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Revista latinoamericana de filosofía

versión On-line ISSN 1852-7353

Rev. latinoam. filos. v.34 n.2 Ciudad Autónoma de Buenos Aires nov. 2008

 

ARTÍCULOS

Analogia e imputabilidade na filosofia prática de Kant

Juan A. Bonaccini1

Universidade Federal do Rio Grande do Norte (Natal. Brasil)

RESUMO: São várias e bem conhecidas as passagens nas quais Kant usa o conceito de "analogia". No entanto, há nos escritos de Kant um uso tácito do conceito que parece ser essencial a toda consideração e avaliação das ações, mas que a literatura não considera. Sustento que somente podemos compreender e aplicar os princípios morais e jurídicos com base na analogia que fazemos entre nós e os outros indivíduos, entre nossas capacidades, deveres e direitos, e as capacidades, deveres e direitos que constatamos ou supomos existirem nos outros; entre o nosso e os diferentes estados políticos e ordenamentos jurídicos. Para tanto, na primeira parte do presente trabalho destaco algumas passagens nas quais Kant define ou aplica o conceito de analogia para esclarecer o seu uso tácito acima mencionado. Na segunda parte, aplico esse resultadoà consideração das ações do ponto de vista moral e mostro que a aplicação do imperativo categórico enquanto princípio de legislação interna implica um problema de imputação cuja solução consiste em admitir um certo tipo conhecimento analógico da humanidade e de suas ações que a teoria de Kant não pode permitir neste contexto. Na terceira parte, concentro minha análise na avaliação das ações do ponto de vista do Direito e descrevo seu princípio universal enquanto princípio racional de toda lei jurídica e fundamento de todos os deveres da legislação externa, a fim de mostrar como sua aplicação pressupõe não apenas o mesmo tipo de conhecimento analógico dos outros homens e de suas ações, como também permite imputar com segurança aquilo que não pode ser imputado do ponto de vista moral. No fim, apresento uma brevíssima consideração sobre a importância da analogia como um princípio eminentemente racional e norteador de toda avaliação de ações com base em princípios.

PALAVRAS-CHAVE: Kant; Analogia; Imputação; Moral; Direito.

ABSTRACT: It is well known that Kant applies the concept of "analogy" many times in many different contexts. The literature does not take into account, however, a peculiar and implicite use of analogy Kant makes in his writings, which seems to be essential to the appraisal of human actions. The present paper maintains that we can only understand and apply the principles of moral and law to impute actions if we presuppose a certain analogy between us and the others, between our capacities, rights and duties, and the capacities, rights and duties we suppose other people do have, as well as between the different political states and systems of law and ours. Thus, in the first part of the paper I analize many different passages and contexts in which Kant uses the concept of analogy, in order to track and make clear the general notion Kant implicitly applies. In the second part I apply the results of the previous analysis to the moral point of view to show that the application of the categorical imperative as rational principle of internal legislation sets a problem to the imputation of actions which could only be solved by supposing an analogical knowledge of humans and their actions that the Kantian theory cannot admit in this context. In the third part I concentrate in the appraisal of actions from the point of view of Right and Law by describing the universal principle of Right as rational foundation of external law and duty, in order to show that its application presupposes not only the same analogical knowledge of humans and human actions, but also allows to solve the problem of imputation faced from the moral point of view. In the end I present a brief reflection on the significance of analogy as a rational principle for the evaluation of human action.

KEY WORDS: Kant; Analogy; Imputation; Moral; Right.

A modo de introdução

São aparentemente poucas (e bem conhecidas) as passagens nas quais Kant usa o conceito de "analogia".2 Na Crítica da razão pura, por exemplo, o locus mais célebre é sua aplicação nas "Analogias da experiência",3 que permitem pensar e conhecer a priori a estrutura dos estados de coisas objetivos de permanência, ação e interação causais em analogia com os modos temporais de duração, sucessão, e simultaneidade.4 Um outro uso fecundo do conceito, mas menos conhecido, também está presente na primeira Crítica quando Kant traça os limites da experiência e da metafísica.5 Com efeito, a idéia de uma Metafísica como "ciência dos limites"6 implica poder pensar de algum modo o outro lado do limite, o além da barreira da experiência; o que não é nem pode ser objeto de experiência: quer como substrato dos fenômenos, quer como causa suprema de tudo.7 Ainda que esse além não possa ser conhecido empiricamente, diz Kant, pode não obstante ser pensado com base numa comparação: aquilo que em princípio residiria além dos limites da experiência poderia ser concebido em analogia com os objetos da experiência.8
Mas esses não são os únicos locais possíveis; há outras passagens e textos importantes nos quais Kant faz uso do conceito.9 Há, inclusive, toda uma literatura sobre o uso do conceito de analogia em vários contextos.10 Mas a literatura parece não ter considerado até agora que nos escritos de Kant existe um outro uso, mais tácito que explícito, que é essencial a toda consideração e avaliação das ações.
Em outro lugar defendi que não se pode entender a Antropologia (1798) de Kant como uma "ciência" (ainda que empírica), a não ser com base no que denominei um certo conhecimento por analogia.11 Aqui, entretanto, gostaria de estender o uso deste princípio de explicação à avaliação jurídica e moral de nossas ações com base em princípios: creio que somente podemos compreender e aplicar os princípios morais e jurídicos com base na analogia que fazemos entre nós e os outros homens, entre nossas capacidades, deveres e direitos, e as capacidades, deveres e direitos que constatamos ou supomos existirem nos outros; entre o nosso e os diferentes estados políticos e ordenamentos jurídicos.12 Isso não é difícil de aceitar: o problema todo consiste em compreender e explicar em que consiste aqui essa "analogia".13 Para tanto, na primeira parte destaco algumas passagens nas quais Kant faz uso do conceito de analogia. Espero com isso aclarar em que sentido o conceito kantiano explícito de analogia poderia ajudar a esclarecer o uso tácito da analogia acima mencionado. A seguir, na segunda parte, aplico esse resultado à descrição do imperativo categórico moral como fundamento dos deveres de legislação interna, para mostrar que sua aplicação como critério de imputação moral pressupõe uma analogia peculiar que nos coloca diante de um impasse. Na terceira parte, concentro minha análise na consideração do conceito de Direito e descrevo seu imperativo categórico como princípio racional de toda lei jurídica e de todo os dever de legislação externa, a fim de mostrar que sua aplicação pressupõe não apenas o mesmo tipo de conhecimento analógico, como também permite imputar aquilo que não pode ser imputado com segurança do ponto de vista moral. No fim, apresento uma brevíssima consideração sobre a importância da analogia como um princípio eminentemente racional e norteador de toda avaliação de ações com base em princípios.

1. Kant e o conceito de analogia

Kant oferece algumas definições explícitas do conceito de analogia, 14 para além das freqüentes referências ao conceito na explicação do "esquematismo" simbólico das idéias.15 Mas não uma fornece definição única nem apresenta um uso unívoco do termo. A literatura, por sua vez, tampouco parece ser unânime.16 Por isso, seria interessante destacar e analisar algumas passagens para verificar se a partir do uso do conceito kantiano de analogia podemos compreender melhor seu significado, e também para tentar circunscrever o uso tácito do conceito acima mencionado.
O conceito de "analogia" é aplicado geralmente no sentido de uma comparação entre intuições (ou percepções) de duas ou mais coisas, de tal modo que a inferência por analogia só pode ser feita entre coisas do mesmo gênero.17 Nesse sentido, quando me comparo com outros humanos, ou quando os comparo comigo, posso dizer que comparo a percepção de coisas do mesmo gênero, a saber, de seres que pertencem à mesma espécie. De certo modo, posso até dizer que somente sei que somos da mesma espécie mediante essa comparação — que pode ser tácita ou explícita.
Esse sentido corrente do termo vai servir aqui como ponto de partida da análise. Não para atribuí-lo a Kant, que usa claramente o conceito em casos nos quais a analogia não se estabelece entre percepções de entidades ou entre entidades do mesmo gênero.18
Mas sim para começar a investigação estrategicamente a partir de uma definição mínima e não controversa do conceito em questão.
Sobre o conceito de "analogia", Kant diz na Crítica da razão pura:

"Na Filosofia, "analogias" significam algo muito diferente daquilo que representam na matemática (...) na Filosofia, a analogia não é a igualdade de duas relações quantitativas, mas sim qualitativas, [igualdade] na qual a partir de três membros dados apenas posso conhecer e fornecer a priori a relação com um quarto, mas não este quarto membro mesmo; embora possua uma regra para procurá-lo e uma característica para descobri-lo na experiência"19 (o grifado é nosso).

Se interpretarmos a passagem a partir de nosso ponto de partida, teremos mais o menos o seguinte resultado: em primeiro lugar, sendo a "analogia" via de regra uma comparação entre intuições (ou percepções) de coisas do mesmo gênero, pode-se dizer que ela lida com relações proporcionais entre quantidades (no caso, entre "números") quando a partir de três termos sou capaz de conhecer e exibir a priori (de construir) o quarto. Assim, posso dizer que há uma igualdade porque a está para b como x está para d; e com base na equação a/b= x/d posso calcular (construir a priori) o valor de x a partir do conhecimento dos valores de a, b, e d (já que x = (a×d)÷ b).20 Em contrapartida, independente de saber, ainda, se as coisas percebidas são do mesmo gênero ou não, quando não posso inferir de modo justificado (construir a priori) o quarto termo é porque lido apenas com relações entre qualidades. Nesse caso, a única coisa que a analogia me permite fazer é constatar a semelhança entre relações; e eventualmente me serve de regra para procurar e encontrar na experiência o que não posso conhecer a priori. O modelo da analogia, porém, continua a ser o modelo tradicional da analogia proportionalis:21 a está para b como c está para d, ou melhor, a relação entre a e b é semelhante à relação que deve existir entre x e d. Também nos Prolegômenos Kant assume esse uso do conceito:

"Se eu digo: somos obrigados a considerar o mundo como se fosse a obra de um entendimento e de uma vontade supremos, realmente não digo nada mais do que: [tal] como um relógio, um navio, um regimento se relacionam com o artífice, construtor ou comandante, assim o mundo sensível (ou tudo que constitui a base deste conjunto de fenômenos) relaciona-se com o desconhecido, de tal modo que por meio disso eu não o conheço de acordo com o que seja em si mesmo, mas de acordo com o que eleé para mim, a saber, do ponto de vista do mundo do qual faço parte. Um conhecimento semelhante é por analogia, o qual não significa, como geralmente se usa a palavra, uma semelhança imperfeita entre duas coisas, mas uma perfeita semelhança de duas relações entre coisas totalmente dessemelhantes" 22 (o grifado é nosso).

Um conhecimento por analogia, assim, significa a asserção de uma perfeita semelhança de relações entre coisas totalmente dessemelhantes: em filosofia a relação a/b é análoga à relação c/d se e somente se há semelhança perfeita entre as relações de proporção a/b e c/d, e se ao mesmo tempo os termos a, b, c, d são todos dessemelhantes. Portanto, neste caso, a analogia estabelece-se entre coisas que podem ser de gêneros distintos: o entendimento divino e sua vontade não são do mesmo gênero que o entendimento e a vontade das criaturas humanas. Além disso, ainda devemos levar em consideração que somente um dos termos da relação entre as proporções (a/b ou c/d) é conhecido (a/b, por exemplo), e que pelo menos um dos termos de um dos lados da relação é desconhecido (por exemplo c, tal que c=x, e x/d). É a partir desse lado conhecido que conhecemos por analogia a relação do outro lado no qual um dos termos é uma incógnita.23
Mas, evidentemente, este "conhecimento" por analogia não equivale ao conhecimento no sentido pleno, como o que se alcança em outras ciências apodíticas como a matemática e a física. Caso contrário, Kant sucumbiria à objeção humeana de antropomorfismo, que ele mesmo tenta combater (no trecho citado dos Prolegômenos), e ultrapassaria os limites da experiência na aplicação da categoria de causalidade. Além disso, tampouco faria sentido sua distinção entre relação quantitativa e relação qualitativa para definir o conceito de analogia em termos filosóficos: se o conhecimento por analogia tivesse o mesmo peso do conhecimento apodítico da matemática, a comparação entre relações qualitativas seria exata e o quarto termo (x) poderia ser conhecido a priori tal como qualquer magnitude. Portanto, um tal conhecimento só pode ser pensado do ponto de vista prático24 — a rigor, em função de sua eficácia pragmática, se parafrasearmos o prefácio da Antropologia (1798).
Esse mesmo sentido atribuído ao conceito filosófico de analogia (de estabelecer relações qualitativamente semelhantes) reaparecerá posteriormente na terceira Crítica, numa longa e célebre nota que se propõe a esclarecer o significado do termo e nos explica o que apenas posso "pensar" e o que posso realmente "conhecer" por analogia:

"Analogia (em sentido qualitativo) é a identidade da relação entre fundamentos e conseqüências (causas e efeitos), na medida em que ela tem lugar a despeito da diversidade específica das coisas ou daquelas propriedades em si que contêm o fundamento de conseqüências semelhantes (i. é, consideradas fora desta relação). Assim, concebemos ações técnicas (Kunsthandlungen) nos animais em comparação com as dos seres humanos, [bem como] o fundamento destes efeitos nas primeiras, como analogon da razão [grifo de Kant], que não conhecemos, [em comparação] com o fundamento dos efeitos semelhantes do ser humano (da razão), que conhecemos; e com isso queremos mostrar ao mesmo tempo que o fundamento da capacidade técnica do [reino]animal, sob a denominação de um instinto, na verdade é especificamente diferente da razão, mas possui uma relação semelhante com o efeito (a construção do castor comparada com a do ser humano). - Por isso não posso inferir a partir disso que, porquanto o ser humano faça uso da razão para sua construção, o castor também tenha que ter algo semelhante, e denominá-lo de inferência por analogia. Mas a partir do modo de agir semelhante dos animais (cujo fundamento não podemos perceber imediatamente), comparado com o dos seres humanos (de [cujo fundamento] somos imediatamente conscientes), podemos inferir por analogia de modo inteiramente certo que os animais também agem por meio de representações (não são, como quer Descartes, como máquinas) e [que,] apesar de sua diferença específica, segundo o gênero (como seres vivos) são idênticos aos seres humanos. O princípio de justificação para inferir desse modo reside na identidade de um fundamento, do ponto de vista da determinação pensada com os seres humanos enquanto humanos, para computar os animais no mesmo gênero, na medida em que os comparamos entre si externamente de acordo com suas ações. Isso é par ratio [razão equivalente]. Do mesmo modo, posso pensar a causalidade da causa suprema do mundo em [face de] seus produtos finais em comparação com as obras de arte [em face] do ser humano,[a saber,] em analogia com um entendimento, mas não posso inferir essas propriedades no mesmo por analogia: posto que aqui falta justamente o princípio da possibilidade de um tal modo de inferir, a saber, a paritas rationis [equivalência de razões], para computar o ser supremo com o ser humano (do ponto de vista de sua causalidade em ambos os casos) num mesmo gênero. A causalidade do ente mundano, que sempre é sensível=condicionada, (e igualmente a [que é] por meio do entendimento), não pode ser transposta para um ser, que não possui em comum nenhum conceito de gênero, como o de uma coisa em geral" (salvo indicado, o grifadoé nosso).25

