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Sociedad y religión

versión On-line ISSN 1853-7081

Soc. relig. vol.23 no.39 Ciudad Autónoma de Buenos Aires ene./jun. 2013

 

ARTÍCULO

 

A "reconquista espiritual da Europa" pelos evangélicos latino-americanos1

 

The "spiritual reconquest of Europe" by latin american evangelicals

Ari Pedro Oro

Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Porto Alegre - Brasil
Av. Taquara 350, ap. 402  - 90.460210 - Porto Alegre - RS - Brasil
arioro@uol.com.br

Fecha de recepción: 2 de Enero de 2012

Fecha de aceptación: 2 de Julio 2012

 


Resumen

O foco do presente artigo são as redes de pregadores sul-americanos, lideradas por personagens carismáticos, como Carlos Annacondia, que se exportam não somente nas Américas, mais também na Europa. Neste caso, comenta-se nesse meio religioso na necessidade de re-evangelizar a velha Europa católica que está espiritualmente "esfriada". Trata-se, então, de analisar a maneira como esse empreendedorismo carismático, agora constituído em redes, estimula os imaginários transnacionais da reconquista espiritual e, mais especificamente, os significados atribuídos pelos membros das redes à "reconquista espiritual" da Europa.

Palabras claves: América Latina; Evangélicos; Transnacionalização religiosa; Europa.

Abstract: The "spiritual reconquest of Europe" by Latin American Evangelicals. This article focuses on the networks of South American preachers, led by charismatic characters such as Carlos Annacondia, which export themselves not only to the Americas but also to Europe. In the latter case, there is talk about a need to re-evangelize old catholic Europe, which would have spiritually "cooled off". The article analyses how this charismatic entrepreneurialism, now assembled in networks, encourages transnational imaginaries ofspiritual reconquest, and more specifically, the meanings attributed by their members to the "spiritual reconquest" of Europe.

Key Words: Latin America; Evangelicals; Religious Transnationalization; Europe

Introdução

Nos últimos anos, nota-se que no meio evangélico latino-americano está se expandindo a idéia segundo a qual a velha Europa, sobretudo aquela considerada católica, está espiritualmente "esfriando" cada vez mais, devido ao seu engajamento na modernidade. Esta percepção evangélica conduz certas igrejas e certos pregadores a desenvolverem uma política de "reconquista espiritual" da Europa. Segundo expressões ditas neste meio, a Europa se desviou do "caminho do Senhor", tendo necessidade de um "novo despertar religioso".

Este imaginário da "missão de retorno" (ter Haar, 2000), de "evangelização ao contrário" (Mary, 2008), tornada, segundo A. Mary, "há muito tempo uma das matrizes dos cristianismos africanos" (2008: 25), produziu na América Latina dois modelos de propagação evangélica para a Europa. O primeiro, histórico e mesmo clássico, consiste em enviar missionários latino-americanos na Europa, geralmente acolhidos por igrejas locais nas quais desenvolvem seu trabalho missionário, ou, então, conduz algumas igrejas latino-americanas a instalarem "filiais" na Europa, tal como fazem por exemplo as igrejas Universal do Reino de Deus, Deus é Amor, Luz del Mundo etc.

Segundo Paul Freston, falta-nos dados para saber mais sobre a "missionalização invertida" latino-americana na Europa. Estima-se, por exemplo, que os missionários brasileiros no exterior ultrapassem o número 2000, assim distribuídos : 41% na América Latina, 19% na Africa, 19% na Europa, 12% na Asia e 9% na América do Norte. Eles se ocupam sobretudo da diáspora latino-americana, como fazem igualmente outros missionários, como os guatemaltecos, por exemplo (Freston, 2004).

O segundo modelo, que será objeto deste artigo, versa sobre certos pregadores carismáticos que se organizam em redes e realizam de tempos em tempos viagens missionárias temporárias para a Europa para participarem de campanhas de evangelização ou outros eventos religiosos.

Mais particularmente, este texto analisa a rede evangélica transnacional liderada por Carlos Annacondia, uma rede que segue a doutrina conhecida desde os anos 90 pelo termo "New Apostolic Reformation".

Trata-se, neste caso, de captar a significação atribuída pelos membros desta rede aos imaginários transnacionais da "reconquista espiritual da Europa". Igualmente, veremos as estratégias postas em prática pelos agentes religiosos para participarem direta ou indiretamente da re-globalização do cristianismo (Csordas, 2009).

A "New Apostolic Reformation" e a rede transnacional conduzida por Carlos Annacondia.

