Dentre esses dias, me hospedei no Centro com outras meninas que participavam das atividades da Obra ha mais tempo. Esta experiência me proporcionou participar diretamente da rotina das jovens numerárias. Assim, além das atividades externas que realizava com elas durante o dia, tive a oportunidade de acompanhar a rotina de algumas numerárias também durante à noite e durante às missas da manhã realizadas diariamente às 05h 00min na Capela do Centro.

A hospedagem no Centro me possibilitou o contato, a observação do trânsito das meninas no seu interior, assim como a disposição dos objetos e das divisões da Casa. Apenas no último dia me foi concebida a entrevista, momento este em que pude conversar sobre as inquietações que me levaram a estudar o Opus Dei.

No primeiro dia, pouco esperançosa quanto a conseguir grandes feitos e relatos, decidi optar pela observação. Até então estava munida da grande carga de leitura acerca de conceitos e relatos sobre o interior dos centros do Opus Dei presente nos livros que havia lido nos dois anos anteriores àquela incrível experiência. As leituras conceituais e teóricas que me guiavam até aquele momento me deixaram deslumbrada. Sim, me sentia uma aventureira que devia coletar o máximo de dados possíveis. Não estou dizendo com isso que as leituras não me foram úteis. Sim, foram! As leituras me ajudaram muito, antes, durante e depois, mas naquele final do primeiro dia sabia que seria necessário olhar diferente, sem utilizar as categorias pré-conceituadas com a frequência que o fazia, era necessário, portanto, compreender que, naquele momento, teria que lidar com a "imprevisibilidade das informações a serem adquirias de um material que acreditamos (equivocadamente) ter compreendido" (Strathern, 2014, p.12). Destarte, transcrevo diretamente do relato de campo13 algumas experiências, sensações, impressões e "perceptos":

Primeiro dia: 22 de janeiro de 2013.

Sobre os preparativos [da RURAL], fui instruída a utilizar roupas confortáveis e velhas a fim de evitar uma má impressão com as famílias e fazer com que as crianças ficassem à vontade na minha presença. [...]

Cheguei no período da manhã, por volta das 10h 30min. Encontrei Ana14 na rodoviária e fomos direto para a escola CAIC Dom Pedro onde seria realizado o trabalho voluntário. Nossa tarefa teria início às 14h do mesmo dia. Era a segunda vez que me encontrava com Ana. Chegando ao local conheci duas numerárias, Beatriz e Monique, responsáveis pelo projeto. Ambas foram acolhedoras e Monique me guiou para uma sala, onde eu deveria deixar minha mala e vestir um avental amarelo. No caminho recebi algumas instruções técnicas sobre horários e também sobre como as atividades ocorreriam. A numerária também me disse que este projeto geralmente é realizado em bairros periféricos e mais pobres já que seu viés é estritamente comunitário. Ao entrar na sala, encontrei mais algumas numerárias, assim como voluntárias. Pude notar um estranhamento inicial, principalmente de algumas numerárias, que se dirigiram a mim com bastante formalidade. Notei também certa cautela ao falar, receio de aproximação e também o que chamei de "rigidez de comportamento", como se cada movimento fosse calculado. O trabalho voluntário decorreu durante a tarde e, ao final, tivemos meia hora para limpar o local. Numa boa parte da mesma tarde ficamos sem água devido a problemas técnicos da própria escola. O dia estava quente e não havia previsão para o retorno da água. Ana me disse "oferece esse sacrifício" e, assim, passei boa parte da tarde refletindo sobre aquilo. Quando o problema finalmente foi resolvido, me deliciei com uma boa caneca d'água fresca e pensei "a água nunca foi tão gostosa". [...]

Neste dia, consegui ficar sozinha por poucos minutos. Era designada para tarefas o tempo todo. Lavei louça, corri de um lado para outro. Quando terminava minha função, logo era chamada para outra e mais outra. Notei que fazia mais coisas que as demais voluntárias. [...] Há horário para tudo!

