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Estudios Socioterritoriales

versión On-line ISSN 1853-4392

Estudios Socioterritoriales vol.23  Tandil jun. 2018

 

ART͍CULO CIENT͍FICO

Aspectos legais de proteͧͣo Í  zona costeira no Brasil e seus desdobramentos no litoral do estado do Ceará

Legal aspects of protecting the coastal zone In Brazil and their consequences in coastal state of Ceará coast

Otávio Augusto de Oliveira Lima Barra(a)
Augusto Guthiere Fialho Arruda(b)
Fábio PerdigÍ£o Vasconcelos(c)
Maria Bonfim Casemiro(d)
Delano Nogueira Amaral(e)

(a) Mestre em Geografia. Doutorando pelo Programa de Pós-Graduaͧͣo em Geografia da Universidade Estadual do Ceará-UECE. Grupo de Pesquisa e Laboratório de GestÍ£o Integrada da Zona Costeira-LAGIZC/CNPq. Av. Dr. Silas Munguba, 1700, Campus do Itaperi. Fortaleza/CE, Brasil, otavioaolbarra@gmail.com
(b) Mestre em Geografia pelo Programa de Pós-Graduaͧͣo em Geografia da Universidade Estadual do Ceará-UECE. Grupo de Pesquisa e Laboratório de GestÍ£o Integrada da Zona Costeira-LAGIZC/CNPq. Av. Dr. Silas Munguba, 1700, Campus do Itaperi. Fortaleza/CE, Brasil, guthierefialho@gmail.com
(c) Pós-Doutorado em Geografia pela Universidade de Nantes na Franͧa. Professor do Programa de Pós-Graduaͧͣo em Geografia da Universidade Estadual do Ceará-UECE. Coordenador do Grupo de Pesquisa e Laboratório de GestÍ£o Integrada da Zona Costeira. LAGIZC/CNPq. Av. Dr. Silas Munguba, 1700, Campus do Itaperi. Fortaleza/CE, Brasil, fabioperdigao@gmail.com
(d) Mestre pelo Programa de Pós-Graduaͧͣo em Geografia da Universidade Estadual do Ceará-UECE. Grupo de Pesquisa e Laboratório de GestÍ£o Integrada da Zona Costeira. LAGIZC. Av. Dr. Silas Munguba, 1700, Campus do Itaperi. Fortaleza/CE, Brasil, mariabonfimc@gmail.com
(e) Graduando em Geografia pela Universidade Estadual do Ceará-UECE. Grupo de Pesquisa e Laboratório de GestÍ£o Integrada da Zona Costeira-LAGIZC/CNPq. Av. Dr. Silas Munguba, 1700, Campus do Itaperi. Fortaleza/CE, Brasil, delanonamaral@gmail.com

Recibido: 8 de enero de 2018
Aprobado: 29 de marzo 2018


Resumo

Por se constituírem como sistemas de relevante fragilidade ambiental, os ambientes costeiros necessitam ser contemplados por medidas que garantam sua proteͧͣo e preservaͧͣo. Deste modo, torna-se necessária a elaboraͧͣo de instrumentos legais que regulem as diversas formas de uso e ocupaͧͣo. Esse aparato jurídico deve ser pautado nos princípios integrados de gestÍ£o, procurando uma real conciliaͧͣo entre os aspectos naturais com os diversos atores da sociedade envolvidos na ocupaͧͣo da zona costeira. Diante disso, este artigo tem por objetivo analisar os principais aspectos legais de proteͧͣo dos ambientes litorÍ¢neos desenvolvidos no Brasil, pontuando a aplicabilidade desses instrumentos no litoral cearense. A pesquisa das leis em vigor e as atividades de campo serviram metodologicamente para construͧͣo desta pesquisa. As formas desordenadas de uso e ocupaͧͣo atestam que a legislaͧͣo ambiental costeira carece de maior efetividade no litoral do estado do Ceará.

Palavras chave: Instrumentos legais; Ambientes costeiros; Uso e ocupaͧͣo; Litoral cearense

Abstract

As they consist in relevant environmental fragility systems, coastal environments need to be covered by measures that ensure their protection and preservation. So, it is necessary to draw up legal instruments regulating the various forms of use and occupation. This legal apparatus should be based on integrated management principles, looking for a real harmony between the natural aspects with the different actors of society involved in the occupation of the coastal zone. Given this, this article aims to analyze the main legal aspects of protection of coastal environments developed in Brazil, pointing the applicability of these instruments in the Ceará coast. The research about laws in force and field activities methodologically served for construction of this research. The disordered forms of use and occupation, as verified in the field, show that the coastal environmental legislation needs greater effectiveness in the context of the state of Ceará coast.

Key words: Legal instruments; Coastal environments; Use and occupation; Ceará coast

Resumen

Por constituirse como sistemas de relevante fragilidad ambiental, los ambientes costeros deben ser contemplados por medidas que garanticen su protección y preservación. De este modo, se hace necesaria la elaboración de instrumentos legales que regulen las diversas formas de uso y ocupación. Este aparato legal debe basarse en los principios integrados de gestión, buscando una verdadera conciliación entre los aspectos naturales con los diversos actores de la sociedad involucrados en la ocupación de la zona costera. Por lo tanto, este artículo tiene como objetivo analizar los principales aspectos legales de protección de los ambientes costeros desarrollados en Brasil, puntuando la aplicabilidad de estos instrumentos en el litoral cearense. La revisión de las leyes en vigor y las actividades de campo sirvieron metodológicamente para la construcción de este trabajo de investigación. Las formas desordenadas de uso y ocupación demuestran que la legislación ambiental costera carece de mayor efectividad en el litoral del estado de Ceará.

