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Cuadernos del Centro de Estudios en Diseño y Comunicación. Ensayos

On-line version ISSN 1853-3523

Cuad. Cent. Estud. Diseñ. Comun., Ensayos  no.83 Ciudad Autónoma de Buenos Aires Sept. 2020

http://dx.doi.org/10.18682/cdc.vi83.3731 

Artículos

A construção de Protótipos e a Estupidez Essencial do Designer: Aspectos de um Projeto sobre Estudar

Guilherme Englert Corrêa Meyer1 

Bruno Augusto Lorenz2 

Roberta Rech Mandelli3 

Marcelo Vianna Batista4 

Natalie Smith5 

Eric Haddad Parker Guterres6 

1 Designer; Doutor em Design; Professor no PPG em Design na UNISINOS.

2 Designer; Mestre em Design; Professor em Design na FEEVALE

3 Designer, Mestre em Design; Doutoranda em Design na UNISINOS.

4 Comunicador Social; Mestre em Design; Doutorando em Design na UNISINOS.

5 Designer; Mestranda em Design na University of Illinois.

6 Graduando em Design na UNISINOS.

Resumo

Desde a compreensão de que os problemas de design operam nas tramas do social, os temas da inovação social passam necessariamente pela densa apreciação dos contextos. O designer lida, fundamentalmente, com uma dificuldade ontológica em identificar o que está em jogo nos panoramas sociais que investiga. Feenberg (2017) sugere que tal dificuldade expliquese por um tipo de “finitude epistemológica” que acomete a todos. Quer dizer, o autor reconhece aos indivíduos a impossibilidade de conhecerem. No design, isso implica em o designer entenderse incapaz de conhecer o que requer em um projeto, ainda quando o designer se reporta ao outro para buscar informações pertinentes para o projeto. O artigo descreve algumas operações que procuraram lidar com essa dificuldade essencial da atividade projetual e faze uma discussão sobre um projeto particular cuja função era a de permitir/estimular que os informantes acessassem instâncias remotas do seu universo correspondente. O projeto de pesquisa orientouse na prática e, mais especificamente, pelo método de Cultural Probes e pelo desenvolvimento de protótipos.

Palavras chave: prototipos; estudar; estupidez.

Resumen

Desde que la comprensión de que los problemas de diseño operan en tramas sociales, las temáticas de innovación social pasan necesariamente por una densa apreciación de los contextos. El diseñador se ve enfrentado, fundamentalmente, a una dificultad ontológica en identificar lo que está en juego en los panoramas sociales que investiga. Feenberg (2017) sugiere que tal dificultad puede ser explicada por una especie de “finitud epistemológica” que afecta a todos. Es decir, el autor reconoce a los individuos la imposibilidad de saber. En el diseño, esto implica que el diseñador se sabe incapaz de conocer lo que requiere. Incluso cuando se recurre al otro para buscar informaciones pertinentes para el proyecto. Este artículo describe algunas operaciones que buscan tratar esa dificultad esencial de la actividad de diseño y ahonda en un proyecto particular cuya función fue la de habilitar/alentar a los informantes a acceder instancias remotas de su universo correspondiente. El proyecto de investigación se basó en la práctica y, más específicamente, por el método de cultural probes y desarrollo de prototipos.

Palabras clave: prototipos; estudiar; estupidez.

Abstract

Assuming that design problems develop within intricate social, themes like social innovation necessarily demand a profound appreciation of contexts. The designer deals fundamentally with an ontological difficulty to identify what is at stake in the social scenarios they investigate. Feenberg (2017) suggests that such difficulty should be explained as some kind of “epistemological finitude” that affects everyone. In other words, Feenberg suggests individuals work in constant impossibility of knowing. In design, this implies that the designers are self-aware of their incapacity of knowing what a project/ design requires of themselves, even when the designers access shared knowledge of others. This article discuss the function of a particular project that attempts to enable and encourage informants to access remote instances of their particular universe and it is largely oriented towards practice-based design research, and more specifically, by the method of cultural probes and the development of prototypes.

Keywords: prototypes; studying; stupidity.

Conhecendo os contextos

Não parece haver qualquer desacordo da área sobre a condição contingencial dos processos de design (Matthews & Heinemann, 2012; Oak, 2011). Quer dizer, os processos de design dependem de certos fatores que possibilitam suas práticas e afetam fundamentalmente sua legitimidade. Esses fatores são quase sempre associados a contextos habitados por atores variados. Do ponto de vista metodológico, são conhecidas as prescrições sobre a importância do contexto para a atividade (ver por exemplo a compreensão de Deserti, 2007; e Moraes, 2010; sobre pesquisa contextual em design). Tornamse cada vez mais numerosos e sofisticados os métodos que auxiliam o designer a lidar com as disposições dos contextos de projeto (ver por exemplo Lury & Wakeford, 2012). O projeto de design passa então a realizar sofisticadas arqueologias desses contextos (Dorst, 2015; Fry, 2012). A etimologia de contexto remonta a ideia de circunstâncias, ambiente e background, relacionado a um evento ou ocorrência. O termo também tem relação com um conjunto finito de variáveis de uma fórmula. No design, voltarse a um contexto requer quase sempre adotar um plano de demarcação, o que passa pela definição de contornos geográficos (e.g território), por situar os atores que fazem parte do projeto (e.g usuário), e identificar aspectos pertinentes ao tema (e.g mercado). A definição dessas variáveis atende a um tipo de operação interessada em formar o conjunto contextual. Determinase, assim, as condições gerais de uma situação caracterizada por seus elementos condicionais. Tais elementos formam os domínios do contexto. Eles servem de parâmetros imprescindíveis para a ação do designer. Quer dizer, o processo de design deve se envolver aos aspectos daquele território, usuário e mercado.

