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Revista del Museo de Antropología

versión impresa ISSN 1852-060Xversión On-line ISSN 1852-4826

Rev. Mus. Antropol. vol.16 no.1 Córdoba abr. 2023

http://dx.doi.org/10.31048/1852.4826.v16.n1.38769 

Dossier

Tecnografias líticas do Holoceno médio na região central da América do Sul: tesselas culturais para um mosaico paleo-histórico (segunda parte)

Lithic technographies of the middle Holocene in the central region of South America: cultural tesserae for a paleo-historical mosaic (second part)

Marcos Paulo de M. Ramos1 

Juan Pablo Carbonelli2 

Sibeli A. Viana3 

Kaira S. R. Costa4 

1Doutorando pelo PPGARq do Museu Nacional (UFRJ). Email: argonauta128@gmail.com

2IDECU, UBA - CONICET. Email: juanp.carbonelli@gmail.com

3Instituto Goiano de Pré-História e Antropologia. EPFH. Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Bolsista de Produtividade CNPq. Email: sibeli@pucgoias.edu.br

4MRS Estudos Ambientais. Email: kaira.costa@mrsambiental.com.br

Resumen

Este artículo conforma la segunda parte del análisis de las tecnografías líticas de los sitios del Holoceno medio en una extensa macrorregión, el sector central de América del Sur: abarca los agrupamientos B, C y D de los sitios. Un elemento común en todos los conjuntos analizados en la presencia de herramientas de la categoría tecno-funcional B. En referencia a los modos de producción se observa que el principio de debitagem predomina en el área de análisis. No obstante su aplicación es diversa; hay conjuntos donde existió una predeterminación sobre la confección de lascas, otros donde los núcleos son reintroducidos como soportes o presentando filos y otros sitios en donde se reintrodujeron lascas de confección de façonage como herramientas de soporte. El resto de los principios de producción también fueron registrados: el de afordancia (tanto en la producción instrumental como en su expresión produccional) y el de façonage se observan en sitios de los agrupamientos A, C y D. El reconocimiento de los diferentes modos de producción, es el punto de inicio para pensar como grupos con tradiciones técnicas diferentes, ocuparon espacios diversos en la región.

Palavras chave: Tecnologia Lítica; Holoceno médio; América do Sul

Abstract

This article constitutes the second part of the lithic technographic analysis of Middle Holocene sites in a vast macro-region, the central portion of South America: it includes the groups of sites B, C and D. A common element in all the analyzed sets is the presence of the techno-functional category B tools. In reference to the production mode, it is observed that the principle of debitage predominates in the area of analysis. However, its application was diverse; there are assemblages in which there was a predetermination about the making of flakes, others in which the cores were reintroduced as blanks or presented edges and there are other places in which façonnage confection flakes were reintroduced as blanks for tools. Other production principles have also been recorded: the principles of affordance (both in the exclusive productional expression and in its productional and functional expression) and shaping are observed in sites in groups A, C and D. Recognizing the different production modes is the starting point for thinking about how groups with different technical traditions have occupied different spaces in the region.

Keywords: Lithic technology; Middle Holocene; South America

Introdução

Este artigo apresenta a segunda parte das tecnografias líticas para sítios datados do Holoceno Médio (HM) localizados em uma ampla macrorregião localizada no centro da América do Sul (cf. Viana et al. 2023 nesse volume). Iremos apresentar as tecnografias para três Agrupamentos de sítios (B, C e D) estabelecidos em função de um raciocínio que, como discutido na primeira parte desse artigo, levou em consideração informações paleoclimáticas e vegetacionais (Maksic et al. 2019), geomorfológicas (Ross 2019) e arqueológicas. Também apresentamos uma avaliação sobre o panorama tecnográfico obtido através dos quatro Agrupamentos de sítios (Fig. 1). Os sítios arqueológicos que entram no escopo desta pesquisa foram datados do HM, considerando o intervalo da idade Northgrippian até o início da idade Meghalayan da época Holocênica1 (Silva et al. 2018), estão localizados na macrorregião proposta ou em áreas limítrofes (estabelecidas de acordo com os interesses da pesquisa) (Figura 1), e forneceram em seu registro arqueológico traços das culturas técnicas líticas praticadas pelas populações pretéritas.

Figure 1: Groupings A - Sites distributed in the northeast of the Amazon Craton (south) (PA), Groupings B - Sites distributed in the Cenozoic Sedimentary Basins (RO, Bolivia, Paraguay, MS), considering some sites in the extreme west of the Amazon Craton (south) ) (RO); Groupings C - Sites distributed in the Paleo-Mesozoic Sedimentary Basins (MT, GO, MS, MG, northeastern Paraguay), considering some sites in the structures of the Precambrian Orogenetic Belts (MT) Groupings D - Sites distributed in the Meso-Mesozoic Orogenetic Belts (Argentina) and the Patagonian Platform (Argentina). 

Para a proposição das tecnografias este estudo se baseou em um conjunto diverso de documentos: textos descritivos, tabelas quantitativas e imagens (desenhos e fotos) disponíveis. Levamos em consideração uma reflexão de base tecno-funcional (Boëda 2013) para nos acercar dessas informações. Assim, os dados foram interpretados à luz dos modos de produção, considerando os princípios técnicos que regem os princípios técnicos de instrumentalização (Debitagem, Façonnage e/ou Afordância) (Boëda 2013; Boëda e Ramos 2017; Ramos e Viana 2019; Boëda 2019; Pérez et al. 2020). Consideramos, igualmente, informações relativas às categorias tecno-funcionais (C. T-F). Essas últimas são pensadas enquanto critérios técnicos de instrumentação geridos sobre as panóplias de ferramentas e presentes nas relações sinérgicas entre as porções ativas e porções preensivas sobre a estrutura dos artefatos interpretados enquanto portadores de potenciais funcionais ligados, majoritariamente, ao caráter incisivo (Lepot 1993; Rabardel 1995; Boëda 2013).

Tecnografias Líticas para os Agrupamentos B, C e D

A apresentação dos resultados será feita seguindo a proposta de divisão dos sítios ordenados nos Agrupamentos A, B, C e D. Nessa segunda parte do artigo os sítios apresentados são aqueles relativos aos Agrupamentos B, C e D. A discussão dos dados segue a partir dos sítios mais setentrionais até os mais meridionais.

Uma tecnografia de sítios datados do Holoceno médio para o Agrupamento B

Para indicar a diversidade das culturas técnicas em estudo, a Figura 2 apresenta alguns conjuntos de artefatos disponíveis por meio da bibliografia consultada.

Figure 2: Artifacts related to industries evidenced at sites located in Group B. The central map is a detail adapted fromRoss et al. (2019). 

Sítios nas Bacias Sedimentares Cenozoicas - Estado de Rondônia (Brasil)

De acordo com Miller (1992), no rio Jamari (Rondônia), afluente da margem direita do alto rio Madeira, foram identificadas mais de uma centena de sítios arqueológicos durante as pesquisas realizadas na década de 1980. Os sítios que indicavam maior frequência de reocupações estavam localizados próximos aos igapós, lagos, igarapés, terras baixas sazonalmente inundadas e terras altas com concentrações de vegetação funcional (Miller 1992:34-35). Foi estabelecida uma sucessão cultural desde os pré-ceramistas caçadores-coletores (8.320±100 AP não cal.), passando por pré-ceramistas agricultores incipientes, ceramistas agrícolas, neobrasileiros (230±80 AP não cal) e ocupações históricas (Miller 1992: 35). A terra preta arqueológica foi um dos indícios mais marcantes da presença humana. Um terço dos vestígios líticos evidenciados representam os complexos pré-cerâmicos, os quais foram propostos em três fases culturais: Itapipoca, Pacatuba e Massangana.

A fase Itapipoca apresentou datações que vão do HA até o HM. Foram evidenciadas peças líticas em calcedônia, quartzo, rochas cristalinas e basalto. Entre os artefatos identificados, os autores sinalizam a presença de raspadores laterais e terminais, artefatos bifaciais (Fig. 2.2.a), percutores com evidência de uso, lascas com e sem retoque (Fig. 2.2.b) e núcleos (Fig. 2.2.c). A fase Pacatuba apresenta datações do HM e sua coleção lítica é composta por peças cujas matérias-primas preferenciais são o quartzo e, em menor frequência, a calcedônia, rochas cristalinas e basalto. Os artefatos reconhecidos se tratam de raspadores pequenos, lascas e microlascas (algumas com evidências de microlascamento pelo uso), além de percutores e núcleos. A fase Massangana foi datada do final do HM e início do HR. Sua indústria lítica consta de peças cujas matérias-primas principais são rochas cristalinas, com menor frequência de calcedônia, quartzo e laterita. Quanto ao artefatual dessa fase, compõem-se de micro lascas e lascas de quartzo, bigornas, mós (Fig. 2.2.d), mãos-de-pilão (Fig. 2.2.e) e moedores (Fig. 2.2.f). Também estão presentes raras lâminas de machado picoteadas, lascadas e, de acordo com Miller, “mal alisadas, pequenas e toscas” (Fig. 2.2.g, h, i) (Miller 1992:38).