Se concentrarmos nossa atenção no modo como a "analogia"é definida aqui, veremos que agora se apresenta ora como identidade, ora como semelhança da relação na comparação de relações entre fundamentos e conseqüências por analogia com a relação entre duas proporções matemáticas. A analogia se dá aqui em dois níveis: como analogia entre relações matemáticas e relações qualitativas, de um lado; e do outro como analogia (qualitativa) entre os fundamentos da ação em homens e em animais a partir da semelhança de certos atos ou comportamentos. A "analogia" continua a ser chamada "qualitativa", na medida em que não considera seus termos quantitativamente; porque desconsidera a "diferença específica das coisas ou daquelas propriedades em si que contêm o fundamento de conseqüências semelhantes": no caso, porque desconsidera na comparação a diferença específica entre o fundamento do comportamento dos animais e o das ações humanas.
Posso estabelecer uma analogia desse tipo, então, quando a relação entre fundamento e conseqüência de um lado, me é conhecida, e do outro lado, me é conhecida apenas sua conseqüência, não seu fundamento: digo então que a razão está para a ação humana assim como x está para os atos executados pelos animais. Por analogia, comparando os atos dos animais e as ações humanas, vejo que os animais agem ou agiram de modo análogo, e como vejo que somos seres vivos, posso inferir com segurança que pertencemos ao mesmo gênero, e que eles também devem ter representações (já que seus atos parecem perseguir propósitos). Assim, posso "calcular", por exemplo, com base nessa analogia, se o cachorro do vizinho vai me morder ou não; que o castor junta madeira para fazer sua morada conforme a um plano, etc. Mas não posso inferir que são seres racionais como nós (porque como seres vivos pertencemos ao mesmo gênero, mas não à mesma espécie). Assim, também posso pensar (imaginar, conceber, representar-me, mas jamais conhecer) a "causalidade da causa suprema do mundo" como uma causa com propósito e desígnio por meio da comparação com a causalidade de seres humanos, mas não posso atribuir- lhe essas propriedades por analogia, pois aqui "falta justamente o princípio da possibilidade de um tal modo de inferir", a saber, não se trata de coisas do mesmo gênero (nem muito menos da mesma espécie).
Note-se que no primeiro caso, a analogia é feita entre relações cujos termos remetem à percepção de atos e efeitos de seres do mesmo gênero, enquanto que no segundo caso temos percepções de seres ou entidades de um gênero e a idéia de um ser ou de entidades de um outro gênero. Assim, posso atribuir certas propriedades análogas a seres que julgo pertencerem ao mesmo gênero, mas não posso fazer o mesmo com seres que julgo serem de gêneros diferentes. De modo que esse tipo de conhecimento ("por analogia") poderia ser pensado pelo menos de duas maneiras: como analogia de relações entre representações (ou entidades) de um mesmo gênero e como analogia entre representações (ou entidades) de um gênero diferente.26 Num primeiro caso, especulando um pouco, poderíamos pensar num certo tipo de conhecimento a priori (mas não puro),27 tal como o conhecimento que posso inferir sobre a espécie humana por analogia a partir do conhecimento empírico de outros seres humanos, conhecimento que de algum modo pressuponho dos seres humanos num sentido geral,28 analogamente ao modo como posso inferir que os animais têm representações ao pensar a causa de seus atos em analogia com a causa dos meus, a saber, a partir da constatação de que realizamos atos semelhantes. No segundo, a analogia diz respeito àquilo que alguns chamam de esquematismo simbólico, que não nos permite conhecer, mas apenas pensar um certo tipo de objeto. Trata-se do modo como posso pensar a semântica de um conceito puro que não possui referência empírica: neste caso o conteúdo é um símbolo que substitui por analogia o esquema intuitivo. Mesmo sendo um símbolo, pressupõe não obstante intuições anteriores, em analogia com as quais o próprio símbolo é concebido. Kant deixa isso bastante claro numa passagem da Crítica da faculdade de julgar:

"Todas as intuições postas na base de conceitos a priori são, por conseguinte, esquemas ou símbolos, dos quais os primeiros contém exposições diretas do conceito, os segundos indiretas. Os primeiros fazem isso ostensivamente, os segundos por meio de uma analogia (para a qual também se faz uso de intuições empíricas), na qual a faculdade de julgar desempenha uma tarefa dupla, primeiro aplica o conceito ao objeto de uma intuição sensível e depois, em segundo lugar, [aplica] a mera regra da reflexão sobre aquela intuição a um outro objeto totalmente diferente, do qual o primeiro é apenas o símbolo" (o grifado é nosso).29

Nesse caso, toda vez que penso num objeto tenho uma certa "referência" (no sentido de uma Bedeutung): ela pode ser epistemologicamente bem-sucedida ou não, i.é, pode se referir de fato ao objeto de uma intuição possível ou não. Mas sempre tenho um conteúdo pensado, ou com base na intuição (esquema) ou com base numa idéia (símbolo), ainda que somente no primeiro caso possa conhecer o objeto mediante o conteúdo apresentado na intuição. Todavia, se é verdade que no segundo caso não posso conhecer um objeto, também não é menos verdadeiro que pelo menos posso pensá-lo em analogia com objetos que posso conhecer, que podem ser dados na intuição. É assim que podemos pensar a causalidade divina em analogia com causalidade das causas naturais; ou mesmo coisas em si em analogia com os fenômenos. Nesse sentido, Kant diz nos Progressos:

"O símbolo de uma idéia (ou de um conceito de razão) é uma representação do objeto por analogia, i. é, a mesma relação que é atribuída a si mesmo [é atribuída] a suas conseqüências, embora os próprios objetos sejam de espécie completamente diversa, por exemplo, quando eu [me] represento certos produtos da natureza, tipo as coisas organizadas, animais ou plantas, em relação a suas causas, como um relógio em relação ao homem como [seu] autor, a saber, a relação da causalidade, como categoria, [é] a mesma em ambos os casos, mas o sujeito dessa relação permanece para mim desconhecido em sua disposição interna, por conseguinte somente aquele pode ser exibido, este, porém, de modo algum" (grifo nosso).30

Trata-se, portanto, do modo como podemos pensar o objeto da idéia como símbolo de uma intuição: de uma intuição que não temos nem podemos ter, porque o objeto não pode ser intuído por definição. De um objeto que no entanto pensamos a partir de intuições que podemos ter de objetos empíricos.31 Por isso não podemos confundir o símbolo com o esquema do objeto pensado; nem inferir a existência efetivamente real do seu objeto. Como Kant diz na Religião:

"É decerto uma restrição da razão humana, a qual lhe é, contudo, inseparável (...) [que] para podermos compreender disposições supra-sensíveis necessitamos de uma certa analogia com seres naturais. (...) Isso é o esquematismo da analogia (para elucidação), do qual não podemos abrir mão. Transformá-lo num esquematismo de determinação do objeto (para a ampliação de nosso conhecimento) é antropomorfismo, o qual do ponto de vista moral (na Religião) traz as piores conseqüências (...) ao acender do sensível ao supra-sensível decerto esquematizamos (tornamos compreensível um conceito por meio de analogia com algo sensível), mas não poderíamos absolutamente inferir por analogia que aquilo que convém ao primeiro também teria de ser atribuído ao último (ampliando desse modo seu conceito);(...) Por isso não posso dizer [que] do mesmo modo como não posso tornar compreensível para mim mesmo a causa de uma planta (ou de cada criatura orgânica e em geral do mundo teleológico), a não ser em analogia com um artífice em relação a sua obra (um relógio), notadamente porque lhe atribuo entendimento, [que] desse modo a própria causa (...) tem de ter entendimento; i. é, atribuir-lhe entendimento, é não simplesmente uma condição de minha compreensão, mas da própria possibilidade de ser causa. Entre a relação, porém, de um esquema com seu conceito e a relação de este mesmo esquema do conceito com a coisa mesma não há analogia alguma, mas um salto forçado (metábasis eis állo génos [um salto para outro gênero]), o qual conduz precisamente ao antropomorfismo..." 32 (o grifado é nosso).

Assim, o essencial do "esquematismo" simbólico das idéias é que nos permite conceber o conteúdo de um conceito puro por meio de analogia com algo sensível, mas não inferir por analogia que aquilo que convém a um termo de uma relação também deve convir ao objeto da outra, que é desconhecido, ampliando desse modo seu conceito. Em resumo, não posso confundir um símbolo com um esquema e transferir o que é condição da minha compreensão racional àquilo que seria a coisa mesma. A analogia apenas me permite comparar objetos de intuição com idéias (através dessas mesmas idéias) tomadas como símbolos de objetos que me permitem conceber estes mesmos objetos por elas referidos (a saber, as idéias como objetos do pensamento). Numa palavra: a analogia permite pensar por comparação a relação entre objetos da intuição e a relação entre as próprias idéias ou entre objetos da intuição e objetos-idéias, numa situação na qual as categorias têm der ser referidas a idéias consideradas como símbolos de objetos que não podem ser intuídos; não a intuições.
Ora, vimos que uma vez definidos os dois usos do conceito de analogia, há pelo menos duas maneiras de estabelecer analogias: ou entre conceitos de gêneros diversos ou entre conceitos de gêneros idênticos. Mas a questão agora é saber que tipo de diferença ou de comunidade existe no procedimento inferencial que preside cada um desses usos. Posto que uma coisa é esclarecer o conteúdo ou dar a definição do conceito de analogia, por exemplo, como a comparação entre duas relações iguais ou semelhantes cujos termos são diferentes e se referem a entidades do mesmo gênero ou não; mas algo completamente diferente é definir (mesmo que a partir dessanoção) o tipo de inferência que podemos fazer por analogia. Conceitos não são inferências, mas essas envolvem necessariamente a aplicação daqueles. Kant define ambos de modo bem diferente.
Na § 84 da Lógica (Jäsche), Kant define a inferência por analogia em contraste com a inferência de caráter indutivo:

"A faculdade de julgar, na medida em que ascende do particular ao universal para extrair da experiência juízos universais, portanto não a priori (empiricamente), infere ou todas as coisas da mesma espécie [a partir] de muitas, ou [a partir] de muitas determinações e propriedades nas quais coisas da mesma espécie coincidem [infere] as restantes, na medida em que pertencem ao mesmo princípio. O primeiro modo de inferir chama-se de inferência por indução, o outro por analogia"33 (o grifado é nosso).

De acordo com isso, Kant define o raciocínio por analogia como a inferência de determinações e propriedades que me são desconhecidas a partir do meu conhecimento de determinações e propriedades conhecidas em relação a coisas da mesma espécie. Kant diz ainda que isso ocorre "com base num mesmo princípio": que princípio é esse? A meu ver, justamente aquele que a definição de analogia estabelece como semelhança ou identidade de relações entre termos diversos. Assim, se a, b, c, etc. pertencem à mesma classe (espécie ou gênero) e partilham das mesmas propriedades p1, p2, p3, etc., infiro que devem partilhar entre si, por analogia, as propriedades restantes, p4, p5, p6, pn. Trata-se de uma inferência que não é exata, porque não é da razão nem do entendimento, mas da reflexão, e portanto de um tipo de subsunção do particular no geral de acordo com a relação gênero/espécie.34 Ainda assim, será que essa inferência permite alcançar algum tipo de conhecimento?
A pergunta pode ser respondida positivamente se atentarmos para o fato de que aqui, na Lógica, Kant parece deixar de lado um dos seus usos mais freqüentes, a saber, quando se trata de conceitos ou entidades que não são da mesma espécie. Por que Kant interdita aqui essa possibilidade? Porque neste contexto Kant descreve tipos de inferência válida; situações em que posso inferir e conhecer na conclusão com certeza apodítica ou com probabilidade e verossimilhança: analogia e indução são modos de inferir que bem entendidos fornecem conhecimentos nas ciências ditas "empíricas". Mas não posso inferir de modo válido quando a minha inferência envolve a semelhança entre relações cujos termos são conceitos de coisas que não são da mesma espécie, de gêneros diversos.35 Assim, posso pensar a causalidade divina em analogia com a causalidade natural, mas não posso inferir a partir dessa analogia que Deus é a causa primeira ou possui entendimento simplesmente porque do ponto de vista teórico não tenho conhecimento disso.36
Há, portanto, uma diferença entre o conceito de analogia e a definição de inferência por analogia. Uma diferença que estabelece uma tensão no seio do significado dado ao conceito de analogia todas as vezes que Kant faz uso dele. O uso que mencionei de início como "tácito", porém, parece guardar uma relação com ambos os lados: por um lado analogia significa uma relação de semelhança ou identidade entre relações, não entre coisas; por outro lado, as coisas que estão em jogo nessas relações podem ser ou não da mesma espécie ou gênero. A analogia, enquanto relação de relações, mesmo quando pensada qualitativamente (i. é, sem quantidades em jogo), postula em qualquer um dos casos uma relação de proporcionalidade R entre uma relação r cujos termos a e b me são conhecidos empiricamente e uma relação na qual um de seus termos me é desconhecido. Este último aspecto é importante: pois na analogia pensamos algo desconhecido a partir de algo conhecido; mesmo quando se trata de coisas da mesma espécie. E na inferência, tudo se passa como se pudéssemos inferir a existência de certas propriedades ou entidades desconhecidas a partir da relação entre conceitos de propriedades ou coisas conhecidas.
Certamente, Kant vai aplicar este tipo de raciocínio não somente na Lógica e na Metafísica, mas também na Filosofia Prática, a saber na filosofia moral, do direito, da religião e da história. Mas o uso tácito que aqui interessa resgatar é o de uma analogia entre pessoas, ações, situações, povos, etc., numa palavra: entre certas entidades ou propriedades do mesmo gênero ou espécie que conheço empiricamente, de modo direto ou indireto, pelo menos em parte. Esse uso de um certo tipo de analogia me permite pressupor um conhecimento dos homens, de suas capacidades, de suas ações, de seus interesses, de suas necessidades, etc., a fim de poder julgá-los, governá-los e imputá-los. A inferência com base nesse tipo de analogia, no caso, fornece um conhecimento que de certo modo me é desconhecido, se por conhecido entendo o que pode ser objeto de intuição atual; mas que nada mais faz do que transferir a relação entre certas entidades ou propriedades que são objeto de intuição atual a todas as entidades ou propriedades que não são senão objetos de intuição possível (o que supõe uma certa indução) e que por analogia são reputadas como pertencentes à mesma classe. Tratase de um conhecimento para a ação, baseado na experiência, que me permite saber "a priori" certas coisas. Resta saber em que sentido esse conhecimento pode ser tácito.