Palabras clave: Instrumentos legales; Ambientes costeros; Uso y ocupación; Litoral cearense


Introduͧͣo

Os litorais configuram-se como complexos ambientes resultantes da confluͪncia dos sistemas atmosfera, litosfera e hidrosfera. O produto dessa complexa relaͧͣo de forͧas manifesta-se na grande variedade de espaͧos naturais dotados de relevante fragilidade ambiental. Essa fragilidade inerente aos meios costeiros agrava-se com a presenͧa do fator antrópico atuando como agente modificador da paisagem, que se revela na forma de impactos ambientais adversos resultantes das várias formas indiscriminadas de uso e ocupaͧͣo.

Deste modo, torna-se imprescindível adotar medidas amparadas em aspectos legais que visem o ordenamento sustentável do processo de ocupaͧͣo do litoral. Essa gama de instrumentos legais deve estar sustentada em princípios integrados de gestÍ£o da zona costeira, onde coabitem os interesses econÍ´micos, sem ferir a efetividade do ideário de sustentabilidade ambiental. Diante disso, este artigo tem por objetivo geral analisar os principais aspectos legais de proteͧͣo dos ambientes litorÍ¢neos desenvolvidos no Brasil, pontuando a aplicabilidade desses instrumentos no litoral cearense.

Para dar conta do objetivo citado, o trabalho inicia demonstrando como a Agenda 21 e a metodologia GIZC (GestÍ£o Integrada da Zona Costeira)/UNESCO representam elementos basilares na defesa do meio ambiente litorÍ¢neo. Após isso, é realizada uma caracterizaͧͣo das definiͧ͵es jurídicas do conceito de "zona costeira" e um breve histórico dos principais instrumentos legislativos e seus desdobramentos na proteͧͣo da costa brasileira. Por fim, faz-se uma análise crítica dos mecanismos legais aplicados no litoral do Ceará mediante a apresentaͧͣo de estudos de caso da regiÍ£o: o litoral da capital Fortaleza; Canoa Quebrada, litoral leste e a orla de Paracuru, costa oeste do estado.

Histórico contextual: Agenda 21 e GIZC

A preocupaͧͣo com as quest͵es ambientais em ambientes de costa garantiu destaque na reuniÍ£o da ONU para o meio ambiente ocorrida no Rio de Janeiro em 1992. Dessa reuniÍ£o foi publicada a Agenda 21, um documento composto de diretrizes e metas com a finalidade de promover o desenvolvimento em bases sustentáveis para o planeta no século XXI (Vasconcelos, 2005). Especificamente, o capítulo 17 dessa Agenda considera a importÍ¢ncia da zona costeira, destacando a pressÍ£o populacional que os ambientes de costa sofrem. Isto redunda em um processo acelerado de degradaͧͣo e erosÍ£o em muitos lugares do mundo.

Vasconcelos (2005) pontua ainda que, dentre alguns dos objetivos estabelecidos pela Agenda 21, encontra-se aquele que exige o comprometimento dos estados costeiros em praticarem um gerenciamento integrado e sustentável sob suas jurisdiͧ͵es nacionais, sendo necessária uma identificaͧͣo para as utilizaͧ͵es das zonas costeiras e a promoͧͣo do desenvolvimento e de aplicaͧͣo de métodos que venham a refletir quaisquer alteraͧ͵es de valor decorrentes de utilizaͧ͵es de zonas costeiras.

Além disso, este mesmo documento recomenda a implementaͧͣo de planos e programas integrados de gerenciamento e desenvolvimento sustentável das zonas costeiras; a preparaͧͣo de perfis costeiros que identifiquem as áreas críticas, inclusive as regi͵es erodidas, os processos físicos, os padr͵es de desenvolvimento, os conflitos entre os usuários e as prioridades específicas em matéria de gerenciamento; a melhoria dos estabelecimentos humanos costeiros, especialmente no que diz respeito Í  habitaͧͣo, água potável e tratamento e depósito de esgotos, resíduos sólidos e efluentes industriais e a integraͧͣo dos programas setoriais relativos ao desenvolvimento sustentável de estabelecimentos humanos, agricultura, turismo, pesca, portos e indͺstrias que utilizem ou se relacionem a área costeira.

͉ nesse contexto que se insere a GIZC: "um conjunto de medidas que tem como pilar de sustentaͧͣo o conhecimento científico e a tomada de decisÍ£o da base para o topo" (Vasconcelos, 2005, p. 16). A partir da ReuniÍ£o do Rio de Janeiro, a ECO-92, documentos publicados pela UNESCO: o Guide Methodologique d'Aide Í  La Gestion Integrée de Zones Cotiͨres de 1997 e Des Utiles et dͪs Hommes pour um Gestion Integrée de Zones Cotiͨres de 2002, incentivaram amplamente o estudo sistemático do litoral e a importÍ¢ncia de se estabelecer um diálogo entre os diversos atores que o comp͵e para atingir o desenvolvimento durável desses ambientes.

Destarte, o princípio da GIZC caracteriza-se em fornecer ao poder pͺblico, elementos que possibilitem um real conhecimento sobre as dinÍ¢micas dos ecossistemas costeiros, onde coabitem o meio natural e as atividades humanas. Tal conhecimento deve subsidiar as decis͵es, evitando ou mitigando os impactos negativos, a fim de que se preservem de maneira eficaz os ambientes litorÍ¢neos.

A GestÍ£o Integrada da Zona Costeira (GIZC) parte do pressuposto que o processo de litoralizaͧͣo nÍ£o se encontra na "estaca zero". Essa encontra-se intensamente ocupada e, em muitas regi͵es, fortemente degradada. Pressup͵e também a necessidade de integrar no mesmo bloco de discussÍ£o os diversos atores atuantes no litoral: governos, sociedade, comunidades nativas e investidores, interesses pͺblicos e privados para, conjuntamente, analisar e decidir sobre o uso, ocupaͧͣo, investimentos, preservaͧͣo e conservaͧͣo da zona costeira (Vasconcelos, 2005), sendo fundamental a participaͧͣo da comunidade científica que desempenha papel importante de informar e fornecer elementos necessários ao conhecimento dessas regi͵es.