A ação missionária nacional e transnacional faz parte, como se sabe, da vocação histórica do cristianismo e de outras religiões, universalistas ou não. Com efeito, como sublinha R. Otayek, "os fluxos religiosos (...) sempre souberam transcender as lógicas territoriais. É o caso não somente das religiões monoteístas, universalistas por natureza, mas igualmente, e cada vez mais, dos cultos tradicionais... " (Otayek, 2005: 186).

Entre os grupos religiosos, o pentecostalismo é, na atualidade, "considerado como um dos fenômenos emblemáticos da transnacionalização do religioso" (Noret, 2005: 417). Mas, a partir dos anos 1990, o fundamento pentecostal do proselitismo universal encontrou uma espécie de nova justificação teológica na doutrina da "New Apostolic Reformation".

Trata-se de uma doutrina elaborada pelo teólogo Peter Wagner; ela visa, de um lado, restaurar os ministérios dos profetas e dos apóstolos, que, segundo sua visão, estavam sendo exercidos somente por algumas igrejas, e ainda marginalmente, e, de outro lado, conquistar as "nações" antes do retorno de Cristo, colocando o acento na eficácia da oração, na guerra espiritual, na realização de milagres e de outros prodígios que os Evangelhos relatam (Wynarczyk, 2009: 152).

Segundo esta doutrina, os "apóstolos" são convidados a serem os pivôs da nova lógica de organização em redes. São eles, com efeito, que articulam as diferentes redes. Evidentemente, os argumentos teológicos propostos por Peter Wagner acerca da restauração dos ministérios dos profetas e dos apóstolos tem como objetivo principal justificar a autoridade carismática dos principais atores em redes. Os apóstolos seriam a pedra angular que permite às redes transnacionais se conectarem e se estruturarem entre si para abater as fronteiras dos Estados, das Federações, das Uniões de Igrejas, das denominações, visando a preparação do retorno de Cristo.

Carlos Annacondia é, na América Latina, um dos personagens mais representativos desta corrente religiosa. Aliás, o trabalho evangélico e ritualístico que ele conduziu na Argentina com Omar Cabrera, a partir dos anos 1980, serviu de laboratório para Peter Wagner (Wynarczyk, 2009: 138)2

Annacondia assim resume esta sua posição teológica: "Antes tudo estava centralizado nas instituições. Agora, a ênfase é posta nas redes. É preciso olhar as redes. A Igreja do Espírito Santo é composta de indivíduos que se associam em redes"3

Nascido em 1944 em Quilmes, Carlos Annacondia se converteu com 35 anos. Em 1982, ano da guerra das Malvinas, decidiu tornar-se evangelista. Na época era empresário e fundou o ministério Mision Cristiana Mensaje de Salvación4. Afirma ter recebido em 1983 "una profecía de que Dios reclama Argentina para Cristo" (Wynarczyk, 2009: 118). É assim que, sem estudar teologia, em 1984, ano do retorno da democracia, após oito anos de ditadura militar, ele começa a organizar "cruzadas" de evangelização na Argentina, seguindo o modelo de pregação nas "tendas itinerantes".

Ao longo dos anos 1990, Carlos Annacondia conduziu inúmeras campanhas de evangelização, não mais somente na Argentina, mas também em outros países, tornando-se um pregador bastante requisitado. Desde então, sua legitimidade carismática cresceu no cenário internacional.

Uma rede evangélica transnacional.

Carlos Annacondia se encontra, assim, à testa de uma rede evangélica que pode ser construída ideal-tipicamente em três níveis de atores.

Em primeiro lugar, no mais alto nível de notoriedade, se encontra ele mesmo, enquanto um ator "nodal", para utilizar a terminologia proposta par Mitchell (1974) e Colonomos (1995). Nesta sua condição, é considerado um "modelo" e mesmo um "mestre" para muitos pregadores evangélicos.

Em segundo lugar se encontram os pastores nacionais ou regionais detentores de um certo prestígio e que mantém relações estreitas com Annacondia. Eles podem ser qualificados como atores "eixos". Tal é o caso, por exemplo, na Argentina, do casal Freidzon (Claudio e Betty), fundadores, em 1986, da Igreja Rey de Reyes, ou então Sergio Scataglini. No Brasil, um pastor eixo da rede de Annacondia é Isaias Figueiró, de Porto Alegre, atual presidente do Conselho de Pastores de Porto Alegre.