2. O princípio racional da moral e o problema da analogia

Diferente do modo como entendemos o conceito de lei quando falamos de leis naturais, no sentido de que elas descrevem, codificam ou regulam a esfera dos fenômenos da natureza que são objeto de ciência e de experiência, todas as vezes que falamos de lei ou leis em termos morais ou jurídicos pressupomos em princípio a possibilidade de sua transgressão, e por isso mesmo, também de proibir a transgressão e de puni-la. Assim, uma lei natural regula ou descreve como as coisas se passam no mundo natural, mas não pode ser violada.37 Alguém que a ignorasse ou tentasse contrariála, permaneceria mesmo assim submetido a ela, em todos os casos e sem exceção.
Um legalista ou um positivista poderia dizer o mesmo de uma lei jurídica; tal como Kant diz da lei moral, que sempre nos obriga sem exceção. Mas há uma diferença que vai além de qualquer regularidade na esfera natural: se, por exemplo, alguém tentasse burlar a lei gravitacional, e pulasse sem pára-quedas de um prédio altíssimo, não demoraria em constatar a vigência dessa lei constante — pereceria. Em contrapartida, uma lei prática prescreve uma obrigação (quer moral, quer jurídica) e, por isso, ela proíbe certas coisas e permite outras: porque de outro modo ninguém a obedeceria. Como toda proibição pressupõe a possibilidade de sua transgressão, uma lei prática pode em princípio ser burlada. A possibilidade da transgressão, por sua vez, pressupõe e como que funda a punição como pena da lei ou como censura moral.
Entretanto, os tipos de dever e proibição que prescrevem as leis ditas morais, parecem ser diferentes daqueles prescritos pelas leis jurídicas: ainda que em ambos os casos haja proibições e imputação das ações, o tipo de proibição e o caráter da imputação são para Kant diferentes. Imputações e proibições são em ambos casos proposições normativas, juízos de valor; mas seu caráter é diferenciado: no primeiro caso são internas, enquanto que no segundo são externas.
À diferença da legislação e dos deveres jurídicos, a legislação e os deveres do ponto de vista moral são internos: dão-se no ato da consciência moral como uma obrigação espontaneamente autoimposta pelo agente. Assim, seres humanos exigimos livremente de nós mesmos o cumprimento de algumas obrigações, as mesmas que também impomos a nossos semelhantes, como por exemplo quando cumprimos uma promessa ou censuramos o não cumprila; ou quando nos queixamos de receber um tratamento inferior ao que merecemos, ou àquele que os outros mereceram de nós. É em função dessas obrigações que censuramos e somos censurados; que somos avaliados por nossa conduta e que avaliamos a conduta dos outros.
Todos os dias emitimos juízos ou somos objeto de juízos de valor; quer de censuras morais, quer de proibições e imputações legais.38 Do ponto de vista moral, tanto somos censurados como temos o hábito de censurar os outros.
Formulamos juízos porque nos parece que certas ações são más, incorretas ou injustas, etc.; ou, simplesmente, contrárias ao dever moral de respeitar os nossos congêneres do mesmo modo que gostaríamos que nos respeitassem. O tipo de justificação do porquê de considerar essas ações moralmente imputáveis vai depender da teoria que defendamos e do critério de imputabilidade que apliquemos. Mas em qualquer um desses casos o certo é que julgamos determinadas ações porque nos parecem censuráveis do ponto de vista moral. Não porque existam leis jurídicas proibindo essas ações, pois pode haver casos permitidos pela lei jurídica que não são permitidos pela lei moral. Pode ser até mesmo que determinadas ações sejam proibidas não somente do ponto de vista moral, mas também do ponto de vista das leis jurídicas: mesmo nessa circunstância, não é a coerção da lei do Direito imposta pelo Estado o que está na base da motivação moral. Pelo menos, não para a teoria moral de Kant, e com toda razão.
Todos os juízos de valor que são censuras de caráter moral pressupõem em sua motivação um critério de censura,39 do mesmo modo que a proibição, imputação e punição jurídicas pressupõem uma determinada lei ou norma como seu critério. Numa palavra: quem julga moralmente pressupõe estar de posse de um padrão de medida pelo qual é capaz de reconhecer ações imorais e distinguilas de ações morais. Todo aquele que emite juízos supõe tacitamente estar de posse de um critério claro e seguro para discernir as ações moralmente censuráveis de outras ações que não o são. O problema todo é que pressupor a posse de um bom critério não é o mesmo que estar em condições de oferecê-lo e justificá-lo publicamente. Trata-se, na verdade, de um problema sério e antigo que confronta as diferentes teorias e valores morais, na medida em que implica a possibilidade de que aquilo que para uma concepção é motivo de censura seja mera acusação infundada do ponto de vista de uma outra.
Com efeito, a maioria das pessoas emite juízos morais; porém, quase sempre que alguém é indagado acerca do critério, ou seja, acerca das boas razões que possui para censurar a conduta de uma determinada pessoa, sempre apela em última instância para uma pretensa "evidência" que está longe de ser trivial: alega que "sente que é incorreto", "que atenta contra os bons costumes", etc. O problema é que isso implica admitir de modo implícito que não se é capaz de oferecer um bom critério para distinguir o moral do imoral, uma vez que diferentes pessoas, grupos, épocas ou culturas poderiam considerar de modo muito diferente "isso" que a pessoa em questão "sente que é errado", ou seria "incorreto", ou atentaria "contra os bons costumes", etc. Poder-se-ia pensar tranqüilamente o contrário, e não é difícil imaginá-lo. De resto, excetuando-se a pretensão dos filósofos morais (como Kant, por exemplo), ninguém parece estar em condições de demonstrar que aquilo que pensa ser moralmente errado é errado em si mesmo e para todos; e não parece haver nenhuma razão pela qual devêssemos preferir uma ou outra consideração, i. é, uma em detrimento de todas as outras.
É como o vulgo bem diz: nem tudo que é bom, justo ou correto para mim é necessariamente bom, justo ou correto para todos. Porém, o problema é que admitir um critério moral que só servisse para mim, meu grupo ou minha cultura — e com base nele censurar os outros agentes do ponto de vista moral —, implicaria incorrer em contradição com aquilo que parece ser mais essencial à exigência de moralidade, que é justamente a reciprocidade. De fato, uma das características centrais da censura moral parece ser que ela exige algo de todos ao mesmo tempo e por isso não tolera a inconsistência de submetermos alguém a um critério que nós próprios não cumprimos. A censura parece pressupor que o censurado quebrou uma regra que nós não quebramos, e que ao quebrá-la nos lesa. Analogamente, a punição com base em leis jurídicas supõe que alguém é o transgressor de uma norma que nos obriga a todos reciprocamente, e por isso mesmo permite punir apenas aqueles que fugiram à sua obrigação de obedecer à lei do Estado,40 regra de todos e para todos.
O que podemos deduzir disso é que um bom critério de censura ou imputação moral seria aquele que pudesse ser exposto, discutido e aceito publicamente por todos. Um bom critério, portanto, seria aquele que fosse universal. Porém, não seria suficiente que o critério fosse universal; ainda seria preciso que fosse também seguro; que de fato fosse aplicado e cumprido. De que serviria um critério que todos compreendessem com clareza mas não aplicassem na hora de censurar uma pessoa ou de imputar suas ações como moralmente incorretas? De que serviria um critério que fosse considerado teoricamente justificado mas não fosse moralmente compulsório? Naturalmente, de nada; e sua universalidade seria ociosa.
Mas tampouco pode tratar-se de um critério externamente compulsório, como é o caso dos deveres impostos no âmbito do Direito. Pois um critério semelhante, ainda que possa ser racional, precisa de um aparato estatal cimentando a proibição da transgressão com a punição decretada por um tribunal (poena forensis).41 Logo, o critério não pode ser externo; não pode impor um dever externo, com uma força normativa baseada em coerção a partir de uma lei e uma justiça externas.42 Numa palavra: o fundamento da obrigação não pode residir em qualquer dimensão transcendente ao agente moral. O problema, ao que parece, complica-se: como poderíamos obter um critério universalmente justificado para todos e como poderíamos obrigar todos a seguirem nosso critério sem limitarmos a sua liberdade de decidir e agir de acordo com seu foro íntimo?
Um critério só poderia ser claro e universal (a ponto de ser imediatamente compreendido por todos), e ainda seguro, firme, somente se fosse um critério que todos aplicassem sempre e necessariamente, mesmo sem ter consciência clara disso.43 Mas de tal modo que esta necessidade não fosse uma obrigação externa, como as coerções legais. Daqui decorre uma conseqüência importante: a tarefa da filosofia moral não deve nem poderia consistir jamais em criar ou impor novos critérios, mas bem antes, como Kant ensinava, em esclarecer os que já temos e desde sempre aplicamos tacitamente. 44 Assim, se é possível imputar moralmente os outros, isto somente faz sentido quando a imputação é moralmente justificada, a saber, quando ela se funda num critério que vale obrigatoriamente para todos. Mas qual é esse critério?
Uma coisa é certa e quase todo mundo o sabe, até porque todo nosso aparato jurídico ocidental funciona com base nessa premissa: só pode ser imputado por ato ou omissão aquele que é responsável por seus atos. Isso, por sua vez, significa admitir, em termos kantianos, que somente podemos censurar ações nas quais o agente em questão foi "livre" em algum sentido; e não compelido externamente a agir desta ou daquela maneira. De modo que se por ventura existisse um critério para avaliar a moralidade de nossas ações, para que ele fosse universal, válido para todos, e necessário (i. é, obrigatório para todos, mas de tal modo que todos se vissem compelidos a adotá-lo sem que isso significasse limitar sua liberdade), só poderia se basear na própria liberdade que todos temos (ou cremos que deveríamos ter) de decidir o que fazer. Com efeito, se nossas ações somente são imputáveis quando somos responsáveis por nossos atos, e se somente somos responsáveis por nossos atos quando agimos de livre e espontânea vontade (e não coagidos por quaisquer condicionamentos), então parece que só poderíamos ser censurados quando agíssemos de tal modo que pudéssemos ter agido de outra forma e não obstante tivéssemos decidido escolher essa alternativa (ação ou omissão), atentando contra nossa própria liberdade de agentes morais. Caso contrário, ninguém poderia nos censurar de modo justificado, nem poderíamos imputar a ninguém uma conduta censurável.
Disso decorrem duas coisas: primeiro, que só poderíamos censurar os outros sob a condição de que fossem livres, e segundo, que só temos o direito de censurá-los de fato se contamos com boas razões para crer que sejam livres: isto é, que o critério de censura moral pressupõe um critério capaz de discriminar ações livres de ações sob coerção da liberdade. Numa palavra, se só podemos censurar ações desempenhadas por seres livres, parece que há uma relação intrínseca entre moralidade e liberdade.
A liberdade, como a moralidade, pode ser entendida de diversas maneiras. Mas por enquanto a entenderemos num sentido restrito à tradição da filosofia moral, a saber, não como a liberdade civil e política recobrada pelo sujeito que acabou de cumprir uma pena, ou daquele que a perdeu por ser condenado e preso. Pois do ponto de vista da filosofia moral tradicional eu poderia estar em liberdade condicional ou irrestrita e ser não obstante um escravo de meus vícios e minhas paixões, como no caso de um viciado em heroína, ou de alguém tomado por uma ira incontrolável; sem portanto poder dizer que sou livre para decidir o que realmente quero fazer. Como contraponto, outro sujeito poderia dizer-se (moralmente) livre atrás das grades, por exemplo, desde que não cedesse à tentação de entregar seus amigos para recuperar sua liberdade (civil). Desse modo, a liberdade, que doravante denominarei liberdade moral, significa a possibilidade de decidir e escolher com base em razões e não em impulsos, inclinações ou interesses meramente egoístas. Esta liberdade, para Kant, possui duas modalidades: pode ser negativa ou positiva. A liberdade negativa consiste em agir independentemente em face dos impulsos; a positiva consiste em acrescentar-lhe a consciência moral de um dever que eu mesmo imponho a mim, por exemplo, o de não entregar meus amigos.45 Somente neste último caso a minha decisão e a ação (ou omissão) dela decorrente podem ser consideradas morais. Isso significa que a moralidade se identifica com a liberdade moral em sentido positivo, que Kant também denomina autonomia da vontade e consiste em que a minha razão dá a si própria uma lei, uma regra segundo a qual eu devo agir se quero honrar o que sou (a saber, um ser racional livre), e não agir como um escravo de minhas inclinações ou interesses egoístas.
Dito isso, façamos um brevíssimo balanço: havíamos dito que só poderíamos imputar ou censurar os outros sob condição de que fossem livres, e que por conseguinte só temos razão para censurálos se contamos com boas razões para crer que suas ações sejam livres. Sendo assim, dizíamos, o critério de censura moral pressupõe um critério capaz de discriminar ações livres, i.é, ações moralmente livres, de ações que não o são. A questão agora consiste então em saber o critério que Kant oferece para tanto.
