SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.14 número1EditorialEl poder Judicial y las policies en Colombia. Un análisis del control de la Corte Constitucional en materia de salud con la sentencia T-760 de 2008 índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Indicadores

  • No hay articulos citadosCitado por SciELO

Links relacionados

  • No hay articulos similaresSimilares en SciELO

Compartir


Revista SAAP

versión On-line ISSN 1853-1970

Revista SAAP vol.14 no.1 Ciudad Autónoma de Buenos Aires jun. 2020

http://dx.doi.org/https://doi.org/10.46468/rsaap.14.1.a1 

NOTAS DE INVESTIGACIÓN

A construgáo do regionalismo deliberativo-instrumental a partir da cooperagáo setorial na América Latina (1991-2015)

The Building of Deliberative-Instrumental Regionalism: an Analysis of Sectoral Cooperation in Latin America (1991-2015)

CLARISSA FRANZOI DRI

TIAGO MOCELLIN PITTAS

1Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Brasil

2 Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Brasil mocin.tiago@gmail.com

RESUMEN

Este artigo visa oferecer um panorama do diálogo do Brasil com sua vizinhanga a partir da perspectiva da cooperagáo regional, propondo um balango da integragáo com foco nas dimensoes política e social. Para tan to, realizou-se uma categorizagáo exaustiva das normas dos órgáos decisórios do Mercosul, Unasul e CELAC desde sua criagáo até 2015, a fim de avaliar a evolugáo dos acordos em cada setor Com base nos temas mais recorrentes, foram selecionados tópicos para análise que revelam as estra- tégias da atuagáo brasileira em seu entorno. Conclui-se pelo legado de um regionalismo deliberativo e instrumentalizado. Os resultados mostram a instrumentalizagáo, por parte do Brasil, de áreas da cooperagáo regional em prol da afirmagáo de sua lideranga e imagem internacional. Paralela mente, o objetivo anunciado pelos progressismos de levar a integragáo para além das metas comerciais e económicas foi parcialmente atingido, pro porcionando de fato a estruturagáo do diálogo regional em novos temas.

Palavras-chave: Integrado regional,América Latina; Mercosul; cooperado; política externa brasileira

Abstract

This paper intends to offer a panorama of Brazil’s cooperative relations with her neighbors and to propose an assessment of regional integration focused on political and social dimensions. In order to do so, norms ema- nating from decisional organs of Mercosul, Unasur and CELAC since their creation until 2015 were categorized, so that we could verify the number of agreements in each sector. The most recurrent topics were selected for quali- tative analysis seeking to unveil Brazilian regional strategies. The conclu- sion points out to the presence of a deliberative and instrumental regional- ism. Results show that Brazil has instrumentalized regional cooperation in order to reinforce her international leadership. Nevertheless, integration beyond trade and economics, which was the goal announced by left-wing governments, was partially achieved and did allow for the building of a struc- tured regional dialogue in new areas.

Keywords: Regional integration; Latin America; Mercosur; cooperation; Brazilian foreign policy

Introdugáo1

Os objetivos anunciados pelo regionalismo latino-americano passaram por mudanzas profUndas nas últimas décadas. Enquanto nos anos 1980 as metas eram predominantemente ligadas ao retorno a democracia e ao reco- nhecimento internacional, na década de 1990 o propósito foi criar merca dos ampliados no contexto de políticas económicas neoliberais. Nos anos 2000, as forjas de esquerda no poder apresentaram medidas institucionais a fim de fortalecer as dimensóes política e social da integrado. Esse objetivo foi alcanzado? Esse artigo propóe-se a fazer um levantamento dessas inicia tivas e avaliar o papel nelas desempenhado pelo Brasil. A análise inicia-se com a lundagáo do Mercosul, em 1991, e estende-se até o momento da interrupgáo do ciclo dos progressismos no Brasil e na Argentina, ao final de 2015, quando teve inicio uma nova fase de diálogo regional mínimo, com características ainda incertas. Secundariamente, o artigo busca também con tribuir para a compreensáo da proliferagáo ou superposigáo de diferentes arenas regionais, sobretudo a partir da década de 2000. Existe uma divisáo ou complementado de tarefas entre essas instituigóes no ámbito das políti cas públicas?

Se a integrado económica náo foi aprofundada ou alargada com os governos progressistas, outras agendas parecem ter avanzado baseadas em uma perspectiva de cooperado (Malamud, 2013: 6). O Mercosul pode ter se aproximado de caminhos de construgáo de bens públicos regionais gui ados por preferencias governamentais, que mantem as decisóes no nível nacional, porém permitiriam coordenado ou harmonizado em diferen tes fases da formulado das políticas (Botto, 2011). Esse também pode ser o caso de outros grupos regionais revitalizados durante o período de regi onalismo aberto nos Andes e na América Central, que encontram dificul- dades em consolidar um mercado comum, mas experimentaram um acen tuado conhecimento cultural mútuo, definiram linhas prioritárias para cooperado ou constituíram novos arranjos baseados em uma visáo simi lar dos desafíos nacionais (Gil e Paikin, 2013). Esse tipo de abordagem vai além da análise institucional ou jurídica do regionalismo, porque póe luz nos conteúdos do diálogo regional e busca avaliar o potencial das respos tas oferecidas aos cidadáos pelas estruturas burocráticas responsáveis pe los acordos. O foco nas matérias presentes na agenda decisória, mais do que nas institui^óes, facilita também uma análise transversal e comparati va entre diferentes organismos regionais que existem simultaneamente, com os mesmos Estados-membros e com parcela ou totalidade de objetivos similares.

A discussáo sobre bens públicos globais também vem ganhando espa do na política internacional nas últimas duas décadas. O conceito originá- rio da economia come^ou a ser utilizado para a compreensáo dos conteú dos e atores do processo de globaliza^áo principalmente a partir do final dos anos 1990 (Inge et al., 1999; Albin, 2003; Inge et al., 2003) e recente- mente vinculou-se as noyóes de governan^a e regula^áo internacional (Bodansky, 2012). Uma tipologia da oferta dos bens públicos globais foi proposta por Scott Barret (2007). Mercedes Botto (2011) aplicou a ex- pressáo aos arranjos da cooperado interestatal no ámbito do Mercosul, comparando bens a políticas públicas regionais. Enquanto efeito ou consequencia dos esquemas políticos, as políticas públicas podem ser com- preendidas como os bens entregues aos cidadáos em diferentes áreas. Cor roborando essa visáo, outros estudos surgiram detalhando atores, proces- sos e metas em diversos setores da cooperado regional na América do Sul (Vazquez e Perrotta, 2012; Sarti et al., 2014; Bianculli e Hoffmann, 2016; Racovschik e Raimundi, 2016). É no mesmo sentido que o presente artigo propóe-se a estudar os bens ou políticas públicas regionais. Trata-se de examinar os resultados apresentados pelas organizares na América Lati na, indo além dos tratados e institui^óes. Este trabalho, no entanto, complementa os anteriores por oferecer dados para uma visáo sistemática e panorámica dos acordos alcanzados no ámbito do Mercosul, da Unasul e da Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (CELAC). Ademais, a presente pesquisa também se concentra no possível papel do Brasil como catalisador ou parceiro dessa cooperado.

O mapeamento do conteúdo dos acordos firmados regionalmente e a análise do papel do Brasil em sua iniciativa ou continuidade deve contri buir para testar o alcance das interpretares da política externa brasileira como nova, solidária, benigna ou criativa (Amorim, 2011: 265; Amorim, 2010: 225; Maringoni, Schutte e Berron, 2014: 4; Lima, Garcia e Pomar, 2014: 103). Na esfera regional, os dados indicam que o Brasil pode estar próximo de modelos hierárquicos e excludentes tradicionais da política internacional. Isso demonstra que as estratégias brasileiras associadas ao soft power nao sao desprovidas de interesses nem de contradices. Demonstra também que a horizontalidade, que vem caracterizando alguns projetos brasileiros no ámbito da cooperado sul-sul, pode nao estar presente em todos os setores de cooperado no ámbito das organizares regionais lati no-americanas. Mas isso nao significa que a política externa dos governos progressistas nao tenha apresentado mudanzas significativas com rela^áo aos governos anteriores, em sua atua^ao nas diferentes regióes do mundo.

Esse artigo visa contribuir para a compreensao sobre como essas mu danzas aconteceram no ámbito latino-americano, com base na no^ao de deliberado. Etimologicamente, a palavra tem origem nas ideias de ponde rar, considerar. Na tradi^ao dos estudos políticos, a deliberado está vincula da ao papel de assembleias reunidas para refletir, examinar e discutir publi camente assuntos de interesse coletivo. Neste estudo, a deliberado é utiliza da no sentido de debate e confronto pacífico e democrático de ideias que implicam em controle e direito de crítica (Chagnollaud, 1996: 185). Esse tipo de procedimento nao é novidade na América Latina, mas nos anos 2000 os canais para esse diálogo parecem ter englobado mais temas e mais Estados da regiao do que em momentos anteriores. Assim, essa pesquisa explora a ideia segundo a qual o reforjo da cooperado regional a partir de meados dos anos 2000 esteve estreitamente vinculado a tentativa de afirma do da lideran^a brasileira. Como essa tentativa implicou em investimento em espazos deliberativos regionais, ela pode ter ido além desses objetivos estratégicos primordiais brasileiros e criado arenas de diálogo de extrema releváncia para a construzao da regiao América Latina e para sua busca de autonomia.