Os resultados de pesquisas mais recentes em sítios datados do HM e localizados no extremo norte do Estado de Rondônia nos permitem inferir a presença - e provável dominância - de modalidades de produção regidas pelo princípio de debitagem. É o caso, por exemplo, do sítio Teotônio, situado na margem direita da cachoeira homônima no alto rio Madeira em um topo de platô (Mongeló 2019). Nesse sítio foi evidenciada uma numerosa coleção lítica. Segundo Mongeló (2019:261), as indústrias líticas do HM provenientes desse sítio (cf. tabela 1 na primeira parte do artigo) se caracterizam como “de lascas unifaciais com poucos retoques” (Fig. 2.1.c, d). Em termos de economia das matérias-primas, o autor indica que essas indústrias fazem uso de materiais locais e de fácil acesso. O objetivo da debitagem seria a obtenção de lascas com bordos afilados empregadas para distintos usos, ou seja, uma indústria voltada majoritariamente para obtenção de lascas-ferramentas (sobre as quais as alterações suplementares seriam mínimas). Há uma preponderância do uso do quartzo como matéria-prima (hialino e leitoso), com pequena presença de instrumentos polidos e fragmentos de machados (Fig. 2.1.b). Os componentes líticos foram classificados pelo autor enquanto lascas unipolares, núcleos unipolares e fragmentos. Também é registrada a presença de “peças brutas”, ou seja, blocos de tamanho médio com marcas de percussão indireta provavelmente usadas no processamento de alimentos enquanto bigornas ou em atividades de lascamento. Os núcleos em quartzo de veio se apresentam em morfologia retangular (Fig. 2.1.a). São pequenos blocos com medidas decimétricas apresentando alto grau de esgotamento, sendo que a maioria deles estava organizada em apenas um plano de percussão associado a duas ou três retiradas (Mongeló 2019:196). Podemos inferir que cadeias operatórias ramificadas (Bourguignon et al. 2004) estavam presentes na medida em que o autor nos informa sobre a reintrodução de alguns núcleos esgotados como suportes de ferramentas, as quais apresentavam marcas de utilização (Mongeló 2019:196). Análises de vestígios macro e micro-botânicos sobre algumas lascas unipolares em associação com materiais datados por volta de 5.880 AP indicaram utilização em processamento de vegetais (amido de feijão Phaselous sp. e fitólitos de palmeiras) (Watling et al. 2018, Mongeló 2019:228).

Caldarelli e Kipnis (2017), no contexto da pesquisa para a UHE Santo Antônio (RO) em área compreendida entre as cachoeiras de Santo Antônio e Teotônio, no Alto rio Madeira, relatam a identificação de uma cinquentena de sítios arqueológicos datados do HM ao HR. Dentro da faixa temporal do HM podemos destacar os sítios Boa Vista, Garbin e Ilha Santo Antônio. Silva (2020) realizou uma análise dos materiais líticos datados do HM e em associação com terras pretas de profunda antiguidade (7.740 AP) provenientes do sítio Garbin (RO), localizado próximo da Cachoeira de Santo Antônio no rio Madeira. As matérias-primas são locais, e dão testemunho de uma continuidade em termos de sua aquisição entre períodos pré-ceramista e ceramista (HR). Segundo a autora, o quartzo, material preferencial para o lascamento, esteve sempre inserido em um sistema producional por debitagem bipolar sobre bigorna. Ou seja, um conceito adicional relativo ao princípio de debitagem era dominante. Lateritas vermelhas e plaquetas de óxido de ferro foram exploradas para obtenção de pigmento vermelho (Fig. 2.3.b), enquanto rochas ígneas máficas sugerem uma utilização enquanto suportes para fabricação de adornos. Também foram identificados granitos cuja morfologia foi alterada por “fricção” (Fig. 2.3.d). Os artefatos buscados, ainda segundo Silva (2020), configuram-se enquanto lascas de quartzo que possuíam dimensões reduzidas (comp. 1~2cm; larg. 0,5 ~1cm; espes. 0,2~0,5cm) (Fig. 2.3.a). Porém, a autora deixa em aberto a questão sobre a funcionalidade desses artefatos, uma vez que a maioria deles não apresentava gumes propícios para realização de funções como cortar, furar, raspar, rasgar, etc. Segundo ela, poderia se tratar de uma cadeia operatória para obtenção de suportes para fabricação de possíveis adornos (Silva 2020:253). A autora indica a presença de seixos (Fig. 2.3.c), porém, não foi possível precisar qual papel esses desempenhavam na indústria lítica do sítio.

Sítios no Cráton Amazônico - Estado de Rondônia (Brasil)

Os resultados de pesquisas de Caldarelli e Kipnis (2017) fornecem dados sobre os estudos realizados na bacia do Ji-paraná, no centro-leste de Rondônia. O sítio Encontro (RO-MA-05) apresentou datações dentro da faixa temporal do HM. Situado no topo de uma colina (303 m.s.n.m.), ele está inserido em relevo suave ondulado (Zimpel 2008). Nesse sítio foi evidenciado um componente lito-cerâmico em terra preta arqueológica. Caldarelli e Kipnis (2017) indicam que as matérias-primas aproveitadas nesse sítio (e demais da bacia do Ji-paraná) eram de proveniência local: seixos de sílex (preferenciais), diabásio, quartzo (cristalino e leitoso) preferencialmente em seixo, rochas criptocristalinas e metamórficas, gnaisses, arenitos silicificados e granitos-gnaisses. A partir dos dados dos autores inferimos que modalidades de produção das ferramentas regidas pelo princípio da debitagem seriam dominantes. As modalidades producionais reconhecidas sobre os materiais avaliados foram o lascamento por percussão direta, a técnica bipolar sobre bigorna, além de picoteamento e do polimento. As ferramentas lascadas se apresentam com gume retilíneo ou convexo (Caldarelli e Kipnis 2017). Zimpel (2008) fornece alguns breves comentários sobre os materiais líticos evidenciados no sítio Encontro, sinalizando a presença de adornos polidos em quartzo (Fig. 2.8.a) e machados polidos (Fig. 2.8.b). Segundo o autor, a maioria do material compreendia pequenas lascas unipolares e raríssimas lascas bipolares de pequenas dimensões.

Sítios nas Bacias Sedimentares Cenozoicas - As Terras Baixas da Bolívia

A arqueologia boliviana possui uma extensa produção voltada para a porção mais ocidental do país, na qual predomina a região do altiplano (morfoestrutura dos Cinturões Orogenéticos Meso-cenozoicos). Boa parte dos sítios do “Período Arcaico” (ca. de 10.950 e 3.900 cal. AP) está concentrada no sudoeste do país (Capriles e Albarracin-Jordan 2013). Entretanto, duas áreas das terras baixas bolivianas apresentam ocupações datadas do HM. São a região dos Llanos de Mojos, no departamento de Beni, e um sítio localizado no Chaco, departamento de Chuquisaca.

Ainda que não se tenham identificado materiais líticos lascados para a faixa temporal que nos interessa na região dos Llanos de Mojos, Lombardo et al. (2013) fornecem alguns dados dignos de menção. Isso porque a ocupação humana é atestada para essa área em sistemas de assentamento cuja origem remonta ao HA e são indicativos de uma complexa relação entre os grupos humanos e seu ambiente: construções realizadas por meio de ampla remobilização de solos (Denevan 1964; Lombardo et al. 2013, Prümers e Betancourt 2014). As ações técnicas fundamentais de corte, raspagem, perfuração, etc. estavam sendo cumpridas, muito provavelmente, por ferramentas cujas matérias-primas não entraram para o registro arqueológico (orgânicas) (Forestier 2020). De acordo com Lombardo et al. (2013:7), a ausência de artefatos líticos pode ser atribuída à escassez de afloramentos rochosos na paisagem. Indicamos, nesse sentido, as coleções de artefatos produzidos sobre material ósseo e chifres de cervídeos evidenciados na Lloma Salvatierra (Kühlen 2012).

Mesmo que as datações absolutas disponíveis para esse sítio dos Llanos de Mojos sejam relativas ao HR (as mais antigas variando no entorno de 1.350±20 AP) (Kühlen 2012: 218), a cultura técnica evidenciada merece ser investigada enquanto testemunho de uma provável linhagem técnica que, talvez, remonte ao HA, como sugerido por pesquisas recentes sobre a formação do sítio SM1 (Lombardo et al. 2013). Os artefatos sobre materiais orgânicos (Fig. 2.7.a, b, c, d, e, f) e cerâmicos - como um alisador de bordos (Fig. 2.7.g) - podem ter composto as caixas de ferramentas daquelas populações, cumprindo as mais diversas funções técnicas durante as ocupações identificadas para o HM nessa região central do atual departamento de Beni (Lombardo et al. 2013). Nos termos dos sistemas de produção, o princípio que rege a realização desses artefatos é a afordância aplicada a partir da padronização morfológica inerente aos componentes ósseos e galhadas de determinados animais. São evidentes agenciamentos em termos de ações técnicas de eleição seguidas por ações técnicas de fratura na porção das diáfises dos ossos e polimento dos bordos fraturados.