Segundo Kant o que dá ou retira valor moral a uma ação não é algo que podemos extrair da própria ação como sua conseqüência, mas da motivação que a produz. Pois alguém com má-intenção pode cometer uma ação que por mero acaso tenha a aparência de ser moralmente correta, enquanto que alguém movido por uma intenção profundamente moral pode dar a impressão do contrário. Por isso Kant chega a afirmar que jamais podemos decidir se uma ação é moralmente correta ou não a partir de sua observação empírica, porque as intenções que a movem não se revelam aos olhos na experiência, onde uma ação pode aparentar ser conforme ao dever sem contudo ter sido movida por uma intenção de amor ou respeito ao dever.46 Em termos gerais, podemos dizer que existem motivos subjetivos e motivos objetivos. Os primeiros não apresentam qualquer dificuldade, posto que todos os motivos que possuímos são em maior ou menor medida "subjetivos" (do sujeito), baseados em desejos, tendências, paixões, interesses e emoções; seja porque variam de indivíduo para indivíduo, seja porque partem da peculiaridade e do caráter de cada pessoa. O problema então é como discernir motivos objetivos de motivos subjetivos. A solução de Kant é a seguinte: se eu posso universalizar o motivo, a intenção (Gesinnung) que move minha ação, então ela é moral e o seu motivo é objetivo porque vale necessariamente para todo ser racional. Como é que eu posso universalizar um motivo? Existe uma regra que me permite realizar um teste de universalização. Essa regra vai ser chamada aqui de princípio da universalização da intenção.
Kant sustenta que existe um princípio capaz de julgar a moralidade das ações, o princípio supremo da moralidade, critério último para decidir sobre a moralidade ou imoralidade de toda ação e decisão. Sua justificação é garantida pelo fato de ser uma obrigação necessária para todo ser racional, e portanto, para todo ser capaz de decidir e escolher livremente agir ou omitir-se. Assim, pelo fato de sermos seres racionais temos a consciência moral da regra que a própria razão nos oferece, que nos obriga a agir moralmente; que é ao mesmo tempo a lei da nossa própria liberdade. Mas pelo fato de sermos seres finitos somos afetados por motivos subjetivos, impulsos e pendores que nos seduzem e nos inclinam a desobedecer à razão. É por causa deste conflito entre a razão e as paixões que a lei da razão se dá para nós como algo imperativo. Como um imperativo que a voz de nossa consciência moral nos impõe internamente; como o dever de ouvir a razão, de preservar a nossa autonomia e impedir que nos tornemos escravos de inclinações ou interesses. Como um imperativo categórico, porquanto exprime uma lei que não tolera exceção — a exceção quebraria a exigência de reciprocidade —; como um dever absoluto que é um fim nele mesmo, não algo que somente devo fazer como meio para a consecução de um fim subsidiário qualquer que desejo atingir.
Assim, uma coisa é dizer que porque sou um ser racional, e portanto livre, não devo absolutamente sucumbir ao impulso de matar alguém que me causa danos e injúrias. Mas uma outra coisa é dizer que, se quero obter sucesso na vida, nem sempre devo dizer o que penso. O primeiro caso exprime um dever absoluto e categórico: quaisquer que sejam as circunstâncias, não devo matar; porque seres racionais não devem ser escravos de seus impulsos nem atentar contra a vida alheia. Não devem atentar contra sua própria liberdade, como não devem atentar contra a dos outros. O segundo, é uma mera regra de prudência, técnica, que me impõe um dever pragmático, desde que eu queira um determinado fim: se eu quero me dar bem, cumpre, às vezes, que saiba calar. Por isso o princípio supremo da moralidade - que pode servir de critério para discriminar ações morais de ações imorais - só pode ser expresso como um imperativo categórico. Porque se trata de uma lei que me obriga somente na medida em que posso desobedecê-la (Kant diz: sou capaz de reconhecêla como lei e não obstante abrir uma exceção somente para mim).
Kant oferece várias formulações do princípio, sobretudo na Fundamentação da Metafísica dos Costumes, mas cito aqui a da segunda Crítica, a mais clara e precisa: "age de tal modo que a máxima de tua vontade sempre possa valer ao mesmo tempo como princípio de uma legislação universal".47 Pela máxima de tua vontade Kant entende a proposição que traduz nosso querer e nossa escolha de acordo com nossa intenção como uma regra em toda situação de decisão moral. Assim, o critério consiste em ponderar se o que eu quero poderia ser racionalmente desejado e escolhido por todos como regra de ação para todos sem exceção. Trata-se de saber se a minha intencionalidade moral, que em princípio é subjetiva (porque é minha, e eu, além de ser racional, tenho, como todos, os meus interesses, desejos e inclinações particulares), pode tornar-se objetiva.
Dito isso, pareceria que agora temos um bom critério para discriminar ações morais de ações imorais, e portanto um bom critério que nos permitiria justificar as imputações morais que fazemos aos nossos congêneres e que eles nos fazem. Mas infelizmente chegamos a uma situação inesperada. Temos um bom critério para definir conceitualmente ações morais e diferenciá-las de ações imorais, mas não temos um bom critério que nos permita justificar a possibilidade de imputar ações censuráveis a outrem. Pois o imperativo categórico, enquanto critério da universalização das intenções, tal como é formulado na Fundamentação, e mesmo na segunda Crítica, só serve para nós: permite em princípio48 discernir se a máxima que traduz a minha motivação pode se tornar uma lei universal para todos, mas não me permite discernir se as ações dos outros se baseiam numa motivação capaz de tornar-se moralmente válida para todos.49 Por quê? Porque o que dá valor moral às ações são as intenções que as movem, os seus "princípios internos", mas intenções dos outros são para mim absolutamente inacessíveis. Não adianta dizer que certos atos me parecem mais ou menos corretos que os outros, porque jamais posso ter certeza de que suas intenções sejam realmente morais.
Todo o problema consiste no fato de que em última instância e na melhor das hipóteses só podemos saber, e até certo ponto, da moralidade ou imoralidade de nossas intenções, em função de nossa própria consciência moral.50 Isto parece acarretar que não possuímos um critério justificado para censurar os outros; e que então nossos juízos de valor morais, as nossas habituais censuras poderiam ser apenas pretensamente morais e baseadas em meras preferências subjetivas. Assim, um cético moral bastante refinado poderia argumentar que todo juízo "moral" seria nada mais nada menos do que um juízo estético e que somente poderíamos censurar os outros esteticamente, uma vez que o gosto depende de cada um. Mas então poderia ser que nossa censura não passasse de uma acusação infundada, e mesmo de mau gosto.
Entretanto, antes de compactuar com o ceticismo moral, a primeira questão que nos ocorre é a seguinte: não será que podemos avaliar, i.e. julgar e imputar as ações dos outros por analogia com as nossas? Mesmo que as intenções sejam imperscrutáveis, o que fazemos não é o tempo todo comparar as atitudes, as ações e a conduta dos outros com a nossa? Não presumimos que os outros têm as mesmas faculdades e a mesma natureza, da mesma maneira que tem uma cabeça, duas pernas e dois braços, tal como nós temos? A consciência moral de nossas obrigações e o modo como nos comportamos em face delas não oferecem uma medida, uma idéia de como os outros também têm as mesmas obrigações e possibilidades morais de decisão e ação? Certamente: julgamos por analogia, portanto, toda vez que aplicamos um critério normativo para censurar ou elogiar a conduta de alguém, toda vez que reputamos alguém como moralmente correto ou canalha. Pensamos também que as situações em que os outros se encontram são análogas à nossa; que as ações dos outros são melhores ou piores que as nossas; e até mesmo que os outros são melhores ou piores do que nós: a analogia estende-se da comparação entre nós e todos os outros seres que conhecemos empiricamente como nossos semelhantes até a inferência de que têm as mesmas faculdades morais, os mesmos deveres e as mesmas obrigações; e da comparação entre os seres que conhecemos até aqueles que não conhecemos.
Kant reconhece que a universalidade da lei moral é pensada em analogia com a universalidade da lei natural,51 mas parece que a analogia poderia ir mais longe: a interpretação e a imputação da conduta alheia apenas têm lugar quando um determinado curso de ações se traduz em uma máxima ou regra passível ou não de adequação à lei (moral ou jurídica) por analogia com a nossa conduta e motivação em circunstâncias iguais ou semelhantes. Por que então Kant não aplicou claramente o princípio da analogia neste caso, de modo a permitir que pudéssemos avaliar e imputar nossos congêneres do ponto de vista moral? Eis uma boa pergunta. A resposta, ao meu ver, é que Kant não fez isso por acreditar que uma imputação moral deveria ser absolutamente certa, e não pode haver certeza, nem mesmo certeza moral, quando o que conta é a disposição moral, a intenção do outro, que não me é acessível; que me é, literalmente, imperscrutável.
Neste caso, qualquer analogia que se pudesse estabelecer permitiria no máximo pensar simbolicamente na atitude noumenal do outro agente. Numa situação como a quebra de uma promessa, por exemplo, eu deveria postular a semelhança da relação que mantém a minha consciência moral (a) com a minha ação de quebrar uma promessa (b) e a relação' que presumo haver entre a consciência moral do outro agente (c=x) e sua ação de quebrar uma promessa (d). Mas o problema é que não se trata de coisas do mesmo gênero, posto que um dos termos não é objeto de intuição possível: a consciência moral do outro e sua intenção não pertencem ao domínio daquilo que posso observar e constatar como membro de uma mesma classe. Na relação (a/b como c=x/d) trata-se de uma analogia entre termos de gênero diferente: a, b, d são empiricamente observáveis, c não.
Posso inferir por analogia, como quando comparo homens e animais, que se trata de coisas do mesmo gênero, se comparo a relação entre minhas intenções como fundamentos de minhas ações e as ações dos outros como conseqüências das intenções que suponho que têm. Mesmo assim, tudo que diz respeito à consciência moral do agente e sua intenção permanece fora do meu alcance. Decerto, é pensável por analogia, i. é, pode ser simbolicamente esquematizado, mas não pode ser conhecido porque pertence à esfera do agente pensado como homo noumenon.
Em contrapartida, se não existisse esse problema, seres humanos e suas ações poderiam ser julgados com base na experiência como seres do mesmo gênero: assim, eu poderia presumir nos outros, por analogia, as mesmas capacidades, a mesma consciência moral, a responsabilidade, a liberdade, etc., que experimento ou conheço de algum modo como fazendo parte de mim mesmo; e analogamente, com base na observação dos outros poderia me auto-atribuir uma série de propriedades, inclusive de direitos e obrigações. Poderia prever, assim, certos comportamentos, viver em sociedade, etc, e sobretudo: imputar e ser imputado. Todavia, o problema é que para Kant nada disso poderia valer necessária e universalmente. Poderia valer, quando muito, na medida em que pudesse ser observado ou corroborado externamente na experiência; mas isso não nos ofereceria nenhum conhecimento seguro. De resto, a pureza da moralidade não se mistura com a experiência, visto que aquela não pode se basear nem ser derivada desta, a não ser às custas de seu próprio prejuízo. 52 Dada a concepção de Kant, algo tão forte como a imputação de uma conduta moralmente incorreta deveria ser capaz de uma certeza que a analogia não pode nos proporcionar.
Entretanto, se não se tratasse mais da avaliação das ações do ponto de vista estritamente moral, a analogia poderia ser utilizada com mais sucesso. Se todos os quatro termos da relação analógica pertencessem à mesma classe, i. é, fossem empiricamente observáveis, a analogia funcionaria, mesmo que tacitamente. Pressupor-seia sempre um certo tipo de conhecimento prático de caráter analógico na hora de aplicar leis e imputar comportamentos e ações, mas isso não tornaria os juízos de imputação mais ou menos incertos. Observaríamos casos e poderíamos aplicar a regra da lei; bastaria observar a conduta e demais elementos disponíveis para enquadrar o comportamento e imputá-lo. Para isso seria preciso tão somente encontrar um outro mecanismo de imputação no qual os termos da relação fossem sempre pertencer à mesma classe, a saber, um que não tentasse imputar intenções ou máximas meramente subjetivas, mas apenas ações capazes de constatação pública.
Assim, o problema de não ser possível um critério seguro de imputabilidade para as ações do ponto de vista moral, tal como ocorre nos primeiros escritos morais de Kant, de certo modo somente aparece se não se leva em consideração a importância e o papel da analogia em toda avaliação moral das ações. Mas o problema de certo modo se resolve encontrando um campo onde a analogia pode funcionar perfeitamente e garantir a imputabilidade das ações.