Países como o Brasil, deram início a programas de gerenciamento costeiro, sobretudo a partir da década de 1970 e durante a de 1980. Embora possam representar avanͧos, tais programas mostravam-se apenas como gestores de setores costeiros específicos, como a pesca, ou seja, nÍ£o contemplavam todos os princípios de complexidade e abrangͪncia que permeiam o litoral.

Diante disso, deu-se lugar ao conceito de Gerenciamento Costeiro Integrado que difere de Gerenciamento Costeiro, uma vez que o primeiro considera todas as atividades setoriais que afetam a zona costeira e seus recursos, lidando ainda com os seus principais problemas sociais, institucionais, políticos e econÍ´micos, bem como aqueles relacionados Í s quest͵es ambientais e ecológicas (Campos, 2003).

No Brasil, o Gerenciamento Costeiro é incorporado a partir de 1988 sendo parte integrante da Política Nacional do Meio Ambiente-PNMA. Entretanto, os resultados nÍ£o sÍ£o homogͪneos, onde podem ser observadas experiͪncias de sucesso e outras de completo fracasso. Muitos princípios da GIZC e da Agenda 21 nÍ£o sÍ£o plenamente utilizados pela administraͧͣo pͺblica e uma das raz͵es para tal se deve Í  falta de interesse do poder pͺblico e da sociedade civil em atentar para a magnitude dos conflitos e impactos nas zonas litorÍ¢neas.

Definiͧ͵es legais

A Constituiͧͣo Federal de 1988 art. 225, no parágrafo 4º define a zona costeira como "patrimÍ´nio nacional" e especifica que "sua utilizaͧͣo far-se-á, na forma da lei, dentro de condiͧ͵es que assegurem a preservaͧͣo do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais". O termo "patrimÍ´nio nacional" possibilita brechas para que empresários e investidores da área do turismo manejem áreas de planejamento estratégico a curto, médio e longo prazos.

A injeͧͣo de recursos e as receitas geradas sÍ£o, em si, formas de condicionar intuiͧ͵es fiscais no que compete Í  geraͧͣo de renda e fortalecimento econÍ´mico regional, entretanto, condiciona ao mesmo tempo o uso indiscriminado dessas áreas de costa, que como vimos sÍ£o vulneráveis e deveriam sofrer maior controle em seu manejo.

A Lei 7.661, de 16/05/1988, que instituiu o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro (PNGC), dado por um programa maior, o Programa Nacional do Meio Ambiente (PNMA), estabeleceu que seu detalhamento fosse constituído em documento específico, na esfera de aͧͣo da ComissÍ£o Interministerial para os Recursos do Mar (CIRM), visando orientar a utilizaͧͣo racional dos recursos na zona costeira (CIRM/GI-GERCO, 2005).

A primeira versÍ£o do PNGC (PNGC I) foi apresentada em novembro de 1990 e aprovada na 25ª ReuniÍ£o Ordinária do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA). Sua publicaͧͣo se deu na forma da Resoluͧͣo CIRM nº 001/90, fazendo parte integrante da Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), instituída pela Lei 6.938 de 31/10/1981, e da Política Nacional para os Recursos do Mar (PNRM), instituída pelo Decreto de 12/05/1980 (CIRM/GI-GERCO, 2005).

Deste modo, a Resoluͧͣo nº 01 de 21/11/1990, da ComissÍ£o Interministerial para os Recursos do Mar (CIRM) define a zona costeira como uma área de abrangͪncia dos efeitos naturais resultantes das interaͧ͵es entre o continente, a atmosfera e a hidrosfera considerando "a paisagem fisico-ambiental, em funͧͣo dos acidentes topográficos situados ao longo do litoral", e comportando os processos e interaͧ͵es características das unidades ecossistͪmicas.

Para Souza (2009) a delimitaͧͣo terrestre da zona costeira brasileira (Figura 1) deu-se principalmente em funͧͣo de limites político-administrativos (municipais) e, em segundo plano, pelo limite de bacias hidrográficas. Para a autora, considera-se uma porͧͣo marítima - mar territorial com um limite de 12 milhas náuticas (22,2 km) a partir da linha de baixa-mar cujo limite foi determinado pela Convenͧͣo das Naͧ͵es Unidas sobre o Direito do Mar. ͉ a "regiÍ£o corresponde Í  medida da largura do mar territorial e das demais áreas marítimas sob jurisdiͧͣo nacional - zona contígua, zona econÍ´mica exclusiva e plataforma continental" (Souza, 2009, p. 28).


Figura 1
. A Zona Costeira do Brasil
Fonte: Souza (2009) modificado de MMA (2006)

Para Fernandes (2012), a delimitaͧͣo atual da zona costeira do Brasil é fornecida pelo Plano de Gerenciamento Costeiro II, entretanto, o primeiro dos planos (PNGC I) definia essa área (e sua abrangͪncia) como sendo o espaͧo geográfico de interaͧͣo do ar, do mar e da terra, incluindo seus recursos ambientais, abrangendo uma faixa marítima e outra terrestre. Importante salientar que afora os limites administrativos, precisam ser considerados os aspectos ambientais que ocorrem neste local: o Brasil, possuidor de uma linha contínua de costa com mais de 8 mil km de extensÍ£o, "abriga uma grande variedade de habitat's e ecossistemas, cada qual com características peculiares e importantíssimas, que funcionam como estabilizadores climáticos e hidrográficos, protetores do solo e também como supridores de matéria prima para consumo humano" (Fernandes, 2012, p. 301). Posto isso, toda e qualquer definiͧͣo de "zona costeira" deve considerar a complexidade das relaͧ͵es ecossistͪmicas, se abstendo de uma conceituaͧͣo puramente geopolítica.

Políticas brasileiras para gestÍ£o costeira

A política brasileira de gestÍ£o do litoral teve início em 1974 com a criaͧͣo da CIRM (ComissÍ£o Interministerial para os Recursos do Mar) cujo objetivo principal foi coordenar a Política Nacional para os Recursos do Mar – PNRM. A lei que normatizou a PNRM foi publicada em 1980, tornando-se assim o suporte legal para o desenvolvimento da zona costeira.