impossível, contudo, dissociar desta compreensão uma discussão sobre quem decide sobre esses domínios do projeto. Mesmo em casos em que o cliente deliberadamente anuncia (decide) os mínimos elementos do contexto (quem são usuários, clientes, fornecedores, produtores, concorrentes, designers...), ainda assim o designer não está livre de cometer digressões que entenda importantes para conduzir criativamente o projeto, explorando perspectivas distintas daquelas previstas pelo cliente. Em outras perspectivas, os fatores do contexto não são jamais materiais que habitam estavelmente um quadro determinado a ponto de caracterizálo enquanto contexto restrito. Ao contrário, são materiais que habitam um universo amplo e dinâmico que se movimentam de forma a incorporar ou desagregar um conjunto qualquer. Assim, a estabilidade de um contexto ou da rede que forma (para falar como Callon, 1995), é tão estável quanto a fragilidade de qualquer um dos elos formados entre seus atores constitutivos. Partindo então do pressuposto de que tais fatores contextuais não sejam determinados (pelo cliente, pelo designer ou por qualquer outra figura pontual), todo exercício de demarcação no design será entendido como exercício de construção (Meyer, 2017). Ou seja, ao lidar com o contexto o designer o constrói num movimento híbrido de leitura-projeção.

Se é razoavelmente compartilhada a ideia de que toda a prática de design envolva algum tipo de negociação entre designer e outros participantes, podemos dizer que essa operação de demarcação seja construída nas tramas das relações de projeto. Quer dizer, o designer precisa ocuparse de um processo coletivo interessado na compreensão do contexto. Assim, parece ser na interação entre o designer e os demais participantes do projeto que o designer determina a posição dos informantes e lida com as informações que vão abastecer o curso projetual. Haraway (1991) entende que tais negociações são construídas através de interações e debates que perpassam domínios sociais e políticos e são fundamentalmente situados. Ou seja, são contingentes, mas também negociáveis e, portanto, provisionais.

Essa condição coletiva na construção dos domínios do projeto vem ocupando significativamente a agenda de design (ver, por exemplo, o trabalho de DiSalvo, 2010; e o movimento do Participatory Design Conference [PDC]). Outros estudos percebem no designer a importância de uma figura que detém as condições necessárias para definir o que implica o contexto. Para Oudshoorn & Pinch (2003), por exemplo, o designer envolvido nesse empreendimento construtivo faz uso das suas experiências pessoais (avaliandose enquanto indivíduo que também tem opiniões e preferências sobre o mundo projetado) e profissionais (procurando, por exemplo, por referências de projetos anteriores, equivalentes ou não, e avaliando os procedimento bem ou mal sucedidos). Mesmo a compreensão de Oudshoorn & Pinch (2003) não implica uma atividade necessariamente individualizada. Os autores descrevem tão somente a maneira como o profissional posicionase diante de uma prática humana necessariamente social e, portanto, coletivizada.

De qualquer forma, a partir dessa concepção sobre a importância da relação entre designer e contexto ou, mais especificamente, a partir de abordagens de design usercentered, a posição desse ator outro é fundamental para o designer alcançar o que precisa para projetar. O usuário, para citar um desses atores, representa fonte de conhecimento liminar para o processo de design (Redstrom, 2006). Oygur (2017) apresenta um dispendioso sumário de múltiplas técnicas utilizadas pelo designer para conhecer e lidar com informações do usuário. Ocorre que a figura de usuário se amplia indefinida e irregularmente a um conjunto de atores que não se pode restringir a uma figura pontual. Akrich (1995, p. 174) explica que o usuário, é “um conjunto de características disparatadas que não se vão fundir em uma configuração estreita pronta para acomodar o usuário final”. O mesmo problema de síntese indevida apresentada na compreensão de Akrich sobre o usuário ampliase a outras searas do contexto. Quer dizer, onde começa e termina o território de projeto? Até onde ampliase ou em que se restringe o mercado? Tais idiossincrasias implicam em dificuldades nas tarefas despendidas pelo designer em sua busca por conhecer o que é necessário para projetar. Afinal, os materiais que servem ao processo de design não são jamais entidades dadas ou imprescindíveis; eles ocupam um plano incidental construído pelas dinâmicas mais diversas e plurais. Nesse artigo, procuraremos descrever uma forma de construção desses domínios.

