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Cuadernos del Centro de Estudios en Diseño y Comunicación. Ensayos

versión On-line ISSN 1853-3523

Cuad. Cent. Estud. Diseñ. Comun., Ensayos  no.69 Ciudad Autónoma de Buenos Aires set. 2018

 

Os caminhos da pós-graduação em Design no Brasil: novos paradigmas e outros desafios

 

Rita Aparecida da Conceição Ribeiro*

(*) Pesquisadora e Coordenadora Executiva do Programa de Pós-Graduação em Design da Universidade do Estado de Minas Gerais - UEMG, Brasil. Pesquisadora PQ do CNPq.


Resumen: El artículo pretende discutir la actual etapa de los programas de postgrado en diseño en Brasil a partir de las transformaciones y rupturas que se instauran en los paradigmas de las ciencias a finales del siglo XX y sus implicaciones en la investigación en diseño. Presenta al diseño como un proceso social que tiene un papel preponderante en la constitución de la sociedad en el siglo XXI. Por último, se traza un breve recorrido del postgrado en el país y se analiza la constitución de las áreas de concentración y los desafíos interpuestos por el Documento de Área 2013, uno de los conductores de la evaluación promovida por la Coordinación de Perfeccionamiento de Personal de Nivel Superior -CAPES órgano de regulación de posgrados en el país.

Palabras clave: postgrado - ciencia - paradigmas - evaluación.

Abstract: The article discusses the current status of graduate programs in design in Brazil from the changes and disruptions that are established in the paradigms of science in the late twentieth century and their implications for the design research. It displays the design as a social process that plays an important role in the constitution of society in the twenty-frst century. Finally, we draw a brief post-graduate course in the country and analyze the formation of the focus areas and challenges brought by the Documento de Área 2013, one of the drivers of the evaluation organized by the Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES organ graduate of regulation in the country.

Key words: graduate - science - paradigms - evaluation.

Resumo: O artigo pretende discutir o atual estágio dos programas de pós-graduação em design no Brasil a partir das transformações e rupturas que se instauram nos paradigmas das ciências no final do século XX e suas implicações na pesquisa em design. Apresenta o design como um processo social que tem papel preponderante na constituição da so-ciedade no século XXI. Por fm, traçamos um breve percurso da pós-graduação no país e analisamos a constituição das áreas de concentração e os desafios interpostos pelo Documento de Área 2013, um dos condutores da avaliação promovida pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES órgão de regulação da pós-graduação no país.

Palavras chave: pós-graduação - ciência - paradigmas - avaliação.


 

 

O design como uma área de conhecimento
"O design deve refetir a cultura de sua terra".
Sérgio Rodrigues

A ruptura epistemológica que temos vivenciado a partir do final do século XX traz marcas profundas no entendimento do Design. Neste artigo propomos apresentar os caminhos traçados pelos cursos de pós-graduação na área em nosso país, e, para, além disso, entender os novos rumos ligados ao Design, entendido agora como uma área de conhecimento, para a qual devem se desenvolver teorias específicas. O que aqui é descrito por área ou campo do conhecimento inclui as ciências em geral, tanto naturais quanto humanas e sociais, mas ainda as áreas da filosofa, arte e tecnologia.

Perceber o design como um campo de conhecimento próprio é tarefa árdua, dada sua natureza híbrida. No entanto entendemos que aquilo que poderia ser considerado uma fragilidade, constitui a força motriz deste campo. Cada vez mais o design interfere e afeta os comportamentos sociais. No século XXI sentimos sua infuência em todos os campos, ainda que de forma sutil. Até mesmo os processos comunicacionais passam a ser infuen-ciados por esta área. Por que não lhe atribuir o estatuto de campo de conhecimento? Já em 1993, na criação da primeira revista voltada para os estudos acadêmicos do design no Brasil, a Estudos em Design, Victor Margolin argumenta sobre a necessidade de es-tudos teóricos acerca do campo. Seus questionamentos entendem o Design como uma forma de atuação social:

Quando aprendemos a perceber a profundidade da interferência do de-sign no universo de objetos, serviços e técnicas na sociedade podemos co-meçar a reconhecer neles as manifestações de valores e políticas sociais. [...] O design é o resultado de escolhas. Quem faz essas escolhas e por quê? Que visões de mundo estão subjacentes a elas e de que modo esperam os designers apresentar uma visão do mundo manifesta nos seus trabalhos? (Margolin, 1993, p. 11)

As indagações de Margolin antecipam a tônica das discussões acerca dos caminhos do design na atualidade. Lipovetsky e Serroy (2015) afirmam que o design hoje transcende o material e incorpora o emocional: "como escreve Harmut Esslinger, 'form follows emotion' suplantou 'form follows function'". (Lipovetsky; Serroy, 2015, p. 250.) As tradicionais divisões do design nas áreas de produto, gráfico, ambientes e moda deixam de existir. Os limites de atuação do design se estendem a todos os campos e seus sentidos se ampliam. Como trabalhar uma teoria que consiga abarcar todos esses processos?

Os paradigmas da ciência num mundo complexo

No mundo complexo em que vivemos o ideal da racionalidade e o ideal da objetividade não constituem mais parâmetros suficientes para a construção do conhecimento cientí-fico. Uma ruptura epistemológica que se instaura no final do século XX traz os quatro seguintes pressupostos, apresentados por Boaventura Souza (2003) como constituintes do paradigma de uma ciência pós-moderna:

1.  Todo conhecimento científico-natural é científico-social: o ser humano passa a ocupar a centralidade na pesquisa, sendo ele indissociável da natureza. Discutir seu papel no mundo é entender tantos os processos físicos e naturais, como perceber que esse conhecimento virá sempre a partir de uma perspectiva humana. O ser humano, portanto, é ao mesmo tempo parte e agente no meio-ambiente. Suas ações interferem e são refexos do meio.

2.  Todo conhecimento é local e total: o conhecimento avança na medida em que seu objeto se amplia e cria novas interfaces. "O conhecimento pós-moderno, sendo total, não é determinístico, sendo local, não é descritivista. É um conhecimento sobre as condições de possibilidade" (Souza Santos, 2003, p. 77). As condições de possibilidade, sendo diversas, pressupõem também outras formas de investigação que não aquelas tradicionais. A utilização de conhecimentos transdisciplinares que levam a investigações a outros ques-tionamentos e novas perspectivas de análise.

3.  Todo o conhecimento científico é autoconhecimento: quando o ser humano passa a ser o centro das pesquisas, o conhecimento que é produzido afeta diretamente a ele. "A ciência não descobre, cria, e o ato criativo protagonizado por cada cientista e pela comu-nidade científica no seu conjunto tem de se conhecer intimamente antes que conheça o que com ele se conhece do real" (Souza Santos, 2003, p. 83). O conjunto de crenças, juízos de valor, tradições culturais não podem ser consideradas menores que o conhecimento científico. Todos são frutos do real e transitam ao mesmo tempo na esfera social.

4.  Todo conhecimento científico visa constituir-se em senso comum: Mesmo considerando o caráter simplista e mistificador do senso comum, o autor propõe que este tem um caráter ao mesmo tempo libertário. Ao trazer a ciência ao conhecimento do senso comum, ela amplia seus horizontes. "A ciência pós-moderna, ao sensocomunizar-se, não despreza o conhecimento que produz tecnologia, mas entende que, tal como o conhecimento se deve traduzir em autoconhecimento, o desenvolvimento tecnológico deve traduzir-se em sabedoria de vida". (Souza Santos, 2003, p. 91)

Os pressupostos apresentados por Souza Santos podem ser percebidos de maneira complementar na construção do paradigma da complexidade de Edgar Morin:

Complexus significa o que foi tecido junto; de fato, há complexidade quan-do elementos diferentes são inseparáveis constitutivos do todo (como o econômico, o político, o sociológico, o psicológico, o afetivo, o mitológico), e há um tecido interdependente, interativo e inter-retroativo entre o objeto de conhecimento e seu contexto, as partes em si. Por isso a complexidade é a união entre a unidade e a multiplicidade. (Morin, 2000, p. 38)

A noção de complexidade contrapõe-se ao que o autor denomina paradigma da simpli-cidade que tende a unificar de forma abstrata a diversidade, incapaz de perceber a união entre uno e múltiplo. Morin alerta para os riscos da chamada inteligência cega. A inteli-gência cega é aquela que compartimenta, isolando os objetos do seu meio ambiente e não concebe a indissolubilidade entre o observador e seu objeto. "A metodologia dominante produz um obscurantismo acrescido, já que não há mais associação entre os elementos disjuntos do saber, não há possiblidade de registrá-los e de refeti-los" (Morin, 2005, p. 12). O conhecimento para o autor é cada vez menos objeto de refexão e discussão, sendo produzido para ser registrado e armazenado de acordo com interesses políticos. Para isso ele alerta para a necessidade do pensamento complexo, que coloca em cena o paradoxo do uno e do múltiplo. "A complexidade é uma palavra-problema e não uma palavra-solução" (Morin, 2005, p. 06). Para trilhar o caminho do pensamento complexo devemos ter em mente que a complexidade não leva à eliminação da simplicidade, mas à eliminação do pensamento simplificador. E ainda ressalta que a complexidade não deve ser confundida com completude. Nenhum conhecimento é completo. Mas o pensamen-to complexo tem como aspiração um conhecimento multidimensional. "O pensamento complexo também é animado por uma tensão permanente entre a aspiração a um saber não fragmentado, não compartimentado, não redutor, e o reconhecimento do inacabado e da incompletude de qualquer conhecimento". (Morin, 2005, p. 07)

Tanto o pensamento de Boaventura Souza, quanto o de Edgar Morin refetem as inquieta-ções que movem o pensamento científico no século XXI. O pensamento do design, tam-bém sofre as infuências dessa crise paradigmática. Se no século XX o design era condicionado mais pelos preceitos funcionalistas, a partir do final desse século e cada vez com mais profundidade no século XXI, a visão acerca do design e sua percepção como um processo social se aprofunda.

O design como processo social na sociedade em rede

Entendemos que a transformação na percepção do design para o seu papel de processo social caminha a partir do aprofundamento da sociedade de consumo. Diversas são as causas que contribuem para esse processo. A chamada globalização produziu nas sociedades modernas mudanças constantes, rápidas e permanentes. Mudanças que promoveram também a transformação das relações de tempo e espaço. Uma das consequências desse processo seria o desalojamento do sistema social, ou seja, a extração das relações sociais dos contextos locais de interação e sua reestruturação ao longo de escalas indefinidas de espaço-tempo.

O sujeito, previamente vivido como tendo uma identidade unificada e es-tável, está se tornando fragmentado; composto não de uma única, mas de várias identidades, algumas vezes contraditórias ou não resolvidas. Corres-pondentemente, as identidades que compunham as paisagens sociais "lá fora" e que asseguravam nossa conformidade subjetiva com as 'necessida-des' objetivas da cultura, estão entrando em colapso, como resultado de mudanças estruturais e institucionais. O próprio processo de identificação, através do qual nos projetamos em nossas identidades culturais, tornou-se mais provisório, variável e problemático. (Hall, 2005, p. 12)

No final do século XX, portanto, surge outro sujeito, denominado por Stuart Hall como sujeito pós-moderno, que transita entre as diversas escalas espaço-temporais. Assim, o sujeito concebido anteriormente como uma só identidade se fragmenta, composto não de uma, mas de várias identidades, por vezes contraditórias. A identidade torna-se uma "cele-bração móvel", formada e transformada continuamente em relação aos sistemas culturais que nos rodeiam, possibilitando que o sujeito assuma formas diferentes, em diferentes momentos. Não existe mais um "eu" único. A identidade conforma-se a partir dos vários papéis sociais que cabem ao indivíduo representar: na família, no trabalho, com o grupo de amigos, associações etc.