O sítio referência para a ocupação mais antiga ao sul das terras baixas bolivianas está localizado no departamento de Chuquisaca, na área do Chaco boliviano. Identificado em 1978, o sítio de Ñuapua (Ñuagapua), trata-se de um sítio paleontológico e arqueológico a céu aberto em ambiente lacustre (Arellano, 2014). Remanescentes ósseos humanos parcialmente fossilizados foram evidenciados em associação com fauna depositada em argila siltosa. As datações realizadas sobre esses vestígios forneceram idades do HM (Coltorti et al. 2010, 2012). Foi reportada a associação de vestígios de paleofauna - que teria sobrevivido até por volta de 5.500 AP naquela região (Coltorti et al. 2012) - com artefatos líticos (lascas de quartzito retocadas, buris e raspadores), além de estruturas de fogueira (Capriles e Albarracin-Jordan, 2013, Arellano 2014). Diante da ausência de informações técnicas e tecnológicas mais completas sobre esses materiais - apenas mencionados em Coltorti et al. (2010, 2012) (Fig. 2.6.b) e brevemente comentados em Arellano (2014) (Fig. 2.6.a) -, ponderamos que as três lascas apresentadas em Coltorti et al. (2010, 2012), cuja matéria-prima não foi precisada, nos indicam duas situações: 1) a provável presença de um sistema de debitagem no qual as superfícies de debitagem estavam sendo intensamente exploradas ou 2) uma modalidade de produção regida por façonnage. Inferimos essas situações por meio da observação das faces externas das lascas, as quais apresentam sequências de negativos sem contrabulbo, ou seja, provavelmente anteriores ao destacamento das mesmas.

Arellano (2014) nos fornece algumas informações suplementares: as indústrias líticas de Ñuapua contém clastos e seixos com lascamentos unifaciais e bifaciais, lâminas, raspadores e perfuradores. Segundo esse autor, as matérias-primas foram o quartzito metamórfico, a calcedônia e quartzo que, provavelmente, foram obtidos fora da região do paleolago uma vez que não há afloramentos rochosos nas proximidades. Arellano (2014) considera que o quartzito metamórfico exógeno pode ter sido obtido nos afloramentos de quartzito cinza de Cerro León, no Chaco do Paraguai (Alimen e Karpoff 1967; Kuhn 1991). Esse autor (Arellano 2014: 155) também levanta a hipótese sobre a transferência de ideias técnicas entre Ñuapua e o Pantanal brasileiro através dos sítios do norte do Paraguai: Ingavi (Fig. 2.5. a, b, c, d, e) e Cerro León. Esses sítios foram alvo de uma publicação datada do final dos anos 1960 que não forneceu datações absolutas (Alimen e Karpoff 1967).

Sítios nas Bacias Sedimentares Cenozoicas - o Pantanal Mato-Grossense (Brasil)

O Pantanal Mato-Grossense é caracterizado por uma grande área de planície aluvial formada entre o Planalto brasileiro do Mato Grosso, o Chaco Boreal do Paraguai e a Planície de Guaraios da Bolívia. Essa área apresenta uma diversidade de recursos hídricos (rios, canais, córregos e grandes lagoas permanentes ou temporárias) e de áreas elevadas representadas por solos ricos e cobertos por uma vegetação densa onde se encontram grande parte dos sítios arqueológicos (Schmitz 2002).

Os sítios dessa região estão em áreas abertas, cujas ocupações vão do HA até o HR implantadas sobre pequenas escarpas na margem do Rio Paraguai. Há dois sítios datados do HM, o sítio MS-CP-16, localizado próximo ao planalto residual, nas proximidades da lagoa Jacadigo e o sítio MS-CP-32, disposto nas proximidades do rio Verde. Em ambos os sítios, nas camadas do HM, foram identificados expressiva quantidade de restos de moluscos de água doce, ossos de anfíbios, répteis, aves, peixes e mamíferos (Schmitz et al. 1998).

Os objetos líticos são raros, essa situação segundo Schmitz (2002:207) poderia estar relacionada à restrição na região de matéria-prima apta ao lascamento. Em contrapartida, registra-se uma quantidade expressiva de artefatos sobre ossos. Dentre os quais se destacam os objetos em pontas ósseas produzidas a partir de ossos longos segmentados e/ou entalhados com bordas ou faces polidas, ossos segmentados e/ou entalhados, dentes perfurados e artefatos sobre material conchífero: contas, moluscos perfurados e fragmentos com bordos alisados (Fig. 2. 4. a - j) (Schmitz et al. 1998).

Uma tecnografia de sítios datados do Holoceno médio para o Agrupamento C

Para indicar a diversidade das culturas técnicas líticas em estudo, a Figura 3 apresenta alguns conjuntos de artefatos disponíveis através da bibliografia consultada.

Figure 3: Artifacts related to industries evidenced at sites located in Group C. The central map is a detail adapted fromRoss et al. (2019). 

Sítios nos Cinturões Orogenéticos do Pré-Cambriano - Sudeste e Sudoeste do Estado do Mato Grosso (Brasil)

Os sítios arqueológicos da região sudeste pertencem à bacia do rio Paraná onde está inserida uma importante rede hidrográfica. A geologia da região é formada pelo Grupo Cuiabá e coberturas residuais Botucatu, Bauru e Furnas e a geomorfologia por Planície, Planalto e Chapada (Viana et al. 2006). As fontes de matérias-primas estão disponibilizadas às margens de rios com seixos de dimensões em formatos diversos e em afloramentos distantes das planícies (Viana et al. 2006; Vilhena Vialou 2009). Os sítios apresentam datações do início ao final do HM.

Os sítios da bacia do rio Vermelho encontram-se no complexo arqueológico Cidade de Pedra, região pesquisada por Vilhena Vialou (2009), três sítios foram datados do HM. O sítio Ferraz Egreja encontra-se em abrigo, com ocupações de 5.460±40 (não cal) que seguem até o HR (cf. tabela 1 na primeira parte do artigo). Segundo Vilhena Vialou e Vialou (2008) os objetos líticos apresentam-se em classes diversas: seixos, blocos, percutores, núcleos, lascas, fragmentos e lascas pequenas atribuídas a retoques provenientes da confecção do gume de instrumentos. A diversidade da coleção lítica possibilitou aos autores identificarem diferentes cadeias operatórias sendo realizadas in loco. As matérias-primas para a produção de instrumentos teriam sido provenientes principalmente do Rio Vermelho.

O Morro do Solteiro 1 é um sítio aberto, com datação mais antiga em torno de 7.000 anos AP, as ocupações posteriores seguem até o HR. Nele estão presentes lascas, estilhas, núcleos, batedores, plaquetas de arenito retocadas e instrumentos em lascas retocadas (Figuti et al. 2020). Segundo autores as matérias-primas identificadas são o arenito silicificado, sílex e quartzo. As pesquisas sistemáticas são iniciais e não dispomos ainda de maiores informações sobre as indústrias. Já no sítio Abrigos Vermelhos as camadas ocupacionais mais antigas são do final do HM (4.125±60 anos AP), seguindo até o HR. Segundo dados disponíveis em Souza (2014), a coleção lítica é diversa, constituída por elementos que remetem ao princípio da debitagem com produção de lascas-suportes de volumes e dimensões variadas. Em alguma delas inferimos, a partir das informações ainda parciais, uma associação de afordância producional à debitagem, seguida da confecção de gume sobre a lasca-suporte.

Na região do rio Manso dois sítios apresentam ocupações datadas do HM, em ambos os sítios as datações por volta de 6.000 AP. O sítio Estiva II está localizado em área aberta às margens do rio Manso e o sítio Cachoeira do Pingador, encontra-se em abrigo, na bacia do rio Quilombo. É frequente nos dois sítios a predominância do sílex como matéria-prima, ele é proveniente do topo de morros, presentes na região e de difícil acesso ou de baixa vertente, onde também ocorre o arenito silicificado em seixos e blocos (Viana et al. 2006). Segundo Mello (2005) e Costa (2019) as peças são de baixa volumetria e dimensões (Fig. 3. 1. a, b, c). Registram-se núcleos unipolares explorados a partir de critérios de afordância producional, com a seleção de seixos ou blocos volumosos apresentando superfícies de debitagem já aptas, convexas ou modulares. Porções corticais de lascas-suportes indicam que elementos topológicos teriam favorecido o destacamento de lascas e no funcionamento do instrumento, integrando às áreas preensivas. As superfícies externas das lascas também apresentam nervuras longitudinais, indicativo de critérios de predeterminação da lasca-suporte (Mello 2005; Costa 2019). Núcleos bipolares explorados sobre bigorna estão presentes, mas são poucos. O princípio de afordância é sugerido por ferramentas não incisivas, como percutores, bigornas e maceradores/alisadores diversos.

Os instrumentos incisivos dos sítios de Cachoeira do Pingador e Estiva II foram pouco modificados, os gumes foram confeccionados, em geral, por poucas sequências de negativos e de dimensão curta. Também estão presentes gumes sem vestígios de retoques, mas com evidências macroscópicas de utilização. As áreas preensivas são, em geral, constituídas por dorsos selecionados a partir das características naturais da rocha, produzidos durante a fase de debitagem ou confeccionados após o destacamento da lasca-suporte (Fig. 3. 2. a, b, c).

O sítio Santa Elina está implantado na região sudoeste de Mato Grosso, na bacia do Rio Cuiabá, em compartimento geológico representado pelo dobramento sinclinal de calcário dolomítico do período Pré-cambriano e arenito da formação Raizama (Vilhena Vialou e Vialou 2019). O sítio apresenta profundidade temporal relacionada a idades pleistocênicas, seguidas de ocupações datadas do HA, HM (de 7.010±70 a 3.970±60 não cal) até o HR (Vilhena Vialou e Vialou, 2019). Para o HM foram evidenciadas ferramentas obtidas através de diversos modos de produção, em rocha calcária, sílex, arenito, quartzito e quartzo. Também estão registrados adornos com marcas de polimento e orifícios circulares; hematitas com marcas de estrias nos bordos; arranjos de estacas; e blocos ou lascas de calcário com evidências de pigmentos vermelhos (Vilhena Vialou e Vialou 2019:363).