Desconhecendo

O processo de vir a conhecer no design não se efetiva, evidentemente, apenas no exercício de procura por informações nos contextos demarcados coletivamente. As bases pragmáticas da reflexãona-ação de Schön (1983), por exemplo, explicam um processo de aprendizado dinâmico em que o designer articula os saberes à medida que suas práticas vão se realizando. Polanyi (1967) oferece uma taxonomia didática em que separa conhecimentos explícitos (de mais evidente concretude e articulação) de conhecimentos tácitos (de alguma forma obscurecidos, mas que são acionados de algum modo no processo criativo). A própria compreensão de que o processo de conhecimento no design utilize de dinâmica abdutiva (Friedman, 2000; Kolko, 2010) aponta para um esquema generativo, orientado às possibilidades. A operação abdutiva opera, portanto, para além do esforço de leitura, investigação e coleta, ações fortemente presentes na literatura em design, especialmente no que diz respeito às metodologias de projeto (ver por exemplo a posição dos estágios de pesquisas nos métodos de projeto em Kumar, 2012; e Dubberly, 2004).

A importância do conhecer para projetar é de alguma forma depreendido do que a área compreende ser um ‘designerly ways of knowing’ (Cross, 2001). Quer dizer, o designer não somente tornase conhecedor (nas práticas projetuais), mas conhece pelas vias de um modo próprio. Assim, apesar das tantas versões sobre como o designer passa a conhecer aquilo que requer para projetar, todas elas parecem apontar para algum grau de imprescindibilidade do conhecer.

Neste artigo partimos da compreensão de que o designer lida fundamentalmente com uma dificuldade ontológica em identificar o que está em jogo nos panoramas sociais com os quais lida. Utilizamonos da compreensão de Feenberg (2017, p. 5) que sugere que tal dificuldade expliquese por um tipo de “finitude epistemológica” que acomete a todos. Quer dizer, é associada aos indivíduos certa impossibilidade de conhecerem. No design, isso implica de alguma forma em o designer entenderse incapaz de conhecer o que um projeto requereria. Mesmo quando o designer se reporta ao outro para buscar informações que entende pertinentes para o projeto, ainda assim o material a que tem acesso é limitado, pois mesmo o outro é incapaz de conhecer o que constitui seu mundo imediato. Além disso, todo movimento realizado pelo designer ocorre por uma espécie de paradoxo da ação, isto é, toda ação causa uma reação equivalente. Assim, aquilo que o designer acessa é efeito dos movimentos que produziu e não necessariamente uma informação inerente ao contexto investigado. O problema do (des)conhecer no design aponta, portanto, para uma questão relacionada as informações em jogo (o que de fato representa o mundo dos atores de um projeto e em que medida isso se transforma quando o designer se alia ao contexto), e o problema situacional de identificação das instâncias que devem (ou não) constituir os domínios (mesmo provisionais) de um projeto.

A figura do “idiota” de Stengers (2005, p. 994) aponta para um personagem conceitual que jamais aceita as convenções consensuais em que as situações são apresentadas a ele; um personagem que jamais sabe. O idiota sugere que jamais “consideremonos autorizados a acreditar que possuímos os caminhos para alcançar o que conhecemos” (Stengers, 2005, p. 995). A “idiotice” que Stengers associa a um personagem conceitual é empregada também a artefatos (Fraser, 2010). Assim, um objeto idiota conduz a um quadro de abertura e invenção de outras temáticas (problemas) de projeto, diferentes daqueles que se (achava que) conhecia. Para Fraser (2010), o surgimento desses objetos permite repensar radicalmente as situações em que eles surgiram. Contrariamente, o designer que conhece está de alguma forma associado a um frame de compreensão relativamente estável e determinante que o impede de alcançar tal abertura.

A partir dessa compreensão, Michael (2012, p. 171) questiona se é possível projetar objetos (idiotas) capazes de provocar uma reflexão sobre eventos sociais específicos. Tal questionamento vem sendo realizado sistematicamente nas discussões sobre design especulativo e crítico (ver Malpass, 2017 e Dunne & Raby, 2013). Os estudos encarregados dessa reflexão vêm apontando que projetos de competência equivalente aos objetos idiotas de Fraser tem potencial de acionar, por meio de especulação, instâncias desconhecidas dos eventos sociais.

Neste artigo, orientamonos por partir dessa compreensão geral de que as convenções de um evento social devam ser, de alguma forma, subjugadas em detrimento a um processo aberto de projeção abdutiva. Em meio a um projeto relacionado a plataformas de estudo, percebemos que as convenções sobre o que deveria envolver uma plataforma de estudo (aquilo que se pronunciava de alguma forma pelos próprios atores de um dado contexto projetual, isto é, professores, alunos, tecnologias, projetos pedagógicos...) deveriam ser esquecidas (desconhecidas) por um momento para que pudéssemos tocar o tema (estudo) em questão. Orientamonos amplamente pela pesquisa em design baseada na prática (Fallman, 2007; Biggs, 2004) e, mais especificamente, pelo método de (1) Cultural Probes (probes) (Gaver et al., 1999) e pelo desenvolvimento de (2) protótipos. A escolha pelos probes e pela construção de protótipos (descritos na próxima seção) se dá por percebêlos enquanto métodos produtivamente idióticos (Michael, 2012). Quer dizer, há neles um potencial de produzir ou de se engajar como que disparatadamente com os universos dos eventos sociais em questão e estimular que os informantes acessem instâncias remotas do seu universo correspondente.