No primeiro dia, posso dizer que toda aquela munição que me havia sido proporcionada pelos incontáveis livros, caíra por terra, e eu tive que lidar com o desconhecimento que me fora imposto mediante a imprevisibilidade. Talvez aquele tenha sido o momento em que me senti imersa naquela rede. Digo isso, já que, neste primeiro dia, o conceito que eu havia formulado a respeito da mortificação havia se esfacelado, visto que a experiência da angustiante espera pela água, seguida da fala de Ana, me inseriu em um uma miríade de possibilidades, associações e relações, até então, desconhecidas por mim. Também ressalto que, com exceção da entrevista realizada no terceiro dia (em que perguntei diretamente a respeito da mortificação e da penitência), a palavra "sacrifífio" ­ em referência à mortificação - foi utilizada apenas nesse momento.

No segundo dia, fiquei muito atarefada e tive um imprevisto na cozinha. Depois do jantar, fui escalada para lavar a louça com outras 03 meninas. O tempo era curto, já que tínhamos uma atividade conjunta logo em seguida, e por isso, acabamos lavando a louça apressadamente. Beatriz, entrou na cozinha para nos apressar e reparou que um copo tinha ficado com um pouco de sabão (espuma). Ela pediu para que todas parassem, olhou nos nossos olhos e disse: "devemos oferecer a Deus todos os nossos afazeres cotidianos e, por isso, temos a obrigação de fazê-lo da melhor forma possível. Olha esse copo, não está bem lavado!". Em seguida, voltou todas as louças que tínhamos terminado de lavar, para que o fizêssemos novamente. Foi neste momento que refleti sobre outro conceito que, até então, já me era claro: o de Santidade. Isto é, a busca pela santidade individual nas pequenas coisas: o conceito estava além dos limites das palavras e da teologia do Fundador. O conceito de santidade estava nas relações e, além disso, era um dos fios que ligava a mortificação ao mundo, ao cotidiano e à interioridade. Então, o agora, percepto Santidade, passou a fazer parte de uma rede de significados inserida no Opus Dei como um todo.

Até o terceiro dia apenas uma coisa era certa: eu observava tanto quanto era observada. Em alguns momentos nós éramos iguais, sentia que estava em pé de igualdade, principalmente na hora das atividades. Em outros momentos éramos meras estranhas que notavam umas às outras (lógico que não o fazia de forma explicita, afinal, e aproveito para esclarecer, que eu era quase que invisível, ou melhor, assim eu me sentia). Isto é, "as doações entre doador e receptor fundamentam-se no fato de que a qualquer momento um deles está em uma posição ou em outra em relação a sua contraparte (um doador para um receptor)" (Strathern, 2014c, p.396).

Foi neste último dia também que as numerárias se dispuseram a conversar comigo particularmente e esta conversa foi muito rica em detalhes. Após este momento, retornei à universidade, à minha rotina acadêmica e posteriormente fui ao centro para participar de encontros de formação e algumas atividades esporádicas conjuntamente às jovens. E essas outras experiências também foram enriquecedoras. Quando retornei aos meus afazeres acadêmicos me deparei com um dos meus grandes desafios: transcrever tudo o que havia visto, ouvido. Eu sabia que agora minha voz era também a voz delas, afinal elas confiaram a mim sua rotina, seus desabafos, suas intimidades. Após aquela primeira visita eu sabia que a estudante de Ciências Sociais que havia chegado lá não foi a mesma estudante que saiu. Havia algo a mais entre elas e eu, algo diferente. Estabelecemos através de nossas distintas redes uma ação relacional que pude compreender apenas anos depois e por isso este presente relato.