Metodologicamente, a pesquisa pautou-se na coleta e sistematizazao de todas as normas emanadas por órgaos decisórios do Mercosul, Unasul e CELAC desde sua fundazao até 2015. No caso da CELAC, devido a ausencia de decisóes, declarazóes e comunicados presidenciais, foram uti lizados para complementar os planos de azao apresentados. A base bus- cou priorizar os atos emanados pelas instáncias decisórias, nao incluindo a agenda dos grupos de trabalho e reunióes diversas que acontecem peri- odicamente em todas as organizazóes. As normas foram categorizadas e contabilizadas em um registro anual e, no caso do Mercosul, decenal. Em cada uma das organizazóes, setores ilustrativos da atuazao brasileira fo ram selecionados para análise, com base nos temas mais frequentemente abordados nas normas.

O artigo está organizado da seguinte forma. A primeira parte revisa a literatura recente sobre a relazao do Brasil com sua vizinhanza e as princi- pais interpretazóes formuladas para explicar e avaliar a proliferazao e superposizao de organismos regionais na América Latina. A segunda par te apresenta os resultados da compilado e categoriza^áo das decisóes apro- vadas no Mercosul (1991-2015), na Unasul (2008-2015) e na CELAC (2008 2015), além da análise de alguns temas com forte presenta na agenda regional. A conclusáo confirma a instrumentaliza^áo do regionalismo por parte do Brasil em prol de outros objetivos de política externa, como indi ca parte da literatura, mas aponta também para a forma^áo de um regio nalismo deliberativo que estrutura espatos de discussáo relevantes. Reve la, ademais, certa complementaridade nos temas de trabalho das tres or ganizares, que aprofundam ou alargam temas que já vinham sendo tra- balhados em outros organismos, ou agregam novas pautas vinculadas aos Estados que náo pertenciam as organizares anteriores.

1. Entre tradigáo e inovagáo: os limites do Brasil-poténcia na política regional

A política externa ativa e altiva (Amorim, 2014: 32) de Lula, Celso Amorim e equipe gerou inúmeras análises sobre o comportamento inter nacional do Brasil e sobre as diferen^as e semelhan^as com outros perío dos históricos. Esse interesse deveu-se, em parte, aos discursos dos agen tes responsáveis sobre a estratégia de inser^áo internacional a ser implementada, com prioridade ao multilateralismo, universalismo, diver- sifica^áo de parcerias e protagonismo nas discussóes internacionais. As novas iniciativas de coopera^áo sul-sul, pautadas na chamada náo-indife- ren^a, levaram a expressáo “potencia emergente e solidária” (Faria e Paradis, 2013), enquanto a tradi^áo de náo-interven^áo e pacifismo foi reforjada por meio da defesa da “multipolaridade benigna” (Amorim, 2011: 265). Essas características romperiam com políticas anteriores de adapta^áo a certas normas e regimes internacionais e de maior convergencia com as potencias centrais (Cervo, 2003; Lima, 2005: 13; Vigevani e Cepaluni, 2007: 291-292). O governo Dilma Rouseff, embora tenha diminuído a intensidade das a^óes de política externa, náo se afastou desses princípios (Malamud, 2011b; Cervo e Lessa, 2014). De modo complementar, outra parte da literatura aponta para uma atua^áo regional menos inovadora do Brasil, sobretudo no que concerne a reprodu^áo de práticas tradicionais da política internacional no relacionamento centro-periferia. Menos do que questionar as estruturas internacionais, o Brasil estaria buscando chamar a aten^áo das potencias para suas a^óes e galgar espado no con- certo internacional. Isso se refletiria em suas ambi^óes económicas ex- tra-regionais e no baixo nível de legitimidade conquistado junto a sua vizinhan^a.

A perspectiva dos papéis sociais mostra que as aspirares brasileiras nao dependem apenas de suas habilidades e capacidades, mas também do reconhecimento de outros atores. Nesse ponto, o Brasil parece enviar por vezes mensagens divergentes a atores diferentes -por exemplo, a pa íses centrais, a parceiros extracontinentais na cooperado sul-sul ou a Es tados fronteiriqos-, o que revela as contradiques de sua estratégia. Malamud (2011a) aponta o fraco reconhecimento da lideranqa brasileira pelos Estados latino-americanos. Países de menor populaqao, como o Paraguai, percebem a manutenqao de relaqóes de hegemonia e dependen cia com o Brasil (Lambert, 2016). Potencias regionais, como o México, tentam conter a ascensao brasileira (Covarrubias, 2016). Países intermedi- ários, como Argentina, Chile e Venezuela, convivem com a ideia da lide- ranqa brasileira, desde que enquadrada pelas instituiqóes regionais (Wehner, 2015). Quando o Brasil se afasta da busca do consenso na regiao, a contes- taqao pode aumentar. No caso colombiano, a oposiqao -indireta- vem por meio da construqao de novos modelos regionais, como a Alianqa do Pacífico (Flemes e Castro, 2016). Essa contestaqao nao é hostil na América do Sul, mas sim uma tentativa de balanceamento do poder da potencia regional (Flemes e Wehner, 2015). Em linhas gerais, o potencial de repre- sentaqao internacional da regiao pelo Brasil é menos reconhecido nos te mas económicos e securitários (Wehner, 2015: 18), embora o peso económico brasileiro seja muito mais claro do que as capacidades militares (Schenoni e Actis, 2014). Essa menor legitimidade da representaqao internacional em temas económicos pode estar ligada ao fato de que alguns países inter- mediários procuram certa independencia económica do Brasil para fins de light balancing (Russel e Tokatlian, 2016: 28). Esses Estados buscariam, assim, evitar o aumento da diferenqa de poder relativo na regiao ao dificul tar a emergencia do Brasil como potencia hegemónica regional.

Nesse ponto, a criaqao de instituiqóes regionais pode derivar de uma dupla interpretaqao: meio para consolidar a lideranqa, a partir da pers pectiva brasileira, ou meio para prevenir a hegemonia do Brasil com base no diálogo e na regulaqao, a partir da perspectiva dos demais Estados. Essa proposta complementa as tentativas atuais de explicaqao da prolife- raqao e superposiqao de organizaqóes regionais na América Latina. Ulti mamente, essa diversidade de organizaqóes tem sido vista como parte de um complexo de governanqa regional definido pela elasticidade ou pluralismo institucional (Nolte, 2013 e 2016). Cada organizaqao é en tendida como parte de uma arquitetura regional mais ampla, que mol da o discurso dos membros e gera normas considerando problemas coletivos e benefícios comuns, o que deveria contribuir para a forma- qao de uma coesao regional ou regionness (Riggirozzi, 2010). A busca pela complementaridade nas agendas das reunióes de cúpula do Mercosul, Unasul e Comunidade Andina corrobora esse argumento (Dabene, 2016b). Esse sistema seria capaz de acomodar os diferentes interesses dos Estados, que podem decidir em qual organizado despender mais esfor^os, de acor- do com as suas prioridades e o contexto geral. O complexo é, assim, flexí- vel, já que ele pode se expandir para incorporar novas práticas e necessi- dades dos Estados. Ele é também multidimensional, com a coexistencia de áreas de governan^a formais e informais e instituyes com diferentes graus de consolidado e complexidade, além de dinámico, o que levaria a compromissos de curto prazo, todavia possivelmente mais espontáneos e voluntários.

Assim, se os atores sao aqueles que melhor podem decidir os contor nos e características do regionalismo, na América Latina isso nao depen- deria de transferencia de soberania e delegado de competencias (Weiffen, Wehner e Nolte, 2013: 6). Ao contrário, métodos regionais estariam sendo desenvolvidos explicitamente para que os Estados lidem com questóes de interesse comum mantendo a autonomia, inclusive com relado a poten cia regional. Esses instrumentos incluem busca de espado em instáncias deliberativas para uma diversidade de Estados interessados, múltiplas are nas negociadoras e diferentes temas inter-relacionados, formando um tipo de regionalismo modular (Gardini, 2015) ou de geometria variável (Nolte e Comini, 2016). Essa perspectiva confirmaria a tendencia de retorno da integrado económica dos anos 1990 a um diálogo cooperativo estável (Malamud e Gardini, 2012): nao há decisóes supranacionais, mas, ao in- vés disso, políticas compartilhadas em algumas áreas. No entanto, essa cooperado poderia nao representar apenas um fim em si, mas ser instrumentalizada para afirmar a lideran^a ou para conter a lideran^a.

O marcante tra^o conjuntural e imediatista de algumas políticas po deria reforjar esse argumento. Estudando o processo de formado da agen da da Unasul, Dabene (2016a) argumenta que essas políticas sao contin gentes, dependendo principalmente dos contextos políticos e económicos. Causas estruturais também desempenhariam um papel, como a presenta dos governos de esquerda que fazem esfor^os por uma cooperado menos centrada no comércio. A Unasul, contudo, é principalmente reativa e sua agenda é parcialmente resultante de eventos desordenados seguidos por cúpulas de emergencia e esfor^os na soludo de crises (Dabene, 2016a). Apresentando argumentos contrafactuais, o autor mostra que a exclusao do comércio, a inclusao da defesa e a manutenáo da democracia dentro dos tópicos prioritários para deliberado consistem em respostas de curto prazo a eventos cruciais, como as negocia^óes comerciais com os Estados Unidos, a guerra ao terror ou crises políticas nacionais.

