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Cuadernos del CILHA

versión On-line ISSN 1852-9615

Cuad. CILHA vol.15 no.1 Mendoza jun. 2014

 

MISCELÁNEAS

A ilusão biográfica e a busca de um sentido argentino ou latino-americano na autobiografia de Libertad Lamarque

The biographical illusion and the search for Argentinean and Latin American significance in the autobiography of Libertad Lamarque

 

Alessander Kerber

Univeridade Federal do Rio Grande do Sul
Brasil
alekerber@yahoo.com.br

 

Recibido: 19/I/2014
Aceptado: 10/IV/2014

 


Resumo: Partindo-se da abordagem acerca da biografia como uma forma de representação do sujeito construída a partir das relações entre a memória e a identidade, ambas efêmeras e definidas a partir de sua relação com determinado contexto histórico, como proposto por autores como Pierre Bourdieu e Roger Chartier, propõe-se uma análise das biografias de Libertad Lamarque, em especial, de sua autobiografia publicada aos 60 anos de carreira, em 1986. Libertad foi uma das artistas de maior sucesso no teatro, rádio, cinema e indústria fonográfica na Argentina entre o final dos anos 1920 e 1945, quando, por supostos conflitos com Eva Perón, não obteve mais trabalho neste país e mudou-se para o México. Em sua autobiografia, a artista utilizou-se de diversas estratégias discursivas para construir determinada versão acerca da identidade nacional argentina e de identidades de nações latino-americanas e associar a sua própria identidade a estas versões. Pretende-se, desta forma, contribuir para as discussões acerca de como foram construídas e massificadas determinadas versões acerca das identidades nacionais de países da América Latina enfocando as lutas de representações presentes nestes processos.

Palavras-chave: Identidade nacional; Biografia; Libertad Lamarque.

Abstract: Starting from the idea that biography as a form of representation of the subject constructed from the relationship between memory and identity, both ephemeral and defined from their relationship with a particular historical context, as proposed by authors such as Pierre Bourdieu and Roger Chartier, we propose an analysis of biographies of Libertad Lamarque, in particular his autobiography published after 60 year career, in 1986. Libertad was one of the most successful artists in theater, radio, cinema and music industry in Argentina between 1920s and 1945, when, for alleged conflicts with Eva Peron, did not get more work in this country and migrate to Mexico. In his autobiography, the artist used different discursive strategies to make a certain version about the Argentine national identity and the identities of the Latin American nations and associate their identity with these versions. We intended to contribute to discussions about how they were make and massed on certain versions of the national identities of the countries of Latin America focusing on the struggles of representations present in these processes.

Keywords: National identity; Biography; Libertad Lamarque.


 

Em seu livro "Nações e nacionalismos desde 1780", Eric Hobsbawm (1990: 159) define o período de apogeu dos nacionalismos no mundo entre 1918 e 1950, ou seja, justamente entre o final da Primeira Guerra Mundial e o final da Segunda. Em diversos países da América Latina, esse período é marcado por um grande processo de renegociação e redefinição das representações da identidade nacional. Nesse contexto, também surgiram os primeiros artistas que se tornaram ídolos nacionais, tendo suas músicas e imagens difundidas em várias regiões e entre diversos grupos étnicos, especialmente através dos novos meios de comunicação que se massificavam nessa época: o rádio, o cinema e a indústria fonográfica. Alguns destes artistas, justamente por circular entre meios culturais distintos, participaram como mediadores do processo da construção de uma nova síntese identitária nacional1.

No presente artigo, proponho analisar o caso de uma das mais famosas artistas a "atuar" nesse processo de mediação e definição de determinada versão acerca da identidade nacional argentina: Libertad Lamarque. Ela gravou discos, atuou no rádio e no cinema na Argentina de 1926 a 1945 quando, provavelmente por conflitos com Evita Perón, não conseguiu mais convites para atuar naquele país2. Esse período não demarca apenas a trajetória da artista, mas um período marcado, na história argentina, por um processo de "lutas de representação", como as define Roger Chartier (1990), para a redefinição dos símbolos da identidade nacional. Nesse processo de lutas de representação, alguns símbolos de identidades3 populares, étnicas e regionais, anteriormente excluídos das representações nacionais, passam a ser apresentados como legitimamemente nacionais e, às vezes, síntese da própria nação.

Mais especificamente, proponho uma análise das biografias de Libertad Lamarque, tomadas aqui como fontes principais desta pesquisa, em especial, sua autobiografia publicada em 1986, utilizando, para tanto, os conceitos de representação e de identidade, no sentido proposto por Chartier (1990, 2002) Bourdieu (1989, 1996, 2006) e Pollak (1992).

Bourdieu aponta para a "história de vida" ser uma dessas noções do senso comum que entram como contrabando no universo científico. Conforme ele:

Falar de história de vida é pelo menos pressupor "e isso não é pouco" que a vida é uma história e que, como no título de Maupassant, Uma vida, uma vida é inseparavelmente o conjunto dos acontecimentos de uma existência individual concebida como uma história e o relato dessa história. É exatamente o que diz o senso comum, isto é, a linguagem simples, que descreve a vida como um caminho, uma estrada, uma carreira, com suas encruzilhadas (Hércules entre o vício e a virtude), e seus ardis, até mesmo suas emboscadas (Jules Romains fala das "sucessivas emboscadasdos concursos e dos exames"), ou como um encaminhamento, isto é, um caminho que percorremos e que deve ser percorrido, um trajeto, uma corrida, um cursus, uma passagem, uma viagem, um percurso orientado, um deslocamento linear, unidirecional (a "mobilidade"), que tem um começo ("uma estréia na vida"), etapas e um fim, no duplo sentido, de término e de finalidade ("ele fará seu caminho' significa ele terá êxito, fará uma vela carreira", um fim da história (1996: 183).

Bourdieu ressalta que o relato autobiográfico se baseia sempre, ou pelo menos em parte, na preocupação de dar sentido, de tornar razoável, de extrair uma lógica ao mesmo tempo retrospectiva e prospectiva, uma consistência e uma constância, estabelecendo relações inteligíveis. Essa propensão a tornar-se o ideólogo de sua própria vida, selecionando, em função de uma intenção global, certos acontecimentos significativos e estabelecendo entre eles conexões para lhes dar coerência, como as que implica a sua instituição como causas ou, com mais freqüência, como fins, conta com a cumplicidade natural dos biógrafos, que, a começar por suas disposições de profissional da interpretação, só pode ser levado a aceitar essa criação artificial de sentido" (184-185). Nessa perspectiva, procedeu-se uma leitura das biografias e, em especial, da autobiografia de Libertad, buscando interpretar as escolhas feitas ao construir uma representação biográfica acerca dela dentro de determinados contextos históricos a partir de uma articulação com bibliografia acadêmica recente acerca que se propõe a explicar esses contextos.

Roger Chartier (1990, 2002) afirma que, na compreensão do real, há um processo de significação e associação com símbolos já existentes no imaginário daquele grupo. Uma realidade, assim, nunca é apreendida de forma pura, sempre é apropriada e simbolizada pelos grupos que dela se aproximam. E é nesta atribuição de sentido que percebemos que as representações não são "ingênuas". Apesar de se proporem a uma aproximação com a realidade, sempre são influenciadas pelos interesses de grupo que as produzem.

Uma identidade se expressa, justamente, através de representações que definem a idéia e o sentimento de pertencer a um grupo. Assim, ela é, ao mesmo tempo, sentimento e idéia, é sentida e pensada enquanto formulação de uma imagem de si mesmo, ou seja, como auto-representação. Essa consciência de si através de representações impõe limites às práticas sociais dos indivíduos. Esses limites se dão em torno das fronteiras entre um grupo e outro. Uma identidade se forma, assim, além da percepção das representações comuns, entre o grupo, através da percepção da diferença, em relação ao outro grupo, ou seja, em uma relação de alteridade.

Uma identidade nacional se forma através de um sentimento e idéia de pertencimento a uma nação. Anderson define que a nação não existe em outra instância senão no imaginário de uma comunidade, ela é:

[...] uma comunidade política imaginada -e imaginada como implicitamente limitada e soberana. Ela é imaginada porque nem mesmo os membros das menores nações jamais conhecerão a maioria dos seus compatriotas, nem os encontrarão, nem sequer ouvirão falar deles, embora na mente de cada um esteja viva a imagem de sua comunhão [...] é imaginada como limitada, porque até mesmo a maior delas, que abarca talvez um bilhão de seres humanos, possui fronteiras finitas, ainda que elásticas, para além das quais encontram-se as outras nações. Nenhuma nação se imagina coextensiva com a humanidade. [...] É imaginada como soberana, porque o conceito nasceu numa época em que o Iluminismo e a Revolução estavam destruindo a legitimidade do reino dinástico hierárquico divinamente instituído. [...] é imaginada como comunidade porque, sem considerar a desigualdade e exploração que atualmente prevalecem em todas elas, a nação é sempre concebida como um companheirismo profundo e horizontal. Em última análise, essa fraternidade é que torna possível, no correr dos últimos dois séculos, que tantos milhões de pessoas, não só se matem, mas morram voluntariamente por imaginações tão limitadas (2008: 14-16).

