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Cuadernos del CILHA

versión On-line ISSN 1852-9615

Cuad. CILHA vol.19 no.2 Mendoza jul. 2018

 

DOSSIER

Juan María Gutiérrez e D. J. Gonçalves de Magalhães: Um crítico argentino e um poema brasileiro

Juan María Gutiérrez and D. J. Gonçalves de Magalhães: An Argentine critic and a Brazilian poem

 

Maria Eunice Moreira

Pontificia Universidad Católica de Rio Grande do Sul (PUCRS), Brasil
mem.poa@terra.com.br / maria.eunice@pucrs.br

 

Recibido: 31/7/2018
Aceptado: 4/8/2018


Resumen

En 1856, el poeta brasileño Domingos José Gonçalves de Magalhães publicó el poema épico A confederação dos Tamoios, criticado imediatamente por el futuro autor de O guarani, José de Alencar. La crítica produjo una polémica de vasta dimensión y, en la Argentina, Juan María Gutiérrez publicó un estudio sobre el poema en el diario El Orden (1857) de Buenos Aires y, posteriormente, lo transcribió en la Revista del Río de la Plata (1872), provocando la reacción de Magalhães, quien escribió una carta al colega argentino y, por primera vez, se manifesto sobre su composición poética.

Palabras clave: A confederação dos Tamoios; Gonçalves de Magalhães; Juan María Gutiérrez; El Orden.

Abstract

In 1856, the Brazilian poet Gonçalves de Magalhães published his epic poem A confederação dos Tamoios which received a negative appraisal by the future author of O guarani, José de Alencar. This criticism resulted in a huge polemic and, in Argentina, Juan María Gutiérrez wrote a study about the poem in El Orden (1857) of Buenos Aires and later in Revista del Rio de la Plata (1872).  His essay received an answer by Magalhães who wrote a letter to his Argentina colleague and, for the first time, after the criticism, commented about his poetic composition.

Keywords: A confederação dos Tamoios; Gonçalves de Magalhães; Juan María Gutiérrez; El Orden.


 

1 – O poema e a polêmica

Em 1856, veio a público o poema épico A confederação dos Tamoios, de autoria de Domingos José Gonçalves de Magalhães, o mais representativo expoente do Romantismo brasileiro. Apoiado e financiado pelo Imperador D. Pedro II, que manteve o poeta brasileiro na Europa, no período de escrita do texto, Magalhães dispendeu sete anos nesse trabalho e esteve ao Brasil mais de uma vez para apresentar a obra à avaliação do Imperador. A imprensa acompanhava a elaboração do poema e distribuía pequenas notas sobre seu andamento, aguçando a curiosidade do público sobre aquele que deveria ser o texto fundacional da nova nação e da literatura nacional. Em 1852, a revista Guanabara do Rio de Janeiro, anunciou que o autor já havia redigido sete cantos e, mais tarde, informou que o poema estava quase concluído. Em 1854, Gonçalves de Magalhães solicitou licença de suas atividades como cônsul em Nápoles para se dedicar exclusivamente à redação da obra e veio ao Rio, outra vez, para mostrá-la ao Imperador. Um ano depois, A Confederação do Tamoios teve fragmentos publicados novamente na revista Guanabara, do Rio de Janeiro, em dois números sucessivos, prenunciando a imediata conclusão do texto: “O Sr. Gonçalves de Magalhães está no mar e traz consigo seu poema dois Tamoios”, registrou o periódico em seu número de 1855. No entanto, seriam necessários ainda mais dois anos e armazenada muita expectativa para que o poema viesse a público:

muitas semanas e muitos meses se passaram sem que a curiosidade pública fosse satisfeita: é que se preparava o enxoval que devia servir ao delicado e precioso menino; é que se procurava dar ao poema do Sr. Magalhães a mais rica e luxuosa encadernação possível, pois que a admirável obra não devia fazer a sua entrada no mundo senão trajando suntuosas galas, e cercada de todos os esplendores dignos de uma infanção real (1855, 43).