Em terceiro lugar se encontram lideres de pequenas congregações ou ministérios locais. Seriam atores "secundários" que mantem relações estreitas com os atores "eixos" e, de forma mais distanciada, com o ator "nodal". Um número importante de atores se encontra nesta situação. Em Porto Alegre, por exemplo, seriam atores secundários desta rede os pastores Josué Dilermando e Joelma de Oliveira, que pertencem à Igreja Maanaim (Igreja Maanaim Ministério Apostólico e Profético, fundada pelo primeiro). Josué Dilermando colaborou com Isaias Figueiró no tempo em que este, a exemplo de Annacondia, também pregava em tendas, nos anos 1980, e afirma ter recebido, em 2006, a unção do Espírito Santo, em Buenos Aires, das mãos de Annacondia.

Esta tipologia de atores permite dar conta da arquitetura de funcionamento da rede constituída em torno de Carlos Annacondia. As relações entre os atores são assimétricas. Elas repousam no princípio de distribuição desigual do carisma: "de cima para baixo". Ou seja, a concentração mais importante da autoridade carismática é detida pelo ator "nodal", seguida dos atores "eixos" e, por fim, dos atores "secundários".

Esta distribuição vertical da autoridade carismática não é o apanágio da rede encabeçada por Annacondia. Existe, de fato, na América Latina uma nova geração de atores "nodais" que seguem mais ou menos o modelo acima referido. É o caso, por exemplo, dos colombianos César Castellanos e Ricardo Rodrigues e do hondurenho Jaime Chavez5.

As relações entre as redes evangélicas lideradas por estes personagens, e outros, oscilam entre aliança e rivalidade, cooperação e concorrência, devido a alguns elementos que contam neste meio, como as identidades nacionais, o prestígio de cada pastor, os interesses econômicos etc.

Seja como for, como sublinhamos em outro texto (Oro e Mottier, 2012) é cada vez maior o número de pregadores locais que encontram nos fluxos e filiações a redes transnacionais (ou sua simples evocação) uma saída para escapar dos vínculos às uniões de igrejas nacionais e suas tentativas de regulação.

 

Os eventos-chaves

As redes evangélicas baseadas nas relações interperssoais celebram regularmente suas relações, as reforçam e as expressam coletivamente em encontros internacionais que se tornam eventos-chaves.

Por eventos-chaves entendemos encontros sociais compostos por indivíduos que se reúnem em determinados locais e momentos especiais para compartilharem suas crenças e ideologias e fortalecerem seus laços sociais tornando-se, assim, eventos simbolicamente marcantes e significativos para os seus participantes.

A rede de Carlos Annacondia se reúne no evento-chave chamado Breakthrough. Ele ocorre todos os anos, geralmente no final do mês de setembro, na Igreja Rey de Reyes, de Cláudio Freidzon, em Buenos Aires. Em torno de três mil pessoas de diferentes países da América Latina e de outros continentes se encontram nesta ocasião para receber o "poder" do Espírito Santo, fortificar sua fé e, sobretudo, reafirmar seus laços na rede de Annacondia e do casal Freidzon (Oro, 2009).

Alem do Breakthrough, que constitui o tempo mais forte de celebração da rede encabeçada por Annacondia, existem outros eventos de menor importância que reúnem centenas, por vezes milhares de pessoas que integram essa rede evangélica. Trata-se de eventos regionais, ou mesmo nacionais, que ocorrem em diferentes países, estados ou regiões, organizados por atores "eixos" ou "secundários", e que atraem fiéis das igrejas locais porque geralmente contam com a presença do ator "nodal", Carlos Annacondia.

Tal é o caso, por exemplo, da concentração que ocorre no Ministério Encontros de Fé, liderado por Isaias Figueiró, em Porto Alegre, que recebe ao menos uma vez por ano, durante alguns dias, a visita de Carlos Annacondia. Trata-se de um momento especial, um dos mais significativos na vida da comunidade de Figueiró.

A conquista das nações

Outro elemento compartilhado pelos carismáticos que se inscrevem na perspectiva da Nova Reforma Apostólica é o de "conquistar as nações do mundo inteiro para Cristo". Isto, porém, não constitui nada de novo porque integra a vocação mesma do pentecostalismo, como já assinalamos. Seja como for, a ambição de Annacondia e dos membros de sua rede é a de transcender as fronteiras dos espaços nacionais. Assim procedendo estão reforçando uma característica maior da globalização evangélica que consiste em questionar as prerrogativas dos Estados-nações e seu monopólio dos recursos morais da sociedade (Appadurai, 2001: 31).