Esta comunidade imaginada se identifica a partir de uma série de representações. Anne-Marie Thiesse (2001/2002: 8-9) explica como, a partir do século XIX, foram criadas as identidades nacionais como as conhecemos na atualidade, sendo definidas "check lists", códigos de símbolos internacionais que definem o que todas as nações devem ter: uma história estabelecendo a continuidade da nação; uma série de heróis modelos dos valores nacionais; uma língua; monumentos culturais; um folclore; lugares memoráveis e uma paisagem típica; uma mentalidade particular; identificações pitorescas -costumes, especialidades culinárias ou animal emblemático". Estes símbolos não são apenas uma superficial lista de adornos, mas são essenciais para a auto-representação das pessoas que se identificam com a nação.

O contexto no qual Libertad Lamarque realizou sua trajetória artística na Argentina, além de ser marcado pela emergência do rádio, do cinema e da indústria fonográfica, também foi marcado por grandes mudanças sociais e políticas, as quais influenciaram sobre o processo de lutas de representação e reconstrução de uma versão socialmente conhecida e aceita acerca da identidade nacional. Parto do pressuposto de que o Estado não determina a Nação, mas que o processo político influencia e é influenciado pelas definições socialmente aceitas acerca da identidade nacional. Na Argentina, o processo de inclusão política de segmentos sociais excluídos não ocorreu através de uma revolução4, mas da vitória eleitoral Hipólito Yrigoyen, da União Cívica Radical. Os governos de Yrigoyen, na Argentina (1916-1922 e 1926-1930), inauguraram uma nova relação entre Estado e trabalhadores e iniciaram um apelo para uma política de massas, trazendo, para o cenário político, segmentos sociais não pertencentes às elites tradicionais.

Obviamente que o caráter popular no governo Yrigoyen não foi tão explícito quanto no posterior governo Perón. Poder-se-ia afirmar que as condições históricas que proporcionaram o apoio de uma classe operária a Perón não existiam no contexto de Yrigoyen, porém isso não impossibilita identificar a emergência de segmentos populares através deste último presidente. Como afirmam Fausto e Devoto:

Ao contrário do que ocorreria com Perón, Yrigoyen não conseguiu obter o apoio da classe operária organizada, embora tivesse votos em amplos setores populares. Em seus primeiros anos de governo, realizou uma política de calculada aproximação com os sindicatos e os trabalhadores em geral, na qual se desenhava a intenção de atribuir ao Estado um papel ativo de articulador das relações entre operários e patrões (2004: 238).

Romero divide em três etapas a inclusão de setores populares na política e na representação nacional. A primeira etapa, que se estenderia de 1880 a 1910, foi caracterizada pela imigração massiva que "modificó sustancialmente la fisonomía de los sectores populares -mucho más que la de la elite" (1989: 33). Romero enfoca elementos que uniam a diversidade existente entre estes segmentos populares, que abarcavam os "gauchos", os diversos grupos populares que já habitavam as "orillas"5 de Buenos Aires e os diversos grupos étnicos que vinham da Europa:

Los unía la común inestabilidad ocupacional, o el hacinamiento en los conventillos del centro o de la Boca, cerca de sus trabajos (cosa indispensable en una ciudad sin medios masivos de transporte, y unas condiciones de vida muy duras para todos. Esas condiciones, y la espontánea necesidad de cooperación, empujaron a la constitución de las mutuales, las asociaciones por nacionalidades, las sociedades de resistencia, los primeros sindicactos por oficio, y otras muchas formas asociativas [...] De la suma de estos elementos, y en una coyuntura de alta conflictividad, cristalizó la identidad inicial de los sectores populares porteños. Se definieron como trabajadores [...] y como contestatarios de un sistema que creían se podía derribar para construir sobre sus ruinas uno más justo y más racional, que permitiera un desarrollo más pleno de las potencialidades humanas de los oprimidos. Esta identidad daba el tono general a un conjunto social en el que no faltaban, naturalmente, quienes confiaban en su capacidad para adecuarse a la sociedad existente y prosperar en ella. Pero la contestación dominaba sobre la adaptación (1989: 34-36).

Obviamente, este domínio da contestação foi elemento fundamental para, pouco depois, ter sido eleito Yrigoyen e a UCR, entrando no que Romero define como segunda etapa da história dos setores populares, que coincide com o período do sucesso de Libertad Lamarque na Argentina, transcorrendo nas décadas de 1910, 1920 e 1930. Afirma, ele, que, depois do "Centenário", em 1910, e mais claramente, depois da Primeira Guerra, o "clima" dos setores populares mudou substancialmente, impulsionado pelas mudanças políticas geradas pela lei Sáenz Peña:

La mobilidad social, o su imagen, unida a las transformaciones ecológicas, dio lugar a las nuevas sociedades constituidas en los barrios. Fue una sociedad popular, entes que específicamente trabajadora, y el arco social que se identifica con ella, difícil de circunscribir en categorías ocupacionales o en relaciones de clase, penetra profundamente en lo que luego se llamaría las clases medias. La integraban muchos trabajadores, pero con ellos pequeños comerciantes, maestros, profesionales de barrio, dueños de talleres, y también todo tipo de desocupados [...] (Romero, 1989: 36).

Este processo político teve conseqüência sobre a versão construída sobre a identidade nacional, pois estes grupos sociais não pertencentes às elites tradicionais tiveram, a partir de então, mais força para impor as representações de suas identidades como nacionais. Ao comparar os casos argentino, brasileiro e mexicano e analisar os discursos de Yrigoyen, Vargas e Madero, Wasserman afirma que:

Operários, setores médios urbanos, camponeses, oligarquias periféricas e descontentes, burguesia industrial incipiente e abandonados em geral pelo sistema, levantaram-se contra as oligarquias ao mesmo tempo em que se apresentava a vulnerabilidade do sitema econômico. Madero, Yrigoyen e Vargas indicavam o caminho da ordem constitucional, da participação política e do sufrágio universal como panacéias para os males da Nação e, assim, passaram a "encarnar a vontade geral", como se fossem os "salvadores da Pátria". [...] Os discursos antioligárquicos de Madero, Vargas e Yrigoyen acabaram funcionando como referências básicas no imaginário constitutivo de seus países. Conhecidos como "apóstolo de la democracia", "pai dos pobres" e "defensor del pueblo", foram responsáveis por discursos e práticas que instauravam um novo sentido à Nação e aos sentimentos de pertencimento (2002: 171-173).

As identidades nacionais, ao serem construídas, tiveram de ser relacionadas a outras identidades já existentes anteriormente. Entre a população argentina havia identidades étnicas com as quais a identidades nacional precisaria dialogar no sentido de construir uma representação homogênea da população.

Ao analisar a formação étnica argentina e suas conseqüências sobre o tango (estilo musical em relação ao qual Libertad Lamarque recebeu, em 1931, o título de "Reina"), Martinez, Etchegaray e Molinari identificam dois grandes processos de choque cultural. O primeiro seria o transcorrido durante o período colonial no violento encontro entre os espanhóis e as populações nativas americanas. O segundo grande choque ocorreu quando do intenso processo de imigração européia entre o final do século XIX e início do XX (2000: 150).

Nos primeiros capítulos de sua autobiografia, Libertad dedica-se especialmente a discorrer acerta de seus ancestrais imigrantes. Identifica sua avó paterna como uma mulher que nasceu na França e imigrou para Montevidéu. Ela era professora em uma escola e se casou com seu avô, o veterinário Juan Lamarque. Os dois imigraram para o Uruguai, país aonde nasceu seu pai, Gaudencio Lamarque. 

Na Argentina, esses imigrantes de diversas etnias construíram, em geral, identidades associadas à exclusão, no decorrer do século XIX. Eram, em sua maioria, pessoas sem instrução profissional, fator que influenciava em sua colocação em estratos inferiores na ordem econômica. Apesar da tentativa de Libertad afirmar-se como pobre, afirmação recorrente no decorrer dos primeiros capítulos de sua autobiografia, é observável que as profissões de seus avós imigrantes não estão entre as existentes entre os segmentos efetivamente mais pobres da população (professora e veterinário). É mais adequado situá-los entre segmentos médios urbanos de imigrantes, os quais tiveram sua ascensão política na Argentina a partir da lei Saenz Peña, de 1912, que permitiu com que os imigrantes votassem, e com a vitória eleitoral da União Cívica Radical em 1916, partido que justamente aglutinava e representava esses segmentos da população.

É significativo observar, também, que a descendência imigrante de Libertad e seu sobrenome remetem, justamente, a um grupo valorizado na Argentina. Otero, ao analisar a imigração francesa para a argentina e sua integração nessa sociedade, afirma que "Os franceses caracterizaram-se por ser um dos grupos de mais rápida integração na sociedade receptora" (1999: 145). Provavelmente, essa origem francesa de Libertad foi elemento simbólico que auxiliou no processo de representar-se como argentina e ser aceita e, inclusive, valorizada como tal.

Libertad servia também aos padrões estéticos de beleza das elites argentinas, além de ter, em sua imagem, o jeito sofisticado delas. Assimilava, por outro lado, elementos simbólicos associados aos segmentos populares, como o próprio tango. Dessa forma, Lamarque apresentou (e tornou-se) versão possível sobre a identidade nacional da Argentina, tendo elementos simbólicos que lhes permitiam a aceitação das elites e de diversos segmentos populares, e essa versão a artista se propõe a explicar e reforçar ao escrever sua autobiografia.

O processo imigratório, desencadeado especialmente a partir do final do século XIX, também serviu, conforme Martinez, Etchegaray e Molinari, para aprofundar a divisão regional do país, pois se situou especialmente nas zonas urbanas. São interesantes, nesse sentido, os dados estatísticos apresentados pelos autores:

[...] hacia los finales del siglo XIX, el área capitalina poseía una mayoría de población extranjera (52%), la provincia de Buenos Aires un 30%, Santa Fe un 40%, y Entre Ríos, Córdoba y Mendoza, alrededor del 20%. Mientras que las provincias del noroeste apenas si llegaban a un 2 o 3% de extranjeros. Una excepción era Jujuy con un alto porcentaje de extranjeros, pero no de origen europeo sino boliviano (Martinez; Etchegaray; Molinari, 2000: 161).

As relações entre o nacional e o regional na escolha de representações musicais da nação foram espaço de disputa na Argentina. Nesse sentido, em relação ao tango, fileiras de autores formaram-se contra a idéia de Ibarguren (1999), que sustentava que o tango não era argentino e sim um mero produto da mestiçagem ocorrida nas "orillas" de Buenos Aires. Autores como Ferrer (1999) e Sabato (2005) criticam esta noção, afirmando ser, o tango, um produto autenticamente argentino:

Pero que si es cierto que el tango es un producto del hibridaje, es falso que no sea argentino; ya que, para bien y para mal, no hay pueblos platónicamente puros [...] Negar la argentinidad del tango es acto tan patéticamente suicida como negar la existencia de Buenos Aires (Sabato, 2005: 12).

A aceitação do tango como representação nacional argentina foi resultado de um amplo processo de negociação, de lutas simbólicas e de afirmação de algumas das identidades em relação a outras6. Há uma vastíssima produção bibliográfica acerca da história do tango e de sua "argentinidade". Essa produção se dá tanto no âmbito acadêmico, em diversas áreas do conhecimento, como a história, a música, a literatura, a sociologia e a antropologia, como fora dele. Libertad Lamarque é referida em boa parte desta produção, apesar de não haver pesquisas que tratem especificamente do caso dela, como é o que se pretende neste artigo.

Conforme Saikin (2004: 181), a cantora Azucena Maizani cantava tangos muito masculinos e vestia, quase sempre, seguindo uma tradição iniciada com Pepita Avellaneda, roupas de homem. Segundo a autora, a participação feminina na interpretação do tango implicou, desde seus inícios, em um fenômeno de mascaramento, havendo muitas cantoras que subíam ao palco vestidas de homem. Para Horacio Salas (2004: 232), a Libertad Lamarque representou uma mudança nesta tradição. Ela representava o arquétipo feminino canônico  da mulher que pretendia imitar os modos da classe alta. Em suas palavras: "La mujer que encarna Lamarque no es la cabaretera de los años 1920, imagen del pecado, falsa y licenciosa para quien el engaño, además de una característica del oficio, es una constante inherente a la condición femenina; muy al contrario, ella canta desde los sufrimientos de la mujer casada".

A obra musical, fílmica e biográfica de Libertad Lamarque permitem com que se levante a hipótese de que a artista teve um papel na aceitação do tango por segmentos sociais médios e de elite na Argentina, auxiliando no processo de afirmação do tango como síntese da identidade nacional argentina. Conforme a própria Libertad:

Yo tenía conciencia de que mi temperamento podría ser un impedimiento para cantar en determinado estilo. Gardel fue el maestro indiscutido, pero yo no podía seguir sus pasos cantando temas bravios o malevos, como tan bien lo hacian otras cantantes. Empecé muy joven y tenía cierta frágil femineidad que me fue volcando imperceptiblemente en un tango canción y en una interpretación peculiar (Lamarque, APUD Alvarez: 50).

Especificamente sobre Libertad, há duas publicações, além de sua autobiografia. A primeira, publicada quando se comemorava os 50 anos de sua carreira, é assinada por Salvador Valverde, tendo como colaboradores Oscar Gerdin e Jorge Lalauci, intitulada "Libertad de América". A segunda, de José Gobello, fundador e presidente da Academia Porteña de Lunfardo, e Marcelo Héctor Oliveri, intitulada "Libertad Lamarque - la novia de América", publicada em 2001. Além do título das duas publicações se assemelharem, a narrativa de ambos centra-se nos "triunfos" de Libertad em "toda" a América Latina. Gobello já começa seu texto dizendo que ela merece o título de "Novia de América" pois triunfou em toda a "area latina" (2). O afirma que Libertad foi, como outras cantoras de tango da época, uma transgressora por triunfar em um ambiente machista e salienta, em comparação com estas outras cantoras, uma especificidade de Lamarque que foi seu grande sucesso não apenas na Argentina mas no exterior.

Na perspectiva de não render-me à "ilusão biográfica" de encontrar esse sentido argentino ou latino-americano de Libertad, observo que, até 1945, a artista apresentava, em suas gravações fonográficas e fílmicas, um "projeto" de representar a Argentina. Parece ter sido justamente sua saída da Argentina para radicar-se no México em 1945 que mudou, em certa medida, esse projeto. Na sua autobiografia de 1986, como vamos observar, há uma ambiguidade de Libertad, ora tentando construir um discurso que a legitime como representação nacional argentina, ora tentando construir um discurso que a legitime como representação de outras nações latino-americanas.

Libertad nasceu na cidade de Rosário, em 1908. Em 1926, mudou-se com seus pais para Buenos Aires e logo foi contratada para atuar no Teatro Nacional, sendo, também, contratada pela gravadora Víctor. Buenos Aires, em 1926, tinha aproximadamente 2 milhões de habitantes e contava com 19 teatros importantes e 36 cinemas. Teria sido o diretor do Teatro, Pascual Esteban Carcavallo, quem percebeu o talento de Libertad para interpretar canções de tango. Em 1927, ele renovou o contrato de Libertad junto ao Teatro para interpretar exclusivamente tangos. Também, são predominantemente tangos os gravados por Lamarque desde 1926 até 1945.

Em 1931, Libertad participou de um concurso de cantores no festival realizado no Teatro Colón cantando os tangos "La cumparsita" e "Taconeando", obtendo o primeiro lugar e o título de "Reina Del Tango"7, tornando-se a principal figura feminina do tango. Ela passou a gravar ininterruptamente e realiza turnês por diversas províncias do país e em outros países da América Latina até 1945, interrompendo as gravações entre 1934 e 1935 período difícil em sua vida privada8. O término do "reinado" de Libertad na Argentina coincidiu, não por acaso, com o do início do "reinado" de Evita Perón, questão a qual a artista destinou vários capítulos de sua autobiografia.

A autobiografia de Libertad intitula-se, justamente, "Libertad Lamarque - autobiografia", já denotando, no próprio título, que o objetivo dele era representar-se dentro do gênero biográfico. O prólogo é escrito a mão por Libertad, o que parece ser uma forma dela afirmar que foi ela mesma, e mais ninguém, que escreveu o livro e que, ao ler, o leitor não está passando pelo olhar de outro escritor mas, diretamente, "ouvindo" Libertad. E ela afirma, nesse prólogo:

Jamás imaginé que me sería tan complicado dar comienzo a la narración de este mi libro, muy mío, porque no me he permitido el lujo de contar con la ayuda directa ni indirecta de ninguno de los maestros en el difícil arte de escribir, señores dueños de la elegancia del buen decir, seguros y rigurosos observadores de las reglas tradicionales de la gramática, de todo eso tan hermoso y de lo que me declaro irreversiblemente ignorante; al confesar estas cosas, no es que me esté protegiendo de las justas críticas que seguramente tendré; sólo pretendo con ello hacer que me vayan conociendo porque ya empecé a "pintarme" tal cual soy, con todas mis humanas debilidades, falencias y errores, con todo lo que en adelante les iré descubriendo sobre los secretos más celosamente guardados de mi pensamiento, sin inhibiciones, dispuesta a confesar con toda sinceridad, aclarando y por primera vez, mucho de lo que en incontables ocasiones se escribió y se dijo de mí [...] (13-14).

O texto parece ser mais uma forma de legitimar o que está escrito depois, de convencer o leitor de que o que diz é a verdade, é o que realmente foi Libertad Lamarque nas palavras de quem tem mais autoridade para dizer sobre ela: ela mesma.

O prefácio da segunda edição, publicada em 1987, foi escrito por Germán Arciniegas (1900-1999), historiador especializado em América Latina que foi professor na Universidade de Los Andes, na Colômbia, e na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos e ministro da cultura na Colômbia. A escolha de um conhecido historiador latino-americano para escrever o prefácio parece reforçar os indícios de que Libertad queria representar-se como argentina e latino-americana. Parece que buscou alguém com autoridade para reafirmar sua representação, alguém com autoridade para que sua fala seja reconhecida pelo público não como ficção mas como a verdade e, mais do que isso, um historiador autorizado a falar sobre América Latina.

Germán intitula seu prefácio como "Libertad, Libertad, Libertad..." e começa afirmando que

En días tormentosos, y no han sido pocos, ha habido dos Argentinas. Recordemos los tiempos de Rosas, con una capital instalada en Buenos Aires de la Mazorca y el Matadero, y otra o en Mondevideo o en Santiago de Chile con Echeverría, Alberdi, Mitre, Sarmiento, en el exilio. Se trata de una nación de inmigrantes que por millones, de toda Europa vinieron a fundar una colonia de hombres libres. Argentina es la Nueva Europa. La gran Utopía. [...] La palabra que cada uno de estos peregrinos traía impresa en el alma era libertad. Y cuando en la Nueva Europa surgieron déspotas que trataron de contrariar esse destino, el iluso frustrado salió con su casa a cuestas a otra parte. Así conocimos a Libertad Lamarque cantando en México, La Habana, Caracas, Lima, Santo Domingo... canciones que eran las músicas de su Argentina peregrina (7-8).