A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fan-tasia. Ao invés disso, à medida que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos identificar - ao menos temporariamente. (Hall, 2005, p. 13)

Para Castells, a transição da sociedade industrial para a sociedade informacional acar-reta o estabelecimento de novos paradigmas, incluindo-se neles a busca pela identidade, tão importante quanto as transformações tecnológicas e econômicas no registro dessa nova fase histórica. Castells argumenta que um novo modelo, que visa à reestruturação do modo capitalista de produção, emerge a partir do final do século XX. Chamado informa-cionalismo baseia-se na premissa de que as sociedades organizam-se a partir de relações sociais historicamente determinadas mediadas pela produção, experiência e poder.

Em um mundo de fuxos globais de riqueza, poder e imagens, a busca da identidade, coletiva ou individual, atribuída ou construída, torna-se a fon-te básica de significado social. Essa tendência não é nova, uma vez que a identidade e, em especial, a identidade religiosa e étnica tem sido a base do significado desde os primórdios da sociedade humana. No entanto, a identidade está se tornando a principal e, às vezes única fonte de significa-do em um período histórico caracterizado pela ampla desestruturação das organizações, deslegitimação das instituições, enfraquecimento de importantes movimentos sociais e expressões culturais efêmeras. Cada vez mais, as pessoas organizam seu significado não em torno do que fazem, mas com base no que elas acreditam que são. (Castells, 1999, p. 41)

García Canclini (1999), da mesma forma, nos chama a atenção para a exigência de uma mudança no olhar sobre as identidades a partir da noção de interculturalidade:

A maioria das situações de interculturalidade se confgura, hoje, não só através das diferenças entre culturas desenvolvidas separadamente, mas também pelas maneiras desiguais com que os grupos se apropriam de elementos de várias sociedades, combinando-os e transformando-os. Quan-do a circulação cada vez mais livre e freqüente de pessoas, capitais e men-sagens nos relaciona cotidianamente com muitas culturas, nossa identida-de já não pode ser definida pela associação exclusiva a uma comunidade nacional. O objeto de estudo não deve ser, então, apenas a diferença, mas também a hibridização. (García Canclini, 1999, p. 165-166)

O autor ressalta que hoje, as identidades são permeadas por uma hibridização de signif-cados, que possibilitam a convivência de tradições iconográficas nacionais (festas juninas, congado) e daquelas criadas pela cultura de massa (novelas, música pop). Para García Canclini, a discussão acerca das identidades e da cidadania deve levar em conta os modos diversos com que estas se recompõem e nos desiguais circuitos de produção, comunicação e apropriação da cultura.

Estudar o modo como estão sendo produzidas as relações de continuida-de, ruptura e hibridização entre os sistemas locais e globais, tradicionais e ultramodernos, do desenvolvimento cultural é, hoje, um dos maiores de-safos para se repensar a identidade e a cidadania. Não há apenas co-producáo, mas também confitos pela co-existéncia de etnias e nacionalidades nos cenários de trabalho e de consumo; daí as categorías de hegemonía e resistência continuarem sendo úteis. Porém, a complexidade dos matizes destas interacoes demanda também um estudo das identidades como pro-cessos de negociacáo, na medida em que são híbridas, dúcteis e multicultu-rais. (García Canclini, 1999, p. 175)