Método e Resultados

Este artigo é parte de uma pesquisa desenvolvida ao longo de três anos sobre a etnografia e o design de plataformas de estudo. Apresentamos aqui um recorte da pesquisa, concentrandonos na utilização de probes e protótipos como forma de desenvolver uma discussão sobre os efeitos do desconhecer para tratar uma temática de projeto em particular.

O Cultural Probes foi originalmente concebido em 1999 (Gaver et. al, 1999), como parte de um projeto de pesquisa que buscava aumentar a presença e a atuação da população de idosos em suas próprias comunidades locais. Os pesquisadores desenvolveram um conjunto de materiais -mapas, cartões postais, máquinas fotográficas- que, organizados em kits, eram entregues a esse público. Através de pequenas tarefas que acompanhavam os objetos (e.g. “Registre algo chato” com a câmera ou “Indique onde você gosta de ficar sozinho” nos mapas), o método permitia o registro do cotidiano e o acesso das subjetividades dos participantes de maneira menos intrusiva que a etnografia -visto que o pesquisador não acompanhava o preenchimento das tarefas. Desde então, a literatura sobre os probes costuma apresentar variações sobre sua nomenclatura e sobre a compreensão do método. Assim, nomenclaturas como Technology Probe (Hutchinson et al., 2003), Informational Probe (Crabtree et al., 2003), Urban Probe (Paulos e Jenkin, 2005), Perspective Probe (Berkovich, 2009) e Boundary Probe (Halpern et al., 2013) oferecem um panorama dessa variedade. Apesar das diferentes abordagens, se mantém nessas propostas a essência aberta do método, que possibilita lidar com certos universos particulares e oportuniza o acesso de experiências e subjetividades dos indivíduos pesquisados.

Sobre a interpretação do material coletado, partimos da orientação de Boehner, Gaver e Boucher (2012, p. 199) que argumentam que é equivocado analisar a coleta do probes sob um ponto de vista puramente informacional -como sugerem Hutchinson et al. (2003) e Crabtree et al. (2003). Assim, procuramos nos sensibilizar durante o uso dos probes sobre a importância de nos envolvermos com um processo orientado ao inesperado, ao problemático, ao desconhecido, utilizando assim da virtude idiótica do método

Sobre as atividades relacionadas aos probes e aos protótipos, é importante destacar alguns dos procedimentos metodológicos adotados. Assim, para desenvolver as atividades formamos um Grupo de Projeto. Foram selecionados cinco participantes com background projetual. Um deles era estudante de graduação em design; três eram graduados em design e mestrandos em design; e um tinha experiência na área de comunicação e era mestrando em design. Foram recrutados três representantes de uma escola particular de ensino fundamental e médio de Porto Alegre: a coordenadora do ensino fundamental II, a coordenadora do ensino médio e a coordenadora de desenvolvimento institucional. Tais representantes atuaram na escolha dos estudantes participantes (conforme descrito a seguir), na intermediação entre o grupo de projeto e os estudantes, e na supervisão sobre a adequação dos probes e protótipos que eram submetidos aos alunos participantes. A seleção dos alunos participantes se deu por intermédio dos representantes da escola convidada. Os estudantes convidados eram todos considerados estudantes que revelaram em algum momento boas práticas de estudos (o que envolvia: atitude criativa e/ou bom desempenho escolar e/ou dedicação acimas da média). Foram selecionados 12 participantes do sexo masculino e feminino. Seis deles estudavam no ensino fundamental II (faixa etária entre 11-13 anos), e seis, no ensino médio (13-16 anos).

Os procedimentos projetuais organizamse em torno de tarefas definidas. O grupo de projeto recebeu tais tarefas de forma independente e sequencial. As tarefas eram: o propósito de projetarse uma plataforma de estudo a partir da utilização do método Cultural Probes e do desenvolvimento de protótipos; projetar um instrumento de coleta de informações sobre como crianças/jovens do ensino fundamental e médio estudam (conforme Figura 1). Foram disponibilizados três textos introdutórios sobre o Cultural Probes, para que a equipe se sensibilizasse com o método. Os projetistas tampouco foram instruídos sobre outro tipo de informação referente àquela situação de projeto. Também não foram feitas indicações sobre o papel que cada um dos projetistas deveria desempenhar. As restrições do projeto dos probes envolviam tempo (de 12 encontros de um turno semanal de 4 horas, totalizando 48 horas de projeto), espaço (laboratório de prototipagem com equipamento de marcenaria, impressão e prototipagem rápida acessível), orçamento (1.200 reais para a construção de 12 kits) e a confecção dos kits (que contaram com o apoio de dois técnicos laboratoristas). Os três representantes da escola selecionada deveriam participar de sessões de validação dos probes. Depois de confeccionados, os kits seriam entregues para os 12 estudantes selecionados. Na ocasião da entrega, um dos kits foi aberto e apresentado detalhadamente para os estudantes. A terceira tarefa, foi a de analisar as informações obtidas com os probes. Foram realizadas quatro sessões de quatro horas cada, espaçadas em uma semana, totalizando 16 horas de análise. Foram disponibilizados ao grupo de projeto os 12 kits preenchidos pelos participantes. O grupo foi instruído a analisar livremente os kits -sem qualquer indicação de critério ou procedimento recomendado- e manifestar informações que eles considerassem relevantes para o projeto da plataforma de estudo. Por fim, na quarta tarefa, o grupo de projeto passou às atividades de prototipação de plataformas de estudo. Não foram passadas indicações sobre estrutura de projeto ou sobre métodos ou técnicas projetuais que a equipe seguisse durante o desenvolvimento do instrumento.