O liberalismo impregna o discurso de Germán, a ponto de que, sem recorrer a fontes, ele tenta convencer o leitor de que os imigrantes vinham com "a liberdade impressa na alma". Após isso, Germán dedica-se a definir as representações nacionais associadas a Libertad. Fala do pai de Libertad, descendente de imigrantes franceses, que migrou para a Argentina. Narra Germán: "Un día con la niña recién nacida en brazos, teniendo que ponierle nombre, no lo buscó en el santoral de la Iglesia, porque era ateo, libre pensador y pobre: por consiguiente iluso; lo movía la pasión civil, y poniendo el oído para recoger las voces que la llamaban en torno, descubrió uno que le pareció un grito sagrado, tres veces pronunciado: libertad, libertad, libertad" (8).

Germán faz, assim, uma associação entre o nome de Libertad e o a letra do hino nacional argentino, estabelecendo mais um elemento que legitima a representatividade nacional argentina da cantora. Por outro lado, o historiador também reforça essa perspectiva que a artista apresenta em sua autobiografia de representar outras nações latino-americanas:

Ella, tendiendo lazos de unión entre los pueblos, con los tangos de la Boca porteña alternaba canciones populares de Chile, Perú, Equador, Bolívia, Colombia, Venezuela... de todo el Caribe... de México... atando en lengua castellana a todos los pueblos. Algo fuera de cualquiera idea política, pero que políticamente recordaba el destino de quienes no han buscado sino su libertad a través de la emancipación (9).

No "primeiro capítulo", colocado aqui entre aspas porque Libertad não o designa assim nem no decorrer do texto nem no sumário, aparece apenas uma primeira página cujo título é "La crisalida". Nesse capítulo. Libertad começa buscando as lembranças mais antigas que tem, aos seus três anos de idade. O texto começa com três pontos, provavelmente indicando que já havia uma história anterior sobre a qual Libertad não tem lembranças: "... tendría yo, poço más de tres años de edad; vivíamos en Rosario de Santa Fe, mi ciudad natal, em La República Argentina [...]" (19). Parece significativo que, na primeira frase do texto, Libertad se identifica como argentina. Essa identidade é balizadora de toda a autobiografia da artista.

Além de definir sua identidade nacional, outras identificações presentes desde o começo do livro são sua identificação como pertencente a segmentos populares da população e com vocação musical:

Así aprendí a ser buena pobre; por eso siempre me conformo con lo que tengo [...] Pero el gran descubrimiento lo hice una noche que hubo una fiesta com música y cantos, en el patio de un vecino; desde su cuarto, una luz tenue de velas, iluminaba a los "fiesteros" que cantaban afuera, con un ritmo de candombe. [...] Han pasado más de setenta años, ¿me creen ustedes? ¡No la olvidé!, como tampoco olvidé aquellos versos, aquel ritmo, y aquella música que con el tiempo aprendí, a través de mi madre, cuando a mi pedido me la recordaba... ¡Esa fue mi primera canción! (21-22).

Percebe-se, desta forma, que em sua autobiografia, Libertad utiliza exatamente estas estratégias discursivas abordadas por Bourdieu para dotar uma história de vida de um sentido e buscar uma coerência entre o que a artista foi desde sua infância.

Primeiramente, o fato de que a vida constitui um todo, um conjunto coerente e orientado, que pode e deve ser apreendido como expressão unitária de uma "intenção" subjetiva e objetiva, de um projeto: a noção sartriana de "projeto original" somente coloca de modo explícito o que está implícito nos "já", "desde então", "desde pequeno", etc. das biografias comuns ou nos "sempre" ("sempre gostei de música") das "histórias de vida" (Bourdieu, 2006: 184).

A ilusão biográfica de buscar um conjunto contínuo e coerente no tempo está associada à ilusão da própria identidade. Ao explicar a relação entre identidade e memória, Michel Pollak (1992) a define a memória como projeção ou identificação com determinado passado, constituída de acontecimentos, pessoas/personagens e lugares. Afirma Pollak que a memória é seletiva, é em parte herdada, não se refere apenas à vida física da pessoa, sofre flutuações de acordo com o momento, é um fenômeno construído a partir de mecanismos conscientes e inconscientes e que há uma relação estreita com o sentimento de identidade. Há, conforme o autor, três ilusões essenciais das identidades: idéia de unidade física, de continuidade dentro do tempo e de coerência.

Bourdieu também atenta para essa "ilusão" da própria identidade:

O mundo social, que tende a identificar a normalidade com a identidade, entendida como constância em si mesmo de um ser responsável, isto é, previsível ou, no mínimo, inteligível, à maneira de uma história bem construída (por oposição à história contada por um idiota), dispõe de todo tipo de instituições de totalização e de unificação do eu. A mais evidente é, obviamente, o nome próprio, que, como "designador rígido", segundo a expressão de Kripke, "designa o mesmo objeto em qualquer universo possível", isto é, concretamente, seja em estados diferentes do mesmo campo social (constância diacrônica), seja em campos diferentes no mesmo momento (unidade sincrônica além da multiplicidade das posições ocupadas). [...] O nome próprio é o atestado visível da identidade do seu portador através dos tempos e dos espaços sociais, o fundamento da unidade de suas sucessivas manifestações e da possibilidade socialmente reconhecida de totalizar essas manifestações em registros oficiais, curriculum vitae, cursos honorum, ficha judicial, necrologia ou biografia, que constituem a vida na totalidade finita, pelo veredicto dado sobre um balanço provisório ou definitivo. [...] Assim, o nome próprio é o suporte (somos tentados a dizer a substância) daquilo que chamamos de estado civil, isto é, desse conjunto de propriedades (nacionalidade, sexo, idade, etc.) ligadas a pessoas às quais a lei civil associa efeitos jurídicos e que instituem, sob a aparência de constatá-las, as certidões de estado civil (2006: 186-188).

Relacionando a ilusão da identidade com a ilusão biográfica, Bourdieu conclui:

As leis que regem a produção dos discursos na relação entre um habitus e um mercado se aplicam a essa forma particular de expressão que é o discurso sobre si; e o relato de vida varia, tanto em sua forma quanto em seu conteúdo, segundo a qualidade social do mercado no qual é oferecido [...] Mas o objeto desse discurso, isso é, a apresentação pública e, logo, a oficialização de uma representação privada de sua própria vida, publica ou privada, implica um aumento de coações e de censuras específicas [...] O que equivale a dizer que não podemos compreender uma trajetória (isto é, o envelhecimento social que, embora o acompanhe de forma inevitável, é independente do envelhecimento biológico) sem que tenhamos previamente construído os estados sucessivos do campo no qual ela se desenrolou e, logo, o conjunto das relações objetivas que uniram o agente considerado - pelo menos em certo número de estados pertinentes- ao conjunto dos outros agentes envolvidos no mesmo campo e confrontados com o mesmo espaço dos possíveis (2006: 189-190).

Libertad identifica-se desde o começo de sua autobiografia como alguém que tem, desde sua infância, algo de contínuo e coerente: sua identidade nacional, popular e musical, como se tivesse nascido com o destino traçado para se tornar uma cantora popular argentina.

De sua infância, Libertad marca seu primeiro fracasso novamente relacionando música e identidade nacional argentina:

Mi primer fracaso
¡Inolvidable aquel día! Nos encontrábamos en la sala de canto las alumnas de tercer grado en pleno; al piano, nuestra profesora, la señora maravilla, nos preparaba para la fiesta de fin de curso; en coro ensayábamos El Himno Nacional Argentino:
"Coronados de gloria viva... aaaaamos...", de pronto, en un arranque de rabia, se pone de pie la maestra: "¿Pero, quién es la sorda?"... Vino directa hacia mí y me sacó de una oreja al patio hasta que terminó la clase: dijo que yo había desafinado... pensé que era injusta (53).

Contudo, na página seguinte, Libertad fala de sua revanche:

Mi revancha
Ya cercano el fin de curso, debo dar mi examen de canto... por primera vez sola, de pie al lado del piano... Me preguntó La señora: "¿Qué querés cantar?" Ríos Argentinos, contesté sin titubear. "¿Ríos Argentinos?... ¡eso es muy difícil!", me dijo. Tímidamente repuse: "Pero... esa me gusta..." [...] Empecé a cantar firme y confiada..., la maestra siguió acompañándome, sin detenerse, hasta terminar toda la canción, de la que sólo debí haber cantado una estrofa, como la hacían las demás niñas. Se levantó del piano para venir hacia mí, me puso sus manos sobre los hombros, contenta y felicitándome, con palabras llenas de cariño [...] (54).

A definição, por Libertad, deste acontecimento como sendo seu primeiro fracasso e sua revanche dá indício para percebermos sua busca de continuidade e coerência de sua identidade como cantora (ou artista) popular argentina desde a infância.