Basta consultar a agenda de Annacondia em seu site para vermos como ele está constantemente em deslocamento em seu país ou fora dele6 . Da mesma forma, na agenda do casal Freidzon constam vários e seguidos deslocamentos, nacionais e internacionais. Recentemente eles criaram o Ministerio a las Naciones cujo objetivo é o de "impartir la unción a cada rincón del mundo"7. " . Sergio Scataglini, outro pastor argentino membro da rede de Annacondia, sustenta que o objetivo de seu ministério é o de "llevar el fuego de santidad a las naciones del mundo"8.

Igualmente, o colombiano César Castellanos, acima referido, afirma que o objetivo de seu ministério é o de "disciplinar las naciones de la terra". Enfim, o objetivo do hondurenho Jaime Chavez é "tocar todas las naciones".

Todos estes empreendedores carismáticos mobilizam, como se vê, a retórica da transnacionalização. Mas o fato mais notável que se observa neste meio evangélico, inclusive na rede de Annacondia, é a convergência da estimulação dos imaginários políticos da reconquista espiritual da Europa, ou seja, a sua re-cristianização.

 

A re-cristianização da Europa

Assumindo uma perspectiva weberiana, embora não declaradamente, Carlos Annacondia afirma9 que os países protestantes, sobretudo os do Norte da Europa, são economicamente os mais desenvolvidos do continente porque a sua base é Jésus. Já os demais países da Europa, sobretudo os considerados católicos, segundo sua ótica, se desviaram da verdadeira fé em Jesus. É isto que o conduz a multiplicar as viagens para Europa especialmente para participar de campanhas de evangelização. Diz não se recordar, porém, do número de viagens feitas para a Europa. O que importa, segundo ele, é ajudar os habitantes daqueles países a conhecerem "verdadeiramente" Jesus e revelar a eles o "fogo" do Espírito Santo.

Para tanto, ele se associa a líderes religiosos locais10. Esta é a estratégia para colocar em prática a dinâmica transnacional.

A necessidade de re-evangelizar a Europa é compartilhada pelos demais atores que integram a rede de Annacondia. Assim, Isaias Figueiró, personagem "eixo" da rede, segundo a tipologia esboçada acima, lamenta que "as ideologias políticas européias" ocuparam o lugar da fé cristã. Ele se mostra porem convencido de que "os europeus aspiram ardentemente uma fé viva, prática, com as manifestações divinas que ocorrem regularmente na América Latina". Isto porque na Europa "a gente não vê nos cultos pessoas chorando, que batem as mãos, se abraçam. Os europeus são "muito frios", arremata.

É, portanto, a partir de uma perspectiva culturalista que opõe o "quente" ao "frio" que Figueiró motiva suas viagens missionárias para a Europa. Ele esteve em Portugal, em 2008, para pregar o "despertar" latino-americano nas cidades de Santarém, Batalha e Leiria; esteve também em Napoles, na Italia, com Annacondia, em 2009; na Suécia, na Igreja do pastor Ulf Ekman, o qual, em troca, veio várias vezes em Porto Alegre; na Alemanha, com Reinhard Bönnke.

Os pastores da Igreja Maanaim (Josué, Joelma), aqui considerados como atores "secundárioss " da rede de Annacondia, reproduzem a "máquina narrativa" (Corten, 1999) implementada pelos outros membros da rede. Eles também lamentam o materialismo que vigora na Europa, deixando de lado o aspecto espiritual. "O fogo se apagou na Europa; lá se vê um esfriamento religioso", explica Joelma. E complementa: "no passado tinha muitas ações de Deus e do Espírito Santo na Europa: curas, as pessoas iam nas igrejas e elas eram dinâmicas. Mas hoje, a presença do Espírito Santo é muito restrita porque as pessoas trocaram Deus pelo dinheiro". Daí porque, diz ela, "precisamos tirar a Europa da cegueira espiritual na qual ela está mergulhada".

O pastor Josué Dilermando, fundador da Igreja Maanaim, segue o mesmo diapasão para motivar a ação missionária na Europa. Ele põe o acento no desvio da Europa do caminho do Senhor desde o momento em que ela enveredou pela via da modernidade. Segundo suas palavras: "O problema da Europa é a modernidade, o pensamento moderno e a secularização, o racionalismo e o individualismo. Este pensamento não agrada a Deus"11.

Daí o seu interesse missionário voltado para a Europa e sua "política de reconquista espiritual" enquadrada numa visão geoestratégica da guerra espiritual, uma vez que, na sua visão, é preciso derrotar os demônios que desviaram a Europa.