O desenvolvimento projetual e a seção de análise dos kits foram documentados através de um diário de projeto e de registro fotográfico. Um dos integrantes do grupo de projeto ficou encarregado de tomar notas que registrassem os principais movimentos das tarefas de projeto e de análise. O desenvolvimento do projeto dos protótipos foi acompanhado de seções de crítica sobre as propostas desenvolvidas. Ao todo foram realizadas cinco seções de crítica intermediária (tratando os protótipos que vinham sendo desenvolvidos separadamente) e uma seção de crítica final (com todos os protótipos reunidos). As atividades de projeto aconteciam semanalmente somando um total de 12 encontros de um turno semanal de quatro horas, totalizando 48 horas de projeto. As seções de crítica foram realizadas a partir da matriz de crítica de Bardzell, Bardzell & Stolterman (2014).

Figura 1 Probes antes de ser enviado aos participantes. Fonte:desenvolvido pelos autores. 

Para a realização da terceira tarefa (análise dos kits de probes), o grupo de projeto optou por retomar alguns dos objetivos que havia elaborado na ocasião em que projetavam o kit, a saber: (1) identificar os artefatos usados pelos participantes no estudo; (2) identificar as dinâmicas de estudo, as peculiaridades e apropriações dos artefatos; (3) construir os perfis dos participantes, a partir de indícios que emergem das análises dos artefatos e das dinâmicas; (4) identificar os desejos e expectativas dos participantes sobre como deveria ser o estudo. Esses objetivos amplos serviram como uma espécie de orientação geral para organizar inicialmente uma análise (dedutiva) dos kits já preenchidos pelos estudantes. Estabelecido esse critério geral de organização, o grupo passou a abrir um kit por vez, examinando todas as atividades de um mesmo kit para somente então passar ao kit seguinte. A análise passou então a ocuparse de uma leitura indutiva das unidades que se pronunciavam paulatinamente. A partir do momento que o grupo assumiu esse tom (indutivo) de análise, os objetivos mais amplos foram deixados de lado e aos poucos foram perdendo relevância. Observando uma das tabelas (tabela 1) preenchidas é possível identificar que não se manifesta diretamente a relação entre análise e objetivos. O procedimento de análise foi também organizado de forma que cada tarefa fosse analisada espaçadamente e alguns comentários e proposições fossem feitos em relação ao que a atividade preenchida revelava. Segue aqui o fragmento de uma das tabelas de análise gerada.

Tabela 1 Fragmento de análise indutiva dos probes 

Depois de construir as tabelas o grupo fez a leitura geral do que foi produzido. A partir desse movimento, o grupo passa espontaneamente a destacar outros aspectos de fundo que de alguma forma se expressavam nos kits, tais como: (a) como o kit retornou? (voltaram montados como foram entregues ou não, qual sua aparência geral, estavam destruídos, organizados, foram customizados...); (b) como a realização das tarefas se manifestavam? (foram feitas ou não, os estudantes mostramse cuidadosos, dedicados, displicentes); (c) há outras informações subjacente a realização das tarefas? (elas foram compreendidas, ampliadas) e quais aspectos relevantes, ou o que pode apontar essa apreciação genérica? Tais considerações não foram incluídas nas tabelas, mas passaram a ser consideradas como aspecto relevante para os estágios de prototipagem seguintes.

Apesar de a divisão didática apresentada entre as atividades relacionadas ao desenvolvimento e análise dos probes e as atividades relacionadas ao desenvolvimento e análise dos protótipos, as atividades misturavamse fundamentalmente. Quer dizer, desde os primeiros movimentos de elaboração dos probes, os projetistas já passavam a tocar temas relacionados ao que envolveria uma plataforma de estudo (tema dos protótipos). Assim, desenvolvemos uma bateria de protótipos que aos poucos passavam a revelar algum tipo de saber relacionado a temática de interesse. Mais especificamente, projetamos cinco protótipos de plataformas de estudo que passaram a constituir um corpo de argumento sobre o que envolve estudar e, mais especificamente, sobre o que está em jogo quando o tema

plataforma de estudo. Apresentaremos a seguir o protótipo produzido e o argumento principal que ele revelava durante as seções de crítica.