As mudanças ñas relacoes de força, a hegemonía norte-americana na producáo cultural massiva, a fexibilizacáo das relacoes sociais e familiares, a transformacáo nos relaciona-mentos, tudo isso contribuí para a fragmentacáo do modelo identitário em circulacáo até os anos 90 do século passado. No século XXI, cada vez mais as identidades se confguram a partir de referenciais simbólicamente constituídos, que, por vezes, encontram-se distantes espacial e temporalmente, mas que interferem diretamente no cotidiano das pessoas, seja pelo aparato informacional, seja pelos produtos da mídia e, cada vez mais, pelo design. Como afirma Sudjic (2010), o design a partir de sua linguagem tem o poder de atribuir sentidos, valoracáo, reforçar marcas, criar um sistema de castas. "E é o design que pode servir como meio para criar urna nocáo de identidade -cívica, coletiva e pessoal. É o design que cria insígnias nacionais e marcas de empresas". (Sudjic, 2010, p. 50) Portanto, o entendimento do design no século XXI, assim como as teorías a seu redor, passam pelo reconhecimento deste como um processo social, que interfere diretamente na identidade e na visáo de mundo das pessoas. Essas discussões somente se aprofundam na medida em que se reconhece a necessidade de entendimento do design como um campo de conhecimento com as suas especificidades. Para isso, em muito contribuí a dissemina-cáo dos programas de pós-graduacao em nosso país.

Um breve percurso da pós-graduado em design no Brasil

Os pesquisadores na área apontam a criacáo dos primeiros cursos de graduacáo em Desenlio Industrial no país como frutos do pensamento desenvolvimentista alavancado pelo governo de Juscelino Kubitschek. Sua política de modernizacáo com o lema "50 anos em 5", certamente, favoreceu a implantacáo de cursos que seguiam os preceitos funcionalistas. Assim surgiram o Instituto de Arte Contemporánea (IAC) que funcionou no Museu de Arte de São Paulo em 1951, A ESDI (Escola Superior de Desenlio Industrial) começa suas atividades em 1963, assim como a Fundacáo Mineira de Arte (atual Escola de Design da Universidade do Estado de Minas Gerais). Atualmente, o país conta com cerca de 318 Instituicoes de Ensino com cursos ñas áreas do design nos níveis Técnico, Tecnólogo, Graduacáo e Pós-Graduacáo, ofertando cerca de 808 cursos.

Em 1994 surge o primeiro curso de pós-graduacáo na área, na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. A UNESP (Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita) inicia seu curso em 1999. Na década de 2000 são constituídos 08 programas. Nesta segunda década, mais 11 se consolidaram de acordó com os dados fornecidos pela Plataforma Sucupira da CAPES (Coordenacáo de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) ór-gáo de regulacáo da pós-graduacáo no país.

Ao todo, atualmente temos 20 instituicóes que oferecem 21 programas de pós-graduacao distribuídos entre 15 cursos de Mestrado, 10 cursos de Doutorado e 06 Mestrados Profs-sionais, como pode ser observado na Figura 1.

Como podemos perceber, os programas de pós-graduacao são, praticamente, recentes. A tradicáo em pesquisa académica no design em nosso país, portante, ainda está em busca de seus caminhos. Perto de áreas como as ciências tradicionais, nosso campo dá seus pri-meiros passos. As principáis áreas de concentracáo dos programas ainda refetem o pen-samento utilitarista do design, como pode ser percebido no gráfico abaixo, desenvolvido a partir das diversas áreas de concentracáo destes programas apontadas no site da CAPES. (Ver Figura 2)

As interfaces com os fatores humanos e culturáis (educacáo, arte, sociedade e sustenta-bilidade) representam ainda urna parcela menor frente à tecnología, inovacáo, produto e artefatos. Como podemos entender isso? Talvez pensando como o ideário funcionalista, presente no embriáo dos cursos de graduacáo, ainda mantém seus traeos atualmente na pós-graduacao.