Libertad também recorre a citações feitas por outros que a legitimam como representação nacional popular argentina e tanguera. Quando realiza essas citações, utiliza a estratégia de dizer ao leitor que "leiam e tomem suas próprias conclusões", como se a escolha do trecho citado por Lamarque não tivesse sido realizada justamente no intuito de que as conclusões possíveis fossem justamente as que a cantora queria. Cita, por exemplo, o que a RCA Víctor publicou em seu álbum de bodas de ouro:

Lean ustedes la reproducción que injerto aquí y que está impresa en la parte interna de mi álbum Bodas de Oro [...]
que "el tango es cosa de hombres"... es opinión muy oída en Buenos Aires. Pero también reza una frase gaucha: "Todo bicho que camina va buscando su pareja".
Si en la temática del tango abundaban los personajes masculinos que ventilaban a punta de daga "el rencor de una traición" está claro que la motivación del duelo era una mujer... linda... voluble, de tal o cual condición... pero mujer al fin.
Como voz de canción, como sexo, fonéticamente, el tango anduvo soltero largos años... y a ese soltero con "voz de hombre" lo personificó Carlos Gardel, que le dio a la canción porteña un estilo, un sello, un timbre sonoro... casi diríamos un método, creando la imagen por excelencia del cantor de tangos [...] Azucena Maizani fue la primera cancionista en los escenarios porteños que conmovió a Buenos Aires con sus frases cimbreantes como latigazos.
Por los temas y el ambiente de "bajo fondo" donde se desarrollaba el tango, era rechazado por las familias. Pero como todo bicho que camina va buscando su pareja... El tango necesitaba la suya... femenina... claro... Y apareció, una noche en el viejo Teatro Nacional de Don Pascual Carcavallo en la porteñísima calle Corrientes, una adolescente actriz del elenco que por exigencias de papel de "pebeta del barrio" que representaba, el director artístico Don Atilio Suparo le indicó que cantara un tango: "Mocosita"... Y tímidamente Ella lo entonó... Como "era cosa de hombres" el marcado contraste del "rojo varonil" al "rosa femenino y dulzón" su canto sorprendió, cautivando, al espectador. Todo en ella armonizaba, su voz, sus manos, su imagen... Desde esa noche el tango tuvo nobia. Gardel y Libertad son Él y Ella del tango porteño. Como burbujas en alegre ascensión su voz se hizo familiar y conquistó para el tango aquellos hogares cuyas familias lo rechazaban antes (117-188).

O título recebido por Libertad de "Reina del Tango" também é remetido constantemente como algo que "os outros" atribuíram a ela. Ela, inclusive, lamenta que, quando ocorreu o concurso que lhe atribuiu o título, não estava presente nele a cantora Azucena Maizani, a qual teria, segundo ela, mais chances de ser eleita.

Apesar de dizer ser algo atribuído por outrem, Libertad afirma sua responsabilidade pelo título. Por exemplo, quando foi pela primeira vez ao Chile, diz que tinha a responsabilidade de ser a atração principal e não decepcionar com o muito flamante título de "Reina del Tango" (151).

Libertad dedica boa parte de sua biografia a falar de sua vasta atuação no cinema, enfatizando sua importância para o cinema argentino e latino-americano. Apesar de ter feito uma aparição em um filme mudo gravado em 1929, intitulado "Adiós, Argentina", do diretor Mário Parganoli, essa participação aparece apenas mencionada na biografia sem que dedique espaço para maiores comentários. O primeiro filme ao qual Libertad se dedica a comentar é "¡Tango!". Trata-se de um dos mais importantes marcos do cinema argentino, sendo o primeiro longa-metragem sonoro deste país. É um filme dirigido por Luis Moglia Barth, da Argentina Sono Filmes, que estreou em 1933. O filme tinha, em seu elenco, algumas das mais importantes intérpretes de tango da época, como Azucena Maizani, Tita Morello e Nina Simone. Em sua autobiografia, Libertad apresenta, a título de curiosidade, seu contrato com Argentina Sono Filmes para realizar essa gravação. Segundo ela:

Yo estibulaba las horas de trabajo en un máximo de cinco; también fecha de terminación de la película, y como broche, aclaración de toda la publicidad... lean... lean... ya no deja lugar a dudas de cómo, desde el principio (y sin ruido) exigí el primer puesto; y por toda la vida, hasta hoy, jamás figuré en segundo lugar, después de ningún nombre, por importante que alquel hubiera sido. Calculen, por ello, cómo habré sufrido con Eva Duarte durante la filmación de "La cabalgata del circo"... (ya les contaré)" (158).

No contrato, impresso em sua forma original na página seguinte desta autobiografia, constava: "La senhora Libertad Lamarque interpretará en la película TANGO, que edita ARGENTINA SONO FILM, el papel de primera protagonista" (159). Apesar de sua reverência a Azucena Maizani em relação ao título de "Reina del tango", perceba-se que esta última cantora estava no elenco de "¡Tango!", mas que Lamarque escolhe mostrar ao leitor a cópia do contrato onde está escrito, não por ela mas pela Argentina Sono Filmes, que a principal artista é ela.

Após essa apresentação de Libertad como principal "estrela" do cinema argentino, segue comentando suas participações em outros três filmes: "Alma de bandoneón" (1935), "Ayudame a vivir" (1936) e "Besos brujos" (1937). Os três filmes são considerados modelos do melodrama argentino. O argumento do filme, criado pelo diretor José Augustín Ferrera e pela própria Libertad, narra as desventuras românticas de uma jovem (interpretada por Libertad), introduzindo a inovação de interromper o diálogo para continuá-lo com uma canção interpretada por ela.

Conforme Di Núbila (1998: 139), o sucesso de "Ayudame a vivir" foi tão grande que Libertad Lamarque começou a ser chamada de "Estrela Máxima da América Latina". E Libertad lembra isso em sua autobiografia, afirmando que

Las tres ["Ayúdame a vivir", "Bejos brujos" y "La ley que olvidaron"] fueron dirigidas por Augustín Ferreyra; son películas a las que quiero y les estoy sumamente agradecida, porque con ellas al frente, el cine argentino invadió no sólo todos los mercados de cine de Iberoamérica, sino que me marcaron con un inamovible sello de "estrella" hasta hoy (181-182).

Como mencionei anteriormente, o fim do "reinado" da "Reina Del Tango" coincidiu, não por acaso, com o início do "reinado" (expressão utilizada por Lamarque em sua autobiografia) de Evita Perón. Em sua crônica sobre o caso, Blaya (2012) afirma que há três versões para o conflito entre Evita e Libertad. A primeira e, talvez, mais popular versão, é a de que as duas mulheres competiam pelo amor de Juán Perón. Essa versão é desmentida por Libertad em sua autobiografia. A segunda versão é de cunho ideológico, referindo-se à aversão de da artista, talvez por influência, em sua formação, de seu pai anarquista, em relação à política de massas estabelecida por Perón e Evita. A terceira versão é a relatada na autobiografia.

Sob o título "1944 con presagios de tormenta", Libertad lembra da primeira vez que ouviu o nome de Eva Duarte. Relata ela:

Don Miguel Machinandearena, o sea, el productor de cine con quien estábamos preparando nuestra cuarta película, "La cabalgata del circo", llevando de estrellas a Hugo del Carril y a mí, llamó a mi casa por teléfono; dio muchas vueltas para rogarme que lo recibiera cuanto antes, que tenía que hablar de un asunto algo delicado. Sintetizando. Reconstruiré el diálogo... en casa.
—Dígame Libertad, usted ¿tiene algún inconveniente en que el papel de la dama joven lo haga Eva Duarte?
—¿Quién es?— pregunté sonriendo.
—Seré sincero; es un compromiso que tengo, Libertad, además el papel no es importante, usted lo sabe.
Debió extrañarme el hecho de que me consultara sobre asignar un papel secundario a un artista secundario, no era la costumbre; por lo menos solo se me consultaba, y se me consulta, sobre los primerísimos actores y actrices.
[...]
Ahora bien, con el recuerdo de este pequeña anécdota, solo quiero dejar bien en claro que yo no tenía ninguna animosidad en contra de Eva; no tenía por qué, no la conocía [...]" (208-210).

Ela lembra que, no decorrer das filmagens, Evita começou a chegar atrasada ou a não vir às gravações e deixar a todos esperando: "[...] llevamos sin filmar três dias por su culpa" (212).
Certo dia, Libertad estava esperando e a gravação estava muito atrasada. Relata ela:

Pero pasó otra hora, y otra, sin señales de nada; se me hincharon los pies, sentí hambre; era la una de la tarde, ya mis nervios se habían descontrolado. Rabiosa e indignada, decidida a terminar de una vez con esa insoportable situación, me dirigí al despacho del productor de la película; sólo el podía poner las cosas en su lugar... Repiqueteo con los nidillos la puerta, oigo que alguien dice desde adentro "Adelante". Abro... ¡quedé muda de asombro!... ¿Qué vi? Vi a Eva Duarte, almorzando. Ocupaba Ella sola la cabecera de una larga mesa barroca. [...] Compartían la mesa (pero no comían, sólo la admiraban) el señor Machinandearena, el director, y otro importante dirigente de la empresa, el señor Barcia. Enseguida, al verme, los señores se pusieron de pie para invitarme: ..."¡Pase Libertad, pase, siéntese!... ¿Ya almorzó? ¡Venga, acompañe a Evita?"... No me moví, yo era como una piedra, ¡así de dura!. Por dentro y por fuera... Los miré... los vi serviles... ¡y no era para menos!..., estaba en juego la fuera renovada la concesión de la ruleta de Mar del Plata, que Machinandearena no quería perder —mejor dicho, quería retener—... Y allí, ante ellos, la mujer que pensaban podía salvarlos... Los miré a todos una vez más, y me detuve sobre la bella imagen de Eva, que me miraba sonriendo... Pero mi indignación iba en aumento y al fin dije: "¡No! ¡Gracias!, yo voy a comer con los de mi clase". Di un gran portazo y me dirigí al comedor de los más modestos trabajadores del estudio, y que quedaba puerta por medio con el despacho donde se había desarrollado la desagradable escena. Me senté en la más concurrida mesa de los obreros [...] (213).