Protótipo 1) Mesa de mixagem do estudo

A Mesa de mixagem do estudo enfatiza a importância da criatividade e agenciamento do estudante no processo de estudo. Por meio dessa mesa, a prática de estudo envolveria um processo de composição e gravação de músicas (ou áudios) relacionados de alguma forma aos temas de estudo. Cada um dos cubos coloridos é uma referência que possibilitará a composição musical. Por exemplo, no cubo azul há sons referentes a ritmos, marcados por instrumentos de percussão; o cubo vermelho referese a instrumentos melódicos como piano e guitarra. Há um componente do produto que serve de entrada de áudio (o micro-fone, na cor cinza) e outro componente que indica a saída do som (alto falante).

O argumento geral é que o aluno que se envolve ativamente num exercício propositivo alcança outras condições de estudo. O protótipo é também crítico sobre o modo passivo com que alguns estudantes se comportam ao estudar, valendose restritamente aos conteúdos passados pelos professores ou disponíveis em livros, apostilas ou vídeos-aula. Essa plataforma de estudo incentiva também o estudo coletivo, uma vez que permite compar-tilhamento entre as referências musicais criadas (Veja Figura 2).

Figura 2: Mesa de mixagem do estudo. Fonte: desenvolvido pelos autores. 

Figura 3 O Travesseiro do Estudo. Fonte: desenvolvido pelos autores. 

Protótipo 2) Travesseiro do estudo

O protótipo do travesseiro/gravador aponta uma discussão sobre a relação entre os estados de consciência/inconsciência no estudo. Quer dizer, o estudante pode estudar mesmo dormindo, ou nos estágios pré-inconsciência que costumam ocorrer nos instantes entre a vigília e o sono. Esse estágio intermediário pode ser rico para conexões importantes para o estudo. Há também uma metáfora rica em que estudante pode dormir sobre o que está sendo estudado, o que pode produzir efeitos variados.

Uma vez que o travesseiro permite que o aluno grave áudios acionando um botão posicionado em um dos vértices extremos, o produto assume uma condição híbrida, de travesseiro-gravador. Essa característica, apesar das funções técnicas que proporciona (gravar áudios de lembretes, reflexões), também aciona uma discussão sobre o uso de gravador nos domínios escolares. Quer dizer, o gravador de áudio (geralmente disponibilizados pelos celulares) não ocupavam tradicionalmente o contexto escolar, mas passaram a fazêlo de um tempo para cá. Apesar disso, não há indicativo de que tal tecnologia implique em qualidade de estudo. Quer dizer, estudo não é sobre gravar/acessar informações.

O protótipo questiona a formalidade dos ambientes de estudo. Um ambiente adequado não é necessariamente aquele tradicional em um escritório, com escrivaninha e cadeira apropriados, mas envolve condições mais amplas de forma a proporcionar uma atmosfera adequada (Veja Figura 3).

Protótipo 3) O encarte para empatia

O livro da empatia é um recurso projetado para servir de mediador entre professores e estudantes e para os próprios atores refletirem sobre suas características. As questões são elaboradas a partir das diferentes entradas (associadas às inteligências de Gardner, 1983). O conjunto das questões, pela variedade complementar entre si, permitem tratar um universo mais amplo da realidade do estudante. A maneira como o estudante interage com o livro ocasional, escapando a um processo linear como o sugerido pelas folhas enumeradas ou organizadas como folhas de um caderno ou livro (que se abre sequencialmente, da esquerda para a direita). Há uma lâmina com espaços em branco, onde os participantes podem elaborar questões próprias, que podem posteriormente ser feitas para outros participantes. O protótipo enfatiza a importância do processo de autoconhecimento, pois conduz o estudante a um processo de reflexão sobre as questões sugeridas; e o processo de cuidado e atenção ao outro, quando pensa sobre aquele que respondeu ao livro (Veja Figura 4).

Protótipo 4) A pílula do conhecimento

O protótipo da pílula do conhecimento referese a uma série de produtos que simulam o cenário da descoberta de um medicamento que modificou radicalmente as práticas de estudo. Foram projetadas matérias jornalísticas, anúncios de propagandas, bem como embalagens e linhas premium todos relacionados ao medicamento. O medicamento consiste em um comprimido que, quando consumido, proporciona uma dose de conhecimento. Contudo o consumidor é também afetado por um efeito colateral, pois o medicamento tem um potencial equivalente de apagar conhecimentos (memórias) anteriores. O estudante assim poderia consumir a pílula para aprender sobre números primos, más correria o risco de esquecer o nome de um parente próximo, por exemplo.

O protótipo especula sobre uma série de questões como: estudo é algo que se consome? Estudo se efetiva imediatamente, ou requer processo (dispendioso) particular? Quais os efeitos a longo prazo para uma sociedade em que o estudo pode ser consumido? (Veja Figura 5).