O assunto que mais havia me motivado a estudar o Opus Dei condizia à mortificação. Fui a campo com o intuito de compreender o sentido que havia por trás do ato de mortificar-se. Queria compreender a essencialidade daquele ato e de que forma ele se dava no cotidiano das numerárias. Porém, o tema "mortificação" foi o menos comentado, foi o menos visto, foi o menos explicitado. Grande engano! A mortificação havia sido me mostrada o tempo todo! A mortificação era a essência do cotidiano das numerárias. A mortificação estava no texto do Centro, estava no texto de cada ação relacional, se fazia presente nos objetos, nas representações, nas falas, nos estudos, na rotina, na disciplina. A mortificação era o fio que ligava a rede de cada uma delas, ponto por ponto e que, para além do ato em si, a prática do autoflagelo se dava numa complexidade tão grande que eu, a primeiro momento, não fui capaz de perceber sua dimensão. A mortificação não se resumia apenas ao ato de enlaçar a perna com o cilício, ou jejuar, ou utilizar a disciplina, entre outras práticas.

A mortificação era praticada a todo o momento, em outras ações como: fazer melhor seu trabalho, ajudar uma pessoa quando não está disposta, ter paciência, ser mais humilde, não estressar no trânsito, fazer uma leitura com mais calma, aprender algo novo. A mortificação era também sinônimo de entrega, ritual, purificação, interiorização, meditação, reflexão e oração. A mortificação era, portanto, relação.

Tal complexidade pode ser notada também no fragmento abaixo que corresponde à fala de uma numerária quando pedi para que me falasse um pouco mais sobre a mortificação e a penitência: O sacrifício que a gente faz deve ser silencioso, discreto, para nós mesmos. É a ideia de sempre entregar a dor que a gente sente para Deus, entregar e deixar que Ele faça pela gente, que Ele nos conduza. A dor também é uma ligação com Deus.

O sacrifício não é só aquele causado propositalmente, é também aquele dos nossos desafios diários, dar um sorriso quando estamos tristes, ceder um lugar a um idoso mesmo quando estamos cansados e fazer tudo isso sem visar um interesse particular. (Lizarelli, 2015, p.69).

A mesma numerária, a qual nomeei Carla, relatou que utiliza o cilício duas vezes ao dia, mas que o faz por vontade própria e não porque é obrigada a fazê-lo. Segundo a mesma, sorrir para uma pessoa que a desagrada é muito mais doloroso que qualquer penitência. Disse também que nem todas as numerárias usam o cilício e que, ao contrário do que relatam, nenhuma mortificação faz mal à saúde e ao corpo, caso contrário, perderia todo o sentido. "A mortificações deve nos fazer bem e pessoas melhores". Enfatizou que todas as práticas do Opus Dei são previstas e aceitas pelo Conselho Canônico, ou seja, autorizadas pela Igreja Católica Apostólica Romana.

Pode-se apontar com as falas que a mortificação apenas pode ser compreendida se vista no contexto em que ocorre. O ato deixa de ser um ato em si e se transforma em ação relacional, ou seja, a ação do autoflagelo traz consigo a tradicionalidade dogmática proveniente das relações religiosas institucionais do Opus Dei anteriores à fundação do Centro em São José dos Campos; traz também as relações que dão sentido ao pertencer à Obra e fazer dela sua nova família, assim como referencia as relações cotidianas presentes no interior do Centro e também no seu exterior correspondentes às relações provindas dos estudos, do trabalho, dos amigos, dos projetos. Assim, cada ponto relacional agiria como um nó da rede deste coletivo e o sentido da mortificação seria o fio que os liga. Ressaltando que neste momento, como método de análise me limitei a uma parte desta rede complexa e de infinitas possibilidades que compõe o Opus Dei e, consequentemente o Centro Cultural Alfa.

Considerções Finais

Para que parte da imensidão deste sentido fosse compreendida, foi primordial encontrar entre as relações e informações que nasceram delas, o valor de cada uma em si mesma. Portanto, esta tentativa de olhar para a "rede" considerando o método perspectivista, proporcionou compreender de forma mais aprofundada a complexidade das relações e, principalmente, visualizálas como conceitos e perceptos, não como parte dos mesmos, mas como essência responsável pela existência de cada um deles.