A CIRM instituiu o Programa Nacional de Gerenciamento Costeiro (GERCO), em 1987, cujo objetivo era balizar as aͧ͵es de planejamento e gestÍ£o integrada, descentralizada e participativa da zona costeira. Em 1988, através da Lei Federal nº 7.661, foi instituído o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro (PNGC), que legitimou para a zona costeira o estatuto de patrimÍ´nio do povo brasileiro atribuído pela nova Constituiͧͣo Federal de 1988 (Souza, 2009).

Sequenciando na discussÍ£o dos órgÍ£os institucionais de gestÍ£o costeira tem-se no CONAMA (Conselho Nacional de Meio Ambiente), a CÍ¢mara Técnica Permanente do Gerenciamento Costeiro, que atua em quest͵es revisionais e aperfeiͧoamento dos aspectos legais e normativos aplicáveis ao GERCO. Dentre os instrumentos do GERCO destacam-se: o diagnóstico socioambiental, o plano de gestÍ£o, o Zoneamento Ecológico EconÍ´mico – ZEE, os planos estaduais e municipais, o sistema de monitoramento e o Sistema de Informaͧ͵es de Gerenciamento Costeiro – SIGERCO (SEMACE, 2004).

No Í¢mbito dos estados da Federaͧͣo, pode-se citar o Plano Estadual de Gerenciamento Costeiro (PEGC) – desenvolvido através dos Colegiados Costeiros – que sÍ£o grupos de representaͧͣo tripartite igualitária (Estado, Município e Sociedade Civil organizada). A nível de município, devem ser implementados os Planos Municipais de Gerenciamento Costeiro (PMGC), cuja funͧͣo é aplicar, na escala local, as metas e diretrizes do PEGC, incorporando-as aos Planos Diretores Municipais de Uso do Solo (Souza, 2009).

O primeiro PNGC (PNGC I), instituído através da Resoluͧͣo CIRM nº 01 de 1990, restringiu-se apenas Í  elaboraͧͣo de material cartográfico. Porém, entre 1991 e 1997, o PNGC I foi reestruturado e reformulado, sendo reavaliados todos os entraves de cunho metodológico, operacional e institucional (Moraes, 2007). Este PNGC deixou de ser coordenado pela CIRM passando a ser orientado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). Em 1992 passa a ser coordenado diretamente pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA).

Em 1997 foi aprovado o segundo PNGC (PNGC II), conforme Souza (2009) ele fortaleceu o conceito de gestÍ£o, modificou a abrangͪncia territorial da zona costeira através da adoͧͣo das 12 milhas do mar territorial, e introduziu novos instrumentos, como o Relatório de Qualidade Ambiental. Ainda de acordo com a referida autora, o PNGC II acentuou as responsabilidades das escalas federais e municipal em parceria com a sociedade civil organizada, na conduͧͣo dos planos em nível estadual. Promulgado em dezembro de 2004 o Decreto Federal nº 5.300 regulamentou a Lei Federal nº 7.661/1988 que dentre outras providͪncias instituiu o PNGC II e disp͵e sobre as regras de uso e ocupaͧͣo da zona costeira e critérios de gestÍ£o da orla marítima.

Dentre os princípios estabelecidos no PNGC, destacam-se: a nÍ£o fragmentaͧͣo da unidade natural dos ecossistemas costeiros, considerando as áreas marcadas por atividades sócio-econÍ´micas e culturais características da zona costeira na faixa terrestre; a consideraͧͣo dos limites políticos municipais visando Í  operacionalidade das articulaͧ͵es necessárias Í  gestÍ£o; preservaͧͣo, conservaͧͣo e controle dos ecossistemas costeiros, com recuperaͧͣo e reabilitaͧͣo das áreas degradadas ou descaracterizadas e a cooperaͧͣo entre as esferas de governo e sociedade, estabelecendo políticas e planos estaduais e municipais.

Dessa forma, os Planos Diretores de Desenvolvimento Urbano (PDDU's), que dÍ£o os direcionamentos e atribuiͧ͵es do uso do solo, além de apontar normas de um crescimento ideal para um dado município, remetem a definiͧͣo concedida pela funͧͣo das normas que sÍ£o postas, a fim de fornecer parÍ¢metros que findam no mosaico urbanístico ou o mais próximo que se possa conseguir com tais parÍ¢metros relatados pelos planos diretores que orientam como usar o solo diante de tantas peculiaridades espaciais, principalmente em se tratar de ambientes costeiros. Os PDDU's sÍ£o documentos político-jurídicos que regem instrumentaͧ͵es técnicas (municipais), que orientam vetores e mensuram Í  propostas de crescimento.

Os PDDU's municipais, muitas vezes nÍ£o contemplam as diretrizes definidas em leis e decretos federais que regulamentam e regem os parÍ¢metros ambientais, por isso, precisam passar por uma adequaͧͣo nesse ponto. Essa adequaͧͣo é definida em funͧͣo das normas relativas Í  "densificaͧͣo", regime de atividades, dispositivos de controle das edificaͧ͵es e parcelamento do solo, que "subconfiguram" o regime urbanístico. Sendo que suas medidas de controle sÍ£o equacionadas em funͧͣo diretamente proporcional a movimentos populacionais e próprio vetor de expansÍ£o urbana.

O conceito de valoraͧͣo dos espaͧos explica esta demanda crescente, uma vez que todos os elementos naturais da zona costeira possuem, em si, um valor que está sujeito a demanda social e em virtude da proximidade de áreas de marinha, as áreas de proteͧͣo ambiental (dunas, lagunas, e estuários), bem como áreas já ocupadas como portos e dispositivos auxiliares dos sistemas de produͧͣo, montam esse elenco de setores que sofrem maior especulaͧͣo e tendem a um movimento cíclico de apropriaͧ͵es e mais valor atribuído a esses espaͧos por conta da geraͧͣo de movimentos populacionais, que redundam em mais valor agregado, findando em mais demanda sobre o metro quadrado especulado (Moraes, 2007).