Os protótipos desenvolvidos não foram projetados de modo que estivessem articulados ou conectados entre si. A composição que eles formam é portanto resultado de um processo elaborado ocasionalmente. Essas conexões foram fundamentais para determinar algumas das qualidades e mesmo a natureza dos protótipos. Dessa forma, em alguns casos os protótipos assumiram suas características em função das coerências que pareciam manifestar em relação aos demais protótipos que estavam sendo desenvolvidos. Suas qualidades eram validadas aqui por um esquema relacional particular. Não somente eram legitimadas pela operação pragmática da relação entre protótipos e aquele contexto preliminar, mas na relação entre o que estava sendo projetado e o que ainda seria projetado posteriormente. A ideia de conjunto, contudo, não foi orquestrada preliminarmente. Não era algo a ser objetivado, mas uma propriedade que se revelou desejada no curso do projeto, isto é, na articulação entre o projeto e análise dos probes e o projeto dos protótipos em si. Esse conjunto não aponta para a compreensão difundida sobre linha de produtos. Os protótipos não compartilham linguagem gráfica, não se complementam pelo o que oferecem suas competências técnicas, não formam identidade unificada, ou tem qualquer equivalência no que diz respeito a outra propriedade (estrutura, materiais, tecnologia, produção, descarte, problemas éticos, distribuição...). São independentes, nesse sentido.

Discussão

A atividade projetual permitiu que os atores envolvidos identificassem e produzissem aspectos relacionados ao que envolve estudar para eles. Mais especificamente o composto atorprobe-protótipo revelou que uma plataforma de estudo envolve (1) um processo de reflexão sistemático sobre as práticas de estudo adotadas; (2) plataformas múltiplas híbridas cujas agências são determinantes no processo de estudo; (3) a dissolução de demarcações sobre espaços de tempo delimitados para estudo; (4) um processo de autoconhecimento e de altruísmo e; (5) um espírito transgressor de fundo.

Não é desejável ou sequer possível envolvermonos aqui em qualquer tentativa de identificar a fonte do material que serviu ao argumento que procuramos desenvolver. Tal operação é indesejável e impossível pois uma vez que os atores participantes (quer estudantes, quer projetistas) estão associados aos probes e aos protótipos, eles formam atores híbridos que confundem essencialmente suas peças constitutivas. Ainda assim, podemos relacionar alguns dos achados gerais a certos aspectos dos episódios de projeto:

Figura 4 O Encarte para Empatia: Você Aqui. Fonte: desenvolvido pelos autores. 

Figura 5 Pílulas do Conhecimento. Fonte: desenvolvido pelos autores. 

1.Quando argumentamos que uma plataforma de estudo envolve um processo de reflexão sistemático sobre as práticas adotadas, nos referimos à importância de as plataformas permitirem e conduzirem os estudantes a envolveremse em um processo recursivo crítico sobre os modelos gerais que pautam seu estudo. Nesse sentido, uma plataforma de estudo requer flexibilidade (como argumenta o protótipo do encarte para empatia) e provocação (como argumenta o protótipo da pílula do conhecimento).

2.As plataformas devem ser entendidas enquanto artefatos múltiplos híbridos. Múltiplos pois as práticas de estudo não se encerram em domínios contextuais delimitados. Se os domínios são movediços e toda legitimidade do design passa pela compreensão de sua condição contingenciada, as plataformas devem assumir essa multiplicidade. A ideia de composição (portfólio) que os protótipos manifestam, conduz a esse argumento. Por exemplo, as informações registradas no travesseiro de estudo são materiais para a composição musical que a mesa de mixagem propõe... Quer dizer, há um sistema de relação entre os protótipos projetados. O conjunto que forma os protótipos revela saberes sobre o que envolve estudar e sobre alguns aspectos do que envolve um projeto de uma plata-forma de estudo. Assim, os protótipos individualizados perdem essa competência central do conjunto de propostas. Nesse sentido, a apreciação a que esse o conjunto de protótipos oferece é equivalente ao que discute e propõe os annotated portfolios (Bowers, 2012). As plataformas devem ser híbridas no sentido de entenderemse enquanto partes de um composto que é também formado por outros atores, como os estudantes, por exemplo. O estudante não é ator passivo que recebe informações. O protótipo da mesa de mixagem requer e estimula ao estudante posição ativa. Assim, quando plataforma, estudante, espaço físico e ambiente estão em contato, formam uma terceira proposição, de qualidades independentes de suas partes isoladas.

3.A dissolução dessa demarcação espacial ampliase também ao problema da demarcação temporal. O estudo é prática social que não se reserva restritivamente, a um espaço de agenda necessariamente delimitado. O travesseiro do estudo serve a esse argumento quando permite tratar o horário de sono como um híbrido entre descanso e estudo, por exemplo.

4.O encarte para empatia revela que estudo passa pelo exercício de autoconhecimento. Quer dizer, as plataformas devem permitir que o estudante se reconheça em meio as práticas de estudo com as quais está envolvido. Uma vez que tais práticas se realizam sempre num plano social, isto é, envolvem as disposições de outros, autoconhecimento está relacionado ao exercício altruísta e empático.

5.As plataformas de estudo devem acionar no estudante um espírito transgressor e crítico. Essa condição de desobediência está relacionada a um senso de questionamento e infração de normas e padrões estabelecidos. Estudar passa então por um exercício de transformação, o que tem relação com desestabilidade e caos. Os protótipos da mesa de mixagem e da pílula do conhecimento lidam com esse aspecto.