3. O princípio racional do Direito e o princípio da analogia

A situação da imputação muda na hora de aplicar a legislação jurídica, quer em termos de direito racional "natural", quer em termos de direito positivo. Aqui a analogia pode ser bem mais explícita. Pois, ainda que a Doutrina do Direito estabeleça princípios a priori para toda legislação jurídica das ações, o que está em questão diz respeito à conduta que pode ser observada como externamente conforme à lei ou não.53 Portanto, aqui não mais temos o problema que aparecia no âmbito da ação moral.
Parece-me que é precisamente para resolver este problema, não mais em termos estritamente morais, mas jurídicos, Kant estabeleceu na Metafísica dos Costumes a distinção entre legislação externa e interna, entre direito e ética como duas dimensões diferentes de uma esfera mais ampla. Doravante, poder-se-á ter um critério com base no qual é possível julgar e imputar a conduta dos indivíduos, quer como membros naturais da sociedade, quer como cidadãos do Estado político; em função de uma série de direitos e deveres que pautam sua convivência pública e privada.54 De fato, quando julgamos moralmente, ainda que não possamos jamais vislumbrar senão as aparências das intenções dos nossos congêneres, certamente podemos fazer uma analogia entre os gestos e atitudes que manifestam em relação a certas intenções que nós próprios já experimentamos antes, quando expressamos os mesmos gestos ou tivemos as mesmas atitudes. Isso pode não fornecer um critério certo e infalível, mas parece ao menos que esse é o modo como observamos e ajuizamos a conduta em geral e as ações em particular: pensamos a nós mesmos e nossos atos e intenções em analogia com os atos e as intenções dos outros e os traduzimos em máximas que se conformam externamente a leis ou não. É precisamente o que Kant vai considerar como o ponto de vista externo do Direito.
De um modo geral, Metafísica dos Costumes distingue duas partes: a doutrina da virtude, que explica e fundamenta por que devemos nos aperfeiçoar e adquirir certas virtudes morais, e a doutrina do direito, que explica e fundamenta os direitos que temos ou podemos adquirir.55 Mas essa caracterização deixa na penumbra a estreita relação existente entre a dimensão ética e a dimensão jurídica na filosofia prática de Kant.56 A doutrina do direito, poderia ser considerada mais especificamente como uma resposta à pergunta: como uma legislação externa pode prescrever uma obrigação?.57 Assim posta, a resposta ao problema envolveria explicar a possibilidade de diferentes fundamentos de imputabilidade e coerção (interna e externa) como base num mesmo princípio, que é legislação da própria razão prática.58
Se aquilo que é "direito" ou "correto" (recht) de acordo com leis jurídicas é "justo", e aquilo que é "incorreto" ou "injusto" (unrecht) se opõe ao dever (imposto pela legislação externa), o Direito identifica- se em certo modo com a "Justiça":59 o direito racional ou natural, com a "Justiça"(i) que serve de base moral a toda concepção de direito e ordenamento jurídico, e o direito positivo com a "Justiça"(ii) entendida como o próprio ordenamento jurídico do Estado político, ambos como um sistema de leis externas.60 O primeiro (i) funda metafisicamente a filosofia política e do direito e justifica racionalmente a coerção externa como necessária para garantir a mesma liberdade para todos em nome do Direito ou da "Justiça" (como esfera axiológica propriamente dita).61 O segundo (ii), estabelece-se como um sistema de leis positivas que regulam a liberdade de todos nos termos das leis do Estado e da coerção legal imposta para assegurar de facto direitos e deveres iguais para todos os cidadãos.62
Assim, o conceito de liberdade do ponto de vista jurídico pressupõe o conceito moral de liberdade,63 do mesmo modo que este último pressupõe o conceito metafísico de liberdade como espontaneidade. 64 Numa palavra: se na metafísica se pode falar da liberdade como espontaneidade absoluta da razão pura, na filosofia moral esta liberdade interna qualifica-se como autonomia da vontade e, ao mesmo tempo, serve de base para definir a liberdade externa na filosofia do direito e na filosofia política.65 As leis da liberdade, enquanto leis "práticas", são então tanto princípios internos como externos de motivação: são leis morais em sentido estrito (leis éticas) ou leis do Estado (leis jurídico-políticas). Assim,

"[a]s leis da liberdade, à diferença das leis naturais, denominam-se leis morais. Na medida em que se reportam apenas a meras ações externas e sua conformidade a leis, denominam-se leis jurídicas; mas, se também exigem que elas mesmas (as leis) sejam os fundamentos determinantes das ações, então são leis éticas; e nessa medida se diz que a concordância [das ações] com as primeiras é a legalidade, [mas] com as segundas, a moralidade da ação. A liberdade a que se referem as primeiras só pode ser a liberdade no uso externo do arbítrio, mas aquela a que se referem as últimas [é] a liberdade tanto no uso externo como no interno, na medida em que é determinada por leis da razão".66

Assim, quando a lei se reporta à legalidade das ações "externas", i. é, do ponto de vista do comportamento empiricamente observável como conforme ao dever ou não, independente de saber se sua motivação foi a própria lei ou não, trata-se de uma lei externa. Neste caso, pouco importa que o motivo seja moral ou não (embora deveria sê-lo); o fundamento da motivação não precisa residir no princípio interno da auto-imposição moral do agente, a saber, na própria vontade, mas deve pelo menos respeitar externamente a lei que determina seu arbítrio e coage sua sensibilidade, mesmo que com base num outro fundamento externo a sua consciência.67 Todavia, quando a lei se impõe na consciência moral do agente como um dever que se reporta às intenções (ou ações "internas") e inobserváveis, como uma motivação absoluta da vontade, essa lei só pode ser moral em sentido estrito.68
Algumas conseqüências podem ser extraídas daqui: em primeiro lugar, se as leis "da liberdade" ou "morais" (em sentido amplo) opõem-se às leis naturais enquanto leis práticas, aqui o qualificativo deve englobar tanto o âmbito jurídico como o ético.69 Isso significa que o termo "moral" (moralisch) é aplicado às leis num sentido amplo, abrangendo tanto a Moral em sentido estrito (Ética) como o Direito em geral. Além disso, visto que toda legislação prescreve deveres, a "Metafísica dos costumes" apresenta-se como um sistema de deveres que abrange tanto os deveres jurídicos como os deveres éticos.70
Em segundo lugar, quando Kant diz que as leis jurídicas se referem à liberdade apenas no uso externo do arbítrio, mas as morais "tanto no uso externo como no interno" do mesmo, quer dizer duas coisas: por um lado, que as primeiras regulam as ações por sua aparente legalidade ou ilegalidade do ponto de vista da observação comportamental; por outro lado, que a legalidade da ação é uma condição necessária mas insuficiente da conformidade das ações a leis morais em sentido estrito. Todavia, com isso ainda não fica claro por que as leis morais em sentido estrito se reportam tanto ao uso externo como ao uso interno do arbítrio. Isso não se segue imediatamente do fato de que a coerção seja interna num caso e externa no outro. Para entender o que Kant quer dizer aqui é preciso lembrar que na medida em que a legalidade da ação diz respeitoà conformidade externa da ação com uma lei universal, o princípio da legislação das ações que serve de norte a sua legalidade ou ilegalidade toma como base normativa ou idéia reguladora o princípio da moralidade. O que significa, por sua vez, que o imperativo categórico que opera como princípio universal do direito ("Age externamente de tal modo que o livre uso do teu arbítrio possa coexistir com a liberdade de cada um de acordo com uma lei universal")71 toma como base normativa e idéia reguladora o imperativo categórico da moralidade ("Age de tal modo que a máxima de tua vontade sempre possa valer ao mesmo tempo como princípio de uma legislação universal").72 Mas como já não se trata mais do âmbito imperscrutável das intenções e sim das ações empiricamente observáveis dos homens em sociedade, o imperativo leva em consideração os empecilhos que a razão prática deve encontrar em sua realização no mundo sensível: a minha ação se dá externamente em relação a outras pessoas que também agem. Mas visto que somos todos seres livres, o exercício da minha liberdade (enquanto livre uso do meu arbítrio) pode colidir "externamente" com o exercício da liberdade dos outros; e vice-versa. De modo que se trata de estabelecer um princípio de convivência pacífica entre todos segundo uma lei universal da liberdade: uma ação em princípio é justa (ou conforme ao Direito) se sua máxima pode coexistir com a liberdade dos outros segundo uma lei universal.73 Desse modo, este imperativo funda o Direito enquanto tal tomando o imperativo moral como fundamento formal da necessidade de sua exigência (na idéia de dever) e da universalidade de sua extensão (já que também vale sem exceção), mas não como princípio de motivação.74 Caso contrário, teríamos no Direito o mesmo problema de imputabilidade que se verificou no âmbito da avaliação moral per se.
Em terceiro lugar, sendo apenas o livre uso do arbítrio ("...der freie Gebrauch deiner Willkühr...") o que pode ser externo, i. é, externamente conforme ao dever ou não, a distinção entre liberdade externa ou interna parece dizer respeito ao que pode ser dito uso livre da nossa capacidade de decidir do ponto de vista da lei moral (tomada como fundamento imperscrutável da motivação) ou do ponto de vista do comportamento (que pode ser observado em conformidade ou não com uma lei da liberdade, a saber, como legal ou ilegal).75 Por conseguinte, tudo indica que aquilo que diferencia o "externo" do "interno" deve ser pensado de acordo com a distinção imposta pelo Idealismo transcendental de dois modos de consideração do agente:76 "interno", como aquilo que pode ser pensado como noumênico, na medida em que toma a idéia do dever imposta pela pura lei moral como princípio de motivação de um ser inteligente dotado de consciência moral; "externo", como as ações e obrigações ditas "externas" apenas na medida em que podem ser observadas no campo dos fenômenos da experiência.77 Na medida em que podem ser observadas, porém, suas motivações podem ser pensadas por analogia como formalmente consoantes com a mesma idéia do dever imposta pelo imperativo, mas não necessariamente tomando o mesmo como princípio de motivação (já que a observação empírica é insuficiente para tanto). Mas dado que há uma diferença entre o imperativo categórico moral e o imperativo categórico jurídico, na medida em que este não me obriga a tomá-lo como motivo em minha intenção, a imputabilidade das minhas ações fica garantida pela sua conformidade ou falta de conformidade externa ao princípio da legislação jurídica.
Esse último aspecto provoca a seguinte indagação: não é de fato possível que existam no Direito leis e prescrições legais que contrariam a lei moral? Isso parece ser um fato no Direito positivo. Amiúde leis beneficiam interesses diversos que não o estritamente moral. A resposta de Kant, entretanto, poderia ser mais ou menos a seguinte: isso é de facto possível, mas não deveria sê-lo (de iure).78 Porque de acordo com o conceito racional de Direito, que é um conceito moral, uma tal situação seria impossível: se a lei positiva retira a legitimidade de sua autoridade da lei (do direito) natural, ela não pode nem deve contrariá-la, sob pena de perder sua base de legitimação. 79 Kant não diz tanto que a legislação externa não exige tomar a lei como motivo da ação porque pode ser contrária à legislação interna, quanto que ela apenas não exige nada mais do que a mera legalidade da ação: "não se pode exigir que este princípio de todas as máximas", a saber, o princípio universal do Direito, "seja ele mesmo, por sua vez, minha máxima, i. é, que eu o torne máxima de minha ação".80 Isso não somente supõe um vínculo essencial entre direito racional e moralidade, mas inclusive entre moralidade e justiça positiva. A exigência da razão prática parece ser a de que deve haver um princípio pelo qual se possa regular e imputar as ações que provocam conflito entre os cidadãos; um princípio que sirva para apaziguar estes mesmos conflitos e punir toda ação que os propicie, quer limitando, quer obstaculizando o exercício livre dos arbítrios.
Assim, o Direito define-se a priori como o conjunto de condições pelas quais todos os arbítrios podem coincidir entre si de acordo com leis universais.81 A máxima conhecida, de acordo com a qual a minha liberdade termina onde começa a dos outros, é levada às últimas conseqüências: a lei imperativa do Direito enquanto tal não apenas funda uma legislação externa com base na obrigação de respeitar a liberdade dos outros ("Age externamente de tal modo que o livre uso do teu arbítrio possa coexistir com a liberdade de cada um de acordo com uma lei universal"), mas dela deriva o princípio da necessidade de coibir todo comportamento contrário à liberdade mediante coerção: "Se, portanto, minha ação, ou em geral minha circunstância (Zustand), pode coexistir com a liberdade de cada um segundo uma lei universal, comete uma injustiça contra mim aquele que a obsta (so thut der mir Unrecht, der mich daran hindert)".82 Assim, se é legítimo agir de acordo com o princípio da coexistência das liberdades, já que ele deve servir de base a todo ordenamento jurídico enquanto princípio racional de todo o Direito em geral e de cada direito em particular, é ilegítimo, e portanto injusto, todo comportamento ou ato que oponha resistência, impeça ou obstaculize essa coexistência, e toda ação a ela conforme. Porque um tal ato "não pode coexistir com a liberdade [de todos] de acordo com leis universais".83 É nesse ponto que se vê claramente por que razão "o direito está vinculado à potestade (Befugni?) de coagir": porque "a coerção que se opõe" a tudo aquilo que é "um obstáculo à liberdade" (a saber, a tudo que não pode coexistir de acordo com leis universais da liberdade) nada mais é do que uma "justa" (recht) reação "que concorda com a liberdade segundo leis universais enquanto impedimento de um obstáculo à liberdade".84
A coerção (Zwang), portanto, justifica-se em função da preservação e da garantia da liberdade de todos sob leis universais. Funda-se numa norma necessária da própria razão e não em qualquer contingência de caráter empírico. Mas ao mesmo tempo, funciona como um incentivo à obediência da lei, quando a legalidade da ação não é acompanhada por uma intenção legitimamente moral de cumprir com o dever,85 Pois se alguém se vê inclinado a agir em benefício de suas inclinações e interesses egoístas, deve contudo respeitar as leis externas, sob pena de receber como reação uma punição equivalente. No caso do Direito, esta possibilidade funda o Direito em sentido estrito como o direito de exercer coerção recíproca segundo leis universais. Daí o dever que todos têm de obedecê-lo sob pena de punição: o direito obriga enquanto possui a potestade de coagir todos e cada um. Mas somente possui essa potestade em nome de todos e de cada um. A base moral da sua normatividade reside na exigência de reciprocidade universal, mas agrega-se a ela algo que garante um critério de imputação empírica e uma força normativa que a própria lei moral em si mesma não possui, sobretudo porque deixa depender tudo da decisão interna e inexplorável da consciência de cada um. O direito estrito, diz Kant, funda-se no princípio de que é possível fazer uso de coerção externa de modo legítimo e legal, a saber, de tal modo que"pode coexistir com a liberdade de cada um segundo leis universais". 86
Neste contexto, numa célebre passagem da Introdução à Doutrina do Direito Kant faz uso explícito do princípio da analogia, ao comparar o "Direito" em sentido estrito com a lei mecânica de ação e reação:87 a lei da coerção recíproca, definida como a possibilidade de uma coerção inteiramente recíproca em concordância com a liberdade de cada um segundo leis universais, estaria para o Direito tal como a lei de ação e reação está para a Mecânica clássica:

"A lei de uma coerção recíproca que coincide necessariamente com a liberdade de cada um sob o princípio de da liberdade universal é como que a construção daquele conceito, i. é, a exposição do mesmo na intuição pura a priori em analogia com a possibilidade de movimentos livres dos corpos sob a lei da igualdade de ação e reação".88

A analogia é clara e quase pareceria que se trata de termos da mesma classe, mas prima facie não se entende muito bem a "construção", já que aqui não se trata de matemática e a analogia só pode ser qualitativa. Na verdade, Kant quer dizer que pela analogia podemos simbolizar o conceito da possibilidade da reciprocidade da coerção que define o direito em sentido estrito, na qual se fundamenta metafisicamente a coerção no Direito positivo propriamente dito. Porém, a analogia não se dá apenas entre a relação de ação e reação recíprocas e a reciprocidade da coerção legal, como poderia parecer à primeira vista. A analogia dá-se também entre o modo de conhecer por analogia quantitativa e qualitativa: a filosofia do direito compara a relação jurídica de reciprocidade com a relação matemática de proporção entre ação e reação postulada pela física. Mas nessa analogia entre ambas as relações seus termos não são da mesma classe, como no uso tácito acima mencionado, necessário para garantir a possibilidade da imputação de ações empiricamente observáveis de acordo com uma normatividade imposta pela razão prática. Neste caso, como nos outros anteriormente citados, os termos comparados são de gêneros diversos. A ação e a reação expressas pela proporção matemática podem ser corroboradas na experiência e medidas de acordo com a fórmula, mas a possibilidade da coerção não pode ser esquematizada senão simbolicamente por meio de uma comparação: a possibilidade, como conceito modal, não é um predicado de primeira ordem que possa ser aplicado a objetos empíricos.
Talvez por isso numa outra passagem, onde estabelecia o mesmo tipo de comparação, Kant dizia que na analogia entre a lei de ação e reação e as relações jurídicas entre cidadãos de um mesmo Estado não posso inferir que as relações sociais terão as mesmas propriedades que as relações físicas. Mas é preciso lembrar que de acordo com nossa análise acima isso somente acontece quando aplico o conceito de analogia numa circunstância em que a inferência não se faz entre termos da mesma classe:

"Decerto, pode-se pensar duas coisas desiguais precisamente no ponto de sua desigualdade de uma das mesmas em analogia com a outra; mas a partir daquilo em que elas são desiguais não [é possível] inferir uma por analogia a partir da outra, i. é, transpor essa característica da diferença específica para a outra. Assim, em analogia com a lei da igualdade de ação e reação na atração e repulsão recíprocas dos corpos entre si posso pensar a interação dos membros de uma comunidade de acordo com as regras do direito; mas não [posso] transportar aquelas determinações específicas (a atração ou repulsão materiais) a estas e atribuí-las aos cidadãos para constituir um sistema que se chama Estado".89

Num outro texto Kant também compara as relações jurídicas com as mecânicas e reforça a analogia entre ambas para simbolizar o tipo de reciprocidade que está em jogo no Direito, que certamente não trata de entidades do mesmo gênero:

"Assim, há uma analogia entre as relações jurídicas das ações humanas e as relações mecânicas das forças motrizes: eu não posso jamais fazer algo contra um outro sem dar-lhe um direito de fazer exatamente o mesmo contra mim sob condições semelhantes; do mesmo modo como nenhum corpo pode agir com sua força motriz sobre um outro sem fazer com que o outro reaja contra ele em igual medida. Aqui Direito e força motriz são coisas totalmente dessemelhantes, mas há semelhança completa em suas relações. Por meio de uma tal analogia posso fornecer um conceito da relação de coisas que me são absolutamente desconhecidas". 90

Coisas totalmente dessemelhantes: diferença específica e gêneros diversos; não entidades ou propriedades que pertencem à mesma classe. Por isso a analogia continua a permitir pensar a mera semelhança da relação, não a das coisas relacionadas. A mesma analogia que vai ser estendida (no § 24 da Doutrina da Virtude) à relação ética entre os homens, moralmente obrigados a se respeitarem mutuamente: justamente para pensar a reciprocidade da obrigação moral. Mas note-se que essa reciprocidade vai ser pensada agora na relação externa, da mesma forma que a reciprocidade jurídica. Como se essa última, dessa vez, servisse de norte à primeira (por ser observável, externamente imputável):

"Quando se trata de leis do dever (não de leis naturais), e sobretudo na relação externa dos seres humanos entre si, consideramo-nos num mundo moral (inteligível), no qual em analogia com o [mundo] físico a obrigação (Verbindung) dos seres racionais (na terra) efetua-se por meio de ação e reação. Em virtude deste princípio do amor recíproco são instruídos a aproximarem-se uns dos outros, por meio do [princípio] do respeito que devem ter uns para com os outros, a manterem distância uns dos outros...".91

Mas isso não deixa de reforçar a idéia de que o uso kantiano explícito do conceito de analogia restringe-se de tal maneira a uma relação em que os termos são de classes diferentes que parece ter por objetivo sempre um tipo de esquematismo simbólico em jogo. O problema que tentamos mostrar é que este uso da analogia não é suficiente para dar conta da imputação das ações. E também que aquilo que diferencia a filosofia moral de Kant da sua filosofia do direito é justamente o fato de que sua distinção entre uso externo e interno do arbítrio dá origem a uma legislação externa que garante a imputabilidade. É com base nessa distinção entre uso externo e interno do arbítrio que surge a possibilidade do uso da analogia necessária para garantir a imputação das ações. De uma analogia entendida como uma comparação entre entidades (seres humanos), propriedades de entidades (comportamentos e ações) e relações (entre comportamentos e ações, leis e ações, motivos e atos, etc) cujos termos são da mesma classe: todos pertencem ao mundo dos fenômenos e podem ser observados como sendo conformes ou não a regras racionais estabelecidas pela lei natural ou positiva.

À guisa de conclusão

A importância da analogia neste contexto perece residir sobretudo no fato de que se trata de um princípio de reflexão eminentemente racional. Um princípio que além de racional mostra-se como um elemento que implicitamente serve de norte, de critério tácito em toda a nossa experiência prática de ajuizamento de decisões e avaliação de ações com base em princípios.
Embora Kant restrinja o uso seguro da inferência por analogia à ciência natural,92 dando a impressão de que essa não pode ser aplicada à metafísica da moral, incluindo o direito e a ética, há uma maneira de entendê-la que poderia ser benéfica e compatível com o realismo (empírico) kantiano e com nossa compreensão contemporânea: como comparação entre relações semelhantes entre termos diferentes mas pertencentes a uma mesma classe. Portanto, o que chamei de princípio de analogia poderia ser resgatado como aquele tipo de raciocínio de aplicação tácita num domínio em que seus termos são predicados que permitem constatar e descrever as pessoas e as entidades que são objeto da teoria em questão. Portanto, num domínio passível de conhecimento racional compatível com o conhecimento científico nos termos de alguma ciência. A aplicação tácita na avaliação da ações, por exemplo, relaciona conhecimentos que temos por experiência com conhecimentos que poderíamos em princípio experimentar.

Notas:

1. O presente trabalho foi parcialmente financiado por bolsa de pesquisa CAPES durante meu atual ano sabático (2007-2008).

2. Na verdade, para além das aparências, são muitos. Ver a nota 9.

3. KrV, A176-218/B218-265. Salvo indicação contrária (Cf. nota nº 9), cito a Crítica da razão pura conforme a convenção: como "KrV" (ou: Kritik der reinen Vernunft), a seguir números arábicos indicando o número da página e precedido pelas letras A ou B, que indicam respectivamente a primeira (1781) ou a segunda edição (1787). Todos os outros textos de Kant são citados conforme a edição da Academia (1902-ss), indicando-se o número de volume em arábicos, precedido pelo termo "Ak." (que abrevia o usual "Akademie-Ausgabe") e sucedido por dois pontos seguidos do número das páginas, também em algarismos arábicos.

4. Nem todo mundo entende dessa maneira o uso do termo no contexto das Analogias da experiência. Dar uma ilustração de como os intérpretes tratam das Analogias..., porém, não é fácil; a quantidade de trabalhosé imensurável. Mas a maioria concentra-se no mais das vezes nos argumentos; não no uso do conceito de "analogia". Para se ter uma idéia de alguns trabalhos já clássicos, veja-se, a título de exemplo, Strawson (1966, pp. 122ss), Melnick (1973), Allison (1983, pp. 199ss), Guyer (1987, pp. 207ss). Há outros interessantes e mais recentes como o de Munzel (1995); Bird (2006, pp. 389ss); Wyller (2001, pp. 288ss); Ward (2001); Sacks (2005); e Callahan (2008).

5. Trata-se do seu uso num contexto em que idéias, como símbolos análogos de esquemas, servem de "referência" a conceitos usados para pensar coisas em si mesmas. Sobre isso veja-se: KrV, A566/594 (como usamos conceitos empíricos para pensar por analogia coisas que não conhecemos), A665/B693 (sobre a idéia de um maximum da divisão e da reunião do conhecimento intelectual em um princípio pensada como um "analogon" do esquema intuitivo); A673-4/B701-2 (sobre a idéia cosmológica como esquema do princípio regulativo de unidade sistemática de todo conhecimento natural). Veja-se também: Prolegomena, §§57-60 (Ak. 4: 350-365); Fortschritte der Metaphysik (Ak. 20: 279s); Crítica da faculdade de Julgar (=KU), §§59-60 (Ak. 5: 351-354); Religion (Ak. 6: 64-5n).

6. Essa noção, que já aparece nos Sonhos de um Visionário (Träume, Ak. 2: p. 368: "(...) so fern ist die Metaphysik eine Wissenschaft von den Grenzen der menschlichen Vernunft (...)"), é não obstante uma concepção crítica. Veja-se a Religion (Ak. 8: 180): "Wahre Metaphysik kennt die Grenzen der menschlichen Vernunft". Cf. Lógica (Jäsche), Ak. 9: 25, 104.

7. Não me refiro aqui senão a um aspecto do que noutra parte chamei "o problema da coisa em si" (que era mormente um problema de referência), a saber, ao problema da semântica dos conceitos de nôumeno, coisa em si e seus derivados. Mas não trato aqui, como outrora, das dificuldades envolvidas (Cf. Bonaccini, 2003).

8. KrV, A686ss-702/B714ss-730 (sobre a idéia regulativa de "unidade de toda conexão do mundo de acordo com princípios de uma unidade sistemática e teleológica", que permite pensar tudo como se tivesse sua origem numa inteligência suprema por analogia: A686ss/B714ss; sobre Deus pensado em analogia com os objetos da experiência: A696-7/B724-4). Cf. KrV A790/B818 (sobre o caráter das inferências por analogia); Prolegomena, §§57- 60 (Ak. 4: 350-365) (sobre a definição de analogia e seu uso para pensar o além-do-limite da experiência, Deus, etc.). Cf. Religion (Ak. 6: 171).

9. Sem pretender ser exaustivo, nos escritos de Kant há uma infinidade de exemplos do uso do termo analogia nos mais diversos contextos: Theorie des Himmels (Ak. 1: 235, 238, 244, 250, 253, 255, 275, 277, 284, 306, 311, 315, 330, 336, 345, 358, 360); Geschichte und Naturbeschreibung der merkwürdigsten Vorfälle des Erdbebens, welches an dem Ende des 1755sten... (Ak. 1: 459), Ak. 2: 8, 140, 147n, 150, 153, 200, 309, 322, 323, 337, 339), Kritik der reinen Vernunft, B (Ak. 3: 11, 160, 161,162, 166, 180, 228, 238, 277, 281, 382, 417, 420, 445, 447, 457, 458, 459, 514, 537, 543), Kritik der reinen Vernunft, A (Ak. 4: 123, 124, 128, 141, 182, 192, 229n, etc.); Prolegomena zu einer jeden künftigen Metaphysik (Ak. 3: 314, 335, 357, 357n, 358, 359, 361, 369); Grundlegung zur Metaphysik der Sitten (Ak. 3: 401n, 436, 437, 438, 459); Kritik der praktischen Vernunft (Ak. 5: 12, 57, 90, 91); Kritik der Urteilskraft (Ak. 5: 177, 181, 184, 193, 234, 246, 301, 303, 320, 323n, 324, 325, 352n, 353, 354, 356, 360, 375, 375n, 383, 390, 398, 418, 442, 456, 463, 464, 464n, 465, 484, 485); Die Religion (Ak. 6: 64n, 94, 138n 140n, 192); Metaphysik der Sitten (Ak. 6: 232, 233, 343, 370, 424, 440, 449), Anthropologie (Ak. 7: 146, 158, 169, 175, 180, 191, 212, 234, 255, 269, 286, 296); Recensionen von J. G. Herders Ideen (Ak. 8: 46, 52, 53, 56, 57); Menschenrace (Ak. 8: 103); Mutmaßlicher Anfang (Ak. 8: 109); Was heißt: Sich im Denken orientiren? (Ak. 8: 136); Über den Gebrauch teleologischer Principien (Ak. 8: 162, 167); Über den Gemeinspruch... (Ak. 8: 279n, 312); Zum ewigen Frieden (Ak. 8: 362, 384); vornehmen Ton (Ak. 8: 399n); Logik (Jäsche) (Ak. 9 : 62, 67n, 132, 133); Fortschritte (Ak. 20: 280); Metaphysik Dohna (Ak. 28: 696), etc., etc.

10. Penso sobretudo nos trabalhos de Marty (1980); Caimi (1989); Moschetti (1990); Longuenèse (1993); Freuler (1992). Cf. também Callahan (2008).

11. Bonaccini, 2007.

12. Tanto os estudiosos do direito [a coletânea de Patrick Nerhot (1991) dá uma boa idéia disso, sobretudo o artigo de Lenoble (pp. 118ss) ] quanto os da inteligência artificial (ver, por exemplo, Tiscornia 1995) têm percebido a relevância da analogia (neste caso, do raciocínio analógico).