Em uma análise conjunta da atuanáo da Unasul e da Organizado dos Estados Americanos (OEA) em episódios de crise da estabilidade demo crática, Weiffen (2017) conclui que ambas organizares podem atuar de modo competitivo ou cooperativo, dependendo da dinámica de poder regional no caso. Nem sempre um cenário competitivo pode ser associado a efeitos negativos, mas ele pode levar a contestado de normas e bloquear as anóes positivas desejadas pelas organizantes envolvidas. A alta depen dencia das interanóes estatais já em andamento para a determinado da dinámica entre as organizares (Weiffen, 2017) reforna a ideia de que a superposináo institucional pode ser explicada pelas estratégias de lideran- na. A análise empírica deve contribuir para uma conclusáo mais precisa sobre as causas e as consequencias da pluralidade de instituinóes regio- nais, e, portanto, sobre os papeis das potencias nesse quadro. Hipotetica- mente, considerando um estudo que integra a OEA e os Estados Unidos, o Brasil teria incentivado a crianáo de diferentes arenas negociadoras pro curando canais extras de influencia sobre seus vizinhos. Mas os Estados intermediários podem exercer uma forna de reanáo, respaldados pela ins- tituináo regional, quando assim o desejarem.

Uma visáo menos otimista da proliferanáo de instituinóes regionais e da resiliencia do regionalismo latino-americano é trazida pela psicologia social. Segundo Dubé e Thiers (2017), as instituinóes regionais na Améri ca Latina podem ter-se tornado um valor em si mesmas, e as dificuldades de defecnáo estáo relacionadas a lanos emocionais e custos percebidos de retirada. O grupo também pode pressionar os membros, expressa ou ta- citamente, pela manutennáo da adesáo. Ademais, a dissonáncia entre os objetivos desejados e os efetivamente atingidos pode ser mitigada com dados e argumentos seletivos, e esse tende a ser o caso quando recursos importantes já foram empregados em certa direnáo. No entanto, se os resultados sáo escassos com relanáo as metas declaradas, as dinámicas geradas nesses processos negociadores e deliberativos demandam mais atennáo.

A diferenna, no caso do Brasil, entre a retórica de prioridade para a integranáo regional e a prática de forte presenna em acordos globais, tam bém parece clara na esfera comercial. A partir de um ponto de vista económico-comercial, em algumas fases as relanóes extra-regionais podem ser interpretadas como mais vantajosas para países em desenvolvimento, especialmente no tocante a atranáo de investimentos e a exportanáo de bens primários. Nesses momentos, as potencias regionais podem ausen- tar-se da cooperanáo regional a fim de priorizar parcerias globais, e essa defecnáo traz graves consequencias a vitalidade dos processos de integranáo em curso (Krapohl, Meissner e Muntschick, 2013). A atranáo económica extra-regional é um dos motivos para o interesse brasileiro crescente na África e na Ásia a partir de 2005, consubstanciado, sobretudo, em redes como BRICS, IBAS e Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), e para a Parceria Estratégica Brasil-Uniáo Europeia. No entanto, a América Latina, com destaque especial para o Mercosul e a Argentina, ainda é um mercado de grande relevancia para os produtos industrializa dos brasileiros e mantém a marca média de destino de 10% do total das exportares brasileiras2. Assim, o comportamento brasileiro focado no ámbito extra-regional nos anos 2000 nao tem necessariamente um viés inovador ou imaginativo, mas retoma, em partes -principalmente na ex portado de commodities-, a história da política externa brasileira. Mais desafiador seria, por exemplo, considerar seriamente o ambito regional como alternativa para fomentar um comércio de alto valor agregado em momentos de (re) primarizagáo da pauta exportadora.

Os limites da política latino-americana do Brasil e, sobretudo, de sua lideranga regional sao também expostos por uma perspectiva construtivista. Quando se considera que a formado dos interesses segue as identidades, a presenta ou a construgáo de uma identidade coletiva regional tornaria essa lideranga mais provável. Sendo essa identidade comum quase inexistente na regiáo em elementos estruturais, sistemicos e discursivos, a atuado brasileira poderia ser melhor definida por hegemonia do que por lideranga (Mesquita, 2016). Como hegemon, o Brasil persegue suas estraté- gias individuais apresentando-as como se fossem coletivas em vez de efetivamente buscar bens coletivos (Mesquita, 2016: 6). Desse modo, o Brasil deixa de oferecer bens públicos que aumentariam a legitimidade de sua atuado regional (Flemes e Wehner, 2015: 167; Burges, 2015). Essa ideia coloca em xeque a hegemonia consensual que pode ter sido buscada pelo Brasil na América Latina (Burges, 2008), pois enfraquece a aceitado dos valores do hegemon pelos vizinhos. Assim, se a conquista da hegemonia regional é um objetivo da política externa brasileira, ela surge como cada vez menos consensual -e mais tradicional-, considerando a perda de credibilidade com relado aos objetivos anunciados.

A classificado do Brasil como hegemon, ao invés de líder latino-ameri cano, aponta na diredo de um regionalismo instrumental e reativo, como se a cooperado fosse estruturada para manter a autonomia brasileira. Essa estratégia serviria a manutengáo da estabilidade regional por meio da ges- táo de crises, a promodo da imagem brasileira como líder por meio do aumento das capacidades regionais e da previsibilidade das a^óes gover- namentais, e a tomada de posido regional em assuntos delicados, de modo a preservar os governos nacionais, além de atuar como rea^áo contra inici ativas externas indesejadas (Medeiros, Teixeira J r e Reis, 2017: 118; Lazarou e Luciano, 2015: 15-17). Do ponto de vista institucional, a própria criado do Parlamento do Mercosul em 2005, defendido oficialmente como fomentador da democracia no bloco, já foi apontada como instrumento para afastar a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) (Medeiros e Dri, 2013; Dri, 2014). Do ponto de vista legal, o baixo nivel de incorpora do das normas do Mercosul nos ordenamentos jurídicos nacionais pode indicar um interesse maior na assinatura e na publicidade dos acordos do que em sua efetiva implementa^áo (Ventura, Onuki e Medeiros, 2012; Arnold, 2016). A prática das “promessas vazias” permite aos Estados mem- bros, por exemplo, aprovar normas de reforjo da integrado económica para contornar um momento de crise, sem que essas regras precisem ne- cessariamente entrar em vigencia mais tarde (Arnold, 2016: 6).

Esse fato parece estar relacionado com o que Jenne e Schenoni (2015) chamam de regionalismo declaratório, ou seja, a persistencia de afirma- des retóricas sobre a integrado regional. Estudando as falas dos presidentes latino-americanos nas sessóes anuais da Assembleia Geral das Nades Uni das, as referencias a unidade regional e as instituyes do continente sáo significativas, e sáo ainda mais presentes nos discursos dos chefes de Esta do de esquerda. Essa interpretado se confirma quando se analisam os discursos sobre identidade regional no ámbito da Unasul (Meunier e Medeiros, 2013). A identidade compartilhada pelos países da regiáo, base- ada em valores e em uma história comuns, náo se reflete nos acordos e políticas regionais concretas com a mesma intensidade que possui nas declara^óes das autoridades, pelo que a legitimidade das instituidas regi- onais pode ser buscada em elementos externos, como no espelhamento em relado a Uniáo Europeia (Medeiros, Meunier e Cockles, 2015).

A essas debilidades, que restringem as possibilidades de uma efetiva lideran^a brasileira, soma-se outra deficiencia das organiza^óes regionais na América Latina: náo ter aumentado significativamente os níveis de par ticipado social e diálogo com a sociedade civil. O reforjo dos aspectos políticos do regionalismo na década de 2000 incentivou o papel de atores tradicionais, como governos e partidos, mas deixou de incluir de modo substancial atores sociais que, em alguns casos, conformam redes regio nais há várias décadas e já foram os responsáveis pela condudo de agen das anti-hegemónicas (Serbin, 2013: 302). A abordagem centrada exclusi vamente no Estado, e mais ainda nos poderes executivos, pode ocasionar políticas de cima para baixo mesmo em temas de grande mobiliza^áo e interesse, como políticas sociais ou ambientais. As práticas da diplomacia parlamentar (Costa, Dri e Stavridis, 2013), da diplomacia federativa (Medeiros e Saraiva, 2009; Botto, 2013) e da diplomacia civil (Sanchez, 2004; Barros, 2011) sao difícilmente reconhecidas pelos ministérios de relances exteriores, que ainda sao os atores centrais e quase exclusivos dos blocos regionais. Sao inúmeras as iniciativas de deputados, senadores, pre- feitos, vereadores, organizares militantes ou associa^óes profissionais, entre outros atores, para a gestao de temas transnacionais, mas essas a^óes encontram grande resistencia nas burocracias que gerem as instituyes regionais. Assim, persiste o quadro geral latino-americano de baixa ca- pacidade de influencia dos movimentos sociais nas políticas externas (Malamud, 2016).