Em termos de espaço, o Brasil é imenso. A diversidade cultural, dada as proporcóes mo-numentais de nosso país, da mesma forma. Mas em termos de distribuicáo geográfica, os programas de design ainda tém muito espaço a percorrer. Isso pode ser comprovado pela distribuicáo geográfica dos PPGDs. (Ver Figura 3)

A grande concentracáo de cursos na regiáo centro-sul do país, 12 ao todo, deve-se também á concentracáo de renda. As principáis indústrias localizam-se nestas regióes. Pressupóe-se entáo, que as melhores ofertas de emprego também se oportunizem aí. Isso gera um ciclo vicioso: não se desenvolvem as indústrias por falta de máo de obra especializada e a criacáo de programas nestas regióes acaba comprometida pelas mesmas razóes. Estas situacóes constituem problemas que já são observados, mas ainda carecem de acóes mais assertivas, como aquelas apontadas na próxima secáo.

Os desafios dos cursos de pós-graduacao em design no país

O atual modelo do Sistema Nacional de Pós-Graduacáo foi estabelecido em 1988. A avaliacáo tem como objetivos certificar a qualidade da pós-graduacáo brasileira (referência para a distribuicáo de bolsas e recursos para o fomento á pesquisa) e também verificar assimetrias regionais e de áreas estratégicas do conhecimento de forma a orientar acóes de inducáo na criacáo e expansáo de programas de pós-graduacáo no país. (CAPES, 2016) Os objetivos do Sistema Nacional de Pós-Graduacáo são promover a formacáo pós-gra-duada de docentes para todos os níveis de ensino assim como a criacáo de recursos humanos qualificados para o mercado. Visa também o fortalecimento das bases científica, tecnológica e de inovacáo.

A avaliacáo dos cursos de pós-graduacáo no Brasil baseia-se no trinômio Fichas de Avaliacáo, Relatónos de Avaliacáo e Documentos de Área.

Figura 1.

Figura 2.

Figura 3.
Figura 1.
Dados Quantitativos de Programas Recomendados e Reconhecidos. Fonte: CAPES. Figura 2. Áreas de concentração dos PPGDs. Fonte: da autora. Figura 3. Distribuição geográfica dos PPGDs por região. Fonte: da autora.

 

Os documentos de área são referência para os processos avaliativos, tanto na elaboração e submissão de propostas de cursos novos quanto na avalia-ção trienal dos cursos em funcionamento. Neles estão descritos o estado atual, as características e as perspectivas, assim como os quesitos considerados prioritários na avaliação dos programas de pós-graduação pertencentes a cada uma das 48 áreas de avaliação. (www.capes.gov.br)

O documento de área da CAPES, publicado em 2013, que faz parte dos procedimentos de avaliação dos cursos de pós-graduação em Arquitetura, Urbanismo e Design, lista os prin-cipais desafios da área. Entre eles citamos alguns que entendemos estarem especificamente relacionados ao atual momento dos cursos de pós-graduação em design.

-   Adequação das linhas de pesquisa e às temáticas contemporâneas e aos avanços tecnológicos;

-   Incentivo à inter e transdisciplinaridade, necessárias para a renovação das práticas e processos de investigação científica;

Estas demandas comungam com os preceitos dos novos paradigmas que apresentamos no início do artigo. Voltar o olhar para as questões emergentes da sociedade, entendendo o design como um processo social que infuencia e é infuenciado pelo meio é fundamental para que tenhamos um entendimento real de sua dimensão, como área de conhecimento. Da mesma forma, por ser um campo que se alimenta de outros campos, o incentivo à inter e à transdisciplinaridade leva à uma dimensão do entendimento da complexidade do processo.