Quando a edição finamente encadernada desembarcou no porto do Rio de Janeiro, foi acompanhada por muitas pessoas e logo distribuída aos representantes do Império. Oito ou dez dias depois chegou às livrarias do Rio de Janeiro. Era o mês de junho de 1857, e um jovem jornalista, chamado José de Alencar, ávido por novas notícias e desejoso de mostrar serviço ao jornal que recém o contratara, buscou o poema e deu asas à sua leitura. À medida que lia o poema e indignado com as impropriedades formais e temáticas que observava, começou a publicar, sob a forma de cartas, no Diário do Rio de Janeiro, as impressões de sua leitura. Para o futuro autor de O guarani, nelas não expressava seu juízo crítico, porque, segundo ele, não tinha habilitações para tal, nem tempo para fazer com calma o estudo preciso. Apoiado, porém, em seus mestres como Chateaubriand e Lamartine, de quem lia algumas páginas para ter a coragem de criticar um poema de reputação como o do Sr. Magalhães, provocou uma polêmica literária que, embora de curta duração, envolveu personalidades representativas da intelectualidade nacional, inclusive o próprio Imperador. Sob o pseudônimo de Ig (tirado das iniciais da heroína Iguaçu de A confederação dos Tamoios), esse missivista revelou-se um leitor atento e preparado, conhecedor de um elenco de escritores clássicos –-dos gregos aos contemporâneos-– cujas obras e fundamentos estéticos invocou para comparar com o poema do escritor brasileiro. Pouco a pouco, ou melhor, carta a carta, Alencar “desmontou” a epopeia, atingindo todos os aspectos referentes à estrutura e ao seu fundamento. Nada escapou à leitura do crítico que a cada dia trazia novos elementos para expor suas impressões de leitura, como caracterizou sua crítica.

Até a quinta carta Alencar manteve um diálogo solitário com o amigo a quem dirigia a sua diatribe. A partir daí, passaram a entrar na liça, como ele disse, novos atores, até que, finalmente, o Imperador D. Pedro II solicitou ao Frei Francisco de Monte Alverne, antigo cônego da Capela Imperial, já recolhido a sua cela pela velhice e pela cegueira, que interviesse na polêmica para, com sua autoridade e conhecimento, reconhecer o mérito da epopeia e pôr fim à contenda literária. Apesar, porém, desse quadro de hostilidades, Gonçalves de Magalhães nunca se defendeu ou se pronunciou sobre sua obra. Sua voz somente seria ouvida, quando escreveu ao crítico argentino Juan María Gutiérrez, que publicou em El Orden (1857), de Buenos Aires e, posteriormente na Revista del Río de la Plata (1872), um artigo sobre sua obra.

2 – O crítico Juan María Gutiérrez e a literatura americana

Exilado em função da política de Rosas, que excluía os intelectuais de seu país --entre os quais incluem-se também Varela, Mármol, Sarmiento e outros-– o Brasil constituiu para Juan María Gutiérrez um lugar possível de se estabelecer. Embora a ex-colônia portuguesa apresentasse contradições que o desanimavam, aceitando, por exemplo, a escravidão como suporte para desenvolvimento de sua economia, o projeto do Império brasileiro era liberal. Seu monarca, Pedro II, era um homem ilustrado, que patrocinava e exercia mecenato sobre as letras, de modo que os escritores nacionais não se sublevavam contra o regime. A Argentina, ao contrário, sob a ditadura rosista, expurgava seus intelectuais e os submetia ao exílio. Nesse momento de diáspora, como diz Adriana Amante, o Brasil constituía “un punto en la cartografia de la fuga” (Amante, 2010: 41).

Quando Gutiérrez precisou sair da Argentina, viajou para o Uruguai e logo depois, pela proximidade geográfica e por razões familiares, estabeleceu-se em Pelotas, onde vivia sua irmã. A cidade não o agradou, mesmo porque Gutiérrez não encontrava nada para ali se dedicar. No entanto, essa experiência de dois anos no Brasil propiciou seu conhecimento das condições culturais do Sul, aproximação com outros centros sulinos, como São Leopoldo, no extremo sul do país, do que se originou um estudo sobre essa localidade, reconhecida por ali terem aportado os primeiros colonos alemães que chegaram para povoar o sul do Brasil. Além disso, mesmo de longe do centro cultural do Rio de Janeiro, Gutiérrez tomava conhecimento do quadro político e cultural, e buscava aproximação com nossos nacionalistas brasileiros, aproximação essa realizada sobretudo por outros exilados argentinos, como Varela e Mármol. Esse último, bem relacionado e situado no Rio de Janeiro, incentivava seu colega argentino a mover-se do Sul: “Qué hace usted en Río Grande? No. Es preciso moverse” (Amante, 2010: 156).