Os protótipos revelam uma matéria importante sobre o que envolve uma plataforma de estudo. Esse material que é proporcionado pela atividade de prototipagem (e mais especificamente, a atividade de prototipagem associada a preparação de probes e crítica geral) não seria acessado por intermédio de um instrumento de pesquisa contextual (entrevistas, observação, análise de uso, etc.). Tal impossibilidade não é devida a qualquer fragilidade nesses métodos de pesquisa. Não é necessário destacar a virtude desses instrumentos, especialmente quando são bem empregados. Ocorre que tais materiais inexistem naqueles momentos em que o designer (que segue a compreensão de que há um estágio preliminar de escrutínio do contexto) os procura. Assim, o designer que assume alcançar o conhecimento necessário para seguir com o projeto adiante, incorre no equívoco de se restringir a informações estáveis, que não se referem ao universo dos atores (aqui estudantes-plataforma-designer, para elencar alguns). Tais materiais são produzidos pelo conjunto formado por esses atores e não se oferecem antecipadamente. Mesmo assim, pelo caráter volátil de sua composição, o designer jamais os conhece definitivamente. Se a composição é dinâmica, não há estágio restrito pontual em que se enumeram os conhecimentos necessários para o projeto.

Defendemos, portanto, que o designer deve reconhecerse ator que opera numa condição de essencial estupidez. Estupidez deve ser entendida aqui enquanto qualidade de uma condição em que a falta de algo é insuperável; não se trata, portanto, de ausência de sensibilidade ou o contrário de inteligência. A estupidez essencial do designer não lhe permite a insensibilidade ou a desinteligência, mas lhe confere a compreensão e o reconhecimento de uma espécie de ausência e de obscurecimento inerente das certezas. O estúpido, nessa ótica, jamais se sacia ou enxerga com clareza, mas justamente desconfia de qualquer senso de preenchimento ou visão plenos. Nesse sentido, estupidez assemelhase à equivocidade, para usarmos da discussão de Viveiros de Castro (2015, p. 90-93). O equívoco, para o autor, não se refere a um problema de falta de interpretação, mas a um problema de excesso, que ocorre quando não percebemos que há sempre muitas interpretações (muitas das quais não realizamos ou desconhecemos). Assim como esse sentido de equívoco, a estupidez não se assemelha a um descuido ou erro, mas ao fundamento da relação do designer com a exterioridade que o acomete.

A estupidez é tomada aqui então enquanto aspecto de fundo da atividade projetual. Tal característica aponta antes para um senso de abertura do que para um impeditivo intransponível. A estupidez não é algo a ser superado, mas uma condição desejável, favorável à abdução. Em outro sentido, ao reconhecer os limites de seus processos de conhecimento, o designer vai entender que todo artefato projetado contém inadequações, despropósitos, incorreções. O artefato não deve ser tomado enquanto efeito geral do processo, enquanto ponto de chegada ou de fechamento. Mas, contrariamente, o artefato opera em suas affordances, enquanto agentes (tem agência) que provocam (causam) modificações sobre o que se conhecia antes. Se o projetado modifica algo, aquilo que se conhecia imediatamente não se conhece mais.

O designer, portanto, não é alguém interessado em entender os contextos. Os contextos não estão ali aguardando por serem descobertos. São construídos num processo de dinâmica ágil em que qualquer retrato (estático) é traiçoeiro, pois não lhe toma o movimento característico. Uma vez que os contextos jamais revelamse ou constroemse espontaneamente, o designer passa a ocupar uma posição de importância singular. O uso dos probes e dos protótipos descrevem uma forma de o designer interferir nas dinâmicas do contexto, alimentando a para que então se manifestem os aspectos que lhe sejam temporariamente relevantes.

Considerações finais

Apresentamos aqui o recorte de um projeto de pesquisa enfatizando um movimento projetual composto do desenvolvimento de probes e do desenvolvimento de protótipos variados sobre plataformas de estudo. Procuramos descrever que ao invés de a atividade projetual utilizarse de informações referentes ao que envolve estudar a atividade produziu tais informações. De certa forma, essa atividade revela saberes relevantes sobre o que é estudar naquela situação explorada, e sobre o que requer uma plataforma de estudo para a mesma situação. Esse movimento aparentemente inverso (input-output versus output-input) não se dá por uma condição especial sui generis da processualidade que pautou o projeto desenvolvido. Todo projeto de design realiza movimentos de alguma forma equivalentes (isto é, que não se direcionam somente em um dos sentidos [input-output]). Entendemos, contudo, que quando o designer parte de uma compreensão de que é imprescindível formar um corpo de conhecimento preliminar sobre um projeto, ele acaba por não explorar as possibilidades mais fartas do ato projetual. Procuramos enfatizar neste artigo que uma das formas de se lidar com essa tendência descrita aqui como restritiva é o designer reconhecer o que nomeamos de sua estupidez essencial.

Agradecimento

Este artigo é parte da pesquisa O Design para Potencializar o uso de Plataformas de Estudo que recebeu apoio do Edital Universal do CNPq. A elaboração da pesquisa também contou com a participação de outros alunos, entre os quais as bolsistas de iniciação científica Elisa Teixeira e Giulia Locatelli.

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Recebido: 01 de Fevereiro de 2019; Aceito: 01 de Julho de 2019; : 01 de Novembro de 2020

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