13. Note-se que Kant distingue claramente indução e analogia (Logik [Jäsche], Ak. 9:132), de modo que ao imputar-se um conhecimento analógico à Antropologia é possível eximi-la da acusação de não ser "ciência" mas (quando muito) um conhecimento meramente geral por indução (Cf. R. 3282, 3283, Ak. 16: 757): acusação que, na verdade, o próprio Kant fizera a Hume. Vale lembrar que na introdução à Metafísica dos Costumes (MS) Kant declara que a física pode aceitar muitos princípios como universais com base na evidência empírica, quando se trata de abster-se de erros (!) (Ak. 6: 215).

14. Definições explícitas do conceito aparecem, por exemplo, na primeira crítica (A179-80/B222/223), nos Prolegomena, (§58n, Ak. 4: 350-365), e na terceira Crítica (§90, Ak. 5: 464, 464n).

15. Vide a nota 5. Também existe um uso semelhante do conceito de analogia para explicar o elo de ligação entre o princípio do juízo teleológico e o princípio do juízo estético, a saber, na medida em que os objetos de alguns juízos estéticos simbolizariam a sistematicidade da natureza postulada por aquele princípio (Chignell 2006, pp. 407ss). Sobre isso ver sobretudo a Introdução à terceira Crítica (VIII, Ak. 5:193). Cf. Munzel (1995, pp. 310ss).

16. Cf. Marty (1980), (1990) Moschetti (1990), Lenoble (1991), Munzel (1995), Callahan (2008).

17. Segundo Munzel (1995, p. 303-304), "analogia", no sentido usual, parece que "is based on a comparison of our intuitions of two or more things" (p. 303), de tal modo que a "[i]nference by analogy in its usual sense can only be drawn between two things which are of the same genus" (ibid., p. 304).

18. Felicitas Munzel sustenta que Kant modifica esse uso corrente (matemático) para permitir explicar o significado das idéias simbolicamente: Munzel acha que para responder o desafio de Hume (a saber, a objeção de antropomorfismo contra o argumento do desígnio), Kant abandonaria o sentido matemático da analogia (pp. 305-6). Assim, por exemplo, na analogia em que Deus ocupa o lugar de "X" (A/B como X/D), Deus (X) está para a humanidade (D) como as causas naturais (A) estão para seus efeitos (B), os termos não possuem o mesmo genus. Decerto, Kant não considera isso um conhecimento (Munzel 1995, p. 304ss), mas nos lembra (sobretudo nos Prolegômenos, §§ 57-60) que neste caso podemos pensar sua causalidade por analogia, como se o mundo se relacionasse com Deus do mesmo modo que os efeitos se relacionam com suas causas. Todavia, diferente de Munzel, penso que a definição de Kant de analogia como a semelhança não de duas coisas, mas de duas relações entre coisas, relações cujos termos são completamente diferentes (aRb é semelhante a cRd, ou: a/b como c/d) (§ 58n.) continua a ser uma espécie peculiar de proporcionalidade, seguindo um modelo matemático. Por outro lado, creio que Munzel tem toda razão ao acentuar que o uso da analogia terá na terceira crítica um novo importe prático para pensar a finalidade, a saber, como conhecimento simbólico enquanto determinação do objeto por analogia, de um modo que serve a nossos propósitos práticos: "The symbol expresses the relationship of the thing symbolized to me and serves, furthermore, the function of pointing me in the direction I need to go in order to achieve my goal — and that is all that I require in order to act in a way befitting my purpose" (pp. 307-8) . Cf. Metaphysik Dohna (Ak. 28: 696).

19. KrV, A179-80/B222-223 (Neste caso, como em todos os outros, as traduções são da minha inteira responsabilidade).

20. Callahan (2008, 9ss, 20ss) possui uma interpretação ligeiramente diferente dessa passagem.

21. Sobre isso ver Ashworth (1991) e (2004). Seria interessante refazer a história do conceito para verificar o quanto Kant deve à tradição clássica (e o quanto à escolástica medieval e renascentista) no uso que faz do conceito. Mas aqui não podemos nos deter nisso, em função do nosso escopo.

22. Prolegomena, §§ 57-58 (Ak. 4: 357).

23. Cf. Callahan: "Thus Kant's claim is that in analogy, the requirement is only that the relation that we are attributing to the object with unknown elements must be the same relation that holds of the object that we do know (...). It can be seen then that this notion of analogy as a "proportion of concepts" is broadly in keeping with the first characterisation of analogy - the inference of unknown properties is made by extending a relation between an object and its known properties to another object and its unknown properties (...). A further important point to note is that, insofar as analogy concerns the comparison of the relations between two sets of relation, there are then four items that are involved in the process of drawing analogies (2008, pp. 9-10)."

24. Munzel nota um uso diferente do termo Erkenntnis nos escritos de Kant (1995, p. 303 n.6), justamente neste sentido de conhecimento prático (praktische Erkenntnis).

25, KU § 90 (Ak. 5: 464n).

26. O primeiro caso, segundo Kant, corresponde ao uso do juízo teleológico na investigação da natureza, o segundo na apreciação estética da beleza. Creio que aqui não me afasto muito da interpretação de Munzel e Chignell. Mas, ainda assim, acrescentaria que uma variante dessa acepção deve estar em jogo na Antropologia do ponto de vista pragmático, a fim de permitir a analogia entre a minha natureza e a natureza dos outros homens como seres do mesmo gênero: tratar-se-ia de uma conhecimento para a ação, baseado na experiência, que me permitiria saber "a priori" certas coisas sobre meus congêneres. A outra acepção corresponderia ao uso "prático" do juízo teleológico, presente, por exemplo, no chamado "argumento moral" da existência de Deus. Um sentido prático análogo está presente quando se pensa no postulado da imortalidade: "Unsterblichkeit nach der analogie der Angemessenheit der völligen Entwikelung der Naturanlagen zu eines jeden Geschöpfs" (R. 3293, Ak. 16: 761).

27. KrV, B2-3. Ainda assim, não seria no sentido pleno ou forte, mas no sentido prático: daí sua importância para a Antropologia "do ponto de vista pragmático".

28. Assim, na R. 3290 (Ak. 16: 760) Kant diz: "Alle Menschen sind sterblich (g alle Planeten dunkele Körper): ein Schlus aus induction. Um der identitaet des medii termini willen. analogie". Isso significa que tenho um conhecimento empírico de caráter indutivo de uma propriedade essencial a todos meus congêneres: a mortalidade. Mas a identidade da humanidade nos homens, tal como é pensada pelo termo médio nas premissas maior ("Todos os homens são mortais") e menor ("Sócrates é um homen") em relação à conclusão ("Sócrates é mortal") pressupõe necessariamente uma analogia entre seres ou conceitos de seres de uma mesma espécie (Homem) para poder subsumir a menor sob a maior e afirmar a conclusão.

29. §59 (Ak. 5: 352). Cf. § 60 (Ak. 5: 356).

30. Ak. 20: 280. Cf. Reflexão 3294 (Ak. 16:761).

31. Cf. Munzel: "The critical sense of analogy (...) first provides the intuition required for meaningfulness or comprehension of our ideas of reason: since the object of the idea of reason lies beyond human sensible intuition, all that is left is analogy whereby we forge for ourselves some sort of grasp of the purely intelligible" (Munzel 1995, p. 303).

32. Ak. 6: 64-5n. Cf. R. 3294 (Ak. 16: 761).

33. Ak. 9: 132. Na Preleções de Lógica, Kant diz mais ou menos o mesmo, mas acrecenta depois: "Induction infers, then, from the particular to the universal (a particulari ad universale) according to the principle of universalization: What belongs to many things of a genus belongs to the remaining ones too. Analogy infers from particular to total similarity of two things, according to the principle of specification: Things of one genus, which we know to agree in much, also agree in what remains, with which we are familiar in some things of this genus but which we do not perceive in others. Induction extends the empirically given from the particular to the universal in regard to many objects, while analogy extends the given properties of one thing to several [other properties] of the very same thing[.] - One in many, hence in all: Induction; many in one (which are also in others), hence also what remains in the same thing: Analogy" (Lectures on Logic (trans. and ed. J. Michael Young), pp. 626-7, nota 1. Apud Callahan, 2008). Cf. Metaphysik L1 (Ak. 28:292); Metaphysik Dohna (Ak. 28:695-696); Handschriftlicher Nachlaß: Logik (Ak. 16: 753-761).

34. Veja-se KU, Einleitung IV (Ak. 5: 179ss). Cf. R. 3287, Ak. 16:759.

35. Ou quando os termos são conceitos que pretendem exprimir a essência das coisas em si mesmas e não as coisas em relação às condições de minha concepção.

36. "Die Urtheilskraft ist zwiefach: die bestimmende oder reflectirende Urtheilskraft. Die erstere geht vom Allgemeinen zum Besondern, die zweyte vom Besondern zum Allgemeinen. Die letztere hat nur subiective Gültigkeit. — (Schlus nach Analogie (g und induction ) ist logische praesumtion.) (s Sie sind principien des empirischen Verfahrens in Erweiterung. Wir können ein Wesen (was uns unbegreiflich) ist zwar nach der analogie denken, aber nicht nach aus einem Verhaltnisse gegebener Dinge auf dasselbe Verhaltnis unbekannter Wesen schließen." (R. 3287, Ak. 16:759).

37. É claro que uma interpretação instrumentalista das leis poderia negar este enunciado. Alguém poderia ainda dizer que a lei formulada pela teoria T foi refutada pelos fatos f1, f2, f3, que contrariaram suas previsões, ou falsificaram as hipóteses decorrentes de sua aceitação, etc., etc. Mas isso não é relevante para compreender a distinção em jogo entre leis naturais e leis práticas.

38. Há também juízos de valor de caráter estético, que não envolvem censura moral nem proibição legal ou imputação jurídica.

39. Veja-se meu Bonaccini, 2005. Nesta primeira parte apresento uma versão modificada do ponto essencial defendido naquele artigo para caracterizar o ponto de vista moral.

40. Cf. por exemplo, Ak. 6: 331-337.

41. Sobre a distinção entre a punição jurídica (forensis) e natural, veja-se Ak. 6: 331.

42. Cf. a próxima seção deste trabalho. Kant insere-se no contexto de uma tradição que defende um direito natural estrito, externo e ligado a coerção externa, a qual ele conhece via Baumgarten e Achenwall, e na qual se insere criticamente reinterpretando o que seria "externo". Sobre isso veja-se o trabalho de von der Pfordten (2007, 431ss).

43. Cf. Ak. 6: 216.

44. Cf. Kritik der praktischen Vernunft (KprV), (Ak. 5: 8n.).

45. Cf. MS, Ak. 6: 213-214.

46. Grundlegung, Ak. 6: 406-7.

47. "Handle so, daß die Maxime deines Willens jederzeit zugleich als Princip einer allgemeinen Gesetzgebung gelten könne" (KprV, Ak. 5: 30). Outra vantagem de evitar a Fundamentação é não ter que tomar partido, pelo menos aqui, sobre o problema das diferentes formulações do Imperativo Categórico.

48. Permite em princípio porque em cada caso particular, diz Kant na Fundamentação, nunca podemos estar certos de que nenhum interesse ou inclinação influenciou a nossa decisão, unindo o útil ao agradável, como se diz entre nós (Grundlegung, Ak. 4: 407).

49. Este problema parece ter ficado claro para Kant mais tarde. Pois na Metafísica dos Costumes (1797) (Ak. 6: 389) Kant dirá que só as máximas (não mais as intenções), i. é, as regras da conduta do agente (que em certo modo podem ser "inferidas" de suas escolhas), é que são imputáveis. Não mais as intenções, as Gesinnungen. A Ética, doravante, não dirige suas leis às ações, como o direito, mas às máximas das ações. Não obstante isso, nos Vorarbeiten zu Die Metaphysik der Sitten Kant mostra insegurança em relação a esse ponto, como é evidente pela hesitação entre identificar Gesinnung (intenção, disposição moral) ora com a máxima ("Die Gesinnung (maxime) eine[r] Handlung darum überhaupt...ist die Moralität des Subjects"), ora com o fundamento da máxima ("Diese Qvalität der Gesinnung (der Grund der Maxime) [de tomar o fim da ação como incentivo- J.B.] ist die Tugend (ethica rectitudo)...") (Ak. 23.3: 258).

50. Kant declara que embora nunca possamos estar completamente certos de que nenhum interesse ou inclinação influenciou a nossa decisão, o imperativo nos fornece o suficiente para julgarmos e agirmos moralmente: "Vielleicht mag nie ein Mensch seine erkannte und von ihm auch verehrte Pflicht ganz uneigennützig (ohne Beimischung anderer Triebfedern) ausgeübt haben; vielleicht wird auch nie einer bei der grössten Bestrebung so weit gelangen. Aber soviel er bei der sorgfältigen Selbstprüfung in sich wahrnehmen kann, nicht allein keiner solchen mitwirkenden Motive, sondern vielmehr der Selbstverleugnung in Ansehen vieler der Idee der Pflicht entgegenstehenden, mithin der Maxime, zu jener Reinigkeit hinzustreben, sich bewusst zu werden: das vermag er; und das ist auch für seine Pflichtbeobachtung genug (Über den Gemeinspruch: das mag in der Theorie richtig sein, taugt aber nicht für die Práxis, Ak. 8: 284-285). Devo a referência a essa passagem ao Prof. Dr. Valério Rohden. Cf. Ak. 6: 438.