O conselho foi seguido: Gutiérrez permaneceu dois anos em Pelotas e outros seis no Chile, o que somados aos dois de Montevidéu resultaram em oito anos de exílio. O tempo passado fora proporcionou a esse estudioso um levantamento das condições culturais e literárias desses espaços. No estudo que escreve sobre Juan María Gutiérrez, intitulado Juan María Gutiérrez: historiador y crítico de nuestra literatura, Beatriz Sarlo reconhece que Gutiérrez  parte da crença de que a literatura existe nos países de formação colonial e que o trabalho do historiador vai mais além de determinar os limites e os alcances da literatura produzida na América: a ele importa recolher “los documentos que hagan a esa posible historia de la literatura y de sus movimentos. La reflexión crítica es una etapa que se da contemporáneamente con esta tarea de selector y recopilador de datos” (Sarlo, 1967: 79). Por isso, para Sarlo, esse estudioso “representa en la literatura argentina la primera toma de conciencia a través de la cual se contempla un proceso, se evalúa una producción, se crea una teoría y se estudian sus antecedentes” (9). A observação é perfeitamente adequada, especialmente quando se atenta para os primeiros trabalhos desenvolvidos por Gutiérrez, que visam mapear a literatura produzida na América. Sua América poética, antologia dos poetas americanos, terá continuidade mais tarde com a Biblioteca de escritores en verso nacidos en la América de habla española, antiguos y modernos, cuja primeira série aparece em 1871, na Revista del Río de La Plata. Nessa mesma revista, em 1874, publicou um “Ensayo de una biblioteca o catálogo bibliográfico-crítico, con noticias biográficas, de las obras en verso, con forma o con título de poema escrito sobre América o por hijos de esta parte del mundo”, onde incluiu o poeta brasileiro Basílio da Gama e seu poema O Uraguai (Amante, 2010: 518).

A organização de parnasos, que constituem etapas iniciais do registro da produção literária de literaturas nascentes, abre o caminho para as futuras interpretações historiográficas. A história da literatura, que será escrita em fase posterior, não pode dispensar esses registros, pois eles contêm o berço do futuro cânone. Por outro lado, os parnasos, além de inventariar e registrar o material artístico disponível, são também formas iniciais da existência de uma literatura nacional. Nesse sentido, eles assumem um caráter simbólico, relatando a origem de um sistema literário. É interessante também observar que parte dos parnasos produzidos pelos argentinos se dê no momento do exílio. É de supor que a situação de exilado ou de viajante ou que até mesmo a diáspora motive a confecção dessas antologias, como se fossem ilhas perceptíveis à visão a partir de uma certa distância. Por analogia, como viajantes exploradores que veem as praias mas não veem as riquezas das terras a serem visitadas, assim funciona o olhar dos exilados: buscam de longe o material que se encontrava perto. O sentido do exílio é o que aguça a sua visão e a sua aproximação ao campo da literatura.

Talvez esse fator tenha aproximado Gutiérrez de Magalhães: tal como o argentino, também o poeta brasileiro Domingos José Gonçalves de Magalhães pretendeu escrever uma história da literatura de seu país, na condição de viajante ou de exilado voluntário. Foi na França que apresentou ao Instituto Histórico e Geográfico em Paris, em 1836, o já antológico “Ensaio sobre a história da literatura do Brasil”, publicado na Niterói, revista brasiliense, no mesmo ano. Nesse texto, mais do que relacionar obras e autores, compromete-se com a escrita de um texto que posterga para o futuro o reconhecimento da literatura nacional. Magalhães, como Gutiérrez, tem consciência de que sua tarefa reveste-se de uma dupla finalidade: contribuir para a escrita da história da literatura brasileira, provocando o distanciamento da literatura de sua terra de outra, de onde se originou: a portuguesa. A escrita dessa narrativa, no seu sentido político, colabora para reforçar, ou melhor, garantir, a separação entre duas nações que até pouco tempo estiveram ligadas pela história. Por outro lado, essa escrita é também um gesto simbólico: funda as bases em torno das quais se pode partir para estabelecer os valores em torno dos quais ela deve se organizar. Mais do que isso: sistematizar uma literatura nascente é um dever patriótico: não basta produzir essa literatura, é necessário propor mecanismos para sua organização. E nisso, tanto o brasileiro como o argentino estão de acordo.