Algumas páginas depois, Libertad "confessa" que há algo do que se arrepende em relação a Evita. Não se refere às gravações de "Cabalgata de Circo", mas aos convites que recebeu posteriormente de Evita e que recusou:

Hay algo de lo que no me arrepiento, pero que confieso: yo ofendí a Eva Duarte: fue cuando ya a punto de terminar la película, rechacé su amistad en dos oportunidades, la primera, cuando Machinandearena y Soffici llegaron a mi casa sin previo aviso, con un recado muy especial. "Libertad, Eva quiere ser su amiga y pide que la invite usted a su casa a tomar el té", a lo que contesté: "Lo siento, no puedo". "¿Por qué Libertad? ¿Qué le cuesta? Invítela, total, es una horita nada más, créame que es conveniente...". "Miren señores, yo jamás me arrimé al sol que más calienta, como en este caso la señorita Eva Duarte; me daría mucha vergüenza tener que aceptar su amistad sólo por interés mezquino... [...] Al día siguiente, en el camarín, fue mi hermana Aurora la encargada de insistir:...". "Me manda Eva que te diga que quiere ser tu amiga y que fijes el día y hora que puedas invitarla a tu casa a tomar el té"... Mascullé entre dientes una mala palabra, y nunca obtuvo mi respuesta. ¡Esta sí que fue una verdadera ofensa que pudo herir tal vez su amor propio y su orgullo! Sobre todo, sabiendo que había testigos (216-217).

A partir de então, Libertad passa a narrar seu êxito em outros países da América Latina. Há um capítulo intitulado "Bajo el cielo de Cuba", no qual ela comenta sua trajetória neste país. O capítulo seguinte intitula-se "Republica Dominicana", o seguinte "Puerto Rico", o seguinte "Venezuela" e, por fim, um grande capítulo intitulado "México". Nestes capítulos, a artista ressalta seu sucesso interpretando, além dos seus tangos argentinos, canções destes próprios países. Parece significativo que a "Reina del Tango" passa a afirmar, então, não só sua possibilidade de representar a nação argentina mas a de representar várias outras nações latino-americanas. No capítulo de Cuba, menciona, inclusive, seu sucesso ao passar pelo Brasil e interpretar a canção "Falsa bahiana", de Geraldo Pereira.

Ao México, Libertad dedica mais páginas. No final deste capítulo, um subtítulo "Unas palabras más..." apresenta uma avaliação do caso mexicano:

En 1946, a los 38 años de edad, me radiqué en México... y en 1982, a los 74, regresé a la Argentina, hace de esto tres años; vale decir que la mitad de mi existencia la pasé radicada allá... ¡Qué puedo sentir de un país que incondicionalmente abrió los brazos y me estrechó en su seno cuando más lo necesité! El pueblo lo quiso así, aún contra la voluntad de unos pocos intelectuales, pues los pocos de aquí o de allá, siempre me negaron; sólo el pueblo me adoptó, y para ello no tuve necesidad de adularlos, cambiando las costumbres de mi vida retraída por naturaleza, ni tampoco mi argentina fonética; sigo siendo tan criolla por dentro como lo era aquel día que me alejé llorando en alas de un modesto bimotor, expulsada de mi tierra, y con sólo la esperanza de una canción en la garganta... jamás pense que al negárseme el apoyo de mis propias raíces, para siempre habría de cambiar mi cielo argentino, por propia voluntad, para cobijarme bajo el fraterno cielo de México, el que me ganó a puro corazón; y no es que me haya vendido por treinta dineros, pues que a ganármelos colaboraron brillantemente todos los pueblos de Iberoamérica que visité, amé y amo. [...] que el mar y el viento se encarguen de que algún día pueda regresar de paso a mis múltiples hogares iberoamericanos, los que para ese entonces, tal vez formen uno solo, ¡¡enorme!! El de las Naciones Unidas Americanas (258-260).

Percebe-se o apelo emocional de Libertad a todos os povos da Iberoamérica e seu desejo de um dia se tornem uma só nação. Parece significativa a observação de que os limites desta nação se estabeleceriam justamente nesse espaço no qual a artista teve sua trajetória de sucesso. Poderíamos supor que essa ampliação de Libertad de um projeto de ser argentina para um projeto de ser latino-americana foi conseqüência, justamente, das restrições impostas à sua carreira na Argentina a partir de 1945.

Em três momentos, a autobiografia de Libertad é interrompida por páginas não enumeradas que apresentam fotos da artista. Além de fotos de sua infância, família e de cenas de seus filmes e interpretações musicais, destacam-se fotos que reafirmam sua legitimidade como representação da Argentina e de outras nações latino-americanas. Vejamos três destas páginas para interpretar estas escolhas:

Página sem número imediatamente após a página 192 (Lamarque, 1986).

 Página sem número imediatamente após a página 192 (Lamarque, 1986).

 Página sem número imediatamente após a página 192 (Lamarque, 1986).

Perceba-se, na primeira página com imagens aqui apresentada, que Libertad a refere como sendo sua imagem quando "me fueram". Fica explícita, desta forma, a pretensão de demonstrar que saiu da Argentina não por vontade própria, mas por pressão exercida por "outros", no caso referindo-se a Evita e seus apoiadores.

A segunda página aqui apresentada está associada, justamente, a narrativa de Libertad acerca de seu sucesso em outras nações latino-americanas e sua possibilidade de representá-las. Há seis fotografias dispostas nesta página. Na primeira, Libertad representa o México, com sombrero e poncho. Na segunda, representa o Uruguai, com sua cuia de mate típica. A terceira refere-se provavelmente a alguma nação caribenha. Na quarta, há a inscrição afirmando que está representando Porto Rico. Na quinta, com roupas que lembram as populações andinas, provavelmente representa Bolívia ou Peru. Na última, vestida de "gaucho", Libertad representa a Argentina.

Na terceira página aqui apresentada, a qual está em sua autobiografia imediatamente após a página em que ela se apresenta com roupas que lembram outras nações latino-americanas, Libertad parece querer demonstrar que ela não só pôde representar estas outras nações como, também, teve grande sucesso nelas. O sucesso é demonstrado justamente pelo número de pessoas que a foram ver em Bogotá e em Porto Rico.

Retornando desta exibição de seu sucesso em várias nações latino-americanas, Libertad apresenta sua grande frustração ao retornar à Argentina:

Después de un año y medio de ausencia de la Argentina y ya en el aeropuerto cumplida una más que minuciosa revisación aduanera, nos ofrecieron una silla, y sin explicación alguna, nos retuvieron prácticamente incomunicados, en un pequeño cuarto durante, cuatro horas; la mayor parte de los numerosos compañeros y amigos que se habían atrevido a ir a recibirnos, tuvieron que retirarse ya de noche sin haber logrado el ansiado abrazo, y sin vernos ni siquiera de lejos.
Durante aquel año y medio habíamos recorrido una parte de América Latina; además, había filmado dos películas: "Gran Casino", formando pareja com el famoso Jorge Negrete y dirigidos nada menos que por Luis Buñel; con esta película Buñuel y yo debutábamos en el cine azteca. La segunda fue "Soledad", dirigida por Miguel Zacarías; realicé un real éxito, que compartimos con Marga López [...] Con "Soledad" reafirmé mi estrellato, título bien ganado hasta esa fecha con las diecisiete películas que ya había filmado en la Argentina, y además con mis numerosas grabaciones de discos en RCA.
Regresábamos a Buenos Aires con una feliz propuesta de Don Pascual Carcavallo, para hacer una temporada en su teatro, el entonces Presidente Alvear. Además, tenía pendiente un contrato para filmar dos películas con Miguel Machinandearena. Volvíamos esperanzados y optimistas, hasta contentos, a pesar de que durante la ausencia había perdido a mi padre. Pero poco duré nuestro optimismo, pues Carcavallo nos citó a su casa y me dijo: "Chirusa" (siempre me llamó así) "ya no podremos hacer la temporada de teatro, porque te han puesto la tapa" (fue la primera vez que oíamos esa expresión). "¿Qué es eso? —preguntamos extrañados—... era no volver a trabajar en la Argentina, era figurar en una lista negra de ciudadanos indeseables, prohibidos, mi nombre tabú, no teatro, no cine, no radio, no discos, no mi nombre ni mi rostro en periódicos ni revistas.
—¡Pero es la tapa de mi ataúd! ¿Por qué todo eso?... ¿De qué se me acusa? ¿Quién dio esa orden?...
—No se sabe quién— contestó Don Pascual.
—Pero... —Terció Alfredito—, ¿ha sido dada por escrito?
—No... no... pero así están las cosas... —dijo Carcavallo bajando los ojos" (260-261).