Além disso, neste desafio constante de transpassar os conceitos, considerando-os como algo imerso em uma infinita rede que permite uma miríade de significantes, significados e relações, nós também nos deparamos com um novo modo de olhar o outro (o estudado, o nativo), e neste novo olhar, participamos de uma troca única em que ambos os lados são observadores e observados. Ambos, antropólogo e nativo, trazem consigo conceitos, relações, associações, que lhes são particulares e, por isso, de tão grande complexidade. Este novo modo de fazer antropologia nos convida à reflexividade (Strathern, 2014). Isto é, pensar no outro como uma rede relacional nos permite pensar também na nossa rede;

Pode parecer que os antropólogos estão fadados a apenas aperfeiçoar uma autoconsciência cada vez mais refinada. Entretanto, existe uma reflexividade conceitual além das sensibilidades dos praticantes individuais, na medida em que o relato antropológico, como relato antropológico, devolve ou não para as pessoas as concepções que elas tem sobre si mesmas ­ aspecto que se aplica igualmente à etnografia e à análise antropológica. Quando isso acontece, pode-se falar em autoantropologia nos dois casos. Contudo, não me refiro à devolução da informação da forma como ela foi oferecida, mas ao processamento antropológico do "conhecimento" informado por conceitos que também pertencem à sociedade e à cultura estudadas (Strathern, 2014a, p.135-136).

A reflexividade, portanto, versa para que nos tornemos mais conscientes, tanto no que concerne à olhar e refletir para a nossa cultura, quanto às questões relacionadas ao campo. O objetivo deve sempre ser aumentar a consciência crítica. Isto é, no caso deste artigo seria, além de compreender a complexidade da mortificação e discuti-la enquanto uma ação relacional, é pensar também, nessas relações, a nossa própria sociedade. Esta autoantropologia, proveniente dessa troca entre observador e observado, pode acontecer dos dois lados, na mesma intensidade, porém, o maior desafio é como transcrever, como compartilhar tal dimensão, já que tendemos a "explicações da realidade social como ela existe no único sentido possível do ponto de vista de seu significado" (Idem, p.145).

Destarte, penso e concluo afirmando que o nosso desafio está lançado e a antropologia nos possibilita esse encontro tão enriquecedor, nos permitindo, assim, construção relacional que, através de outras perspectivas, ajuda-nos a compreender o outro e, consequentemente, nós mesmos.

Notas

1 Relação  não   condiz  apenas   às  semelhanças,   mas  também   às diferenças, dessemelhanças.

2 Termo utilizado por Strathern (2014a) e que significa entrelaçamento de relações.

3 Relatar parte da primeira pesquisa de campo que realizei condiz em uma escolha metodológica  devido à riqueza das impressões de campo e por acreditar  que tais observações  melhor elucidarão o debate.  A pesquisa in loco ocorreu também  em Roma, na sede do Opus Dei e na Università Pontificia della Santa Croce entre 2013 e 2014. Atualmente realizo pesquisa de campo  no Centro Cultural Alfa, em são José dos Campos e acompanho integralmente o cotidiano das jovens do Centro pelas redes sociais, assim como o site oficial da Obra.

4 O fundador  do Opus Dei, Josemaría Escrivá, foi beatificado  em 17 de maio de 1992 e canonizado  em 06 de outubro  de 2002 pelo Papa João Paulo II.

5 Sociedade Sacerdotal da Santa Cruz: (Societati Sacerdotali Sanctae Crucis) é uma associação de clérigos, intrinsecamente unida à Prelazia. É  composta   por  sacerdotes   da  Prelazia  e  por  outros   presbíteros e  diáconos  diocesanos.  O prelado  do  Opus Dei é  o  presidente  da sociedade. Os clérigos diocesanos que se filiam à sociedade propõem- se receber ajuda espiritual para alcançar a santidade  no exercício do seu ministério, segundo  a ascética  própria  do  Opus Dei. Disponível em: http://opusdei.org.br/pt-br/article/sociedade-sacerdotal-da-santa- cruz/ Acesso em: 09/10/2015.