Sítios nas Bacias Sedimentares Paleo-mesozoicas - Sudoeste do Estado de Goiás (Brasil)

A região sudoeste do Estado de Goiás é marcada por dois complexos de sítios arqueológicos localizados nas regiões arqueológicas de Jataí (municípios de Serranópolis) e Caiapônia (município de Palestina de Goiás). Cada uma dessas regiões apresenta cerca de quarenta sítios arqueológicos, sendo a maioria localizada em abrigos rochosos.

As ocupações de Serranópolis remontam ao final da transição do Pleistoceno para o HA (Schmitz et al. 2004), com camadas arqueológicas do HM, datadas de 7.420±80 a 4.505±55, seguindo até o HR. Os sítios datados por C14 do HM, GO-JA-01; G0JA-03 e GO-JA-23, estão em abrigos rochosos de arenito silicificado, presentes no vale do rio Verdinho. Em Palestina de Goiás as ocupações do HM datam por volta de 4.000 anos AP, e foram identificadas nos sítios GO-CP-16 e GO-CP-05, localizados na região do Córrego do Ouro em abrigos rochosos de arenito silicificado (Schmitz et al. 1986). Sítios a céu aberto, sem datação e de estratigrafia rasa, localizados em contextos de afloramentos rochosos, apresentam culturas técnicas líticas correlacionáveis em aos sítios em abrigos (Viana et al. 2016).

Em ambas as regiões as fontes de matéria-prima são locais, sendo que em Serranópolis são provenientes da Formação Botucatu e Serra Geral (Scopel 2005). Está disponível em blocos removidos das paredes do abrigo, os quais foram usados como núcleos estacionados (Ramos 2019), em afloramentos rochosos a céu aberto e leito de rios, localizados nas proximidades. Há também presença de objetos líticos em basalto, diabásio, sílex e calcedônia (Schmitz et al. 2004). Em Palestina de Goiás (Caiapônia) o contexto geológico é da Formação Vila Maria, representados por depósitos de conglomerados ou diamictitos (Viana et al. 2016), sendo o quartzito a matéria-prima predominante, disponível na forma de seixos.

No que diz respeito aos modos producionais, em Serranópolis evidencia-se uma afordância producional relacionada à debitagem, que se manifesta em duas situações principais: 1) seleção ou produção de suportes provenientes das paredes do próprio abrigo (bloco estacionado); e 2) seleção de seixos e blocos, presentes em áreas próximas ao sítio (Ramos 2016). Em Palestina de Goiás, o princípio da afordância producional no processo de debitagem se expressa nas partes corticais das lascas-suportes, indicando a seleção de seixos de dimensões expressivas com convexidades acentuadas (Pereira 2009).

Em Serranópolis, as lascas suportes do sítio GO-JA-01 são pouco volumétricas (Fig. 3.8.a-f). Também nesse sítio foram identificados suportes de ferramentas (e núcleos) relacionados ao conceito de debitagem D (Ramos 2016; Ramos e Viana 2019) (exemplo IV na figura 4 da primeira parte do artigo) (Fig. 3.5.e). Nessa região constata-se ainda, segundo Ramos e Viana (2019) a seleção de suportes sobre ferramentas produzidas em cadeias operatórias de maior ancianidade (HA) - “lesmas” e outras ferramentas -, presentes no próprio abrigo (configurando uma afordância aplicada aos materiais arqueológicos em situação de palimpsesto). A identificação dessas peças baseou-se nas diferenças de pátina aliada à análise diacrítica dos negativos. Destaca-se ainda no sítio GO-JA-01, ferramentas em suporte proveniente de refugo de façonnage, de baixa volumetria, que podem ser compreendidos através do conceito de cadeia operatória ramificada (Bourguignon et al. 2004). Em tais objetos as partes preensivas não foram alteradas. Os gumes, por sua vez, poderiam ser confeccionados e/ou afiados (C. T-F “B”).

Por outro lado, é particular dos sítios de Palestina de Goiás datados do HM, a afordância relacionada à façonnage de seixo, manifestando-se a partir da eleição de seixo sendo a face mais volumosa modelada por façonnage parcial.

No que diz respeito às categorias tecno-funcionais, em ambas as regiões as superfícies de ferramentas com porções naturais ou corticais teriam se integrado à parte preensiva e atuado diretamente no funcionamento das mesmas. Já as ferramentas acorticais, de menor volume, caracterizam-se por apresentarem dorsos opostos ou adjacentes ao gume, sendo que seus suportes são obtidos, preferencialmente, por métodos de debitagem referentes ao conceito “C” (Ramos 2016; Pereira 2009).

Sítios nas Bacias Sedimentares Paleo-mesozoicas - Extremo Oeste do Estado de Minas Gerais (Brasil)

No extremo oeste do Estado de Minas Gerais encontra-se um conjunto de sítios arqueológicos majoritariamente datados do HR (Barros 2018). O sítio Rezende, se destaca por apresentar várias datações do HM, de 7.300±80 a 4.250±50 e sua ocupação segue até o HR (Alves 2013). Está localizado em ambiente aberto, em relevo denominado Chapadão Tabular, e em área de destacada rede hidrográfica. Nele se encontra afloramentos rochosos, originários do Grupo São Bento, Formação Botucatu e Serra Geral, com presença de seixos, os quais foram utilizados como principais fontes de matéria-prima (Fagundes 2004). Segundo Fagundes (2004), a matéria-prima predominante foi o arenito silicificado, subdividido em grãos de sedimentação fina ou grossa, seguido de quartzo, quartzito, sílex e calcedônia. As sequências de lascamento foram produzidas por percussão direta dura.

A partir das características das lascas-suporte das ferramentas (Fagundes 2004) (Fig. 3.3. a e d) constata-se que a debitagem foi predominante no sítio, sendo que ela poderia estar associada ou não a critérios de afordância producional. As nervuras longitudinais nas faces externas de certas lascas-suporte, dispostas ao longo do eixo tecnológico, indicam critérios de predeterminação dessas. Nas ferramentas sobre lascas-suporte, os gumes apresentam retiradas curtas, em geral, com uma sequência de lascamento, delineando gumes de morfologias e angulações diversas (Fagundes 2004). As porções corticais teriam atuado no funcionamento das ferramentas cumprindo a função de partes preensivas (C.T-F “B”). Fagundes (2004) constata também a ocorrência dos suportes em “lamelas”, suportes de baixa volumetria e morfologia alongada, entendemos que eles podem indicar alguma debitagem de caráter mais integrado (Boëda, 2013).

De acordo com os dados apresentados por Fagundes (2004), constatamos também a Façonnage lato sensu, em duas modalidades técnicas (Fig.3.3. b-c): 1) debitagem seguida de façonnage, com a produção de ferramentas plano-convexas. Nessa situação, a lasca-suporte apresenta face inferior aplainada e face superior com volume apto para ser modelado; 2) afordância complementada pela façonnage de seixo, a ferramenta foi produzida a partir da superfície cortical aplainada do seixo. Sobre as categorias tecno-funcionais dessas ferramentas, observamos variedade de padronizações nas porções ativas; as áreas preensivas teriam sido produzidas e acompanhariam as variedades de padronizações das porções ativas (C.T-F “C”), adaptando-se em acordo com a localização das unidades transformativas.

Sítios nas Bacias Sedimentares Paleo-mesozoicas - Estado de Mato Grosso do Sul (Brasil)

As pesquisas na região buscaram o mapeamento e compreensão acerca da distribuição espacial e ambiental dos sítios da margem esquerda do rio Paraná e do rio Sucuriu (Kashimoto e Martins 2009, 2016, Martins, 2012). Também foram realizadas escavações no sítio Templo dos Pilares (Souza e Aguiar 2017).

No rio Sucuriú os três sítios registrados estão em ambientes abrigados de formação quartzitica. São sítios multicomponenciais profundos, sendo um deles, o AS12, com ocupações que remontam a transição do Pleistoceno para o HA, seguindo com ocupações do HM (7.180±40 a 5.600±30 AP não cal) e do HR (Kashimoto e Martins 2016), os outros dois sítios têm datações de 7.890±60 a 4.630±70 AP não cal (sítio AS4) e de 6.470±30 a 4.220±30 AP não cal, para o sítio Torres dos Pilares (Souza e Aguiar 2017). Segundo os autores, a matéria-prima principal é o arenito silicificado, presente em calhaus desse rio e o quartzito, disponível nas próprias paredes do abrigo, seguido do quartzo e silexito, encontrado nas proximidades. Os sítios da margem direita do rio Paraná apresentam datações do HM que segue de 6.350±50 a 3.995 ±50 AP não cal, estão em ambientes abertos de terraço alúvio-coluvial contíguo a canais fluviais, com matéria-prima (arenito silicificado, silexito, quartzo e quartzito) disponível in loco. Esses aparecem nos níveis de conglomerados limoníticos de seixos e calhaus ou níveis coluviais contíguos a canais fluviais.

Os sítios dessa região se destacam pela diversidade de suas culturas técnicas líticas, sendo que os dados indicam a presença de diferentes associações entre os princípios de Afordância, de Debitagem e de Façonnage (Fig.3.4. a-d). Nas fases iniciais do HM, nos sítios em abrigos, foram identificadas ferramentas plano-convexas, cujos estigmas producionais testemunham as associações dos três princípios producionais. As evidências de córtex nessas peças, indicam seleção de seixo cuja topologia teria colaborado na debitagem, produzindo lascas-suporte alongadas, com a face inferior aplainada e face superior com volume avantajado. Essa última foi posteriormente modelada (façonnage lato sensu) e o gume confeccionado. As áreas corticais, quando presentes, se mantiveram e foram integradas ao volume modificado pela façonnage, caracterizando possíveis áreas preensivas (C.T-F. “C”).