Na página seguinte, Libertad comenta que ouviu que a ordem foi dada "pela senhora Perón". É em relação a Evita e ao Peronismo que Libertad dedica boa parte de sua autobiografia. O Movimento Nacional Justicialista, conhecido como Peronismo, foi caracterizado, na Argentina, pela elevação da capacidade de consumo dos operários, um processo de nacionalização da economia, a defesa pelo pleno emprego e o controle dos meios de comunicação. Capelato, no artigo "Fascismo: uma idéia que circulou pela América Latina" (1991: 51-63), analisa a influência das idéias fascistas nos regimes de Vargas e Perón, concluindo que eles não podem ser classificados como fascistas, apesar de sofrerem grande influência destes. As idéias fascistas circularam pela América Latina entre as décadas de 30 e 40, influenciando, especialmente, em dois aspectos: no desenvolvimento do nacionalismo e na emergência do estado autoritário que atuou mais sobre a cultura nacional.

Dentro deste Estado fortalecido, insere-se a trajetória de Eva Perón. A participação mais efetiva de Evita na política argentina iniciou-se em junho de 1944, quando teve início um programa radiofônico com o título "Para um futuro melhor"9. Segundo Sarlo (2005: 27), Eva não constrói nenhum argumento político mais complexo que o da oposição entre ricos e pobres, movida sempre pelo princípio da justiça. A empatia criada através dos seus discursos se explica pela "repetição das reiterações passionais", já que os textos são "monotemáticos e expressam assim a verdadeira forma obsessiva e unilateral de paixão" (Sarlo, 2005: 27).

Nas eleições de 1945, com o discurso da justiça social e o apoio do Exército e da Igreja, Perón vence as eleições presidenciais. A partir de 1947, Eva Perón dedicou-se à Secretaria de Trabalho de seu governo, sendo mediadora entre os dirigentes sindicais e o governo, facilitando a negociação dos conflitos em um estilo, dito por Romero (2006: 104) como um "estilo pessoal que combinava persuasão e imposição". O Estado peronista tinha os trabalhadores como sua grande força legitimadora e reconhecia isso apoiando os dirigentes de suas organizações. À população não sindicalizada, Perón se aproximava através do trabalho de Eva Perón e da fundação que levou o seu nome.

A conjuntura externa favorável na qual surgiu o Estado peronista começou a se inverter por volta de 1949. A partir de 1950, a política de Perón com relação à classe trabalhadora mudou: a crise econômica que se iniciou nesse período fez com que o governo aceitasse várias das reivindicações dos empresários, relacionadas aos direitos dos trabalhadores. Não é surpresa que em 22 de agosto de 1951, o povo pede a candidatura de Evita, e apesar da vontade de assumir um cargo político, ela recusara para não desagradar Perón. Contudo, em 1951, Perón vence as eleições de forma expressiva. A propaganda do governo era forte, sem vozes para a oposição (os jornais, as revistas, o rádio e a TV —recém começando— só divulgavam o que fosse de interesse do governo). Nesse mesmo inverno, morre Eva Perón, um dos símbolos da prosperidade perdida, que desequilibrou o governo.

A "culpa" que Libertad atribui a Evita e a seus seguidores por não ter podido mais trabalhar na Argentina é muito provável que seja legítima. Efetivamente, em seus primeiros governos, Perón tratou de estabelecer um controle sobre os meios de comunicação. Em relação à imprensa, por exemplo, de 1943 a 1946, os diários tradicionais argentinos estiveram contra Perón. Conforme Luna (apud Haussen, 2001: 78), o jornal La Nación e La Prensa utilizavam um tom não isento de elitismo e outros, como, Crítica e El Mundo, se utilizavam de uma agressividade mais direta. Após assumir a presidência, houve modificações na abordagem dos periódicos, já que a censura teve início imediatamente. O La Prensa tentou manter o seu estilo habitual. Porém, o governo em gestão não permitiria a sua autonomia tendo sofrido pressões até finalmente ser fechado pelo peronismo. Os únicos jornais que apoiavam o governo eram: Democracia, El Laborista e La Época. Mas Perón contava com um decreto que permitia ao poder executivo a expropriação do papel de jornal. Com este trunfo na mão, a imprensa opositora e independente quase desapareceu durante o seu primeiro mandato.

O peronismo estabeleceu controle sobre os meios de comunicação tornando-os meio de propaganda política. Essa propaganda, como ressalta Capelato (1998: 73), buscava impressionar mais do que convencer e sugestionar ao invés de explicar. A propaganda peronista fazia crer que Perón tinha sido capaz de modificar o curso da história na Argentina. As peças e filmes tinham, majoritariamente, caráter comercial ou propagandístico, mostrando que as mudanças na vida do trabalhador ocorreram após Perón assumir o governo.

Comparando os regimes de Vargas e de Perón, Capelato conclui que o cinema, o teatro, a música, as artes plásticas e a arquitetura foram valorizados nesses regimes mas não da mesma forma. O cinema recebeu especial atenção no varguismo e no peronismo ainda que de forma diferenciada (104). Na Argentina, a indústria cinematográfica já tinha um grande êxito anterior a Perón (diferentemente do caso brasileiro, no qual Vargas chegou a receber o título de "Pai do Cinema Brasileiro"). O cinema, na Argentina:

Desde os anos 1930 tinha êxito de público e, como o rádio, já criara seus astros e estrelas para as massas; Libertad Lamarque e Hugo del Carril faziam sucesso. Os setores populares de Buenos Aires, apreciadores da radionovela, aceitaram bem o cinema nacional que aproveitou e aperfeiçoou essa tradição; os demais preferiam o cinema francês ou a produção hollywoodiana. [...] A política cinematográfica do peronismo apresentou características similares às praticadas nas outras áreas de cultura e comunicação. A Lei 12.900 de 1947, com modificações posteriores, dispõe sobre a obrigatoriedade de exibição de películas argentinas em todos os cinemas, como ocorreu em outros países orientados por uma política de cunho nacionalista. Sucessos argentinos era o nome do documentário informativo que antecedia a exibição dos filmes: nele apareciam não só notícias sobre realizações do governo, mas também comentários esportivos, inventos, etc. O Banco de Crédito industrial outorgou muitos empréstimos sem garantias reais: a dívida acumulada atingiu, em 1954, a cifras multimilionárias, segundo Cesar Maranghello. Além disso, foram reduzidas drasticamente as permissões para entrada de filmes estrangeiros. [...] A censura atuou no cinema. [...] Não se permitiam críticas à vida nacional; não se podiam mostrar pessoas desesperadas, com problemas, e os filmes tinham de exibir um mundo argentino feliz e próspero. [...] Nessa época, as portas dos estúdios foram fechadas para vários atores, escritores e diretores (Libertad Lamarque, Francisco Mujica) por falta de colabiração com os planos oficiais ou por pressão de Eva Perón" (Capelato, 1998: 111-112).

Conforme Taylor (apud Capelato, 1998: 271), em torno da figura de Eva identificaram-se mitos distintos. O mito positivo, forjado pelos peronistas, e o mito negativo construído pelos antiperonistas, sendo que ambas as imagens estão fundamentadas sobre os mesmos valores. No mito negativo, Eva é a antítese da feminilidade ideal, é egoísta, infiel, mundana, impura. Já o mito positivo lhe apresenta como um símbolo da pureza a partir de seu nascimento, até a sua ida a Buenos Aires buscar os seus sonhos e, posteriormente, o seu amor por Perón que a fez renunciar a carreira, passando a "dedicar-se à família e à pátria". Estes mitos foram amplamente divulgados através dos meios de comunicação de massas, em especial, na imprensa. Parece que Libertad corrobora, em sua autobiografia, na construção deste mito negativo de Evita. No capítulo de sua autobiografia intitulado "Los descamisados", Libertad dedica-se a essa questão.

[...] mientras Perón en sus discursos jugaba al pobre "descamisado", Eva, por su parte, lucía como debía lucir cualquier mujer que cuidara de su apariencia; en los grandes acontecimientos era una reina, deslumbraba con su elegancia, juventud, belleza y brillo, mucho brillo; lucía al mismo tiempo hermosísimas joyas de auténticos brillantes y demás piedras preciosas; grandes collares, grandes prendedores, aretes, anillos y pulseras; todo era grande, todo muy importante, como importantes sus increíbles abrigos de pieles o de plumas. ¡Y qué decir de su vestuario de diario!, de gran categoría y sobriedad, maravillas de la alta costura de fama mundial; cada día un conjunto diferente, siempre distinguida, pulcra y sobria ¡palabra! Que daba gusto verla... ¡Pobre Eva! ¿Presentía tal vez su cercano y triste destino? ¿Presentía que todo ese lujo y todo el esplendor de su serena y transparente belleza no duraría por mucho tiempo más y se apresuraba a disfrutarlo? (265-266).

A seguir, retorna a falar de sua trajetória e sucesso por países da América Latina. O próximo capítulo se chama "Colombia". No capítulo seguinte, intitulado "Así se escribe la historia", Libertad retoma sua relação com Perón e Evita, mencionando diversos casos em que , nas décadas seguintes, fora questionada por diversos jornalistas acerca do caso. Nega qualquer envolvimento com Perón, dizendo que somente esteve com ele (e com outros artistas) uma vez e que foi tirada uma foto, refutando a versão que falava em um triângulo amoroso Perón, Evita, Libertad.