Roberto Verganti (2009) afirma que o design é normalmente pensado pelas empresas a partir de duas perspectivas: a primeira, mais tradicional, se refere ao estilo e à estética na criação dos objetos. A segunda, um pouco mais recente, volta-se para as necessidades e desejos do consumidor. No entanto, ele alerta para uma terceira e mais revolucionária -a busca das empresas por pesquisadores inovadores. Aqueles que imaginam e pesquisam novos significados para os produtos. A criação de novos significados faz parte do entendi-mento do design como um processo refexivo na sociedade.

Ao apresentar o design como um processo codificado, previsível e obriga-tório -o que o torna mais palatável para profssionais formados segundo as teorias tradicionais de gestão- os designers se arriscam a perder a habili-dade de conduzir pesquisas que vão além do tradicional. Gostam de serem considerados profssionais criativos, mas a criatividade não tem nada a ver com pesquisa. (Verganti, 2009, p. xiii)

A pesquisa, segundo o autor é um dos requisitos fundamentais para o desenvolvimento da inovação guiada pelo design.

Criatividade refere-se à rápida criação de ideia (quanto mais, melhor); a pesquisa requer um grande aprofundamento sobre uma concepção (quanto mais profundo melhor). A criatividade geralmente valoriza a nova perspectiva, já a pesquisa valoriza o conhecimento acumulado e as teorias consolidadas. A criatividade constrói variedade e divergência, a pesquisa desafa os paradigmas através de uma visão específica. A criatividade é culturalmente neutra para resolver problemas, a pesquisa de significados é intrinsecamente visionária e baseada na cultura pessoal daquele que a conduz. (Verganti, 2009, p. XIII)

Friedman (2005) ressalta que um dos principais problemas para a constituição das te-orias no campo do design é que estas dificilmente são pensadas fora da prática. Assim, desenvolvendo-se teoria e prática por meio de articulação e pergunta indutiva, alguns de-signers têm o entendimento de que a prática é a pesquisa e de que a investigação baseada na prática constitui-se por si só como uma forma de construção da teoria.

All knowledge, all science, all practice relies on a rich cycle of knowledge management that moves from tacit knowledge to explicit and back again. So far, design with its craft tradition has relied far more on tacit knowledge. It is now time to consider the explicit ways in which design theory can be built-and to recognize that without a body of theory-based knowledge, the design profession will not be prepared to meet the challenges that face designers in today's complex world. (Friedman, 2003, p. 520)

A necessidade da pesquisa e do entendimento de suas implicações sociais leva a outros dois pontos apontados no Documento de Área:

-   Criação de novos programas de pós-graduação no país, atendendo às demandas re-gionais;

-   Incentivo à formação de programas de mestrado profssional, ampliando as possibilida-des de qualificação teórico-prática de profssionais não inseridos no segmento acadêmico;

Dado o atual momento político e econômico atravessado por nosso país, entendemos que estes sejam dois pontos de difícil solução, que demandarão um grande esforço das universidades. A sinalização de cortes efetivos na educação superior deve refetir diretamente nos programas de pós-graduação. Parte destes efeitos já se fazem sentir na redução de verbas, cortes de bolsas, etc. Com isso, a criação de novos programas deve se ressentir. Um enorme retrocesso para uma área ainda em consolidação. A busca de parcerias com o setor privado e organizações de classe pode abrir novas perspectivas para suprir tais demandas. Mas para isso é necessário que o empresariado perceba a real importância do design, enquanto promotor de comportamentos e não apenas como ferramenta. A interação entre academia e o mercado constitui-se também como um fator de democratização do conhecimento.

Research is normally seen as high-end, technical activity, avaiable by training and class background to specialists in education, the sciences, and related professional felds. It is rarely seen as a capacity with democratic potential , much less as belonging to the Family of basic rights. All human beings are, in a sense, researchers, since all human beings make decisions that require them to make systematic forays beyond their current horizons (Appadurai, 2013, p. 269)

A afirmacáo de Appadurai referenda os pressupostos abaixo.