51. Na Fundamentação da Metafísica dos Costumes não apenas a universalidade da lei moral é pensada em analogia com a lei da natureza (Ak. 4: 421), mas mesmo a possibilidade de um reino dos fins de acordo com as lei morais é pensada em analogia com o reino da natureza de acordo com as leis mecânicas da causalidade natural: "...Ein Reich der Zwecke ist also nur möglich nach der Analogie mit einem Reiche der Natur (o grifado é nosso)... Ein solches Reich der Zwecke würde nun durch Maximen, deren Regel der kategorische Imperativ allen vernünftigen Wesen vorschreibt, wirklich zu Stande kommen, wenn sie allgemein befolgt würden" (Ak. 4:438). Em contrapartida, na Introdução à Crítica da faculdade de julgar (IV) Kant dirá que a finalidade da natureza "é pensada em analogia com a finalidade prática" (Ak. 5: 181; Cf. 5: 246, 375). Sobre essa analogia, no mesmo texto da Fundamentação, Kant ainda menciona que: "Die Teleologie erwägt die Natur als ein Reich der Zwecke, die Moral ein mögliches Reich der Zwecke als ein Reich der Natur. Dort ist das Reich der Zwecke eine theoretische Idee zu Erklärung dessen, was da ist. Hier ist es eine praktische Idee, um das, was nicht da ist, aber durch unser Thun und Lassen wirklich werden kann, und zwar eben dieser Idee gemäß zu Stande zu bringen (Ak. 4:436n.)". Sobre isso, por exemplo, Bordum (2005, 854-865).

52. Cf. Ak. 4: 406-407 e Ak. 6: 215.

53. Sem referir-se a qualquer analogia, no início da Metafísica dos Costumes Kant menciona que deve frequentemente tomar por objeto, para a aplicação dos princípios a priori da filosofia prática, a natureza peculiar dos seres humanos, que apenas é conhecida por meio da experiência: "und wir werden oft die besondere Natur des Menschen, die nur durch Erfahrung erkannt wird, zum Gegenstande nehmen müssen, um an ihr die Folgerungen aus den allgemeinen moralischen Principien zu zeigen, ohne daß jedoch dadurch der Reinigkeit der letzteren etwas benommen, noch ihr Ursprung a priori dadurch zweifelhaft gemacht wird. - Das will so viel sagen als: eine Metaphysik der Sitten kann nicht auf Anthropologie gegründet, aber doch auf sie angewandt werden" (Ak. 6: 217). No prefácio da Antropologia, além disso, Kant ainda diz que "Alle Fortschritte in der Cultur, wodurch der Mensch seine Schule macht, haben das Ziel, diese erworbenen Kenntnisse und Geschicklichkeiten zum Gebrauch für die Welt anzuwenden; aber der wichtigste Gegenstand in derselben, auf den er jene verwenden kann, ist der Mensch: weil er sein eigener letzter Zweck ist" (Ak. 7: 119). Trata-se da célebre tese de que a Metafísica da moralidade não se funda na Antropologia, mas bem antes aplica-se a ela. Cf. Bonaccini 2007.

54. Cf. Ak. 6: 242: "Die oberste Eintheilung des Naturrechts kann nicht (wie bisweilen geschieht) die in das natürliche und gesellschaftliche, sondern muß die ins natürliche und bürgerliche Recht sein: deren das erstere das Privatrecht, das zweite das öffentliche Recht genannt wird. Denn dem Naturzustande ist nicht der gesellschaftliche, sondern der bürgerliche entgegengesetzt: weil es in jenem zwar gar wohl Gesellschaft geben kann, aber nur keine bürgerliche (durch öffentliche Gesetze das Mein und Dein sichernde), daher das Recht in dem ersteren das Privatrecht heißt."

55. M. Gregor sugere essa idéia (1991, p.7).

56. Sobre isso, veja-se Terra (1995).

57. Cf. M. Gregor (1991, pp. 9-10).

58. Terra também apresenta a distinção entre a doutrina do direito e a doutrina da virtude com base nos diferentes fundamentos de cada legislação (2005, p. 90).

59. Cf. Pinheiro (2007, pp. 16, 23-4). Ver ainda Lima (2005, p. ). Loparic traduz recht e unrecht por legítimo e não-legítimo, respectivamente (2005, p. 7).

60. Nesse sentido existem para Kant certos deveres jurídicos que são ditos internos (Cf. Heck 2004, sobretudo p. 60)

61. "§ E. Das stricte Recht kann auch als die Möglichkeit eines mit jedermanns Freiheit nach allgemeinen Gesetzen zusammenstimmenden durchgängigen wechselseitigen Zwanges vorgestellt werden." (Ak. 6: 232). Cf. Ak. 6: 234.

62. Cf. Ak. 6: 252-253. Cf. Ak. 6: 224, onde Kant distingue leis externas que pode ser conhecidas a priori ("naturais") de leis externas que precisam de legislação externa real ("positivas") (que precisam ser promulgadas e, presumo, só podem ser conhecidas a posteriori): "Überhaupt heißen die verbindenden Gesetze, für die eine äußere Gesetzgebung möglich ist, äußere Gesetze (leges externae). Unter diesen sind diejenigen, zu denen die Verbindlichkeit auch ohne äußere Gesetzgebung a priori durch die Vernunft erkannt werden kann, zwar äußere, aber natürliche Gesetze; diejenigen dagegen, die ohne wirkliche äußere Gesetzgebung gar nicht verbinden (also ohne die letztere nicht Gesetze sein würden), heißen positive Gesetze. Es kann also eine äußere Gesetzgebung gedacht werden, die lauter positive Gesetze enthielte; alsdann aber müßte doch ein natürliches Gesetz vorausgehen, welches die Autorität des Gesetzgebers (d. i. die Befugniß, durch seine bloße Willkür andere zu verbinden) begründete."

63. Cf. Pinheiro (2007, p. 23); Ver ainda Höffe (2006, p. 19ss).

64. Veja-se sobre isso Bonaccini, 2007b. Ver também o trabalho do meu aluno, Leonardo Oliveira Freire (2007, pp. 32ss).

65. Cf. Ak. 6: 406-407: aqui é o conceito de liberdade que impõe dividir nossos deveres em morais e jurídicos, internos e externos. Se se atentar para seu significado, ver-se-á que se trata do conceito moral de liberdade como autolegislação, que dá origem tanto à legislação interna comoà interna.

66. Ak. 6: 214.

67. Cf. Loparic: "Do ponto de vista da origem da obrigatoriedade, a legislação moral é dividida em jurídica e ética. Na primeira, a origem da obrigatoriedade é a coerção externa; na segunda, a coerção interna. Seguese daí que a legislação jurídica concerne tão-somente ao uso externo..." (2005, p. 273n).

68. Conforme fora mencionado, na Doutrina da Virtude Kant defende que enquanto o Direito fornece leis para as ações, a ética fornece leis para as máximas (Ak. 6: 388-389).

69. Sobre isso ver Terra (1995, p.77).

70. Ak. 6: 239, 242. Cf. Ak. 6: 419.

71. "Handle aüsserlich so, da? der freie Gebrauch deiner Willkühr mit der Freiheit von jedermann nach einem allgemeinen Gesetze zusammen bestehen könne..."(Ak. 6: 231). A rigor, poder-se-ia estabelecer uma tênue diferença conceitual entre o princípio universal do direito, tal como é definido por Kant logo depois de definir o conceito de direito (em Ak. 6: 230), e o próprio imperativo que na seqüência é derivado analiticamente de seu conceito (em Ak. 6: 231).

72. "Handle so, daß die Maxime deines Willens jederzeit zugleich als Princip einer allgemeinen Gesetzgebung gelten könne" (KprV, Ak. 5: 30). Outra vantagem de evitar a Fundamentação é não ter que tomar partido, pelo menos aqui, sobre o problema das diferentes formulações do Imperativo Categórico.

73. Ak. 6:230. Aqui pode ser feita uma analogia entre o papel do princípio fundamental do Direito na filosofia de Kant e a "norma fundamental" na Teoria Pura do Direito de H. Kelsen: o princípio a priori do Direito está para a filosofia de Kant tal como a norma fundamental está para a teoria de Kelsen. As teorias são diversas, os princípios em questão também, mas a relação de fundamentação que cada um estabelece em sua respectiva teoria é análoga. Cf. Kelsen (1960, pp. 402ss).

74. Ak. 6: 231. Segundo Loparic (2005), o princípio do direito "difere do imperativo categórico da moral em pelo menos dois pontos. Primeiro, ele não exige que eu mesmo deva restringir a minha liberdade pelas máximas do direito, tal como a lei moral me pede para agir segundo o dever, mas diz apenas "que ela [a minha liberdade], na sua idéia, é restringida por essa condição e que é lícito que seja efetivamente restringida pelos outros" (idem). Segundo, as máximas da ação legítima não precisam ser, tal como as máximas morais, elas próprias princípios de legislação universal, mas tão-somente compatíveis com uma lei universal da razão prática" (nota 18).

75. Cf. Ak. 6:229s. É preciso salientar que embora Kant não seja explícito sua teoria implica uma distinção entre a legalidade (i) do ponto de vista da ação externamente conforme a leis morais e o que se poderia chamar de legalidade (ii) das ações como conformidade a leis positivas.

76. Cf. von der Pfordten 2007, sobretudo pp. 440-442.

77. De certo modo, trata-se no Direito de uma "determinada perspectiva da lei moral que abstrai da função única da lei moral enquanto motivo da ação" (von der Pfordten 2007, p. 441).

78. Para Kant o direito positivo funda sua autoridade no direito natural:"Es kann also eine äußere Gesetzgebung gedacht werden, die lauter positive Gesetze enthielte; alsdann aber müßte doch ein natürliches Gesetz vorausgehen, welches die Autorität des Gesetzgebers (d. i. die Befugniß, durch seine bloße Willkür andere zu verbinden) begründete." (Ak. 6: 224).

79. Sobre o conceito do direito como conceito moral veja-se Loparic (2005). Cf. Ak. 6: 230: "Der Begriff des Rechts, sofern er sich auf eine ihm correspondirende Verbindlichkeit bezieht, (d. i. der moralische Begriff desselben) betrifft erstlich nur das äußere und zwar praktische Verhältnis einer Person gegen eine andere, sofern ihre Handlungen als Facta aufeinander (unmittelbar oder mittelbar) Einfluß haben können".

80. "Es folgt hieraus auch: daß nicht verlangt werden kann, daß dieses Princip aller Maximen selbst wiederum meine Maxime sei, d. i. daß ich es mir zur Maxime meiner Handlung mache" (Ak. 6: 231).

81. "Das Recht ist also der Inbegriff der Bedingungen, unter denen die Willkür des einen mit der Willkür des andern nach einem allgemeinen Gesetze der Freiheit zusammen vereinigt werden kann." (Ak. 6: 230).

82. Ak. 6: 230: "Wenn also meine Handlung, oder überhaupt mein Zustand mit der Freiheit von jedermann nach einem allgemeinen Gesetze zusammen bestehen kann, so thut der mir Unrecht, der mich daran hindert; denn dieses Hinderniß (dieser Widerstand) kann mit der Freiheit nach allgemeinen Gesetzen nicht bestehen."

83. Ak 6: 230-1: "...denn dieses Hinderniß (dieser Widerstand) kann mit der Freiheit nach allgemeinen Gesetzen nicht bestehen".

84. Ak 6: 231: "Der Widerstand, der dem Hindernisse einer Wirkung entgegengesetzt wird, ist eine Beförderung dieser Wirkung und stimmt mit ihr zusammen. Nun ist alles, was unrecht ist, ein Hinderniß der Freiheit nach allgemeinen Gesetzen: der Zwang aber ist ein Hinderniß oder Widerstand, der der Freiheit geschieht. Folglich: wenn ein gewisser Gebrauch der Freiheit selbst ein Hinderniß der Freiheit nach allgemeinen Gesetzen (d. i. unrecht) ist, so ist der Zwang, der diesem entgegengesetzt wird, als Verhinderung eines Hindernisses der Freiheit mit der Freiheit nach allgemeinen Gesetzen zusammen stimmend, d. i. recht: mithin ist mit dem Rechte zugleich eine Befugniß, den, der ihm Abbruch thut, zu zwingen, nach dem Satze des Widerspruchs verknüpft.".

85. Cf. Ak. 6: 232: "Ein strictes (enges) Recht kann man also nur das völlig äußere nennen. Dieses gründet sich nun zwar auf dem Bewußtsein der Verbindlichkeit eines jeden nach dem Gesetze; aber die Willkür darnach zu bestimmen, darf und kann es, wenn es rein sein soll, sich auf dieses Bewußtsein als Triebfeder nicht berufen, sondern fußt sich deshalb auf dem Princip der Möglichkeit eines äußeren Zwanges, der mit der Freiheit von jedermann nach allgemeinen Gesetzen zusammen bestehen kann".

86. Ak. 6: 232: "Ein strictes (enges) Recht ...fußt sich deshalb auf dem Princip der Möglichkeit eines äußeren Zwanges, der mit der Freiheit von jedermann nach allgemeinen Gesetzen zusammen bestehen kann."

87. Ak. 6:232. Cf. Heck: "A conclusão de Kant, segundo a qual o direito e a faculdade de coagir significam, portanto, uma e igual mesma coisa, "Recht und Befugnis zu zwingen bedeutem also einerlei" parte do princípio de que a lei que alguém usa para agir de acordo ela é idêntica à lei que justifica moralmente medidas coercitivas contra seu usuário" (Heck 2000, p. 64).

88. Ak. 6: 232.

89. Kritik der Urteilskraft, §90 (Ak. 5: 464).

90. Ak. 4: 357-8n. Sobre essa analogia ver: Moggach (1998) e Heck (2000). Loparic (2005) defende que essa analogia permite sensificar indiretamente (i.é, esquematizar simbolicamente) a semântica dos conceitos a priori de legitimidade e coercitividade, em analogia com a terceira analogia da primeira crítica.

91. Ak. 6:449.

92. "Nur in der empirischen Naturwissenschaft können Muthmaßungen (vermittelst der Induction und Analogie) gelitten werden, doch so, daß wenigstens die Möglichkeit dessen, was ich annehme, völlig gewiß sein muß" (Ak. 4: 369). Isso, bem entendido, poderia permitir estender a analogia à Antropologia, para explicar em que medida poderia ser uma "ciência empírica" como tentei sugerir noutra parte (Bonaccini, 2007).

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Recibido el 03/06/08;
Aceptado el 06/10/08.

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