Yo vivía al margen de cualquier acontecimiento o actividad política o militar; no hay que olvidar que la conciencia cívica en una mujer, felizmente despertó, y se hizo popular, con el advenimiento del peronismo (eso estuvo muy bien); por lo tanto, ignoraba que entre los ciudadanos argentinos existiera alguien llamado Juan Domingo Perón, que fuera militar, y que los acontecimientos de la política lo estuvieran colocando, para después, vertiginosamente, llevarlo a ocupar el "trono", como primer mandatario y caudillo del país. Por otra parte, si me han tomado fotos con teterminados políticos, fue muy natural que así lo hicieran, y que me fotografiaran siendo siempre el centro de la atención de los fotógrafos; también es natural dada la importancia que yo tenía como primera figura del arte popular argentino (283).

Libertad deixa claro que havia interesse da imprensa internacional em ampliar o caso para muito mais do que aconteceu. Conta, por exemplo, que quando esteve em 1949 em Nova Iorque, os jornalistas quiseram saber sobre a "cachetada" que tinha dado em Evita. Ao dizer que isso não aconteceu, narra que os jornalistas perderam imediatamente o interesse por ela.

A autobiografia vai chegando ao seu final no capítulo "Libertad Lamarque ¿es una mujer de suerte?" (291). A partir deste capítulo, Libertad passa de uma narrativa mais descritiva dos acontecimentos para uma mais analítica de sua vida e conclui: "Sí, soy una mujer de suerte, dejemos de lado las penas personales que tuve que sufrir. Esas no cuentan porque todol los mortales tenemos penas..." (301). Fala, então, de sua saída da Argentina como o maior sofrimento de sua vida:

El dolor más grande que como argentina y como madre, he tenido que sufrir, no ha dejado rastro en mí...
¿Qué no ha dejado rastro? Eso no es verdad, fue una infamia, una injusticia que ni perdono ni olvido; porque están vivas las consecuencias en la persona de mi hija, de mi familia, y en mis propios sentimientos. Recuerdo que viviendo en el extranjero, yo escribía casi a diario a mi familia, buscando así consuelo para mis penas de ausencia; pero muy pocas veces obtenía respuesta, sobre todo de mi amada hija. Ella nunca pudo, o no quiso, reconocer que era necesario e imprescindible que yo me mantuviera alejada de mi país; fue un trauma para ella en plena adolescencia, que no soportó, y por eso rara vez contestó mis cartas, todas ellas, durante largos años, suplicantes de amor, pero amor de tinta al fin, que ella se degaba a aceptar; ella sólo sabía que me necesitaba a su lado... y yo... vivía en México. Muerto su abuelo (mi padre), se sentió irremediablemente huérfana y optó por castigarme con su silencio, que fácilmente se hizo extensivo a sus pequeños hijos y al resto de mi familia (302-303).

Tendo voltado a residir na Argentina no começo dos anos 1980, Libertad afirma que isso não a fez perder seu nacionalismo: "Actualmente estoy dando prueba de amor a la patria, y de Fe en el porvenir, porque en estos momentos en que emigran del país, con llanto em los ojos, Miles de argentinos al año, yo vuelvo a casa" (305). E, mais uma vez, Libertad lembra de sua partida de Buenos Aires, em 1948:

Mis piernas como bloques de cemento, se negaban a caminar, y arrastrando penosamente los pies, olvidada de mí y de todo que me rodeaba, comencé de pronto a llorar desconsoladamente [...] y emprendimos el viaje directamente a Guayaquil (Ecuador) [...] Esa noche me despedía y ya había agotado tomo mi repertorio, sólo faltaba como broche de oro "Adiós pampa mía" (de nuestro gran astro del tango Mariano Mores) para bajar definitivamente el telón, según nuestra costumbre; y aún vestida con la hermosa indumentaria india, lo canté... cerrados los ojos... tan posesionada, tan argentina, tan triste... y tan en el sur mi pensamiento y mi corazón... "Tierra querida adiós"... (dije cantando, mientras entre mis dedos, enviaba un largo beso hasta aquella distancia) y desperté junto con el aplauso y el encendido de todas las luces de la sala [...] (308-309).

Nesse sentido, observamos que a autobiografia de Libertad Lamarque foi construída no intuito de dar um significado a ela, atribuindo à sua trajetória uma idéia de continuidade e coerência no decorrer do tempo. Observa-se, também, que a artista afirmou-se como argentina e latino-americana e construiu versões acerca destas identidades, atuando neste processo histórico. Mais especificamente em relação ao peronismo, Libertad atuou na perspectiva da construção de um mito negativo associado a Evita e ao controle sobre os meios de comunicação, afirmando, em sua versão sobre a identidade nacional argentina, que essa se caracteriza pela "liberdade" clamada tanto no hino nacional quanto em seu próprio nome.

Notas

1. Em minha tese de doutorado (Kerber, 2007), analisei e comparei as representações das identidades nacionais argentina e brasileira a partir das músicas interpretadas pelos artistas de maior sucesso no rádio e indústria fonográfica nestes países no contexto de massificação destes meios de comunicação e de renegociação das identidades nacionais em ambos os países: Carlos Gardel e de Carmen Miranda. A análise realizada comprovou que estes artistas atuaram como mediadores nas lutas de representação relacionada à definição da identidade nacional, apresentando versões acerca dela. Comprovou, também, que estes artistas ressignificaram, como nacionais, alguns símbolos de identidades regionais, populares e étnicas.

2. Libertad gravou 3 discos em 1926, 8 em 1927, 7 em 1928, 13 em 1929, 12 em 1930, 7 em 1931, 7 em 1932, 3 em 1933, nenhum nos anos de 1934 a 1936 (período no qual teve sérios problemas na vida privada, como a morte da mãe, a separação e o sequestro de sua filha pelo marido), 6 em 1937, 2 em 1938, 2 em 1939, 4 em 1940, 5 em 1941, 3 em 1942, 7 em 1943, 4 em 1944 e 7 em 1945, totalizando 100 discos e 200 canções em sua discografia na Argentina. Em 1946, ela gravou dois discos no México e um em Cuba. Libertad também atuou em 17 filmes na Argentina até sua saída deste país e ida para residir no México em 1946: La cabalgata del circo (1945); El fin de la noche (1944); Eclipse de sol (1943); En el viejo Buenos Aires (1942); Una vez en la vida (1941); Yo conocí a esa mujer (1941); Cita en la frontera (1940); La casa del recuerdo (1940); Caminito de Gloria (1939); Puerta cerrada (1939); Madreselva (1938); La ley que olvidaron (1938); Besos brujos (1937); Ayúdame a vivir (1936); El alma de bandoneón 1935); ¡Tango! (1933); Adiós Argentina (1929).

3. Ao analisar a construção de identidades, Chartier aponta para as perspectivas que a história cultural trouxe a esta questão. Distinguindo-se de duas visões "uma que as via como resultado de imposições de representações e resistências contra estas; e outra que as via como exibição de uma unidade construída a partir de um grupo-, o autor afirma que: "Trabalhando sobre as lutas de representações, cujo objetivo é a ordenação da própria estrutura social, a história cultural afasta-se sem dúvida de uma dependência demasiado estrita em relação a uma história social fadada apenas ao estudo das lutas econômicas, mas também faz retorno útil sobre o social, já que dedica atenção às estratégias simbólicas que determinam posições e relações e que constroem, para cada classe, grupo ou meio, um 'ser-percebido' constitutivo de sua identidade" (2002: 73).

4. Houve uma tentativa revolucionária em 1905, e, depois, uma acomodação em função da concessão do sufrágio em 1912, e, finalmente, uma vitória eleitoral em 1916.

5. A expressão "orillas" se refere aos subúrbios de Buenos Aires.

6. Ao analisar a origem do tango, Martinez, Etchegaray e Molinari identificaram sua formação através de um processo de miscigenação. A música popular existente na Argentina na primeira metade do século XIX foi "protagonizada" pelos negros em seus bailes e difundida entre outros meios étnicos. Assim, a herança africana teria sido uma das bases de origem do tango mesmo quando da saída da maioria dos negros da região durante o século XIX. De outro lado, nos salões do centro da cidade dançavam-se música européias, como valsa, polca, minueto e gavota. Nas primeiras décadas do século XX, especialmente a partir de seu sucesso internacional, este estilo musical mestiço tornou-se mais aceito pelas elites argentinas e representação nacional.

7. O segundo e o terceiro lugar deste concurso foram, respectivamente, para Rosita Montemar e Fedora Cabral.

8. Os problemas estariam ligados ao seu casamento com Emilio Romero. Em 1935 houve uma suposta tentativa de suicídio da cantora, caindo do quarto do hotel em que estava hospedada no Chile. Logo após, o marido "rapta" sua filha e se muda para o Uruguai. Libertad, acompanhada advogado e amigos, vai a Montevideu para recuperar sua filha, conseguindo leva-la de volta a Buenos Aires.

9. Segundo Haussen (2001: 88), os seus anos de radioteatro lhe deram grande segurança para enfrentar auditórios, facilitando os primeiros contatos com as delegações sindicais. Para Capelato (1998: 268), além do poder da oratória, Evita tinha capacidade inigualável para provocar emoções na platéia. Em seus discursos, Eva nunca se livrou dos dramas e novelas que interpretava no rádio. Outra característica em suas falas era a proclamação constante de seu amor por Perón.

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