As ferramentas mais recorrentes, segundo Kashimoto e Martins (2009 e 2016) foram os raspadores, presentes tanto nos abrigos como nos sítios abertos. Neles há indícios de afordância producional, seguida de debitagem e confecção aplicada ao gume. Os suportes dessas ferramentas, em geral, são lascas com presença significativa de córtex, de tamanhos avantajados e morfologia diversa (Fig. 3.4.d). As partes ativas foram confeccionadas, sendo que os negativos de confecção produziram delineamentos e angulações variáveis, com certa recorrência de gumes em ponta (Kashimoto e Martins 2009 e 2016). As evidências sugerem que a parte preensiva esteja caracterizada pelas partes corticais, frequentemente associadas a áreas de maior volume.

Também estão presentes as pontas bifaciais e bifaces alongados provenientes dos sítios próximos ao rio Paraná (Kashimoto e Martins 2009, 2016). Teriam sido produzidos por façonnage stricto sensu (Fig. 3.4.a), sem possibilidade de definir o suporte. As retiradas convergentes adelgaçaram o volume e regularizaram as faces, produzindo peças de seção biconvexa, de perfis retilíneos e simétricos para as pontas bifaciais e perfis biconvexos e assimétricos para as demais. O conjunto de estigmas estandardizados proporcionou, assim, uma estrutura padronizada, que hipoteticamente possuía uma unidade transformativa recorrente. Ela estaria integrada, a partir de uma relação restrita, à uma parte preensiva (C. T-F “D”).

Registramos ainda a presença da Façonnage lato sensu (exemplo V da figura 4 na primeira parte do artigo). Os indícios de córtex, de dimensões variadas observados em ambas as faces, decretam a ausência da debitagem e indicam a eleição de seixos volumosos (Afordância associada à Façonnage).

Sítios nas Bacias Sedimentares Paleo-mesozoicas - Departamento de Amambay (Paraguai)

Existem poucos sítios cadastrados para o HM nesta região, devido à falta de pesquisas e à dificuldade de acesso aos setores de investigação (Lamenza e Monges 2020). Um dos sítios que resgatamos para nossa análise corresponde ao Abrigo Itaguy Guasu.

O referido abrigo está localizado no Departamento de Amambay, no extremo noroeste do Paraguai, próximo à fronteira com o Brasil. A região é conhecida por sua geografia acidentada: extensos vales fluviais são interrompidos por colinas, que surgem como ramificações da Cordilheira de Amambay. Precisamente, o Abrigo Itaguy Guasu está localizado na base de um morro, onde divide o patamar que forma um estrato com outros dois abrigos.

Este abrigo formado por arenito apresenta um depósito sedimentar formado pela erosão e intemperismo das paredes. As escavações realizadas por Lasheras e colaboradores (2013) mostram que houve uma ocupação ininterrupta do abrigo desde o HM até a presença Guarani, há 800 anos. Para efeitos da nossa investigação, iremos centrar-nos no material lítico de nível 2, que reúne os artefactos líticos associados a uma datação de 5.212 ± 323 anos AP.

Quanto à procedência da matéria-prima dos objetos líticos, a grande maioria do material é local, sendo constituído por arenito silicificado, obtido das próprias bordas que emergem do conglomerado dos beirais. Quartzo e sílex são observados em menor grau (Lasheras et al. 2013).

No conjunto lítico do nível 2, os restos de lascamento compõe a classe lítica mais frequente (99%). As lascas simples predominam (48%), seguidas pelas lascas da borda do núcleo (16%), secundárias (11%) e lascas secundárias da borda do núcleo (3%). Conforme descrito pelos pesquisadores do abrigo (Lasheras et al. 2013), grande parte do conjunto de ferramentas líticas (n=39) provém do princípio da debitagem. Elas foram obtidas, em alguns casos, a partir de núcleos sem configuração predeterminada, cujo estado de exploração é avançado. No entanto, outra parte das lascas, que foram usadas como suportes, retém vários atributos dos núcleos, sendo posteriormente retocadas para formar uma ferramenta.

O principal objetivo dos modos de produção se encontra na debitagem: obter lascas como suportes de ferramentas. Na maioria dos casos, o retoque é superficial, como pode ser visto nos entalhes. Na maioria dos instrumentos do abrigo, há uma variedade de das superfícies ativas: elas podem ser encontradas na posição frontal, como é o caso dos raspadores, ou em direção a qualquer uma das bordas, como observado em relação aos entalhes, raspadeiras, perfuradores (Fig. 3.6.d); ou na forma de becs pontiagudos. Por sua vez, há uma relação irrestrita com a porção preensiva das peças: como dissemos anteriormente, grande parte dos suportes são lascas de diversas formas e tamanhos (C. T-F “B”).

Dentro do nível 2 foram encontrados oito instrumentos feitos em suportes plano-convexos2 (Lasheras et al. 2013). Consideramos que o princípio técnico que norteou a produção desses instrumentos foi a Debitagem, seguida da Façonnage lato sensu. Estas lascas espessas e alongadas (Fig. 3.6. a, b), apresentam uma face ventral sem qualquer modificação, enquanto na face dorsal apenas são conservados resquícios de negativos originários da lasca-suporte. Nas bordas, o retoque pode se apresentar de várias formas, frontal, convexa, em uma extremidade ou em ambas. Desta forma, os plano-convexos são suportes para diferentes ferramentas como raspadores carenados ou raspadeiras laterais duplas (C. T-F “C”). Geralmente são artefatos unifaciais, embora no caso do abrigo tenha sido detectado o caso de uma borda bifacial contínua.

Outra categoria de instrumentos evidenciada no nível 2 foi as pontas bifaciais. O princípio técnico de produção desses instrumentos é distinto (n=3). No caso do sítio do Departamento de Amambay, foram reutilizadas pontas anteriores, aproveitando a boa qualidade do arenito que difere do restante do material do sítio (Lasheras et al. 2013). Isso é indicativo da ocorrência de uma minuciosa seleção da matéria-prima disponível no local. A partir de um suporte original (lascas) procederam-se diferentes etapas de desbaste para chegar à forma final (façonnage stricto sensu). As pontas apresentam, em sua modelagem, lascas bifaciais que recobrem as peças lateralmente (Fig. 3.6.c). Essas lascas são a consequência da busca por uma forma final.

As pontas bifaciais são os únicos exemplos de C T-F “D”, onde há uma uniformidade de padrões da área preensiva. Como mencionamos acima, a forma básica dos projéteis é repetida, presentes em todos os casos bifaces. Essa uniformidade no setor preensivo tem um correlato, uma relação restritiva, no padrão da porção ativa: nos três casos de pontas bifaciais, estas terminam em seu ápice como pontas foliáceas com retoque bilateral facial.

Uma tecnografia de sítios datados do Holoceno médio para o Agrupamento D

Para indicar a diversidade das culturas técnicas líticas em estudo, a Figura 4 apresenta alguns conjuntos de artefatos disponíveis através da bibliografia consultada.

Figure 4: Artifacts related to industries evidenced at sites located in Group D. The central map is a detail adapted fromRoss et al. (2019). 

Sítios nos Cinturões Orogenéticos Meso-mesozoicos - Valles y quebradas del noroeste argentino (Tucumán)

Em nossa região de estudo existem quatro sítios que estão localizados na zona de vales, ou zonas baixas do noroeste da Argentina. Três deles estão localizados em setores geomorfológicos conhecidos como ravinas (quebradas) (Taller Puesto Viejo 1, Cueva Abra del Toro e La Sala) e um deles em região de taludes (Planchada La Puntilla).

Na bacia do médio-baixo do rio Los Corrales, localizada na ravina homônima (Tucumán), foi registrada a presença de uma oficina lítica com material abundante na superfície, assim como com em estratigrafia (Martínez et al. 2013). Este sítio, chamado Taller Puesto Viejo 1 apresenta, na camada escavada mais antiga, uma datação de 7.420 ± 25 anos AP, considerada o registro de radiocarbono mais antigo fora da região de Puna (Martínez et al. 2013). O sítio Taller Puesto Viejo 1 é multicomponencial e as matérias-primas líticas mais utilizadas no HM foram o quartzo e o andesito. Ambos os recursos são locais e estão plenamente disponíveis e em abundância na paisagem (Martínez et al. 2003). O sítio apresenta para a faixa cronológica entre 7.420 ± 25 anos AP a 3.330 ± 30 anos AP, um grande repertório de artefatos normalizados e padronizados (C. T-Fs “B”, “C/D”) (n=51). São eles: raspadores (simples e compostos) (Figura 4.1. d, e), raspadeiras, cortadores, bordas naturais com traços complementares, denticulados, plainas, artefatos bifaciais indiferenciados, bifaces, lascas com entalhes e pontas bifaciais. A reserva de córtex dos instrumentos é baixa, próxima de 5% (Jorge Martínez, comunicação pessoal).