O carisma e a popularidade de líderes como Lula e Néstor Kirchner conseguiram contornar essas evidencias durante algum tempo e manter em um nivel bastante positivo as relances regionais, mas o personalismo nao é suficiente na cria^áo de dinámicas institucionais duradouras. Sem a implementa^áo de políticas compartilhadas no ámbito das organizares, seria cada vez mais difícil para o Brasil manter a retórica da prioridade regional. É interessante notar que os limites da integra^áo nao dependem exclusivamente da agencia dos tomadores de decisao brasileiros, mas po- dem também ter causas sistemicas. É possível que o crescimento económico e a visibilidade internacional das potencias regionais estejam conduzindo um processo de multipolaridade centrífuga, que desestimula a integra^ao regional enquanto reforja os la^os extra-regionais entre os países emer gentes (Garzón, 2015). Por outro lado, a situa^ao de subdesenvolvimento económico da América Latina pode também influenciar na difícil manu- ten^ao dos compromissos regionais. A dependencia externa, as incertezas financeiras e as estratégias das grandes corpora^óes multinacionais pare- cem determinar as crises do regionalismo latino-americano tanto quanto fatores endógenos (Botto, 2017).

Se considerados seriamente, os fatores exógenos podem questionar a suficiencia das tentativas apresentadas até aqui para a caracteriza^ao do regionalismo latino-americano nos anos 2000. Todos esses recortes analí ticos apreendem aspectos essenciais da realidade política latino-america na e explicam em grande medida o modo de funcionamento e as razóes para a continuidade dos projetos regionais, além do tipo de comporta- mento avanzado pelo Brasil. Os estudos argumentam que, devido ao bai- xo grau de identidade compartilhada, o Brasil nao é considerado líder nato da regiao. Assim, instrumentaliza o regionalismo buscando essa lide- ran^a e também a manuten^ao de uma margem importante de autono- mia. O regionalismo também é reativo contra a^óes externas indesejáveis, formal por consistir em um valor em si mesmo, declaratório consideran do a dose de retórica discursiva a ele associada, e centralizado pelo fato de que as decisóes precisam da chancela dos ministérios de relances exterio res. Essa tipologia é válida e pertinente, mas pode nao ser suficiente.

Esse artigo pretende contribuir para o debate sobre a caracterizado do regionalismo latino-americano e sobre a atua^áo regional do Brasil a partir do ponto de vista da deliberado. Desde essa perspectiva, as institui- des regionais parecem ter gerado uma dinámica de debates relevante na arena política. Os números da cooperado setorial no ámbito dos blocos regionais, oferecidos a seguir, demonstram que as negociares foram con tinuas e intensificadas nos anos 2000, o que favorece a formado de canais de diálogo estáveis entre os vizinhos nos mais variados temas da atua^áo estatal. Ou seja, se as práticas incluem o regionalismo instrumental, po- dem náo se restringir a ele. Na sequencia, apresenta-se um panorama quan- titativo das normas aprovadas no Mercosul, na Unasul e na CELAC e uma análise qualitativa de situa^óes representativas que ilustram o papel desempenhado pelo Brasil em seu entorno regional.

2. Os conteúdos do regionalismo deliberativo e instrumental

Esta sedo objetiva apresentar um quadro exaustivo e sistematizado dos temas tratados nas instáncias decisórias do Mercosul, Unasul e CELAC desde suas respectivas origens até o final de 2015. Esses tres organismos foram escolhidos por contarem com a participado brasileira, cuja retórica referente a integrado regional pretende-se verificar nesse estudo. A codificado temática reflete a enfase dada pelas próprias institui^óes a cada setor. Uma área similar entre todas é o rótulo “institucional”, que se refere a atos que regulam o funcionamento interno das organiza^óes. Náo se indica aqui o nivel de implementa^áo de cada normativa, mas apenas a entrada de cada assunto na agenda regional. Assume-se que a simples inclusáo de certos tópicos na pauta das unidades decisórias dos blocos latino-americanos demonstra algum interesse no seu tratamento regional. Oferece-se um panorama das ideias ou dos projetos que foram cogitados nos mais altos escalóes políticos de cada organizado, e que tinham, por tanto, potencial de tornarem-se políticas regionais. Após o mapeamento, os temas mais recorrentes em cada organizado sáo objeto de análise qua litativa. Náo se trata aqui de estudos de caso, que exigiriam outros espa tos, mas sim de exemplos que revelam a atua^áo brasileira na regiáo e o caráter deliberativo-instrumental do regionalismo que vem sendo construido.

O Mercosul teve seu ato constitutivo em 1991, calcado em impor tantes iniciativas anteriores como a Associadño Latino-americana de Li- vre Comércio de 1960, a Associadño Latino-americana de Integrado de 1980, a aproximadlo energética entre os países do Rio da Prata nos anos 1970 e os acordos de cooperado Brasil-Argentina dos anos 1980. Con cebido para fortalecer os regimes democráticos e a insereno internacio nal dos países do Cone Sul (Seitenfus, 1989; Medeiros, 2000), além de estimular o livre-comércio por meio da construyo de um mercado co- mum (Gardini, 2007), o Mercosul está entre as iniciativas mais ambicio sas de integra^ño regional na América Latina. Além dos quatro sócios- fundadores, o Mercosul promoveu a adesño da Venezuela a partir de 2006, e sua posterior suspensño em 2017. Embora tenha dinamizado o comércio intra-regional, o Mercosul ainda nño conseguiu alcandar seus objetivos de integradlo económica (Vaillant, 2014). A partir de meados dos anos 2000, o bloco vem investindo em objetivos políticos e sociais, espelhados na criadño de órgños como o Parlamento do Mercosul em 2005, o Instituto Social do Mercosul em 2007 e o Instituto de Políticas Públicas em Direitos Humanos em 2009. Apesar dessas mudandas, os tres únicos órgños com poder decisório continuam os mesmos desde as origens do bloco e sño formados majoritariamente por representantes dos ministérios de reladóes exteriores de cada país: Conselho Mercado Comum, Grupo Mercado Comum e Comissño de Comércio. A agenda com base nas normas aprovadas segue na tabela 1 e nos gráficos 1 e 2. A tipologia condensa os atos desses tres órgños e faz referencia ñ vocadño principal da norma ressaltada em seu preñmbulo.

Tabela 1 Agenda Mercosul por período 1991-2015 

Gráfico 1 Agenda Mercosul consolidada 1991-2002 

Gráfico 2 Agenda Mercosul consolidada 2003-2015 

Em linhas gerais, o tema do livre comércio diz respeito aos atos vincula dos a regulamentagao (evolutiva ou regressiva) da liberalizagao comercial e de servigos, e a harmonizagao tarifária para constituigao da uniao aduanei- ra. Os anos 1990 testemunharam o auge dos esforgos pela liberalizagao, enquanto a partir de 2005 as normas dessa categoria mencionam mais a adequagao de tarifas comuns a previsóes de abastecimento e necessidades nacionais. Justina refere-se a cooperado jurisdicional e ao desenvolvimento do sistema de soludo de controvérsias no bloco. Percebe-se que o foco na primeira década do bloco foi a liberalizado comercial e, em menor medida, a cooperado policial para o combate a ilícitos. As dificuldades de implementado dessas decisóes ficam claras nas próprias normas, que se repetem anualmente e cujos textos buscam orientar os órgáos nacionais so bre como agir face a nova normativa regional. A partir dos nos 2000, temas como inclusáo social, democracia e cooperativismo entraram na agenda do bloco. O tema da agricultura, a partir de 2005, faz referencia sobretudo a encontros sobre agricultura familiar, e as normas sobre cultura no mesmo período sáo majoritariamente relacionadas ao cinema e co-produ^óes cine matográficas. A partir de 2010, a temática dos direitos humanos cometa a incluir discussóes sobre povos indígenas e afrodescendentes.

Uma análise mais específica dos temas numericamente mais represen tativos, e com maior variado de uma década a outra, inclui as rela^óes inter- nacionais do Mercosul, a saúde e a infraestrutura. No caso das rela^óes in ternacional, estáo incluídos acordos de liberalizado comercial, cooperado e diálogo político com países ou organiza^óes internacionais, além de nor mas para associa^áo ou adesáo ao bloco e normas que definem as priorida des em termos de cooperado financeira e técnica recebida. A partir dos anos 2000, o número de acordos com esses conteúdos aumentou conside- ravelmente, mostrando o interesse crescente no Mercosul por parte de ou- tros Estados e organiza^óes, ademais de revelar o interesse dos membros em melhorar e diversificar sua inser^áo internacional, considerando a pluralidade dos parceiros signatários. Aqui se infere a criado de uma dinámica de diálo go entre as diplomacias dos países do Mercosul sobre seus relacionamentos externos, embora o Brasil tenha adotado concomitantemente uma estraté- gia de inserdo internacional unilateral.

Os debates sobre saúde estáo presentes no Mercosul desde sua fundado, devido a necessidade de eliminar obstáculos técnicos para a livre circulado de alimentos e fármacos, além de estabelecer padróes regionais para a agropecuária e a indústria. Gradualmente, o grupo de trabalho encarregado desse tema passou a tratar de pautas mais amplas do que o livre-comércio, como coopera do técnica em saúde, aquisi^áo de medicamentos e vigiláncia epidemiológica (Queiroz e Giovanella, 2011: 185). Esses temas ganharam espado considerá- vel a partir dos anos 2000, estruturando uma importante arena de delibera do transnacional envolvendo profissionais de saúde dos países do bloco. Essa dinámica foi transportada para a nascente Unasul em 2008, cujo Conselho de Saúde é considerado relevante espado de prática política (Riggirozzi, 2015a); de solidariedade, de prática coletiva e de luta por soberania e autonomia (Herrero, 2017); de reivindicado de direitos e justi^a social e de constru^áo de caminhos alternativos para a saúde global (Riggirozzi, 2015b).