Consequentement, diz ele, "minha preocupação não é a evangelização do Brasil; hoje minha preocupação é evangelizar a Europa. Por isso, estou interessado na formação de pessoas que tenham amor para a missão para enviar eles para a Europa".

E ele já desencadeou esta iniciativa porque enviou em janeiro de 2011 um pastor de sua igreja, Edilson Avila, a Roma, o qual, juntamente com sua mulher e duas filhas, está desenvolvendo um trabalho missionário numa igreja Assembléia de Deus Madureira, liderada pelo pastor italiano Ugo Sottile.

Os pastores Josue Dilermando e Joelma já estiveram como missionários de curta duração em Pais de Gales, Espanha e Alemanha. A exemplo de Carlos Annacondia, suas viagens missionárias se apóiam em parcerias com igrejas locais. Ou seja, suas idas à Europa são sempre associadas a relações privilegiadas que teceram previamente com líderes locais. Não se trata jamais, para eles, de implantar novas igrejas na Europa, como fazem certas Igrejas neo-pentecostais como a Universal do Reino de Deus.

Por que a Europa?

Quais seriam os significados subjacentes à ação missionária evangélica latino-americana na Europa? Há, certamente, um conjunto de sentidos engajados na atividade missionária. Aqui gostaria de sublinhar somente uma dimensão, entre outras existentes12.

O reforço da legitimidade num contexto concorrencial

Dizia acima que as relações entre as redes evangélicas oscilam entre aliança e rivalidade. Entretanto, na medida em que os pastores devem, segundo as idéias de Peter Wagner, se submeter à autoridade superior dos profetas e apóstolos (Wynarczk, 2009), uma concorrência se estabelece entre eles, assim como entre as igrejas evangélicas, e entre estas e a igreja católica. Ou seja, estamos numa situação de concorrência religiosa devida ao mercado religioso existente também na América Latina. A "New Apostolic Reformation" vem, assim, de uma certa maneira, reforçar a competição entre os pastores a nível local.

Neste contexto, embora a "conquista do mundo" seja uma característica do campo evangélico, sobretudo pentecostal, a situação mundial atual caracterizada pela abertura ao transnacional e ao global abriu um novo espaço de disputa simbólica entre os pastores, entre as redes religiosas e entre estas e as igrejas.

De fato, o investimento na circulação internacional e sobretudo em direção da Europa tornou-se, na atualidade, um espaço privilegiado para certos líderes religiosos e para certas igrejas latino-americanas adquirirem junto aos seus fieis e suas congregações locais um plus de legitimidade. Isto é devido à imagem construída sobre a Europa em certos meios religiosos: ela é tida como moderna, berço do cristianismo, origem de muitos revivalismos religiosos.

Ora, os pastores latino-americanos que vão para a Europa, que são convidados a pregar nas igrejas dos países europeus, assim como as igrejas latino-americanas que enviam missionários na Europa, todos nutrem o sentimento de elevação de seu status e não somente junto aos seus fieis. Todos ganham pontos nas disputas simbólicas, e mesmo nas disputas de fiéis, que estabelecem com outros pastores e as outras igrejas locais.

Assim, a transnacionalização religiosa em direção da Europa conduzida por certos pregadores e certas igrejas latino-americanas consiste na capitalização do fortalecimento local de sua legitimidade e status social. Em outras palavras, o investimento na circulação internacional e, sobretudo, na Europa, tornou-se atualmente um espaço privilegiado através do qual certos líderes religiosos adquirem um superávit de legitimidade junto aos seus fiéis e às congregações locais.

Por outro lado, a receptividade de pregadores brasileiros e latino-americanos por parte de líderes religiosos europeus estaria associada à sua capacidade performática de implementar a teologia da guerra espiritual. Esta hipótese resulta de uma observação realizada na França (Oro e Mottier, 2012) onde o pastor Freddy de Coster está à frente de uma igreja pentecostal cuja membresia é formada majoritariamente por africanos. Neste caso, para melhor lidar com o imaginário religioso dos seus fiéis, especialmente a importância atribuída às entidades malignas e sua capacidade de interferir no quotidiano das pessoas, recorre a pastores africanos, mas também sul-americanos, como Carlos Annacondia, para realizarem, de tempos em tempos, campanhas de evangelização, onde a ênfase é posta justamente na guerra espiritual, uma vez que Annacondia, e outros pastores são reconhecidos na Europa como especialistas no exorcismo dos "demônios".