3 – Gutiérrez e A confederação dos Tamoios

Acompanhando o processo de formação das literaturas americanas, Gutiérrez mantinha contatos com os exilados argentinos no Rio de Janeiro e também com os nacionalistas brasileiros, entre eles, Joaquim Norberto de Sousa Silva, autor do primeiro estudo sistemático sobre a literatura da Argentina. Tanto Norberto quanto Gutiérrez reconheciam no poeta argentino Juan Cruz Varela a expressão máxima da nacionalidade. Assim, é possível comprovar, mais uma vez, que os contatos entre esses estudiosos eram efetivos e pautavam-se pelos ideais românticos, tanto do lá quanto do lado de cá do Rio da Prata.

Quando Domingos José Gonçalves de Magalhães lançou A confederação dos Tamoios, livro anunciado e esperado pelo público, Gutiérrez encontrava-se entre aqueles que aguardavam o poema nacional. Sua leitura e crítica foram imediatas: nos dias 10 e 11 janeiro de 1857, publicou no jornal El Orden, de Buenos Aires, um longo estudo crítico intitulado “Un poema brasileño – A Confederação dos Tamoios”. Esse mesmo texto foi republicado em 1860, em livro, e 12 anos mais tarde, Gutiérrez o retoma para a Revista del Río de La Plata, sob o título “A Confederação dos Tamoios, poema por Domingos Gonçalves de Magalhães” (Amante, 2010: 507).

Imprimindo seu método abrangente e sistematizador, o crítico argentino começa o texto fazendo uma introdução teórica sobre a existência da literatura americana, nos moldes de seu pensamento anterior. Nessa produção, busca a originalidade, especialmente assentada na descrição da paisagem, de modo a acentuar a diferença com a literatura da velha Europa. A lição é antiga: Gutiérrez retoma aqui os preceitos de Ferdinand Denis, em especial, que sugeriu aos brasileiros no Resumo da história literária do Brasil, o aproveitamento da natureza e dos recursos particulares do país como recursos para criação de uma literatura autônoma e verdadeiramente nacional. Diz ele que a “a América deve permanecer alheia a toda imitação e só lhe convém tomar por guia a observação própria” (Gutiérrez, 2007, CLXXVIII)1. O pressuposto que embasa a leitura de Gutiérrez é fundamentalmente romântico e procura ele ressaltar que os poetas, se quiserem produzir literatura americana, devem dar “cor nacional ou indígena às produções da fantasia” (CLXXVIII).

Nessa análise, traça paralelos entre os poetas brasileiros e os argentinos, procurando aproximar aqueles que, por identidade de princípios, caminham juntos. Echeverría e Magalhães aparecem assim, como os dois corolários do Romantismo, de modo que A confederação dos Tamoios é La cautiva “carioca”. Esses poemas distinguem-se, porém, em um ponto: A confederação é dedicada ao Imperador Pedro II e, o que podia ser considerado um ato servil ao monarca, Gutiérrez vê como a nobre ação de um cidadão livre e agradecido: “não é a gratidão do indivíduo [...] senão o sentimento patriótico de reconhecimento pela justiça e o amor às instituições livres que distinguem” (ClXXXII). A apreciação, que foge do terreno da crítica, tem outro objetivo: ressaltar as boas relações dos literatos com o poder, no Brasil, fato que provoca inveja e desconforto aos argentinos, submetidos às forças da ditadura de Rosas.

Se Gutiérrez destaca as condições políticas de seu país em relação ao Brasil, o faz movido pela visão abrangente que tem da América, o que o leva a propor “constelações americanas” (Amante, 2010: 509), analisando e comparando as produções de outros países americanos, do México ao Rio da Prata, como diz sua biógrafa, Beatriz Sarlo (1967: 84). Há, portanto, uma visão solidária sobre o Novo Mundo nas ideias de Gutiérrez, o que o leva a conectar diferentes ambientes culturais e a produção literária de diversos povos americanos. Gutiérrez busca, na literatura produzida no Brasil ou nos outros países da América, a poesia autêntica e original.