6  Numerárias(os): são  mulheres  e homens  vocacionados  que  vivem exclusivamente nos Centros do Opus Dei cuidando  dos labores apostólicos  e  da  formação  dos  demais  fiéis da  prelazia.  Nas casas (Centros) são realizadas atividades de formação,  os preparativos  dos voluntariados,  as palestras,  missas diárias, dentre  outras  atividades. Cada casa é administrada por um diretor (nos centros femininos é uma diretora numerária e nos masculinos é um diretor numerário).

7   Numerárias   auxiliares:  são   mulheres   vocacionadas   que   vivem nos  centros  do  Opus  Dei e  são  responsáveis  pela  limpeza  e  pela organização  dos  centros.  As numerárias  auxiliares também  cuidam dos centros masculinos.

8 Supernumerários(as): trata-se geralmente de homens e mulheres casados,  para  quem  a santificação  dos deveres  familiares são parte primordial da sua vida cristã (opusdei.org).

9  A mortificação, traduzindo-a  nesta  breve nota,  em seu viés prático, consiste  em  atos  de  autoflagelo   praticado  pelos  integrantes que, oficialmente, correspondem ao cilício -  cordão  com pontas  de ferro amarrado   envolto  à  coxa  durante,   aproximadamente,  duas  horas diárias, salvo nos dias santos da Igreja, domingos e determinados dias do ano  (Allen, 2006) -; à disciplina - que condiz a um chicote de corda que deve ser aplicado nas nádegas  ou nas costas durante  uma prece curta -; ao sono - que são aquelas mortificações efetuadas na hora de dormir, em que as numerárias,  por exemplo, dormem  sobre tábuas  finas colocadas  em cima do  colchão  e dispensam  o uso  do travesseiro -; ao Jejum, que é um dos autoflagelos  mais conhecidos pelos cristãos, e que pode  ser realizado várias vezes durante  o dia e que  não  corresponde  apenas  a ficar sem comer  durante  um longo intervalo  de  tempo,  mas  também   limitar-se nas  refeições,  esperar alguns minutos para saciar a sede, por exemplo; e, por fim, ao silêncio - em que "toda  noite após os exames de consciência, os numerários são  orientados   a  manter  o  silêncio absoluto   até  a  missa  do  dia seguinte" (Idem, 2006, p.171).

10 "Obra" é um termo recorrente  utilizado pelos integrantes do Opus Dei quando  se referem à Prelazia e à teologia da instituição.

11  O termo  nativo é utilizado baseado  nos  postulados  de  Eduardo Viveiros de Castro (2008). O autor, no início do texto O nativo relativo ressalta  que  nativo  não  faz referência  apenas  ao  índio,  mas  todo aquele que exerce uma relação natural com sua cultura.

12   Percepto   corresponde   ao  entendimento  do  outro   através   de outra  visão, provavelmente  a visão do  outro,  isto é, ver através  de outros corpos, sob formas diferentes. Os perceptos  permite perceber o mundo  e as coisas do mundo  de modo  particular (Viveiros de Castro, 1996 apud Strathern, 2014, p.392).

13  Publicado  em  Lizarelli, Nayara  C.  Sacralidade,  Sigilo   e Mortificação: uma perspectiva da influência religiosa no comportamento individual do Opus Dei. Araraquara: UNESP, 2015.

14 Por questões  de privacidade e respeitando  as normas de ética na pesquisa,  todos  os nomes  próprios  de  numerárias  e colaboradores foram trocados  com o intuito de manter o devido anonimato.

Bibliografía

 

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