-    Ampliacáo da relacáo com cursos de Graduacáo e a Educacáo Básica, de forma a contribuir para a formacáo de novos talentos e da cidadania;

-    Proposicáo de novos meios para urna melhor insercáo social da pós-graduacao, pro-movendo um maior diálogo entre teoría e prática, como instrumento de aproximacáo entre os distintos campos de conhecimento e a sociedade.

-    Promocáo da pesquisa aplicada como alternativa de proposicáo direta junto ás demandas dos segmentos públicos e privados.

A necessidade de ampliacáo dos horizontes da pesquisa para além das instâncias da uni-versidade, a criacáo de laços com as instituicoes de educacáo básica e do ensino médio possibilitam a criacáo de urna nova consciéncia voltada á pesquisa e urna consequente desmistificacáo de seus procedimentos. Trazer a pesquisa para a comunidade, desenvolver o conhecimento científico, retornando esse aos saberes do senso comum. Essas são as pretensões de Souza Santos, e de urna universidade que se percebe inserida na sociedade e que vé o conhecimento como urna das principáis ferramentas do desenvolvimento e da democracia.

Considera95es fináis

Este artigo pretendeu apresentar um panorama do atual estágio dos programas de pós-graduacáo em design no Brasil, pensando nos paradigmas que norteiam o pensamento científico no sáculo XXI.

O nosso entendimento é que vivemos um momento em que as teorías pré-concebidas e as verdades que norteavam o pensamento já não mais se sustentam. O pensamento hoje refete a complexidade de um homem que se vé, ao mesmo tempo, rodeado pela mais alta tecnología, mas com problemas milenares como a fome e a degradacáo do meio-ambien-te. Os estudos em design não podem fechar suas premissas numa formatacáo que pense apenas na producáo e consumo dos bens.

Hoje esses mesmos bens tendem a se desmaterializar. Design deixa de ser urna ferramen-ta para se transformar num processo social que permeia toda a sociedade em maior ou menor grau. Os estudos nessa área, portante, necessitam de constante revisáo. A interdis-ciplinaridade, característica de nossa área é usada no discurso de diversos pesquisadores como desculpa para o não aprofundamento das questões. Acreditamos no contrário. A interdisciplinaridade é que promove a diversidade. Ela é fundamental em nossa área e faz com que o design se constitua como urna disciplina desafadora. A pesquisa, portanto, só tem a ganhar com esse desafio.

Cabe aos programas pensar o seu papel de fomentadores do conhecimento e de sua rela-ção com a sociedade na qual estão inseridos. Nosso país necessita cada vez mais de pensadores que tomem o destino em suas mãos. Não apenas de reprodutores de um conheci-mento que, rapidamente, se torna obsoleto.

A proposta de Verganti da inovação guiada pelo design constitui uma provocação à inteli-gência cega que é apontada por Morin e que, infelizmente ainda está presente em grande parte do discurso da universidade. No entanto, os caminhos começam a ser trilhados. Enquanto um campo de conhecimento jovem, o pensamento em design ainda terá muitas dúvidas que talvez não possam ser sanadas. Mas é, justamente a partir da criação de perguntas que surgem boas respostas.

A criação de uma identidade brasileira no design já é sentida na prática, mas de forma tímida. A partir do momento em que a universidade incorpore o entendimento do de-sign como uma disciplina capaz de criar seus pressupostos teóricos, que caminha entre a diversidade, seremos também capazes de fortalecer nossa autoestima e criar profssionais e pensadores que sejam capazes de fomentar a inovação nas diversas áreas, guiadas pelo design. Cabe aos programas de pós-graduação preparar seus alunos, que serão os docentes do futuro, para esse desafio.

Agradecimentos: Este trabalho conta com o apoio do CNPq e da CAPES.

Referências

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Castells M. (1999). A sociedade em rede. A era da informação: economia, sociedade e cultura.

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Lipovetsky, G.; Serroy, J. (2015). A estetização do mundo: viver na era do capitalismo artista.

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