Tendo essa preocupaͧͣo de delimitar os usos em municípios costeiros, os planos diretores de municípios que estÍ£o sobre a influͪncia da "maritimidade" (nÍ£o necessariamente costeiro de fato), devem ser baseados no modelo do PNGC, pois a co-influͪncia e as especificidades na formaͧͣo destes ambientes devem ser ressaltados na análise com um todo, por se tratar de um sistema e nÍ£o de organismos isolados sem interconexÍ£o ambiental.

Para Good et al (1999 apud Szlafsztein, 2009), os programas de gerenciamento costeiro estabelecem uma oportunidade ímpar de parceria entre os diversos níveis de governo para encorajar as unidades administrativas menores a desenvolverem programas de gestÍ£o dos seus recursos costeiros. Entretanto, conforme Souza (2009), a distÍ¢ncia existente entre o que está posto juridicamente e a execuͧͣo dessas legislaͧ͵es aprofundam-se Í  medida que o Poder Executivo pouco incorpora os variados conhecimentos adquiridos, resultando em desperdício de recursos financeiros pͺblicos com implantaͧͣo de obras de engenharia costeira, equivocadas, que acabam acelerando os processos erosivos nos sistemas que as recebem.

Afora isso, a lei de gerenciamento costeiro nÍ£o tem sido um instrumento legal eficiente para mudar o uso e ocupaͧͣo do solo devido, principalmente, aos fatores de: desinteresse político por quest͵es ambientais: curto-médio prazo; desarticulaͧͣo intra e interinstitucional; sistema vulnerável das aͧ͵es entre o executivo e judiciário; forte especulaͧͣo imobiliária no litoral brasileiro; falta de integralizaͧͣo efetiva de políticas estaduais de uso e ocupaͧͣo do solo junto aos municípios, promovendo a debilidade nos recursos humanos envolvidos.

Neste ͺltimo ponto, vale também destacar que os planos de desenvolvimento urbano, tͪm responsabilidade dada pela esfera municipal. Ocorre que o Art. 30, Seͧͣo IX, Lei 10.257 de 2001, da Constituiͧͣo Federal, diz que é competͪncia municipal o controle do uso. O Art. 182, da mesma lei, que institui o Estatuto das Cidades disp͵e que a política de desenvolvimento urbano é executada pelo poder pͺblico municipal.

Diante da demanda do modelo econÍ´mico vigente, aliado Í  desarticulaͧͣo de dispositivos operacionais de fiscalizaͧͣo e execuͧͣo da norma, bem como a falta de integralizaͧͣo dos vários atores sociais, p͵e em xeque o funcionamento da relaͧͣo que visa o manejo racional dos recursos. O Programa Nacional de Gerenciamento Costeiro está baseado em um rígido modelo centrado, que busca, de modo conservatório, a relaͧͣo dos vários sistemas produtivos em áreas de costa com os processos naturais, nÍ£o superando, ainda, a ausͪncia de um modelo com a efetiva participaͧͣo da sociedade que é o ator direto nesse sistema complexo com tantas variáveis, com a finalidade matriz de estreitar o conhecimento e difundir uma educaͧͣo ambiental capaz de balizar os processos nas relaͧ͵es.

Resultados, análises e discuss͵es: estudos de caso

O GERCO vem atuando no estado do Ceará desde o ano de 1990 através da Superintendͪncia Estadual do Meio Ambiente do estado do Ceará (SEMACE). Apesar dos esforͧos de mais de 20 anos de operacionalizaͧͣo do GERCO no Ceará, ainda há muito por fazer. Vários locais do litoral cearense apresentam problemáticas ligadas ao uso e ocupaͧͣo irregulares legitimadas, principalmente, pelas brechas jurídicas e a autonomia administrativa dos planos diretores municipais. Exemplos desses locais serÍ£o vistos a seguir.

O litoral de Fortaleza

Fortaleza, uma capital litorÍ¢nea, possui sua linha de costa aquém das suas características paisagísticas originais (Figura 2). Isto se deve ao nÍ£o cumprimento de leis que, até entÍ£o, nÍ£o estavam em vigor ou foram adequadas pelos planos municipais como a Lei de Uso e Ocupaͧͣo do Solo nº 5122-A, de 1979, que favoreceu a verticalizaͧͣo da Av. Beira Mar e provocou novas ocupaͧ͵es, principalmente por hotéis e condomínios de luxo (Oliveira, 2006). NÍ£o obstante a verticalizaͧͣo, nÍ£o existe um limite mínimo de distÍ¢ncia entre os edifícios construídos.

A ocupaͧͣo em áreas de dunas na regiÍ£o do Mucuripe, onde encontra-se o complexo do Porto de Fortaleza (Figura 2, polígono amarelo); no Bairro Dunas (Figura 2, polígono vermelho) e sobre outros campos dunares pré-existentes na porͧͣo oeste (Figura 2, polígono azul), sÍ£o demonstraͧ͵es do avanͧo da urbanizaͧͣo sobre sistemas ambientais litorÍ¢neos dotados de relevante fragilidade ambiental. Tais ocupaͧ͵es ocasionaram uma impermeabilizaͧͣo nessas faixas de dunas, contribuindo na reduͧͣo do suprimento de areias para as praias de Fortaleza (Alfredini e Arasaki, 2009).

Outros sim, os processos erosivos oriundos da construͧͣo do Porto de Fortaleza (Figura 2, polígono amarelo) mediante, sobretudo, a instalaͧͣo de seu molhe principal, tiveram início ainda na década de 1950 na Praia de Iracema em Fortaleza, se propagando nas décadas seguintes para outras praias do litoral oeste como a do bairro Pirambu, Formosa e Goiabeiras. Os espig͵es dispostos ao longo da orla de Fortaleza (Figura 2, setas verdes) para a contenͧͣo da erosÍ£o causada pelo mesmo porto, proporcionaram também mudanͧas paisagísticas observadas ao longo da costa de Fortaleza e transferiram os processos erosivos para as praias de Dois Coqueiros, Iparana, Pacheco e Icaraí no município de Caucaia a oeste. A ocupaͧͣo intensa em área estuarina como a APA do rio Ceará no limite municipal com Caucaia (Figura 2, setas laranjas) também demonstra um contrassenso na costa da capital cearense, remontando a uma área sensível do ponto de vista socioambiental na cidade.