As iniciativas brasileiras em saúde no plano internacional devem-se em grande parte a estrutura^áo desse servido público e universal a partir da redemocratizado, o que gerou uma burocracia militante e organizada na de- fesa das pautas sanitárias. O empreendedorismo dos atores brasileiros nesse tema, no Mercosul e na Unasul, levou a construyo de espatos regionais de comunicado e de troca de experiencias que buscam garantir e reforjar o acesso a saúde nos Estados-membros (inclusive dentro do próprio Brasil). Um momento representativo desse processo foi a criado, em 2009, do Insti tuto Sul-americano de Governo em Saúde (ISAGS), com sede no Rio de Ja neiro e a nomeado de diretor brasileiro a partir de iniciativa da Fundado Oswaldo Cruz, vinculada ao Ministério da Saúde. No entanto, apesar da estruturado de diálogos e práticas de extrema relevancia, persistem dificul- dades na cooperado regional em saúde, como a falta de harmonizado das legisladas nacionais e das bases de dados, a desigualdade no acesso a tecnologia, os obstáculos para o reconhecimento mútuo do exercício profissional e a falta de estrutura nas regióes de fronteira (Queiroz e Giovanella, 2011: 187), o que demonstra uma lideran^a brasileira mais focada na exportado das práticas domésticas do que na negociado e concertado regional.

No tocante a infraestrutura, a temática ganhou destaque a partir da criado do Fundo para a Convergencia Estrutural do Mercosul (FOCEM) em 2005. No entanto, a Inciativa para Integrado da Infraestrutura Regio nal Sul-Americana (IIRSA) já estava em andamento desde 2000, sendo pos teriormente anexada a Unasul como um de seus principais eixos. Em am bos os casos, linhas or^amentárias específicas foram atribuidas a projetos de transporte, energia, comunica^óes, logística e urbanismo, e equipes de tra- balho para gestáo dos projetos foram montadas, gerando uma dinámica transnacional de relevo nessas áreas. O Brasil participa como um dos financiadores centrais das iniciativas, considerando seu produto interno bruto relativo na América do Sul. No entanto, sobretudo no caso do Mercosul, o ornamento do FOCEM é bastante restrito e o Brasil apenas acatou a cria do do órgáo, que era demanda antiga dos sócios menos populosos, como moeda de troca para a criado do Parlamento do Mercosul (Dri, 2014: 207).

A Unasul, por sua vez, foi oficializada em 2008 com a assinatura de seu tratado constitutivo, e é composta pelos 12 estados sul-americanos. Trata-se da cristalizado de um novo momento no regionalismo latino-americano, vin culado a chegada das forjas de esquerda ao poder. O período entre o inicio da década de 2000 e meados da década 2010 é usualmente caracterizado como a quarta onda regional na América Latina, marcada pela “integrado pós- comércio” (Dabene, 2016b: 32), como um momento de regionalismo pós- liberal (Veiga e Rios, 2007; Sanahuja, 2008), maximalista (Briceño-Ruiz, 2010), estratégico (Bizzozero, 2011), ou pós-hegemonico (Tussie e Riggirozzi, 2012).

Sua origem está vinculada a iniciativa brasileira de formagao da Comunidade Sul-americana de Nagóes (CASA), baseada na aproximadlo entre o Mercosul e a Comunidade Andina a partir de componentes comerciais e políticos. No decorrer das negociares, as críticas venezuelanas foram incorporadas no sen tido da inclusao de temas sociais, como cidadania e identidade, o que refletia a disputa em curso entre Brasil e Venezuela pela lideranga regional (Briceño- Ruiz, 2010). Seus atos normativos principais, segundo o Regulamento Geral da Unasul, sao as decisóes emanadas das cúpulas presidenciais, as resolugóes das reunióes de ministros e as disposigóes operacionais do conselho de dele gados (tabela 2 e gráfico 3). Assim como no Mercosul, os conselhos setoriais, criados gradualmente a partir de 2008, podem apresentar propostas aos pre sidentes, mas por intermédio do conselho de delegados, que é formado por diplomatas representando cada um dos Estados-membros.

Tabela 2 Agenda Unasul anual 2008-2015 

Gráfico 3: Agenda Unasul consolidada 2008-2015 

Panoramicamente, a normativa institucional refere-se a gestao do orga- mento e a análise de projetos candidatos a financiamento pelo fundo comum, o que demonstra maior institucionalidade do que a CELAC, conforme se verá diante. Mesmo assim, o espago desse tópico nao se compara a tentativa de arquitetura institucional do Mercosul e denota um novo modelo de orga- nizagao regional, mais próximo das coalizoes ou redes do que das organiza- goes internacionais clássicas. Muitas decisoes temáticas sao referentes a cria- gao dos conselhos setoriais e a grupos de trabalho que se reúnem periodica- mente, ou seja, o tema da norma tem continuidade nas discussoes setoriais. Em termos específicos, quantitativamente percebe-se a continuidade dos te mas de saúde e infraestrutura, já destacados no último período do Mercosul, e a importancia de novas pautas como democracia e defesa. Nesse último

ponto, nota-se uma mudanza de foco da cooperazáo policial, presente nos primeiros anos do Mercosul, para a enfase em defesa na estruturazáo da Unasul. Embora tenha provocado um reforjo do diálogo e um espado de busca de autonomia com relazáo aos Estados Unidos, o Conselho Sul-Ameri- cano de Defesa serviu mais aos propósitos do Brasil de tornar-se um influente ator global e de consolidar sua influencia regional, do que a criazáo de confi anzas mútuas e estratégias conjuntas de seguranza e defesa (Vaz, Fuccile e Rezende, 2017). Por outro lado, os escassos investimentos brasileiros na área da defesa tornam necessária essa arena de deliberazáo, mostrando que o Bra sil também depende da regiáo para a construzáo de sua própria autonomia.

A pauta da democracia demonstra a tentativa de centralizazáo de um espazo de deliberazáo política sul-americanajá existente, mas de modo difuso. As missóes de acompanhamento eleitoral passaram, em alguns casos, a ser coordenadas no ámbito regional, e as crises políticas nacionais ganharam um novo fórum para seguimento e avaliazáo. Isso fica claro também nas normas destinadas a situazóes nacionais específicas (notadamente Haiti, Venezuela, Bolívia e Paraguai). A autonomia de um espazo sem a participa- záo dos Estados Unidos reforza a vocazáo da Unasul como arena de discus- sáo política multilateral para temas sensíveis e centrais para a regiáo, embo- ra as azóes de mediazáo desempenhadas tenham sido incipientes e compa- ráveis a uma diplomacia preventiva dependente de secretários-gerais de gran de peso político (Borda, 2012: 20).

A criazáo da CELAC foi anunciada durante reuniáo de Estados lati no-americanos no México, em 2010, e oficializada na reuniáo de Caracas de 2011. Duas reunióes anteriores de concertazáo e diálogo, realizadas em 2008 e 2009 no Brasil e na Jamaica, respectivamente, lanzaram as bases imediatas da nova organizazáo. Suas origens estáo vinculadas ao Grupo do Rio e aos esforzos coletivos pela renegociazáo da dívida externa dos Estados latino-americanos nos anos 1980. Nas declarazóes finais das pri- meiras reunióes, ressalta-se o objetivo de fortalecer a cooperazáo em áreas de interesse comum com base nos princípios de flexibilidade, diversidade, complementariedade de azóes e participazáo voluntária nas iniciativas. A organizazáo tem como membros todos os 33 Estados latino-americanos e caribenhos e realiza uma cúpula de presidentes por ano desde 2013. Os documentos emanados dessas cúpulas, bem como das reunióes fundacionais, sáo apresentados na tabela 3 e no gráfico 4. Essa sistematizazáo inclui as declarazóes e comunicados de chefes de Estado e de governo, bem como reunióes e seminários setoriais anunciados nos planos de trabalho anuais. Os documentos das reunióes de ministros de relazóes exteriores e das reuni- óes dos coordenadores nacionais náo foram contabilizados porque náo es- táo disponíveis publicamente.

Tabela 3 Agenda CELAC anual 2008-2015 

Gráfico 4 Agenda CELAC consolidada 2008-2015 

Tres elementos merecem destaque na agenda da CELAC. Em primeiro lugar, a importancia do tópico seguranza e defesa, que dá seguimento a pauta da Unasul. Nesse item, estáo agrupadas principalmente declarares sobre o tráfico de armas, cyber seguranza e o terrorismo, ponto no qual a organizado faz referencias indiretas ao terrorismo de Estado praticado por países ocidentais. Um segundo elemento de destaque é o espado para novos temas trazidos pelos países da América Central e do Caribe. Em direitos humanos, por exemplo, as men^óes á memória sobre o passado escravocrata da regiáo e a prote^áo dos povos indígenas sao recorrentes, e mais recente- mente entraram temas como genero e racismo. De modo similar, o tema da cultura ressalta a importancia de práticas e ritos indígenas ancestrais e patrimonios naturais para a identidade da regiáo. No item meio ambiente, a necessidade de organizado regional frente as catástrofes naturais, frequen- tes sobretudo nos países caribenhos, é mencionada, assim como preocupa- ^óes com a mudanza climática. Em terceiro lugar, surgem como relevantes as preocupa^óes com particularidades e crises nacionais, o que reflete a con- tinuidade, agora com novas propor^óes, do fórum de diálogo político esta- belecido na Unasul. Nas sínteses das reunióes, a CELAC insiste na necessi dade da superado do subdesenvolvimento na regiáo, concentrando o foco das cúpulas em tópicos como o combate á fome e á pobreza e a participado da América Latina e Caribe na constru^áo da agenda internacional de de- senvolvimento sustentável.