A partir de nossa análise consideramos que seja viável discernir dois princípios técnicos que organizaram a produção de artefatos (C. T-F “B” e “C/D”): a debitagem e a façonnage lato sensu. Com exceção das pontas bifaciais, os demais instrumentos foram confeccionados exclusivamente sobre lascas-suportes sem córtex (Jorge Martínez, comunicação pessoal). Essas lascas são provenientes de núcleos poliédricos (principalmente) e, em menor número, de núcleos de forma piramidal (Jorge Martínez, comunicação pessoal).

Em alguns casos, como no dos instrumentos com bordas naturais com evidências de utilização - ou seja, naqueles artefatos incisivos cujas porções ativas não apresentam negativos de afiamento ou retoques -, as modificações realizadas após a extração das lascas são nulas ou mínimas (lascas-ferramenta de C. T-F “B”); em outros casos, como nos artefatos compostos, esses requerem uma formatação adicional. É o caso, por exemplo, de uma peça que possui em um fio um denticulado e em outro um fio cortante bifacial; ou um artefato bifacial composto que apresenta um fio bifacial e um raspador lateral. Esses exemplos nos mostram que duas ou mais instrumentos podiam coexistir no mesmo artefato, ou uma variedade de porções ativas, ou transformadoras de energia.

O outro princípio técnico que consideramos presente no Taller Puesto Viejo 1 é a façonnage lato sensu, que se aplica especialmente na confecção de pontas bifaciais (Fig. 4.1. a, b, c). Os suportes originais podem ser lascas internas que são reduzidas bifacialmente (em 20%) ou bifaces (em 80%) (Jorge Martínez, comunicação pessoal). É importante mencionar que dentro do grupo tipológico identificado como bifaces, artefatos reduzidos em ambas as faces que preservam uma borda sinuosa em todo o perímetro, 30% deles são pré-formas de pontas bifaciais (Jorge Martínez, comunicação pessoal). Eles foram descartados antes de terminar a regularização de sua borda. As pontas bifaciais são os únicos artefatos onde há uma relação restritiva entre os setores preensivos das peças (padronizados) e os setores ativos, ou setores de transformação de energia, que também são padronizados por estarem localizados no setor proximal da peça (C. T-F “D”).

O sítio Cueva Abra del Toro está localizado em uma passagem que liga o fundo do vale onde se encontra o rio Santa María ao setor dos cumes de Aconquija. A 3000 metros acima do nível do mar, a gruta situa-se sobre depósitos vulcânicos ignimbríticos, de idade provável do Pleistoceno. O arranjo maciço de cinzas vulcânicas na estratigrafia do abrigo rochoso, somado a datações radiocarbônicas e a presença de restos cerâmicos circunscritos a unidades estratigráficas, permitiu discernir três ocupações da caverna: pré-cerâmica, antes da erupção, pré-cerâmica pós-erupção e cerâmica pós-erupção (Carbonelli et al. 2021). A ocupação pré-cerâmica antes da erupção tem uma data de radiocarbono que corresponde ao HM. Os materiais líticos são escassos e foram produzidos a partir de duas matérias-primas locais: basandesitos e quartzo, disponíveis na paisagem circundante.

Ao analisar os princípios técnicos presentes na materialidade lítica da gruta, temos apenas uma pequena quantidade de dejetos de lascamento, todos relativos a lascas internas e dois instrumentos, um raspador de fio lateral e uma ponta bifacial (Fig. 4.3.b). Para interpretar e compreender qual foi o princípio técnico seguido em sua produção, observaremos um conjunto de pontas bifaciais encontrados no sítio Taller Abra del Toro (Figura 4.3.a). Este era um local muito próximo da caverna, onde as pontas bifaciais eram confeccionadas e recondicionadas, enquanto o circuito de mobilidade das presas (camelídeos) podia ser controlado (Carbonelli et al. 2019).

Nas 12 pontas bifaciais do HM encontradas no sítio Taller Abra del Toro e aquela que pertence à ocupação pré-cerâmica da Caverna, observa-se que a estrutura do suporte original foi bastante modificada. Ainda assim, é possível observar que os volumes originais (suportes) eram peças bifaciais, consideramos que se trata de uma façonnage stricto sensu porque são intensamente modificadas por meio de processos que mantêm um sentido claro em direção à padronização (Ramos e Viana 2019).

Os bifaces utilizados como suporte teriam sido plano convexos, em alguns casos registra-se que a espessura da face convexa foi rebaixada/reduzida de forma a adaptar a peça ao encabamento. Deve-se considerar que através das séries metodológicas de modificações produzidas, há a regularização em determinadas porções da borda do biface que serviram para dar contorno à ponta bifacial. Levando em consideração as 12 pontas bifaciais da Taller Abra del Toro e a ponta projétil da camada mais antiga da Caverna Abra del Toro, podemos estabelecer que existia para o HM certa unidade de padronização das porções preensivas (C. T-F “D”). No entanto, existem algumas diferenciações nos corpos: predominam as pedunculadas com corpos lanceolados, com bordas normais e denticuladas, outros desenhos têm pedúnculo proeminente e aletas entrantes, ou pedúnculo proeminente e ombros. No caso dos corpos denticulados (Fig. 4.3.a) é possível que a referida aresta tenha sido utilizada como elemento de corte. Nesse caso, haveria uma variedade de padronizações das porções preensivas, que se correlacionariam com uma variedade de padrões de porções ativas (C. T-F “C”); seja como ponta bifacial ou como faca.

Em referência aos modos de produção das pontas bifaciais, devemos mencionar que existem semelhanças entre as peças encontradas na Taller Abra del Toro (Carbonelli et al. 2019), Taller Puesto Viejo 1 (Martínez et al. 2013) e La Sala en la Quebrada de Amaicha (Sampietro-Vattuone et al. 2020). Ainda que a maior parte dos materiais estavam em superfície, as investigações geoarqueológicas permitiram estabelecer uma cronologia (5.468 - 4.875 anos AP não cal) para os conjuntos líticos que estavam no subsolo. Dentro dos conjuntos líticos existem lascas de vários tamanhos, detritos de lascamento bifacial, lascas internas, lascas de reativação de núcleos, artefatos unifaciais e pontas bifaciais (Sampietro - Vattuone et al. 2020). As matérias-primas utilizadas são as mesmas descritas para os sítios dos vales: andesito, basalto e quartzo, embora em menor proporção existam pedaços de madeira petrificada, quartzito e sílex.

No que diz respeito a área de vales intermontanos do noroeste da Argentina, especificamente na Quebrada de Amaicha (Tucumán) e na região catamarcana do Vale do Yocavil, registra-se a presença de sítios a céu aberto com grande abundância de material lítico. Através da introdução da técnica VML (varnish microlamination) na Argentina (Baied e Somonte 2013; Somonte e Baied, 2013) foi possível estimar uma idade mínima da superfície em que os artefatos líticos foram encontrados. A idade mais antiga de uso desses espaços remonta, no caso do sítio Río Las Salinas 2, entre 13.150 anos AP e 9.400 anos AP (Somonte e Baied 2017).

Nestes sítios polivalentes (Somonte e Baied 2017), reocupados e revisitados ao longo de um amplo lapso de tempo, por todo o Holoceno, é muito difícil particularizar, as atividades que ocorreram num período específico, por exemplo no HM. No entanto, é pertinente comentar como são os conjuntos líticos registrados, uma vez que parte das peças (de acordo com as datas do VML nos negativos lascados) correspondem ao HM.

No caso dos sítios Ríos Las Salinas 1 e 2 e Planchada la Puntilla (todos localizados na Quebrada de Amaicha) o consumo de recursos líticos locais é predominante (Baied e Somonte 2013). Os recursos líticos utilizados são andesito (principalmente), quartzo, quartzito e, em menor escala, madeira petrificada e sílex (Baied e Somonte 2013).

Tal como esperado para os sítios pedreira-oficina, a debitagem atinge 70% de todo o conjunto instrumental dos três sítios3. Do total de artefatos pesquisados ​​(n=71), 44 são unifaciais, dos quais 17 possuem como suporte bifaces recuperados; o resto são artefatos bifaciais (Baied e Somonte 2013). Os autores observam que entre os artefatos unifaciais predominam os fios unifaciais, lascas entalhadas, denticulados, choppers, raspadores e bordas naturais (Figura 4.1. f, g); e entre os artefatos bifaciais se encontram os bifaces, os fios bifaciais com bordas sinuosas e peças foliáceas (Baied e Somonte 2013). Uma hipótese interessante, apoiada por informações etno-históricas, é que artefatos de dimensões avantajadas (que são frequentes nesses tipos de sítios), como choppers, denticulados, raspadores, lascas entalhadas e grandes bifaces, tenham sido utilizados para a exploração de recursos vegetais (Baied e Somonte 2013).

Sítio na Plataforma da Patagônia - Pampa de Achala, Córdoba (Argentina)

O sítio El Alto 3 é um abrigo rochoso localizado no setor nordeste do Pampa de Achala, nas Serras Grandes de Córdoba, a 1650 m.s.n.m (Rivero 2007a). Trata-se de uma grande saliência rochosa (toldo), onde foi identificado um sítio multicomponencial que mostra evidências de ocupação humana desde a transição Pleistoceno-Holoceno até o HR. O componente arqueológico correspondente ao HM, denominado 1B, encontra-se numa unidade sedimentar constituída por um sedimento arenoso-siltoso. A data que corresponde a esta unidade é 7.108 anos AP. Nesse componente, a matéria-prima predominante é o quartzo, enquanto uma pequena parte é constituída pelo ortoquartzito, ambos são de procedência local. Matérias-primas não locais também estão presentes como calcedônia, opala e brecha (Rivero 2007b).