No lado leste está a sub-bacia do baixo curso do rio Pacoti, inserida na Bacia Metropolitana de Fortaleza. Essa sub-bacia abrange trͪs municípios: a porͧͣo norte de Eusébio, a regiÍ£o da Praia da Cofeco, em Fortaleza, e a regiÍ£o turística e de veraneio do Porto das Dunas, em Aquiraz, onde encontra-se a APA do rio homÍ´nimo, dotada de ricos sistemas ambientes. Nesta área, há ocorrͪncia de mata de tabuleiro, dunas móveis e fixas; faixa de praia e pós-praia, com a presenͧa de beach rocks e planície fluviomarinha com manguezais.


Figura 2
. Transformaͧ͵es na paisagem do litoral de Fortaleza
Fonte: Serviͧo Geológico do Exército (1945) e Google Earth (2009)

As ́reas de Proteͧͣo Ambiental (APA's) manifestam-se como instrumentos de gerenciamento costeiro bastante utilizadas no litoral cearense. Para Nascimento (2003), os territórios das APA's sÍ£o de uso sustentável, formados por terras pͺblicas e privadas, permitindo, assim, a presenͧa humana sem desapropriaͧ͵es. Entretanto, essas Unidades de Conservaͧͣo (UC's) sÍ£o as mais expostas Í s press͵es e impactos resultantes das aͧ͵es sócio-espaciais.

Para Barra et al (2014, p. 76) "a legislaͧͣo pertinente é de grande importÍ¢ncia para as APA's, pois se constitui como um instrumento jurídico para regulamentaͧͣo de seu manejo, possibilitando a participaͧͣo da sociedade neste processo". Porém, verifica-se em algumas áreas o nÍ£o cumprimento da legislaͧͣo ambiental.

Os principais problemas existentes nesta APA sÍ£o decorrentes da aͧͣo antrópica, com ocupaͧ͵es em campos de dunas semifixas e na faixa de praia (Figura 3A e B); processo desordenado e acelerado de crescimento urbano e de crescimento imobiliário intenso (Figura 3C), prejudicando, de forma direta, os ambientes naturais existentes, bem como sua biodiversidade local, além de incidir negativamente na populaͧͣo residente; lanͧamento de esgotos na praia; acͺmulo de lixo em área de dunas e Í s margens da planície fluviomarinha (Figura 3D); poluiͧͣo hídrica; a impermeabilizaͧͣo do solo gerado pela urbanizaͧͣo e assentamento de vias (Figura 3E); áreas de empréstimo para a construͧͣo civil (Figura 3F), caracterizando o descaso com o equilíbrio da dinÍ¢mica litorÍ¢nea e artificializaͧͣo drástica da paisagem.

A regiÍ£o da planície fluviomarinha tem passado por um processo de degradaͧͣo, devido Í  mobilizaͧͣo artificial das dunas, desmatamento, urbanizaͧͣo e, principalmente, em decorrͪncia do barramento do fluxo hídrico do rio Pacoti (Nascimento, 2003; Barra et al, 2014). Mesmo com a elaboraͧͣo do zoneamento ambiental da APA inserido no Plano de Manejo, o que se verifica é a falta de fiscalizaͧͣo do poder pͺblico responsável pela manutenͧͣo da área.


Figura 3
. (A) Condomínio de luxo sobre duna semifixa; (B) Construͧͣo abandonada na faixa de praia; (C) Loteamento na margem direita da área da foz do rio Pacoti, ao lado campo de duna semifixa; (D) Lixo disposto Í s margens da planície fluviomarinha; (E) Via asfáltica sobre parte da planície litorÍ¢nea; (F) ́rea de empréstimo para a construͧͣo civil
Fonte: Barra et al (2014)

A APA de Canoa Quebrada

Criada pela Lei nº 40/98 de 20 de marͧo de 1998, a ́rea de Proteͧͣo Ambiental (APA) de Canoa Quebrada é uma unidade de conservaͧͣo que pretende regular a exploraͧͣo e ocupaͧͣo da regiÍ£o. Situa-se a 12 km de Aracati, litoral leste, distante 156 km de Fortaleza-CE (SEMACE, 2010). Os principais subsistemas costeiros identificados nesta APA sÍ£o: as comunidades bióticas nativas; dunas fixas, semifixas e móveis; paleodunas; falésias; gamboas; lagoas perenes e intermitentes; mangues; formaͧ͵es geológicas de grande potencial paisagístico; arrecifes e os solos (Souza et al, 2010). Inserida na APA, está a praia de Canoa Quebrada, um dos maiores destinos turísticos do estado do Ceará e conhecida mundialmente.

Entretanto, mesmo com a criaͧͣo dessa unidade de conservaͧͣo, os problemas ambientais continuam ocorrendo. Nesta área verifica-se a existͪncia de várias construͧ͵es em áreas de preservaͧͣo, como é o caso das diversas barracas de praia construídas em zona nÍ£o edificante (Figura 4). O poder pͺblico se manifesta de forma diferente: enquanto o judiciário questiona a presenͧa das construͧ͵es em área de preservaͧͣo permanente – APP (faixa de praia e falésias), o executivo, pressionado pelos atores locais, apela para a funͧͣo social e econÍ´mica dos imóveis para justificar a presenͧa deles em APP.