Fuentes:

1. http://www.carlosannacondia.org

2. http://www.claudiofreidzon.com

3. http://www.scataglini.com

Bibliografía:

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3. Corten, A. (1999). Alchimie politique du miracle. Quebec: L´univers du discours.         [ Links ]

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 9. Oro, A. P. (2009). Transnacionalização religiosa no Cone-Sul: uma comparação entre pentecostais e afro-religiosos. Debates do NER, 16, 225-246. Porto Alegre, PPGAS UFRGS.         [ Links ]

 10. Oro A. P. & Mottier, D. (2012). Entreprenariat carismatique et dynamiquestransatlantiques (América du Sud/Afrique) de reconquête spirituelle de l'Europe. En Argyriadis, K; Capone, S; De la Torre, R. & Mary, A. Religions Transnationales des Suds: Afrique, Europe, Amériques (193-212). París: IRD Editions e Academia.         [ Links ]

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 14. Wynarczyk, H. (1993). Carlos Annacondia: un estudio de caso en neopentecostalismo. En Frigerio, A. (org.), Nuevos movimientos religiosos y ciencias sociales (II) (80-97). Buenos Aires: Centro Editor de América Latina.         [ Links ]

 15. Wynarczyk, H.(2009). Ciudadanos de dos mundos. El movimiento evangelico en la vida pública argentina 1980-2001. Buenos Aires: UNSAM edita.         [ Links ]

Notas:

1. Este texto se inscreve no âmbito dos projetos "Transnacionalisation religieuse des Suds: entre ethnicisation et universalisation", projeto internacional apoiado pelo CNRS francês e coordenado por Andre Mary, Stefania Capone e Kali Argyriadis; projeto "Transnacionalização religiosa", do Programa CAPES/NUFFIC, celebrado entre o PPGAS/UFRGS e a Universidade Livre de Amsterdam; e projeto "Centro de Estudos latino-americanos de Pentecostalismo", coordenado por Paul Freston. Uma versão próxima deste texto foi escrita em parceria com Damien Mottier (Oro e Mottier, 2012).

2. Peter Wagner escreveu explicitamente: "a Argentina tem emergido como o nosso principal laboratório de campo para submeter a teste a guerra espiritual em nível estratégico" (Wagner, s.d: 8).

3. Entrevista concedida a Daniel Alves, na época doutorando no Programa de Antropologia da UFRGS (16 de junho de 2009).

4. Wynarczyk sublinha que "Mensaje de Salvación no es propriamente una iglesia, sino una organización para-eclesiástica de campañas evangelísticas, sanidad y liberación (Wynarczyk, 1993: 87).

5. O ministério de César Castellanos se chama Comunidade Igreja Apostólica de Jesus Cristo e reúne perto de cem mil fieis na Colômbia e sua rede se estende para o conjunto do continente americano. Ricardo Rodrigues é o fundador do Ministério Santa Mundial do Avivamento. O hondurenho Jaime Chavez organiza regularmente no exterior os eventos denominados Congrès MIGApartners.

6. http://www.carlosannacondia.org

7. http://www.carlosannacondia.org

8. http://www.scataglini.com

9. Na entrevista acima mencionada, concedida a Daniel Alves, então doutorando de Antropologia do PPGAS da UFRGS.

10. Annacondia afirma manter relações estreitas na Finlandia com o pastor Mikko Viljanen, cuja igreja se situa na cidade de Kaarina; na França o seu contato privilegiado é Freddy de Coster; na Italia, Carlos Annacondia colabora frequentemente com os pastores Salvatore Interlandi e Dario Scuoto, de Napoles.

11. Entrevista realizada em 18/6/2011.

12. Poderia-se também sublinhar o sentido econômico, que aparece, por exemplo, no depoimento de um pastor da igreja Assembléia de Deus de Porto Alegre. Disse ele: "as igrejas européias tem muito dinheiro. Eles pagam muito bem aqueles que vão lá pregar a palavra de Deus".

Não se pode ignorar, também, que a transnacionalização religiosa em direção da Europa assegura aos pastores, fieis e às igrejas latino-americanas, a possibilidade não somente de ultrapassar o nacional, mas também de se sentir cidadãos do mundo e, ainda mais, vinculados aos países mais desenvolvidos do mundo. Assim, da mesma forma que historicamente o pentecostalismo é tido como uma instituição que permitiu a um certo número de fieis acederem à leitura, à política e às mídias, agora ele também abre, para muitas pessoas, os horizontes do mundo, também da Europa.

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