Brasil e México sáo apontados como os estados mais ativos no surgimento dessa nova organizado (Rojas, 2010: 7), que é vista pelos mexicanos como complemento ou rea^áo á iniciativa anterior sul-americana. Com efeito, a notícia da criado da Unasul havia sido recebida como um choque pela diplomacia mexicana, que a comparou a um tipo de doutrina Monroe tropi cal: “América do Sul para os brasileiros” (Covarrubias, 2016: 54). A CELAC representaria, assim, a afirmado mexicana e ilustraria a presenta de ambos os líderes, Brasil e México, no diálogo regional. A orientado da agenda demonstra, de fato, a voca^áo da CELAC para a concertado de posi^óes em esferas internacionais -especialmente no tocante ao desenvolvimento- e para a consolidado de um espado político moderador sem a presenta dos Estados Unidos -excluindo, portanto, a clivagem Norte-Sul-, na esteira do histórico de mediado de crises e tensóes do Grupo do Rio (Rojas, 2012: 19). Isso pode ser observado pela presenta, nas discussóes, de temas como a questáo das Malvinas, o embargo cubano e as crises domésticas colombia na, haitiana e venezuelana, e também pela preocupado expressa nas decla radas em fomentar a cooperado sul-sul. Pode-se afirmar que os esfor^os regionais nos anos 2000 resultaram, assim, na criado de instáncias deliberativas especializadas em temas de interesse para a regiáo. Esses espa- dos deliberativos nao apenas encerram um grande potencial de diálogo e mediadáo política, como já promovem a aproximadlo e o conhecimento mútuo entre países vizinhos. Podem ser considerados como aprofundamento e alargamento do processo de regionaliza^áo na América Latina iniciado nos anos 1960.

Voltando ao comportamento brasileiro, percebe-se, paralelamente aos espatos de deliberado mencionados acima, certa instrumentaliza^áo des- sas tres instancias regionais por parte do Brasil em prol de objetivos outros que náo apenas a integrado regional, conforme apontado por parte da literatura revisada na primeira parte do texto. Essa inferencia deriva das situa^ñes analisadas até aqui, especialmente dos temas de mais destaque na agenda da Unasul. A priorizadáo de tópicos como saúde, defesa e de mocracia demonstra o ativismo de atores brasileiros na elevadáo de seus interesses ao plano regional. Nesse processo, ao mesmo tempo em que o Brasil facilita arenas de deliberadáo, ele também avanda suas ideias prévias sobre cada um desses setores, oferecendo e financiando treinamentos, com- partilhando experiencias brasileiras exitosas e buscando mediar conflitos políticos. O Brasil coloca-se, nesses temas, mais como provedor do que receptor de soludñes, o que corresponde ao comportamento de quem busca lideranda. A própria formadáo da Unasul e da CELAC contou com gran de empreendedorismo da parte do Brasil, o que pode advir de um desejo de alargar sua zona de influencia e estabelecer canais de diálogo perma nente para além dos países do Mercosul.

A instrumentalizadáo das arenas regionais revela-se também em casos ausentes ou menos relevantes no panorama quantitativo das normas. Por exemplo, os direitos das mulheres e dos migrantes foram tópicos avadados fortemente pela diplomacia argentina nos anos 2000, assim como as ques- tñes de ciencia e tecnologia vinculadas ao desenvolvimento produtivo no caso do Uruguai. Nem todos os projetos propostos por esses países, basea- dos em experiencias ou necessidades argentinas e uruguaias, foram trata dos com centralidade no ambito no Mercosul ou receberam continuidade por parte de atores brasileiros. Sobre as questñes de genero, a Argentina propós, a partir de 2013, o foco no empoderamento económico das mulhe res, ao invés de restringir as discussñes no Mercosul ao combate a violencia de genero. Os projetos argentinos náo foram considerados como fonte de novos acordos regionais no setor (Palma, 2016). Nos temas migratórios, a Argentina foi pioneira na regiáo com a adodáo, em 2003, de uma nova legis- ladáo garantista dos direitos dos migrantes. Iniciou-se um ativismo argenti no, por um lado, pela adodáo plena da livre-circuladáo de pessoas no Mercosul, e, por outro lado, pela harmonizadáo das legisladñes migratórias nacionais. O primeiro objetivo foi atingido com o Acordo de Residencia do

Mercosul, que entrou em vigor em 2009. Sobre as mudanzas legislativas, apenas o Uruguai emulou a proposta argentina, sendo que o Brasil tardou nas discussóes sobre a reforma normativa e apenas promulgou sua nova Lei de Migra^óes em 2017, sem que tenha havido grande interesse, por parte dos responsáveis brasileiros, sobre o modelo argentino (Culpi e Pereira, 2016). No entanto, o Brasil participou ativamente das discussóes desses fóruns setoriais e cooperou com os debates em andamento. A abertura para essas arenas de deliberado provocou o reforjo do regime regional de prote^áo aos migrantes e refugiados, com o já citado Acordo de Residencia e a Decla rado de Principios do Mercosul sobre Prote^áo Internacional dos Refugia dos, assinada em 2012.

Esses casos merecem exame mais detalhado em futuros estudos, que identifiquem principalmente os atores centrais em cada etapa dos proces- sos. Com os dados atuais, pode-se concluir por um duplo resultado das práticas regionais nos anos 2000. De um lado, tem-se a instrumentaliza^áo do regionalismo em prol da lideran^a do Brasil e de sua imagem internaci onal presente nas políticas que foram pautadas pelos representantes brasi leiros nas tres organizares. De outro lado, ao mesmo tempo verificam-se esfor^os coletivos, inclusive da parte brasileira, pela formado de arenas de deliberado entre vizinhos, dispostos a criar condi^óes para solucionar con- flitos, mediar crises e mesmo compartilhar planos de desenvolvimento sem influencia externa direta. Os limites desses resultados relacionam-se com o reconhecimento restrito e parcial da legitimidade brasileira para representa do internacional da regiáo, e com as incertezas atuais sobre a permanencia dos espatos deliberativos criados. Um maior fortalecimento da cooperado regional, por meio da implementa^áo de políticas efetivamente comparti- lhadas, baseadas em altos níveis de complacencia por parte do Brasil e dos outros Estados da regiáo, teria construído cenários diferentes para a lide- ran^a brasileira e para a estabilidade do diálogo e da integrado regional?

Conclusáo

Este artigo buscou trabar um balando das iniciativas dos governos pro- gressistas para a América Latina, com especial enfase na avalia^áo da atua^áo brasileira. Buscou também mapear e interpretar a complementaridade ou a concorrencia de pautas temáticas entre o Mercosul, Unasul e CELAC. Para isso, na primeira parte foi apresentada uma revisáo da literatura especializa da em regionalismo e suas visóes sobre o potencial e as características da lideran^a brasileira. Calcados entre a apologia da solidariedade regional bra sileira e as críticas ao seu frágil e autoproclamado status de líder regional, os argumentos trouxeram a necessidade de explicar de modo mais concreto quais foram os pontos fortes e as limitares do Brasil em sua política externa para a regiao. Assim, a segunda parte apresentou dados sistemáticos sobre as agendas dos órgaos decisórios de tres organizares regionais com partici pado brasileira, com base na premissa de que a compreensao das possibili- dades de construyo de um regionalismo na heterogeneidade (Lima, 2013: 177) requer análise informada empiricamente (Legler, 2013: 342). A análise qualitativa dos acordos aprovados no Mercosul, na Unasul e na CELAC permitiu verificar algumas tendencias.

Entre as décadas de 2000 e 2010, houve de fato uma aproximado entre os Estados latino-americanos para além dos ámbitos económico e comerci al, mas o Brasil nao demonstrou o mesmo comprometimento que requeria de seus vizinhos. Os assuntos relevantes aos atores brasileiros tornaram-se as pautas regionais prioritárias, o que revela pouca abertura, por parte do governo, a temas mais caros a outros países. O governo e a diplomacia pare- cem ter trabalhado, na busca dos consensos, por lideran^a e estabilidade regional, mais do que por cooperado regional como os documentos oficiais anunciavam. A integrado regional foi assim instrumentalizada com a fina- lidade de contribuir para a afirmado da lideran^a, e nao evoluiu para a construdo de políticas compartilhadas ou bens públicos regionais. Pouco se avan^ou nos níveis de regulado e redistribuido regional nos setores normatizados pelas organizades. Reforja essa interpretado o fato de que os temas que emergiram na categoriza^áo dos dados ressaltam certa complementaridade das organizares regionais, que retomam de modo diferenciado ou alargado temas já trabalhados em outras instituyes. Nesse caso, tratou-se de expandir o escopo de alcance das pautas brasileiras e buscar apoio para novas práticas.