No quadro de Legislaͧͣo Ambiental (GAU, 2002), essas áreas sÍ£o classificadas em ́rea de Preservaͧͣo Permanente trͪs (APP3) e Zona de Proteͧͣo Prioritária (ZPP) que corresponde Í  áreas de alta peculiaridade e alto impacto, onde sÍ£o toleradas a implantaͧͣo de barracas e tendas móveis e proibidas qualquer tipo de construͧͣo fixa.

Porém, o argumento de que as barracas proporcionavam a geraͧͣo de emprego e renda oriundos das atividades turísticas era, de fato, verdadeiro e muito forte, já que alguns moradores possuíam, nessas atividades, a ͺnica fonte de sustento familiar. O poder pͺblico deveria, há muito tempo, ter se antecipado ao problema e iniciado um processo de gestÍ£o integrada da área, identificando os geoambientes, escutando os atores locais, verificando as possibilidades legais de uso e ocupaͧͣo, para propor medidas que garantissem o uso legal e sustentado da zona costeira em Canoa Quebrada (Barra et al, 2012).

A ausͪncia do poder pͺblico na gestÍ£o dos espaͧos costeiros é tÍ£o nociva quanto a ocupaͧͣo desordenada desses espaͧos. Além disso, percebe-se em Canoa Quebrada o uso contínuo das falésias pela populaͧͣo. Fato que acelera o processo de erosÍ£o natural, facilitando o desmoronamento das paredes, aumentando a velocidade de recuo em direͧͣo ao continente (Figura 5). Outra atividade humana de plena expansÍ£o em Canoa Quebrada é a produͧͣo de energia eólica, através da instalaͧͣo de parques de aerogeradores sobre os campos de dunas (Figura 6A). Apesar dessa atividade ser devidamente licenciada pelos órgÍ£os competentes, os impactos ambientais negativos dessa instalaͧͣo, a longo prazo, ainda nÍ£o sÍ£o completamente conhecidos.

As press͵es da sociedade civil e científica, bem como o desgaste das falésias, fizeram com que a Justiͧa, no ano de 2014, determinasse que as barracas da Praia de Canoa Quebrada, fossem retiradas das proximidades das falésias e realocadas em outros locais. Os impactos sociais que tal decisÍ£o acarretará ainda nÍ£o é possível de ser avaliado. A implantaͧͣo de condomínios, resorts e outros equipamentos de suporte Í s atividades turísticas e de segundas residͪncias também demonstram problemáticas encontradas no local (Figura 6B).

Os conflitos existentes em Canoa Quebrada remetem a urgͪncia de se estabelecer mecanismos de gestÍ£o integrada, para que o convívio entre sociedade e natureza seja algo harmÍ´nico e nÍ£o antagÍ´nico, como geralmente ocorre nos ambientes costeiros.


Figura 4
. Barracas em APP na praia de Canoa Quebrada
Fonte: Autores (2012 e 2017)

 


Figura 5
. ̀ esquerda, falésia em processo erosivo. ̀ direita, símbolo tradicional de Canoa Quebrada (a lua e a estrela) esculpido em falésia, desmorona em funͧͣo da erosÍ£o da mesma
Fonte: Autores (2012 e 2017)

 


Figura 6
. (A) Parque eólico em duna semifixa; (B) Estruturas hoteleiras no topo das falésias em contato com o tabuleiro pré-litorÍ¢neo
Fonte: Autores (2012 e 2017)

O litoral de Paracuru

Paracuru, município do litoral oeste do Ceará é outra amostra das problemáticas ambientais ocorridas nos litorais. Em meados dos anos 2000, Paracuru passou a ter um crescimento significativo (Arruda et al, 2005), o que remeteu a uma intensificaͧͣo de novas intervenͧ͵es do homem no que se relaciona ao uso e ocupaͧͣo nos seus mais diversos aspectos, propiciando prejuízos ao equilíbrio e manutenͧͣo natural das características da planície costeira, interferindo em seus processos de transporte de sedimentos na praia e na edificaͧͣo do campo de dunas, provocando em conseqͼͪncia processos erosivos que fizeram recuar a linha de costa (Arruda, 2013).

Na regiÍ£o está inserida a APA das Dunas de Paracuru, unidade de conservaͧͣo, criada por meio do Decreto nº 25.418, de 29 de marͧo de 1999, compreendendo uma área de 3.909,60 hectares. As Dunas de Paracuru integram parte dos ecossistemas da planície litorÍ¢nea. Constituem a faixa de praia e em seguida os terraͧos marinhos com presenͧa de restinga e sÍ£o formadas por dunas móveis, dunas fixas e paleodunas, com vegetaͧͣo própria, embutidas ou isoladas entre o mar e os cord͵es de dunas móveis (SEMACE, 2010). Na área também se encontram os eolianitos, que sÍ£o dunas móveis cimentadas por carbonato de cálcio e com idade aproximada de 1300 a 1500 anos – formas litorÍ¢neas ͺnicas no planeta (SEMACE, 2010). Mesmo havendo esforͧos do poder pͺblico já previstos em lei municipal, a ausͪncia de fiscalizaͧͣo na área contribui para a implantaͧͣo de equipamentos no local como a instalaͧͣo de barracas dispostas ao longo da faixa de praia (Figura 7).

Os processos erosivos mostram-se bastante adiantados, fato evidenciado pelo afloramento de rochas presentes (Figura 8) na formaͧͣo de tabuleiro – evidenciando a extensÍ£o (temporal e degradativa) na linha de costa – e pela linha de preamar próxima aos fixos localizados na orla (Figura 9).

Os riscos ambientais naturais na zona costeira estÍ£o ligados principalmente a fatores geológicos, climáticos e hidrodinÍ¢micos, mas a intensificaͧͣo deles é inerente Í  alocaͧͣo de fixos que comprometem a dinÍ¢mica costeira, como a presenͧa de estradas e casas em dunas que sÍ£o uma das maiores unidades responsáveis pela manutenͧͣo da linha de costa (Figura 10).