No conjunto lítico desse sítio, registram-se núcleos amorfos, pouco explorados (Rivero e Srur 2014); uma possível razão é a proximidade com aos afloramentos de quartzo, próximo ao local. A grande maioria dos artefatos foram formatizados a partir de lascas-suportes. A análise comparativa entre o tamanho dos instrumentos e o das extrações dos núcleos permite inferir que no sítio El Alto 3 estavam extraindo lascas-suportes para produzir artefatos medianos-pequenos e medianos-grandes; enquanto os artefatos de maior tamanho teriam sido produzidos em outro local e ingressados ao sítio (Rivero e Srur 2014).

O princípio técnico sob o qual as pontas bifaciais foram produzidas (Fig. 4.2.b, c e d), difere do restante do instrumental do componente do HM do sítio El Alto 3. Neste caso, os elementos topológicos dos suportes, bifaces ou lascas espessas trabalhadas bifacialmente, foram totalmente removidos. Todas as pontas bifaciais são do tipo lanceoladas e foram confeccionadas por adelgaçamento bifacial, com retoques e microrretoques parciais e estendidos, realizados por pressão (Rivero 2007b).

As pontas bifaciais são, dentro do componente 1B, os artefatos que apresentam maior investimento de ações de modificação, atestado pelos negativos de façonnage e retoque, juntamente com as raspadeiras duplas convergentes (Rivero 2007b) (Fig. 4.2.e). As dez pontas bifaciais têm morfologia lanceolada, embora três delas variem na seção preensiva por apresentarem pedúnculo e ombros proeminentes. Tanto no caso das pontas bifaciais quanto no das raspadeiras duplas convergentes, consideramos que existe uma relação restritiva entre as seções ativa (padronizadas) e as preensivas (também padronizadas) (C. T-F “D”).

Com exceção das pontas de projétil, os demais artefatos do componente 1B do sítio Alto 3 podem ser classificados como “utilitários” (sensu Escola 2000). Esses instrumentos seriam destinados a atividades conhecidas, imediatas e específicas para as quais apenas um retoque mínimo ou microrretoque marginal (parcialmente estendido) na superfície ativa seria suficiente para conformar o fio. Isso dá origem a uma variedade de superfícies ativas (C. T-F “B”): denticulados, facas de fio retocado (Fig. 4.2.a), entalhes de lascamento simples, ponta entre entalhes, artefatos burilantes, raspadores, esboços de peças bifaciais, raspadeiras, percutores, artefatos de formatação sumária, artefatos compostos (por exemplo, raspador + entalhe de lasca simples), mãos de pilão, artefatos polidos (Rivero e Srur 2014). As seções preensivas são normalizadas: os suportes podem ser em nódulos (com reserva de córtex) ou lascas de quartzo.

Discussão dos dados

Ao elegermos os princípios producionais e as categorias tecno-funcionais (C. T-F) como diretrizes para propor o esboço de uma primeira síntese (ainda em construção) acerca das culturas técnicas líticas presentes durante o HM para a macrorregião estabelecida, foi possível a partir da primeira e da segunda parte desse artigo, denotar a diversidade tecnográfica em presença. A diversificada arqueografia disponível nos permitiu levantar dados provenientes de abordagens morfo-tipológicas, tecno-morfológicas, tecnológicas e tecno-funcionais durante a análise dos 86 sítios, contextualizados em amplas áreas de 5 morfoestruturas diferentes, e com cerca de 136 datações. A distribuição dos sítios nos Agrupamentos A, B, C e D, como já discutido na primeira parte desse artigo, seguiu uma consideração geomorfológica e espacial, mas, também, reflete tendências amplas observadas nas culturas técnicas holocênicas que propusemos a guisa de hipóteses de trabalho (Figura 5).

Figure 5: Technographic overview between 8,000 AP and 4,000 AP (uncalibrated) for the central macro-region of South America established by crossing paleoclimatic and vegetational (Makcsic et al. 2019) and relief (Ross et al. 2019) data. 

O princípio da debitagem durante o HM foi reconhecido como preponderante na macrorregião e entorno. Também foi possível observar um aporte localizado de tecnicidades nas quais o princípio da façonnage e a afordância estavam presentes. Quanto às categorias tecno-funcionais (cf. Fig. 5 da primeira parte do artigo), ainda que nossas considerações sejam majoritariamente hipotéticas, pudemos inferir uma ubiquidade referente à presença de ferramentas correspondentes à C. T-F “B”, constatadas em todos os conjuntos analisados. Trata-se, evidentemente, de uma enorme variedade de estruturas obtidas pelas mais diversas modalidades de produção e que guardam certa tolerância na combinação, com gradientes diferenciados de normalização, entre partes transformativas e partes preensivas. Ferramentas correspondentes à C. T-F “A”, talvez em função da dificuldade intrínseca que apresentam para ser detectadas, não foram caracterizadas. Ferramentas líticas pertencentes à C. T-F “C” e “D” foram reportadas em sítios de quase todos os Agrupamentos, com exceção do Agrupamento B. Em diversos casos, por exiguidade de informações tecnológicas, ainda que pudéssemos inferir a padronização estrutural da ferramenta, não pudemos definir se se tratavam de C. T-F “C” ou “D”.

Os dados sugerem que temos, portanto, diferentes marcadores tecnológicos, os quais podem estar sinalizando a existência de tradições técnicas ainda por serem reconhecidas. Evidências indicam que o princípio da debitagem, embora predominante, não foi homogêneo entre os agrupamentos de sítios. Foram reconhecidos conjuntos de lascas que guardam certa normalização topológica, cuja frequência remete a debitagens controladas. Ou seja, os critérios técnicos, em diferentes intensidades de predeterminação sobre as lascas (lasca-suporte ou lasca-ferramenta), testemunham a presença de métodos regidos pelos conceitos de debitagem C recorrente e/ou D (Boëda 2013). Esses conjuntos foram identificados no Agrupamento A, na região da Serra dos Carajás (Pará), e no Agrupamento C, presente no extremo oeste de Minas Gerais, em Goiás, no sítio GO-JA-01 (Ramos 2016) e Palestina de Goiás (Pereira 2009).

Destaca-se, igualmente a presença de indústrias líticas nas quais o princípio de afordância producional é seguido por debitagem com o objetivo de destacamento de lascas-suporte volumosas e de dimensões avantajadas. Nesse caso, elementos topológicos caracterizados por dimensões, volumes e morfologias corticais de seixos teriam sido incorporados, a um só tempo, aos critérios técnicos de destacamento das lascas (plano de percussão naturalmente aplainado e superfícies de lascamento com convexidades distais e laterais propícias) e aos critérios tecno-funcionais predeterminados sobre a ferramenta finalizada. Essa situação é bem evidente no Agrupamento C, em sítios de Mato Grosso do Sul (vale do Sucuriú e Ato Paraná) (Kashimoto e Martins 2016), extremo oeste de Minas Gerais (Fagundes 2004) e Palestina de Goiás (Pereira 2009).

Ainda no que diz respeito ao Agrupamento C, constatamos nos sítios do sudoeste de Goiás (Ramos 2016; Pereira 2009) volumes com porções abruptas corticais sendo eleitos por critérios de afordância producional ou obtidos por meio de debitagem. No vale do rio Manso e do rio Vermelho as dimensões e volumetria das lascas-suporte são pouco avantajadas (Mello 2005; Vilhena Vialou e Vialou 2008; Vilhena Vialou 2009a; 2009b; Costa 2019; Figuti et al., 2020).

Inserido nesse espectro de diversidade na órbita da debitagem, acentuamos que, a partir do conceito de cadeias operatórias ramificadas (Bourguignon et al. 2004), foi reconhecida a reintrodução de núcleos, esgotados ou não, enquanto suportes de ferramentas, apresentando confecção de gumes ou marcas de utilização. Os dados disponíveis indicaram que essa situação foi registrada em sítios do Agrupamento B, no sítio Teotônio (Mongeló 2019) e inferimos, ainda, a possibilidade dessa situação entre os pequenos núcleos de quartzo presentes no sítio Gruta do Gavião (Oliveira 2007) e Abrigo 1 da Subestação (Lima 2013), onde a topologia natural dos cristais teria sido eleita como critério técnico para compor a área preensiva da ferramenta. Seguindo a noção de “ramificação” de cadeia operatória; no Agrupamento C, em sítios do vale do rio Manso e no sítio Estiva (Mello 2005). Ramos (2016) identificou, para a região de Serranópolis (GO), a reintrodução de lascas de confecção ou de façonnage utilizadas como ferramentas ou suportes modificados por brevíssima afiação dos gumes.

Sobre o princípio da afordância, cabe ressaltar que ele foi reconhecido tanto diretamente na produção instrumental como em sua expressão producional (afordância associada à debitagem e/ou à façonnage). Registramos de forma pontual, mas marcante, a afordância stricto sensu (relacionada ao exemplo II da figura 4 na primeira parte do artigo), presente no Agrupamento A, região leste do Pará (Caldarelli et al. 2005) e no Agrupamento C, sítios de Palestina de Goiás (Pereira 2009; Viana et al. 2016). Em Mato Grosso do Sul, nos sítios a céu aberto da bacia do Paraná, a afordância stricto sensu ocorre de forma marcante nas ocupações do HR (Kashimoto e Martins 2009). Acrescentam-se também artefatos oriundos de modalidades de produção capitaneadas por esse princípio producional em sítios do noroeste da Argentina, nos vales intermontamos del NOA, em matéria-prima local (Baied e Somonte 2013) (Agrupamento D).