Dentro desse paradigma, não deixa, porém, de mencionar os pontos mais débeis da epopeia de Magalhães e, tal como Alencar o apontara, assim o faz o crítico argentino: do ponto de vista formal, cobra do brasileiro não só a composição em instâncias regulares, mas também uma maior eufonia poética, maior cuidado com as rimas: “a  rima é uma escrava para aquele que conhece o seu idioma” (Gutiérrez: CXCV). No campo da construção temática, repreende Magalhães pela “ausência completa da mulher” no seu poema. Para Gutiérrez, “Iguaçu é uma criança, uma promessa, porém não uma esposa”. E, valendo-se da literatura americana, compara A Confederação a Araucana chilena, a Glaura brasileira, a Tegualda, para concluir: “naquele Edén de poesia não há uma só Eva” (CXCVI).. Há, ainda, no poema do brasileiro, certas “aberrações da inocência” (CXCVII) e fraqueza que prejudicam o caráter varonil das raças indígenas.

Gutiérrez tem um modo abrangente e complexo de avaliar a literatura, mas tem também uma posição política que exige do escritor a representação do espaço americano, com autenticidade e originalidade. Ele não deixa dúvidas de sua intenção: a sujeição colonial deve terminar, não só no que diz respeito ao plano político, mas também no plano intelectual. Gutiérrez exige do escritor americano essa tomada de consciência e, por isso, critica certos desajustes formais e temáticos, embora saiba que a completude que exige ainda não foi “lograda”. Por isso mesmo, embora encontre problemas na criação do poeta brasileiro, reconhece que “o senhor Magalhães fez um serviço às letras americanas” e prognostica que, tal como O Uraguai, A Confederação será lida, pois não se trata somente de um poema, mas uma ação.

4 – Por último: a carta de Magalhães

Atacado e criticado no Brasil e no exterior2, o poeta Gonçalves de Magalhães não se pronunciou sobre sua obra, buscando defender-se dos ataques críticos, nem durante a polêmica, nem nos anos posteriores. Solitário e reservado, assim permaneceu. Em função da carreira diplomática, viveu na Sardenha, Turim, São Petersburgo, Viena e Roma.  Magalhães nunca deixou sua atividade literária, mas retomou A Confederação dos Tamoios apenas em 1864, quando o revisou para preparar a segunda edição. Nela, incluiu uma “Advertência”, na qual apresenta uma pequena dissertação sobre a métrica e outros aspectos, em resposta às observações da crítica que disseram que a oitava rima deveria ter sido usada para compor a epopeia (Castello, 1953: XIV-XV).

A carta que envia a Juan María Gutiérrez é, pois, a única manifestação do poeta sobre sua obra. No curto texto de uma página, diz o missivista: 1– que recebeu o artigo de Gutiérrez, por intermédio de Joaquim Tomás de Amaral, seu colega de Montevidéu; 2– que ficou surpreso com o texto pelo realce que dá à obra; 3– que agradece as referências positivas ao poema. No quarto parágrafo, o mais longo, comenta que, em obras de difícil execução, ressalta que o autor não está invulnerável à crítica e mesmo os críticos não são menos falíveis que o gosto estético que preside as composições artísticas:

Em obras de tão longa e difícil execução, em que a imaginação não exclui o verdadeiro, senão que mais bem lhe dá esplendor, qualquer que as empreende e as realiza como melhor lhe parece, não deve ser tão vão que se julgue invulnerável à crítica, a não ser que se conte no número daqueles imortais que todas as nações consideram como nossos melhores guias na bela interpretação da natureza. Por outra parte, e do mesmo modo, tampouco a crítica de quem julga é menos falível que o gosto estético que preside àquelas composições, e não poucas vezes o que para um parece descuido defeito ou desacerto, é para outros efeito de um estudo esmerado, uma vez que nossos juízos e sensações variam segundo as circunstâncias, não só de indivíduo a indivíduo, senão também segundo as diversas faces de um mesmo assunto, sem que poeticamente falando sejam uns mais verdadeiros que outros (Magalhães, 2007: CXCIV).

E, por fim, conclui a missiva com as seguintes palavras:

Estranha coisa, é sem dúvida frequente que aquelas passagens de uma obra de engenho que seu autor considera mais fracas passam quase sempre sem despertar o menor reparo, e recaia a crítica sobre pontos imprevistos, e em sentido inteiramente oposto ao que pudesse presumir o autor. Tão vários são os juízos humanos (CXCIV).

Fecha-se assim a ampla discussão que A confederação dos Tamoios provocou. Entre maio de 1856 até agosto de 1856, quando Alencar reuniu em livro as cartas que escreveu no Diário do Rio de Janeiro, cessaram as diatribes internas, no Brasil. Contudo, como se vê, a polêmica teve maior repercussão, chegando à Argentina. Foi dele, de Gutiérrez, que Magalhães recebeu a maior acolhida e motivado pelo artigo do crítico argentino que o poeta brasileiro finalmente se pronunciou. Contudo, o texto de Gutiérrez diz respeito à literatura que ambos procuram para suas pátrias. Assim, se o diálogo crítico entre uns e outros, brasileiros e argentinos, não é tão efetivo, um ponto sobressai entre os escritos desses dois homens, separados pela geografia e aproximados pela política: de cá ou lá ambos estão empenhados em construir uma nação, em cartografar sua pátria. Gutiérrez lê Magalhães porque o projeto romântico brasileiro, baseado na natureza, pode dizer aos argentinos que o projeto tem de ser outro, porque lá outra é a paisagem. Enquanto os argentinos rasuram o tempo de Rosas para fugir da barbárie, os brasileiros buscam o Brasil natureza para neles orientar seu projeto de pátria. Ideais comuns, projetos diferentes. 

Notas

1. As referências sobre o artigo de Juan María Gutiérrez foram retiradas da edição de A confederação dos Tamoios, organizada por Maria Eunice Moreira e Luís Bueno, publicada pela Editora da Universidade Federal do Paraná, em 2009. Por esse motivo, a data das citações de Gutiérrez aparecem com data de 2009. A referência dessa edição é a seguinte: V. ARAGUAIA. Domingos José Gonçalves de Magalhães, Visconde de. A confederação dos Tamoios/por Domingos José Gonçalves de Magalhães; organizadores Maria Eunice Moreira, Luís Bueno. Curitiba: ed. da UFPR, 2007.

2. D. Pedro II solicitou a opinião crítica de Alexandre Herculano sobre o poema de seu protegido.  Em carta enviada a Pedro II, datada em Lisboa em 6 de dezembro de 1856, o escritor português teceu severas críticas à epopeia de Gonçalves de Magalhães. V. Araguaia. Domingos José Gonçalves de Magalhães, Visconde de. A confederação dos Tamoios/por Domingos José Gonçalves de Magalhães; organizadores Maria Eunice Moreira, Luís Bueno. Curitiba: ed. da UFPR, 2007: CXLVII-CLVII.

Bibliografía

1. Amante, Adriana. Poéticas y políticas del destierro. Argentinos en Brasil en la época de Rosas. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2010.         [ Links ]

2. Castello, José Aderaldo. “Introdução”. In: A polêmica sobre “A confederação dos Tamoios”. São Paulo: FFLCH-USP, 1953: VIII-XLVII.

3. Gutiérrez, Juan María. “Um poema brasileiro”. In: Gonçalves de Magalhães, Domingos José; organizadores Maria Eunice Moreira, Luís Bueno. A confederação dos Tamoios. Curitiba: Ed. da UFPR, 2007: CLXXVI-CXCVIII.

4. Gonçalves de Magalhães, Domingos José. “Carta a Juan María Gutiérrez”. In: Gonçalves de Magalhães, Domingos José; organizadores Maria Eunice Moreira, Luís Bueno. A confederação dos Tamoios. Curitiba: Ed. da UFPR, 2007: CXCIV.

5. Sarlo, Beatriz. Juan María Gutiérrez: historiador y crítico de nuestra literatura. Buenos Aires: Editorial Escuela, 1967Links ] Helvetica, sans-serif">.

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