Com a dinÍ¢mica costeira sendo influenciada, medidas de contenͧͣo da maré (Figura 11A) sÍ£o adotadas com o objetivo de minimizar a erosÍ£o. Os níveis de erosÍ£o sÍ£o tÍ£o evidentes (Figura 11B), que os estabelecimentos encontrados na costa do município de Paracuru mostram fortes indícios do desgaste, como pode ser verificado nas estruturas que dÍ£o sustento Í  base (estruturas essas que ficariam abaixo da superfície) de barracas que mostram-se totalmente afloradas pelo desgaste anÍ´malo da área (Figura 12).

A presenͧa de galerias pluviais (Figura 13) podem promover prejuízos Í  balneabilidade das praias, uma vez que podem afetar a qualidade da água, acarretando sua contaminaͧͣo por dejetos provindos dessas galerias e do esgotamento da cidade.


Figura 7
. Barracas com serviͧos de bar e restaurante na costa de Paracuru
Fonte: Arruda (2013)

 


Figura 8
. Exemplar da formaͧͣo tabuleiro aflorada no estir͢ncio praial
Fonte: Arruda (2013)

 


Figura 9
. Linha de preamar próxima a fixo localizado na orla
Fonte: Arruda (2013)

 


Figura 10
. Movimento de duna móvel sobre estrada no local
Fonte: Arruda (2013)

 


Figura 11
. (A) Método de contenͧͣo da abrasÍ£o marinha. (B) Maré alta chega nas estruturas urbanas
Fonte: Autores (2013 e 2017)

 


Figura 12
. Afloramento de estruturas internas dos estabelecimentos comerciais na orla
Fonte: Arruda (2013)

 


Figura 13
. Galerias pluviais que podem prejudicar a saͺde da praia bem como seu uso
Fonte: Arruda (2013)

Consideraͧ͵es finais

Pode-se afirmar que o Brasil procurou seguir os preceitos de preservaͧͣo costeira indicados pela Agenda 21 em seu capítulo 17. Fato este manifestado nas várias legislaͧ͵es ambientais implantadas mais intensamente no país a partir da década de 1980.

Entretanto, as leis de gerenciamento costeiro conduzem normas de conteͺdo bastante genérico, deixando ainda relevantes quest͵es em aberto.

A maioria de suas disposiͧ͵es trata de princípios, objetivos, instrumentos, definiͧ͵es e nÍ£o vͪm a solucionar situaͧ͵es, ainda controversas, na relaͧͣo sociedade e natureza na zona costeira.

Ademais, verifica-se que planos específicos de gestÍ£o do litoral como os PEGC's e PMGC's nÍ£o estÍ£o presentes na totalidade de estados e municípios costeiros no Brasil. No caso dos municípios, esse fato se torna ainda mais alarmante, já que os planos diretores municipais (PDDU's) nÍ£o possuem, em seu escopo, diretrizes específicas que possam, verdadeiramente, proteger o uso e ocupaͧͣo nos ambientes praiais. SÍ£o leis ambientais de cunho generalizado, que nÍ£o seguem diretamente as concepͧ͵es dos já citados PMGC's.

Dentro desse cenário observa-se o litoral do Ceará, onde práticas preservacionistas mostram-se como elementos paliativos que legitimam, muitas vezes, formas impactantes de apropriaͧͣo da costa. Apesar de possuir um PEGC instituído pela Lei Estadual nº 13.796, de 30 de junho de 2006, ainda se verifica um nͺmero significativo de equipamentos autorizados pelo poder pͺblico sob a égide do desenvolvimento econÍ´mico, sem se levar em consideraͧͣo os limites naturais.

Tal problemática pode ser constatada, por exemplo, na própria capital Fortaleza, uma metrópole litorÍ¢nea brasileira. O grande adensamento urbano sobre sua orla, associado Í s instalaͧ͵es do Porto de Fortaleza, favoreceu a instalaͧͣo de processos erosivos no litoral da cidade, contidos por diversas obras de engenharia que resolvem parcialmente o problema, uma vez que transfere a erosÍ£o para praias subjacentes.

Outros exemplos sÍ£o as ́reas de Proteͧͣo Ambiental localizadas ao longo do litoral cearense. Embora importantes, as APA's caracterizam-se como as mais expostas Í s press͵es e impactos resultantes das aͧ͵es antrópicas, como se constata na(s):

» APA do rio Pacoti: Ocupaͧ͵es em campos de dunas semifixas e na faixa de praia, alavancado pelo crescimento urbano e imobiliário intensos, lanͧamento de esgotos na praia, acͺmulo de lixo em área de dunas e margens da planície fluviomarinha local, poluiͧͣo hídrica, impermeabilizaͧͣo do solo, retiradas constantes de areia para a construͧͣo civil, mudanͧas drásticas da paisagem natural;

» APA de Canoa Quebrada: diversas barracas de praia construídas em zona nÍ£o edificante, processo de erosÍ£o facilitando o desmoronamento das paredes das falésias, quest͵es judiciais em relaͧͣo Í  permanͪncia das barracas – um claro conflito socioambiental, condomínios, resorts e outros equipamentos de suporte Í s atividades turísticas e de segundas residͪncias;

» APA das Dunas de Paracuru: especulaͧͣo imobiliária, estradas que atravessam os campos de dunas.

Em Paracuru, se atesta também, a instalaͧͣo de processos erosivos em trechos do litoral, bem como o lanͧamento de esgotos pelas barracas, que pode comprometer a balneabilidade das praias.

A ausͪncia de fiscalizaͧͣo para o cumprimento da lei ainda se mostra frágil no contexto estudado. Adotar medidas sustentáveis que visem o ordenamento da ocupaͧͣo das regi͵es litorÍ¢neas exige providͪncias eficazes no gerenciamento sistͪmico e de caráter mitigatório quanto aos problemas do uso indevido ou inadequado desses espaͧos. Cabe também ao Estado ser um agente mediador na facilitaͧͣo dos planos integrados de gestÍ£o costeira, onde os vários setores atuantes nas regi͵es litorÍ¢neas possam coabitar sem divergͪncias.

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