Em Serranópolis (GO) (Agrupamento C), Ramos (2016) constatou outro modo de produção por afordância, caracterizado pela eleição de ferramentas produzidas a partir de cadeias operatórias de maior ancianidade, datadas do HA, ou seja, uma cadeia operatória de reapropriação a partir de artefatos arqueológicos mais antigos (“limaces” fraturadas), propiciada pela constituição de palimpsestos.

Reconhecemos o princípio da façonnage sob diferentes modos de produção. A façonnage stricto sensu, objetivando a modelagem de volumes bifaciais em ponta, está presente no Agrupamento C, em sítios abertos do Alto rio Paraná (Kashimoto e Martins 2016), e no noroeste del Paraguay, no sítio Itaguy Guasu (Lasheras et al. 2013). Em Serranópolis ela ocorre ao final do HA (Schmitz et al. 2004), mas não foi constatada para o HM. Também está presente no Agrupamento A, no Pará, em sítio próximo ao rio Xingu (Kipnis e Caldarelli 2019). Mas, é no agrupamento D que tais artefatos se apresentam mais numerosos e com maior diversidade producional.

Ressalta-se que para além de volumes bifaciais em pontas, há registro de façonnage bifacial em peças globalmente ou parcialmente modificadas, presente no Agrupamento C em sítio do extremo oeste de Minas Gerais (Fagundes 2004) e no Mato Grosso do Sul (Kashimoto e Martins 2009; Martins e Kashimoto 2012). Também esteve presente no Agrupamento B e no Agrupamento D. Para o Mato Grosso do Sul é possível aventar, em algumas peças, critérios de afordância associada à façonnage lato sensu.

Parte das coleções também apresentou ferramentas obtidas por meio de façonnage unifacial (lato sensu), realizada sobre lascas-suporte. Essas ferramentas são classificadas como artefatos “plano-convexos”. Peças dessa categoria estão presentes no Agrupamento C, sendo pontuais em sítios do alto Sucuriu (Martins e Kashimoto 2012), no extremo oeste de Minas gerais (Fagundes 2004) e em Itaguy Guasu (Lasheras et al. 2013)4. Características estruturais dos suportes de tais ferramentas como, comprimento alongados, uma face aplainada e outra com volume apto a ser modelado, indicam que poderiam ser originários de uma debitagem de estrutura adicional, com alguns critérios de predeterminação (Boëda 2013). Tal interpretação se fundamenta na similaridade entre os suportes citados e o suporte de ferramentas, classificadas como lesmas, presentes em contextos do Planalto Central brasileiro, portando uma estrutura específica e relacionada ao período do HA, o chamado Tecnocomplexo Itaparica (Lourdeau 2010). Todavia, no atual estágio das pesquisas realizadas para compor esta síntese inicial da macrorregião abordada, delimitada pelo HM, não é possível ir além das similaridades relacionadas aos modos de produção da lasca-suporte.

O panorama tecnográfico da macrorregião investigada revelou uma importante diversidade técnica no que diz respeito à seleção das matérias-primas. Dados disponíveis indicam que na maioria das situações houve gestão de afloramentos no local ou nas proximidades dos sítios, todavia, algumas exceções ocorreram, como já apontado para material da região do rio Xingu (Agrupamento A). A utilização de arenitos silicificados originários de paredes dos próprios abrigos foi registrada entre os conjuntos de sítios da Concentração A, com materiais do rio Sucuriú (Martins e Kashimoto e 2009), de Serranópolis (Schmitz et al. 2004; Ramos 2016) y en el abrigo Itaguy Guasu (Lasheras et al. 2013).

Modos de produção por polimento também foram reconhecidos em alguns sítios da macrorregião estudada. O polimento é caracterizado enquanto princípio producional particularmente lento e normalmente utilizado ao final do processo de uma cadeia operatória que pode (ou não) conter etapas de lascamento e/ou picoteamento. Esse foi um modo de produção utilizado para confecção de adornos em carapaças de gastrópodes e bivalves, como identificado no sítio Santa Elina (Vilhena Vialou e Vialou 2019) (Agrupamento C) e em quartzo no sítio Encontro (Agrupamento B). Também podemos indicar esse modo de produção em ferramentas líticas dos sítios de Rondônia (Mongeló 2019; Zimpel, 2008, Caldarelli e Kipnis 2007). Ferramentas ósseas em sítios do Pantanal (Schmitz et al. 1998) e na Lloma Salvatierra, nos Llanos de Mojos da Bolívia (Agrupamento B) também dão testemunho da aplicação desse princípio producional.

Vale a pena ressaltar que a baixa disponibilidade de informações relativas aos sítios das terras baixas da Bolívia (Agrupamento B) é um componente arqueográfico reconhecido e discutido (Capriles e Albarracin-Jordan, 2013). Arqueólogos bolivianos consideram ser desejável, para a ampliação sobre os conhecimentos sobre essa vasta região, que os estudos líticos ultrapassem as descrições de pontas de projéteis, avançando no sentido das caracterizações dos conjuntos artefatuais em termos de sua organização tecnológica e buscando explicar as mudanças nos sistemas de assentamento (Capriles e Albarracin-Jordan 2013:56).

Considerações finais

As duas partes deste artigo avançam na proposta de construção de um panorama tecnográfico para a região central da América do Sul para a cronologia entre 4 mil e 8 mil AP não calibrados. Concluímos com um convite aos pesquisadores para que possamos continuar no sentido de saturar com mais informações essa proposta tecnográfica. Outras janelas interessantes que merecem ser complementadas seriam as tecnografias para amplas regiões da América do Sul em períodos do HA e do HR. Nesse sentido, coloca-se em primeiro plano a possibilidade de acedermos às alteridades técnicas contidas no registro arqueológico tanto por meio do reconhecimento dos modos de produção quanto de uma melhor compreensão sobre as intenções técnicas que guiavam essa mesma produção (as panóplias ou caixas de ferramentas). Pormenorizar as diferentes tradições culturais dos grupos humanos que ocuparam a América do Sul através dos traços das suas expressões de tecnicidade (Simondon 2007) é uma forma de nos aproximar dessas pessoas passadas. Entendemos que podemos fazê-lo por meio da integração dos dados acerca das tecnografias regionais entendidas como tesselas culturais. A partir da proposição de agrupamentos de sítios compartilhando um fundo técnico comum, assim como na exploração do registro intenso das ocupações marcadas desde o início do HM até seu período tardio, podemos convergir para a reconstrução do rico mosaico das culturas técnicas arqueológicas sul-americanas.

Nossa perspectiva é reticular e progressiva: a construção de um discurso empiricamente embasado sobre a diversidade tecnográfica de nosso sub-continente, revelada através do (re)conhecimento dos princípios producionais e categorias tecno-funcionais das ferramentas líticas portadoras de gumes incisivos. Porém, a tecnografia não se constitui o fim da pesquisa, mas ponto de partida para uma reflexão tecno-genética (Boëda 2019). Essa reflexão, entre outras possíveis, permite-nos pensar sobre as dinâmicas ocupacionais desenvolvidas por grupos com tradições técnicas diferentes e em espaços distintos, como as terras dos planaltos brasileiros e as terras baixas no norte da Argentina, da Bolívia e do Paraguai. As tecnografias auxiliam na avaliação sobre como se deram os processos de adaptação, ou melhor, de amplificação (Simondon 2020) das culturas passadas, agora arqueológicas, em seu ambiente. Sempre ponderando que essas amplificações se deram em um meio associado heterogêneo, rico e tenso composto por paisagens geográficas, propriedades implícitas aos materiais, conjuntos de crenças e valores no âmbito das sacralidades, etc. As incompatibilidades entre as diferentes dimensões da realidade (espacialidades e temporalidades) que compunham os mundos de vida daqueles grupos humanos foram pivôs ou catalisadores para a constituição das problemáticas psíquicas e coletivas que se apresentavam de modos improváveis, demandando a polarização dos próprios sujeitos que se colocavam enquanto parte das questões e parte das próprias resoluções. O estudo das alteridades em termos de culturas técnicas nos auxilia a ter um vislumbre desses mosaicos culturais.

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1 Divisões da Época Holoceno: Idade Greenlandian (11,700 anos b2k, ou 11.700 anos antes de 2000 DC), Northgrippian (8326 anos b2k ou 11.700 anos antes de 2000 DC), e Meghalayan (4200 anos antes de 1950) (Silva et al. 2018).

2Devemos mencionar que no texto original de Lasheras et al. (2013) eles se referem a esses objetos plano-convexos como “limaces”. No entanto, a referência aos limaces no Brasil denota um objeto técnico que carrega uma temporalidade específica e características tecnológicas muito particulares. Para evitar confusão, por isso vamos nos referir aos artefatos do Abrigo Itaguy Guasu como artefatos plano-convexos.

3Devemos mencionar que a análise dos conjuntos líticos pertence aos três sítios juntos: Planchada La Puntilla, Rio Las Salinas 1 e 2. No entanto, as datas VML a que nos referimos no texto e na tabela são apenas de Planchada La Puntilla.

4Em Palestina de Goiás ainda que existam “planos-convexos” eles não estão em contextos arqueológicos datados, por isso, não foram introduzidos na presente discussão.

Recebido: 19 de Setembro de 2022; Revisado: 02 de Dezembro de 2022; Aceito: 09 de Janeiro de 2023

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