Por outro lado, a complementaridade aparece também no surgimento de novos temas conjunturais em cada organizado. Isso revela um espado para debate político sobre temas urgentes ou de interesse dos Estados, de monstrando uma vontade de concertado política e o reconhecimento dos vizinhos como parceiros relevantes para o diálogo multilateral e a inser^áo internacional. Ou seja, essas arenas foram tratadas como espatos deliberativos. Se a regiáo América Latina está em formado, seus atores en- contram-se na fase de conhecimento e reconhecimento, o que nao se con funde com integrado ou cooperado. No entanto, a deliberado nao é um aspecto negligenciável na construdo política, muito menos para Estados periféricos com recursos escassos, gradualmente descolonizados e de pas- sado autoritário recente. É no processo deliberativo que se conhecem vi- sóes, confrontam-se opinióes, aproximam-se burocracias e grupos de inte- resse, comunicam-se chefes de Estado e ministérios e constroem-se alian- ^as. Todos esses processos foram dinamizados e ganharam maiores chances de estabilidade e permanencia com as organizantes regionais analisadas. A deliberado permite, ademais, uma maior porosidade dessas instancias a núcleos decisórios nacionais diferentes dos ministérios de relaces exterio res, porque difunde informado e pode gerar transparencia. Pode também contribuir, no longo prazo, para o aumento do escrutinio popular sobre temas de política externa. Trata-se, enfim, de um processo regional limitado e que nao atingiu todos os objetivos declarados pelos governos progressis- tas, mas que nao é desprovido de significados e de resultados que apontam na diredo do diálogo, da aproximado e da democracia, diferentemente de outros momentos históricos.

Referéncias

Albin, C. (2003). Negotiating International Cooperation: Global Public Goods and Fairness. Review of International Studies, 29 (3), 365-85. [ Links ]

Amorim, C. (2010). Brazilian Foreign Policy under President Lula (2003-2010): an overview. Revista Brasileira de Política Internacional, 53 (número especial), 214-40. [ Links ]

Amorim, C. (2011) Uma visao brasileira do panorama estratégico global. Contexto Internacional, 33 (2), 265-75. [ Links ]

Amorim, C. (2014). Inicio de uma política externa altiva e ativa. In G. Maringoni, G. R. Schutte & G. Berron (Ed.), 2003-2013: uma Nova Política Externa (pp. 31-51), Tubarao: Copiart. [ Links ]

Arnold, C. (2016). Empty Promises and Nonincorporation in Mercosur. International Interactions, 43 (4), 643-67. [ Links ]

Barros, F. (2011). Redes e participado social em campos políticos da cooperado internacional - a experiencia brasileira. Revista Sociedade eEstado, 26 (2), 301-27. [ Links ]

Bianculli, A. & A. Hoffmann (Ed.) (2016). Regional Organizations and Social Policy in Europe and Latin America: a space forsocial citizeship? London: Palgrave Macmillan.Links ]

Bizzozero, L. (2011). América Latina a inicios de la segunda década del siglo XXI: entre el regionalismo estratégico y la regionalización fragmentada. Revista Brasileira de Política Internacional , 54 (1), 29-43. [ Links ]

Borda, S. ( 2012 ). Desafíos y oportunidades de la Unión de Naciones Suramericanas. Buenos Aires: CRIES. [ Links ]

Botto, M. (2011). ¿Qué nos enseñan los 20 años del Mercosur? Nueva Sociedad, 232, 17-25. [ Links ]

Botto, M. (2013). Integración regional y actores subnacionales. El caso del Mercosur. Temas y Debates, 25, 83-106. [ Links ]

Botto, M. (2017). El Mercosur y sus crisis: análisis de interpretaciones sobre el fracaso de la integración regional sudamericana. Estado & Comunes, 2 (5), 155-76. [ Links ]

Briceño-Ruiz, J. (2010). From the South American Free Trade Area to the Union of South American Nations: The Transformations of a Rising Regional Process. Latin American Policy, 1 (2), 208-29. [ Links ]

Burges, S. (2008). Consensual hegemony: theorizing Brazilian foreign policy after the Cold War. International Relations, 22 (1), 65-84. [ Links ]

Burges, S. (2015). Revisiting consensual hegemony: Brazilian regional leadership in question. InternationalPolitics, 52 (2), 193-207. [ Links ]

Cervo, A. (2003). A política exterior: de Cardoso a Lula. Revista Brasileira de Política Internacional , 46 (1), 5-11. [ Links ]

Cervo, A. & A. Lessa (2014). O declínio: insergao internacional do Brasil (2011 2014). Revista Brasileira de Política Internacional , 57 (2), 133-51. [ Links ]

Chagnollaud, D. (1996). Introduction a lapolitique. Paris: Seuil. [ Links ]

Costa, O., C. Dri & S. Stavridis (Ed.) (2013). Parliamentary Dimensions of Regionalization and Globalization: The Role of International Parliamentary Institutions. London: Palgrave Macmillan.Links ]

Covarrubias, A. (2016). Containing Brazil: Mexico’s Response to the Rise of Brazil. Bulletin of Latin American Research, 35 (1), 49-63. [ Links ]

Culpi, L. & A. Pereira (2016). The Argentine Role in the Promotion of Migration Policy in Mercosur (1991-2014). Fédéralisme Régionalisme, 16. [ Links ]

Dabene, O. (2016a). The contingency of agenda setting in the Union of South American Nations (UNASUR), Em S. Saurugger e F. Terpan (Ed.) Crisis and Institutional Change in Regional Integration (pp. 117-135). London: Routledge. [ Links ]

Dabene, O. (2016b), Multilayered summitry and agenda interaction in South America, in G. Mace, J. Thérien and D. Tussie (org.) Summits & Regional Governance: The Americas in Comparative Perspective (pp. 30-51). New York: Routledge. [ Links ]

Dri, C. (2014). La construction du Parlement du Mercosur: démocratie et régionalisme en Amérique latine. Luxembourg: Larcier.Links ]

Dubé, S. & C. Thiers (2017). Social Group Dynamics and Patterns of Latin American Integration Processes. Revista de Estudios Sociales, 60, 25-35. [ Links ]

Faria, C. A. & C. Paradis (2013). Humanism and solidarity in Brazilian foreign policy under Lula (2003-2010): theory and practice. Brazilian Political Science Review, 7 (2), 8-36. [ Links ]

Flemes, D. & R. Castro (2016). Institutional Contestation: Colombia in the Pacific Alliance. Bulletin of Latin American Research , 35 (1), 78-92. [ Links ]

Flemes, D. & L. Wehner (2015). Drivers of strategic contestation: The case of South America. International Politics, 52 (2), 163-77. [ Links ]

Gardini, G. L. (2007). Who invented Mercosur? Diplomacy and Statecraft, 18(4), 805-30. [ Links ]

Gardini, G. L. (2015). Towards modular regionalism: the proliferation ofLatin American cooperation. Revista Brasileira de Política Internacional , 58 (1), 210-29. [ Links ]

Garzón, J. (2015). Multipolarity and the Future of Regionalism: Latin America and Beyond. GIGA Working Paper Series, 264, 1-32. [ Links ]

Gil, L. & D. Paikin (2013). Mapa de la Integración Regional en América Latina: Procesos e instituciones. Nueva Sociedad Análisis, 1-34. [ Links ]

Herrero, M. (2017). Hacia una Salud Internacional Sur-Sur: deudas y desafíos en la agenda regional. Ciencia &Saúde Coletiva, 22 (7), 2169-74. [ Links ]

Inge, K., P. Conceigao, K. Le Goulven & R. Mendoza (Ed.) (2003). Providing Global Public Goods: Managing Globalization. New York: Oxford University Press. [ Links ]

Inge, K., I. Grunberg & M. Stern (Ed.) (1999). Global public goods: international cooperation in the 21st century. New York: Oxford University Press. [ Links ]

Jenne, N & L. Schenoni (2015). Latin American declaratory regionalism: An analysis of presidential discourse (1994-2014). European Union Institute Working Paper RSCAS 2015/53, 1-17. [ Links ]

Kraphol, S., K. Meissner & J. Muntschick (2014). Regional powers as leaders or rambos? The ambivalent behaviour of Brazil and South Africa in Regional Economic Integration. Journal of Common Market Studies, 52 (4), 879-95. [ Links ]

Lambert, P (2016), The Myth of the Good Neighbour: Paraguay’s Uneasy Relationship with Brazil. Bulletin of Latin American Research , 35 (1), 34-48. [ Links ]

Lazarou, E. & B. Luciano (2015). Regionalism as an Instrument: Assessing Brazil’s Relations with its Neighbourhood. Global Society, 29 (3), 390-408. [ Links ]

Legler, T. (2013). Post-hegemonic Regionalism and Sovereignty in Latin America: Optimists, Skeptics, and an Emerging Research Agenda. Contexto Internacional,Links ]

35 (2), 325-52. [ Links ]

Lima, M. R. (2005). A política externa brasileira e os desafios da cooperagao Sul-Sul. Revista Brasileira de Política Internacional , 48 (1), 24-59. [ Links ]

Lima, M. R. (2013), Relagoes Interamericanas: a nova agenda sul-americana e o Brasil. LuaNova, 90, 167-201. [ Links ]

Lima, M. R., M. A. Garcia & V. Pomar (2014). Avangos, impasses e desafios da integragao. Em G. Maringoni, G. R. Schutte & G. Berron (Ed.), 2003-2013: uma Nova Política Externa (pp. 81-120), Tubarao: Copiart. [ Links ]

Malamud, A. (2011a). A Leader without Followers? The Growing Divergence between the Regional and Global Performance of Brazilian Foreign Policy. Latin American Politics and Society, 53 (3), 1-24. [ Links ]

Malamud, A. (2011b). La política externa de Dilma Rousseff: ¿menos de lo mismo? Iberoamericana, 11(41), 174-79. [ Links ]

Malamud, A. (2013). Overlapping regionalism, no integration: conceptual issues and the Latin America experiences. European Union Institute Working Paper RSCAS 2013/20, 1-12. [ Links ]

Malamud, A. (2016). A Few Non-Conclusive Toughts about Foreign Policy and Social Demands. Contexto Internacional, 38 (1), 503-16. [ Links ]

Malamud, A & G. L. Gardini (2012). Has regionalism peaked? The Latin American quagmire and its lessons. International Spectator, 47 (1), 116-33. [ Links ]

Maringoni, G., G. Schutte & G. Berron (2014). Grupo de Reflexao sobre Relagoes Internacionais. Em G. Maringoni, G. R. Schutte & G. Berron (Ed.), 2003-2013: uma Nova Política Externa (pp. 3-6), Tubarao: Copiart. [ Links ]

Medeiros, M. (2000). Lagenése duMercosud. Paris: LHarmattan. [ Links ]

Medeiros, M. & C. Dri, (2013). Which Brazilian Policy for regionalism? Discourse and institutional development in Mercosur. Estudios Internacionales, 45 (175), 41-61. [ Links ]

Medeiros, M., I. Meunier & M. Cockles (2015). Processos de Difusao Política e Legitimidade no Mercosul: Mimetismo Institucional e Mecanismos de Internalizagao de Normas Comunitárias. Contexto Internacional, 37 (2), 537-70. [ Links ]

Medeiros, M. & M. Saraiva (2009). Os Atores Subnacionais no Mercosul: o caso das papeleras. Lua nova, 78, 77-108. [ Links ]

Medeiros, M., A. TeixeiraJr. & E. Reis (2017). Cooperagao para autonomia? Explicando o paradoxo da política externa brasileira para a Unasul. Revista de Sociología e Política, 25 (61), 97-123. [ Links ]

Mesquita, R. (2016), The hegemonic hermano: South American collective identity and Brazilian regional strategy, Canadian Journal of Latin American and Caribbean Studies, DOI: 10.1080/08263663.2016.1182691. [ Links ]

Meunier, I. & M. Medeiros (2013). Construindo a América do Sul: Identidades e Interesses na Formagao Discursiva da Unasul. Dados, 56 (3), 673-712. [ Links ]

Nolte, D. (2013). Latin America's New Regional Architecture: Segmented Regionalism or Cooperative Regional Governance? Paper presented at the XXXI International Congress of the Latin American Studies Association. [ Links ]

Nolte, D. (2016). Regional Governance from a Comparative Perspective, Em V M. González-Sánchez (Ed.), Economy, Politics and Governance Challenges (pp. 1-16). New York: Nova Science Publishers. [ Links ]

Nolte, D. & N. Comini (2016). UNASUR: Regional Pluralism as a Strategic Outcome. Contexto Internacional , 38 (2), 545-65. [ Links ]

Palma, L. (2016). Empoderamento económico da mulher no ámbito do Mercosul: das reunioes especializadas ao Programa Ellas Hacen. Revista de Iniciando Científica em Relagoes Internacionais, 3 (6), 35-57. [ Links ]

Queiroz, L. & L. Giovanella (2011). Agenda regional da saúde no Mercosul: arquitetura e temas. Revista Panamericana de Salud Pública, 30 (2), 182-88. [ Links ]

Racovschik, M. & C. Raimundi ( 2016 ). ¿Fin de ciclo o paréntesis en la Región? Balance de la última década y reflexiones sobre el nuevo escenario para el MERCOS UR. Buenos Aires: Flacso. [ Links ]

Riggirozzi, P (2010). Region, regionness and regionalism in Latin America: Towards a new synthesis. Red Latinoamericana de Política Comercial, Working Paper 130. [ Links ]

Riggirozzi, P (2015a). UNASUR: construcción de una diplomacia regional en materia de salud a través de políticas sociales. Estudios Internacionales, 181, 29-50. [ Links ]

Riggirozzi, P (2015b), Regionalism, activism, and rights: new opportunities for health diplomacy in South America. Review of International Studies , 41 (2), 407-28. [ Links ]

Riggirozzi, E & D. Tussie (Ed.). (2012). TheRise of Post-Hegemonic Regionalism: the case of Latin America. London: Springer.Links ]

Rojas, F. (2010). La Comunidad de Estados Latinoamericanos y Caribeños: ¿Una Opción Viable para Consolidar el Multilateralismo Latinoamericano? Foreign Affairs Latinoamérica, 10 (3), 1-8. [ Links ]

Rojas, F. (2012). La Celac y la integración latinoamericana y caribeña: Principales claves y desafíos. Nueva Sociedad , 240, 16-27. [ Links ]

Russel, R. & J. Tokatlian (2016). Contemporary Argentina and the Rise of Brazil. Bulletin of Latin American Research , 35 (1), 20-33. [ Links ]

Sanahuja, J. A. (2008). Del “regionalismo abierto” al “regionalismo post-liberal”: crisis y cambio en la integración regional en América Latina. Em L. Martínez, L. Eeña & M. Vazquez (Ed.). Anuário de la integración regional de América Latina y el Gran Caribe (pp. 11-54). Buenos Aires: CRIES . [ Links ]

Sanchez, M. (2004). Eontos críticos da participagáo da sociedade civil no Mercosul. Texto para Discussáo, Escola de Direito FGVSao Paulo, 1-35. [ Links ]

Sarti, I., J. R. Martins, M. Lessa & G. Carvalho (Ed.) (2014). Os desafios da integrando sul-americana: autonomia e desenvolvimento. Rio de Janeiro: Letra e Imagem. [ Links ]

Schenoni, L. & E. Actis (2014). Argentina y Brasil: una unipolaridad regional con sesgo económico. Revista SAAP, 8 (1), 207-35. [ Links ]

Scott, B. (2007). Why Cooperate ? The Incentive to Supply Global Public Goods. New York: Oxford University Eress.Links ]

Seitenfus, R. (1989). A cooperagáo argentino-brasileira: significados e perspectivas. Lua Nova, 18, 107-26. [ Links ]

Serbin, A. (2013). Atuando sozinho? Governos, sociedade civil e regionalismo na América do Sul. LuaNova, 90, 297-327. [ Links ]

Vaillant, M. (2014). Evolución del Mercado Común del Sur (MERCOSUR): Relaciones Intrarregionales. Caracas: SELA.Links ]

Vaz, A., A. Fuccille & L. Rezende (2017). UNASUR, Brazil, and the South American defence cooperation: A decade later. Revista Brasileira de Política Internacional , 60 (2), e012. [ Links ]

Vazquez, M & D. Eerrotta ( 2012 ). Paz, democracia e integración regional en América del Sur: Visibilizando los logros políticos, sociales y culturales del MERCOSUR y de la integración regional en América Latina y el Caribe. Buenos Aires: Identidad Mercosur. [ Links ]

Veiga, E & S. Rios (2007). O regionalismo pós-liberal na América do Sul: origens, iniciativas e dilemas. Série Comercio Internacional, 82, Santiago, CEEAL. [ Links ]

Ventura, D., J. Onuki & M. Medeiros (2012). Internalizando das normas do MERCOSUL. Série Pensando o Direito, 45, Brasilia, Ministério da Justina. [ Links ]

Vigevani, T. & G. Cepaluni (2007). A política externa de Lula da Silva: a estratégia da autonomia pela diversificagáo. Contexto Internacional , 29 (2), 273-335. [ Links ]

Wehner, L. (2015). Role Expectations as Foreign Eolicy: South American Secondary Eowers’ Expectations of Brazil as a Regional Eower. Foreign Policy Analysis, 11 (4), 435-55. [ Links ]

Weiffen, B. (2017). Institutional Overlap and Responses to Political Crises in South America. Em M. Suarez, R. Villa e B. Weiffen (Ed.) Power Dynamics and Regional Security in Latin America (pp. 173-197). Basingstoke: Palgrave Macmillan. Weiffen, B., L. Wehner & D. Nolte (2013). Overlapping regional security institutions in South America: The case of OAS and UNASUR. International Area Studies Review, 16 (4), 370-89. [ Links ]

1 s autoras agradecem as agencias CNPq e CAPES do governo brasileiro pelo suporte financeiro para a pesquisa, por meio do Edital Universal, bolsa de iniciagáo científica, bolsa de mestrado e custeio para a pós-graduagáo.

2Dados da balanga comercial brasileira entre janeiro e agosto/2017 sistematizados pelo Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio. Disponível em http:// www.mdic.gov.br/index.php/comercio-exterior/estatisticas-de-comercio-exterior/ balanca-comercial-brasileira-mensal-2.

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons