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Sociedad y religión

versión On-line ISSN 1853-7081

Soc. relig. vol.27 no.48 Ciudad Autónoma de Buenos Aires oct. 2017

 

ARTICULO

Genealogia da tese da secularização: da sua proveniência pré-sociológica à sua emergência na sociologia do século XIX

Genealogy of the secularization thesis: From its pre-sociological proveniences to its emergence in nineteenth-century sociology

 

Jorge Botelho Moniz

UNL - Universidade Nova de Lisboa e UFSC /

Universidade Federal de Santa Catarina

Rua Machado dos Santos, 35, 1º B, 2775-236, Parede (Portugal) /

Rua Fernando Machado, 192, ap. 405,

 88020-130, Centro, Florianópolis – Santa Catarina (Brasil)

jobomoniz@gmail.com

 

Recibido: 14.07.16

Aceptado: 12.07.17


Resumo

A nossa investigação foca-se na análise e interpretação das condições que permitiram a proveniência e emergência da tese da secularização. Para isso recorremos a uma metodologia genealógica que nos possibilita a observação das suas vicissitudes históricas, bem como das suas contingências, descontinuidades e contradições no discurso sociológico e pré-sociológico. Assim sendo, propomos um exame diacrónico e sistemático das várias significações da secularização. Começamos pelas suas proveniências greco-romanas – onde identificamos as cinco camadas básicas de sentido do conceito – e aprofundamos o que designamos de momento fundamental para o estabelecimento de um estudo sistemático do fenómeno religioso nas sociedades modernas – a sua apropriação pela sociologia em meados do século XIX, mas, sobretudo, os finais do século XIX e os inícios do século XX. O estudo da sua proveniência e emergência constrange-nos a questionar a representação da secularização, e do seu concomitante projeto de modernidade, como a ordem natural das sociedades modernas.

Palavras-chave: Tese da Secularização; Genealogia; Etimologia; Sociologia do século XIX.

 

Abstract

The main focus of our research is the analysis and interpretation of the conditions that supported the provenience and the emergence of the secularization thesis. For that purpose, we applied a genealogical methodology that allows us to observe its historical vicissitudes, as well as its contingencies, discontinuities, and contradictions in sociological and pre-sociological discourse. Thus, we propose a diachronic and systematic review of secularization’s several meanings. We start by its Greco-Roman senses – where we identify the five basic layers of meaning of the concept – and then deepen what we call the fundamental moment for the establishment of a systematic study of the religious phenomenon in modern societies – its appropriation by sociology in the mid-nineteenth century, but, especially, in the late nineteenth-century and early twentieth-century. The study of its provenience and emergence compels us to question secularization’s representation, and of its concomitant project of modernity, as the natural order of modern societies.

Keywords: Secularization Thesis; Genealogy; Etymology; Nineteenth-century sociology.


Introdução

Vivemos numa era secular, afirmou Charles Taylor (2007) num dos mais célebres trabalhos filosóficos da década de 2000. Ou seja, vivemos numa etapa da idade contemporânea na qual uma estrutura imanente das ordens cósmica, social e moral opera como se o sagrado não existisse ou como se fosse oposto aos processos de amadurecimento, crescimento e emancipação humana. Essa estrutura é a “ordem natural” das sociedades modernas, “um mundo «imanente», em oposição a um possível «transcendente»” (ibid.: 542).

Mas como chegámos até aqui? Será a era secular um facto essencialmente moderno ou um fenómeno com raízes pré-modernas mais complexas? Consideramos que uma resposta possível pode ser encontrada na secularização.

Em termos gerais, as teorias da secularização1 afirmam que o processo de modernização e os seus subprocessos, transformadores da totalidade da estrutura social, não podem decorrer sem consequências para as tradições e instituições religiosas. Ou seja, as propriedades estruturais da modernização – como a racionalização (Bryan Wilson ou Peter Berger), a diferenciação funcional (Niklas Luhmann, Talcott Parsons ou Thomas Luckmann), a societalização (Bryan Wilson ou Danièle Hervieu-Léger), a segurança existencial (Pippa Norris e Ronald Inglehart) e a diversidade, igualitarismo e individualismo (Steve Bruce) – colocam problemas à religião, pelo menos no seu sentido tradicional, e reduzem ou, no limite, extinguem a sua relevância e/ou plausibilidade social. Segundo o estado da arte, desde o final da 2ª Grande Guerra (pós-1945) e os inícios da década de 1960 que esta narrativa da secularização foi integrada na teoria da modernização, tornando-se “num dos seus axiomas centrais” (Gorski, 2003: 111). Na época, todos pareciam concordar com a ideia de que a influência pública da religião estava a diminuir. A secularização afigurava-se autoevidente, era uma “doutrina” ou “ideologia” (Fichter, 1981: 23), “um dogma inquebrável da teoria sociológica” (Hadden, 1987: 594-595). A ideia de secularização ganhou relevo nos circuitos académicos alemão, francês, inglês e norte-americano nesses anos (Bremmer, 2008: 434-437). No entanto, a referência geográfica é simbólica dado que a “teoria da secularização exprimia totalmente o estado de espírito desses tempos” (Stark,1999: 251). A secularização parecia, regressando à proposição de Taylor, a ordem natural, absoluta, autossuficiente e normalizadora da essência dos valores (seculares) das sociedades contemporâneas.Todavia, isso não quer dizer necessariamente que a secularização seja um fenómeno essencialmente hodierno. Pelo contrário, alguns trabalhos genealógicos, históricos e filosóficos vêm demonstrando que os seus significados atuais são um produto das extensões semânticas do seu sentido original pré-moderno (Blumenberg, 1999 [1966]; Marramao, 1998; Taylor, 2007). Assim, para se entenderem exatamente esses alargamentos de sentido é necessário passar pelas diferentes etapas conceptuais da secularização no discurso sociológico e pré-sociológico. Mais especificamente, de acordo com a concepção blumenbergiana, devemos passar pelo conjunto de “transformações qualitativas específicas e transitivas” da tese da secularização, porque ela é “somente possível e inteligível” em relação com a fase anterior que lhe precedeu (Blumenberg, ibid.: 4). Esta noção da secularização encerra em si mesma uma dimensão genealógica, porquanto considera os processos de rutura e continuidade entre uma era moderna (secular) e as suas proveniências religiosas. Marramao (ibid.: 12) concorda com a orientação genealógica da secularização; porém, é mais assertivo, reivindicando que a sua aplicação é o único caminho possível. Com efeito, o recurso ao método genealógico, nomeadamente o de inspiração nietzschiana (Nietzsche, 2009 [1887]) ou foucauldiana (Foucault, 2009 [1979]), possibilita-nos a análise das condições que favoreceram a proveniência (Herkunft – o caminho percorrido) e a emergência (Entstehung – quando se torna tema de discussão) da tese da secularização, assim como das suas apropriações e transformações, ao invés de cristalizarmos o momento da sua origem (Ursprung). Não há um único ponto de origem, pois os eventos surgem ao acaso das forças. A genealogia permite-nos sublinhar esses jogos de correlação de forças, suas contingências, descontinuidades, contradições e a incerteza inerente às suas vicissitudes históricas. De acordo com Kate (2015: 207), a abordagem genealógica faz sentido, porque a secularização dificilmente pode ser associada a uma era ou fase concreta da história humana. Tal como Marramao (1998: 13), Kate (ibid.) explica que as origens da secularização têm pouco a ver com a ideia corrente de declínio da religião. Pelo contrário, as suas raízes poderiam ser encontradas no processo de lenta transformação da revolução axial2 e no advento do cristianismo, mais especificamente, no étimo protocristão saeculum (e na sua metamorfose, acrescentaria Marramao). A secularização seria, portanto, parte desse legado, bebendo das suas conquistas, dilemas e fracassos.

Assim sendo, submeter a secularização a um tratamento genealógico significa não só questionar a sua representação como princípio natural, absoluto e autossuficiente, mas também mostrar o carácter relativo, culturalmente determinado, da sua narrativa e do projeto particular de modernidade que a acompanha. A aplicação deste tipo de metodologia à secularização parece ser uma necessidade e tendência de investigação atual (Taylor, 2007; Bremmer, 2008; Gorski e Altınordu, 2008; Kate, 2015; Styfhals e Symons, 2016). O nosso trabalho deve, portanto, ser entendido dentro deste esforço de compreensão da proveniência ou emergência (pré)sociológica da tese da secularização. Neste sentido, focamo-nos no primeiro momento fundamental da história da sociologia: os finais do século XIX (o momento da emergência dessa tese). Contudo, pela inerente complexidade da questão e pelos seus desenvolvimentos semânticos e dimensionais anteriores, situamos o início da nossa investigação na sua proveniência – os princípios do primeiro milénio cristão. Assim sendo, na parte inicial do trabalho, propomos uma análise da etimologia e das origens greco-romanas da secularização, onde encontramos a primeira das suas cinco camadas básicas de significado, e paramos à entrada do último quartel do século XIX, onde situamos a última. Na segunda parte, com a leitura das respostas académicas dos fundadores da sociologia à transmutação dos sistemas modernos e pré-modernos de sociedade e aos seus desafios intrínsecos, entramos na fase de desenvolvimento da nossa pesquisa. O seu estudo permite-nos não apenas situar as primeiras interpretações sociológicas sobre o lugar da religião nas sociedades modernas, mas também as suas novas perspetivas escatológicas, as interpretações científicas inaugurais à relação religião-modernidade e, sobretudo, a emergência das teorias da secularização.

 

1. Etimologia e genealogia pré-sociológica da secularização

Os dicionários especializados e os autores que estudam o tópico coincidem na conclusão de que, etimologicamente falando, o substantivo secularização provém do latim saeculum e do adjetivo derivado saecularis (Cox, [1965] 2013: 22; McKim, 1996: 253; Swatos e Christiano, 1999: 211; Bremmer, 2008: 432-433; Gorski e Altinordu, 2008: 60; Catroga, 2010: 48). Apesar deste consenso, as dificuldades inerentes às análises sobre a origem de palavras com ditongos ae e à sua, consequente, tradução (Ernout e Meillet, 1951: 1037) geraram uma miríade de designações sobre o saeculum, a saber: idade, época, era, tempo, geração, vida humana, duração da vida humana ou de uma geração, século, período máximo de cem anos, longo período de duração indeterminada ou um tempo sem fim.

De acordo com Calhoun, Juergensmeyer e Antwerpen (2011: 8), o termo saeculum surgiu primeiramente como uma unidade de tempo entre os etruscos e foi posteriormente adotado pelos romanos. Um exemplo paradigmático dessa perfilhação são as celebrações das Ludi saeculares que marcavam a transição da saecula na República Romana (Ernout e Meillet, ibid.; Bremmer, 2008: 432). Isso era algo que sucedia a cada 100 ou 110 anos, refletindo a maior duração possível da vida humana. Portanto, originalmente, o termo latino proto-cristão saeculum apresentava apenas uma conotação temporal (Casanova, 2014: 22).

Todavia, de acordo com Cox ([1965] 2013: 22), dado que saeculum era uma das duas palavras latinas que designavam mundo (a outra era mundus), surgiram vários problemas semânticos e teológicos. Se, por um lado, saeculum era uma palavra usada frequentemente para traduzir o conceito grego de aeon que também significava época ou era; por outro lado, mundus era utilizada para traduzir a expressão grega cosmos, significando o universo ou a ordem criada e, mais relevantemente, invocando uma dimensão espacial. A ambiguidade no latim revela um problema teológico mais profundo, pois reflete a dissemelhança central entre duas perspetivas diferentes da existência: os gregos consideravam-na espacialmente e os hebreus temporalmente. Para os primeiros, o mundo era um espaço físico, um local; enquanto para os segundos designava essencialmente a história. Para Cox (ibid.: 23), face à influência hebraica sobre o universo helénico, a perceção dominante sobre a realidade tornou-se temporalizada. Deste modo, o mundo transformou-se em história, o cosmos virou aeon e o mundus converteu-se em saeculum. Tudo isto serve para explicar que, desde os inícios, os termos saeculum e saecularis foram construídos com uma semântica normativa inferior. Eles definiam este mundo passageiro e temporário, por oposição ao eterno e imutável mundo religioso.

Não admira, pois, que nos primeiros escritos teológicos e filosóficos do cristianismo isso se tenha refletido. Segundo Meliá (1972: 425-426 e 433) e Bremmer (2008: 432-433), com Tertuliano de Cartago (séculos II e III d.C.) saeculum surge como sinónimo de mundus. Entre as suas várias designações encontram-se, por exemplo, o universo mundo, o conjunto dos seres e a terra habitada. Uma vez admitido o seu valor espacial, o substantivo saeculum –na sua aceção fundamental de terra ou de homens que vivem na terra – passa a ter, em Tertuliano, uma conotação negativa, representando, entre outros, costumes, relações e estilos de vida hostis à mentalidade e vida cristãs. De acordo com Catroga (2010: 49), no século IV, a palavra saeculum também foi aplicada, na Vulgata de São Jerónimo, para significar o cosmos numa aceção negativa, a saber: o momento presente ou este século, em oposição à eternidade ou ao futuro, ou seja, ao reino prometido por Deus. Ela serviu para descrever o universo dos pagãos e para expressar o progressivo desfasamento, dentro do cristianismo, de duas categorias: a dos clérigos e a dos crentes.

Não obstante estas importantes contribuições, para Casanova (2014: 22), Santo Agostinho foi quem derradeiramente transformou o saeculum numa categoria teológica cristã central, adicionando-lhe uma conotação espacial. Segundo nos explica Griffiths (2012: 33), na obra De Civitate Dei (século V), Agostinho fala de uma época com um início e um fim (hoc saeculum) – começa com a criação do mundo por Deus e termina com o regresso de Cristo – e de outra que tem um princípio, mas não um termo (saeculum futurum) – iniciando com o final do hoc saeculum e nunca terminando. O hoc saeculum é exaustivamente constituído por um conjunto de elementos que se iniciam com a criação do cosmos, como um todo perfeitamente ordenado, e termina com o juízo final que separa definitiva e irreversivelmente a cidade divina da cidade humana. O saeculum era, portanto, um conceito temporal e espacial, o mundo entre o presente e a parusia, o segundo regresso de Cristo, no qual cristãos e pagãos tinham de conviver e cooperar de modo a atingirem os seus fins terrenos (Casanova, 2014: 22). A relevância deste sistema de classificação dualista agostiniano entre este mundo (a cidade dos Homens) e o outro mundo (a cidade de Deus) foi tal que, segundo vários autores (ibid.: 24; Bremmer, 2008: 432-433; Catroga, 2010: 49-50), estruturou não apenas a história da cristandade ocidental, mas também toda a história ocidental.

A síntese medieval cristã resolveu a tensão entre hebreus e gregos, colocando o mundo espacial ou religioso num patamar mais elevado e o mundo histórico ou secular, em constante mutação, num mais baixo (Cox, [1965] 2013: 24). Neste contexto, por exemplo, a vocação de um padre secular, alguém que servisse no saeculum, apesar de se encontrar tecnicamente ao mesmo nível, passou a ser conotada negativamente, como se fosse inferior à do clero regular que vivia enclausurado, contemplando a ordem imutável da verdade divina. É dentro desta nova perspetiva teológica da cristandade medieval que provém o sentido moderno da secularização (Casanova, 2014: 24). Secularizar significa, sobretudo, tornar terreno, ou seja, transformar pessoas ou coisas religiosas em seculares. É neste sentido de mundanidade, produzido dentro da teologia medieval cristã, que se pode entender o saeculum como uma metáfora básica do processo histórico de secularização ocidental, segundo Casanova (ibid.).

De facto, são inúmeros os autores que afirmam que a segunda camada de significado da palavra secularização surge dentro desta dicotomia igreja-mundo, à qual subjazia o princípio de libertação de um membro de uma ordem religiosa para o mundo (Casanova, 1994: 13; Pierucci, 1998: 63-64; Swatos e Christiano, 1999: 211; Gorski e Altinordu, 2008: 60; Hurd, 2008: 13). Neste momento semântico diferente (na baixa Idade Média), a secularização surge no direito eclesiástico do catolicismo, o Codex Juris Canonici, para designar uma ação legal com consequências reais para o clero. Com efeito, na lei canónica, a secularizaçãorefere-se à passagem de um religioso virtuoso do estado de padre regular (membro de uma ordem religiosa governada por um estatuto chamado de regra) ao estado secular (sacerdote ligado diretamente a uma diocese e que exerce o seu ministério sobre os leigos). Esta acepção ofereceu tanto uma dimensão espacial como individual à secularização. Espacial, na medida em que o espaço sagrado do mosteiro se opõe ao espaço profano do mundo; e individual, na medida em que a partida do monge implica, simbolicamente ou não, uma perda de alma ou compromisso, se não mesmo da sua própria crença (Gorski e Altinordu, 2008: 60).

Segundo Pierucci (1998: 64), existe ainda uma ligeira, mas importante, evolução semântica nesta segunda camada de significado da secularização. Além da supracitada mudança do tipo de clero, desenvolve-se a noção de redução do padre ao estado laical – a perda, e não apenas a passagem, do seu estatuto clerical. Parece, portanto, confirma-se que, desde os seus inícios, o sentido histórico da secularização aponta para uma dicotomia entre o regular e o secular que já compreende em si um esquema antitético entre celeste e terreno, contemplativo e ativo, espiritual e mundano (Marramao, 1998: 18).

A terceira camada de sentido do vocábulo secularização surge, no nosso ver, como uma extensão da segunda. Com efeito, o significado que a palavra foi adquirindo – a passagem ou a perda de coisas religiosas para a esfera do saecularis – não deve ter sido alheio ao desenvolvimento de âmbito jurídico-político que indica a expropriação dos bens eclesiásticos em favor dos príncipes e igrejas nacionais reformadas.

De acordo com Beckford (2003: 34), isto sucede em Inglaterra pela primeira vez, no contexto da Reforma inglesa e da degradação das relações entre Henrique VIII e o Papa Clemente VII. Com efeito, o Suppression of Religious Houses Act da década de 1530 dissolvia os mosteiros e conventos católicos e passava-os compulsivamente para a esfera estatal. Para Pierucci (1998: 64), estes foram os atos de secularização que autenticaram o primeiro sentido moderno do termo, estabelecendo os limites legais entre aquilo que estava e não estava na esfera religiosa.

Contudo, a evolução mais definitiva da secularização situa-se, de acordo com esmagadora maioria dos autores, nas conversações prévias à paz de Vestefália de 1648, período das guerras de religião (Bremmer, 2008: 433; Dobbelaere, 2004: 22; Hurd, 2008: 13; Marramao, 1998: 18-19; Pierucci, 1998: 62; Vilaça, 2006: 64). Na tarde de terça-feira, 8 de Maio de 1646, Henrique de Orleães, duque de Longueville e chefe da delegação francesa nas negociações de Münster sobre a Guerra dos Trinta Anos, usou o verbo séculariser para a questão complicada do estatuto dos bens católicos nos países protestantes. Contrariamente ao que sucedera em Inglaterra cerca de 110 anos antes, o seu objetivo era transmitir à Igreja católica (doravante, Igreja) uma certa ideia de compensação pelas suas perdas territoriais. Através do recurso à secularização essa perda era, em simultâneo, negada e admitida, porque continha um sentido de transitoriedade, de transformação (pacífica e, eventualmente, reversível) do uso das propriedades espirituais3.

Pierucci (1998: 63) assinala a importância do uso, pela primeira vez, da palavra secularização ou de um derivado noutra língua que não o latim e num contexto que não o eclesiástico. A utilização de “carácter inovador” (Bremmer, 2008: 434) deste vocábulo permite, então, uma ampliação do seu conteúdo em relação ao direito canónico. Como vimos, com a distinção entre os cleros regular e secular, a diferenciação entre o religioso e o mundano já se havia estabelecido. Todavia, perdida a sua univocidade, a secularização passa a significar o movimento geral de passagem duma propriedade e/ou jurisdição eclesiástica para outras seculares.

Esta é uma evolução semântica extremamente relevante, porquanto acirra a já avançada distinção entre o religioso e o secular, entendido como não religioso, e revela plenamente o seu conteúdo jurídico-político (Marramao, 1998: 22; Pierucci, 1998: 63; Willaime, 2006: 757). Doravante, a secularização reorienta o seu significado, designando não só a passagem de determinadas instituições do poder religioso eclesiástico para o poder civil secular, mas também a emancipação do poder político em relação à tutela e ao controlo da Igreja.

Neste momento, alguns pontos devem ser sublinhados. Pela primeira vez a expressão secularização é utilizada fora da esfera religiosa. Ela é apropriada pela esfera civil e ganha um sentido jurídico-político. Com isso mantém uma aceção negativa e positiva. Todavia, por se situar atualmente na esfera política, ela tem significados diferentes do uso romano ou canónico: sugere a ideia de expropriação injusta e usurpação ilegítima, negativamente; e aponta para a noção de crescente eficiência na exploração e administração dos bens reivindicados pelos governos seculares, positivamente. Por consequência, também pela primeira vez, desde a sua apropriação pela teologia cristã, as coisas do saeculum possuem um valor superior face às religiosas. A secularização passa a ser sinónimo de racionalidade e de emancipação da esfera religiosa.

Segundo Hurd (2008: 13), esta ideia repercute-se no contexto da Revolução Francesa quando, a 2 de Novembro de 1789, na Assembleia Nacional Constituinte, o estadista francês Talleyrand anuncia que todos os bens eclesiásticos estavam à disposição do Estado. Mas, de acordo com Pierucci (1998: 63), há outro acontecimento histórico mais relevante para o desenvolvimento do sentido de secularização. Numa linha semântica aproximada à de Vestefália, surge na Alemanha, com o tratado entre Napoleão e os príncipes germânicos seculares de 1803 (Reichsdeputationshauptschluss), a palavra Säkularisation. Na terminologia jurídica germânica, a secularização passa a significar a transferência dos territórios ainda na posse do clero católico para a autoridade dos príncipes seculares. Contudo, contrariamente às intenções formais vestefalianas, a palavra passa a designar uma expropriação compulsória e definitiva da quase totalidade dos bens da Igreja, devendo ficar à livre e completa disposição do respetivo soberano territorial. A grande secularização (große Säkularisation), como ficou conhecida, não só consolidava o carácter jurídico-político do vocábulo, como também dissolvia o sentido aparentemente técnico e neutro da expressão séculariser, utilizada há século e meio atrás por Longueville (Bremmer, 2008: 434; Marramao, 1998: 31). Com este desenvolvimento, a secularização assume uma carga derradeira e ostensivamente negativa. Segundo Pierucci (1998: 64), de tal modo assim foi que, sobretudo na Alemanha do Kulturkampf, a Säkularisation se transformou num termo de forte viés polémico.

Esta evolução da quarta camada semântica da secularização é comprovada quase meio século depois em Inglaterra. Em 1851, George Jacob Holyoake, um dos líderes do movimento racionalista inglês e fundador da Sociedade Secular, cunha o termo secularismo. Com este vocábulo pretende-se descrever um movimento que oferece, expressamente, uma proposição de organização social conduzida sem qualquer referência a uma teologia ou deidade. Pese embora Cady e Hurd (2010: 3) afirmem que o termo, tal como o seu autor o havia construído, não fosse uma antítese da religião ou o lado de um binário secular-religioso; outros autores (Dobbelaere, 2004: 22; Hurd, 2008: 13; Swatos e Christiano, 1999: 211-212) defendem que ele pretende designar um movimento militante, de emancipação humana e política, comprometido com uma ordem mundial e com um programa de ação individual de solução dos problemas humanos, sem recorrer às irrelevantes explicações da religião. De acordo com Madan (1987: 748), o secularismo tinha sido construído dentro da “ideologia do progresso” e assumia a secularização como um processo positivo de lenta, mas irreversível, emancipação das esferas seculares face às religiosas. Com efeito, na sua obra Principles of Secularism (1854), Holyoake apela a essa distinção, defendendo a razão, a natureza e a experiência para se lograr uma melhor vida para a humanidade. Ou seja, com o recurso a esta palavra não só o saeculum reafirma a sua superioridade de sentido relativamente à dimensão religiosa, como ainda passa a ser entendido como condição fundamental para o avanço da vida humana.

Com o desenvolvimento desta última camada de sentido, deu-se ainda um desdobramento de significado mais restrito e combativo da secularização. Se na Alemanha se fala de Säkularization e na Inglaterra de secularism, em França consolida-se a laïcité. Como nos diz Catroga (2010: 297), a nova terminologia não irá rejeitar ou substituir a que provém de saeculum. Pelo contrário, ela é uma dinâmica da secularização, com particular incidência na realidade sociopolítica e cultural das sociedades4. Não obstante as origens pré-cristãs (deriva do latim laicus, significando comum ou ordinário, e do grego laós que designa o povo a partir do qual o clero se foi hierarquizando), só na segunda metade do século XIX é que o sentido filosófico inerente à palavra ganha contornos mais rigorosos. O termo procurou manter um sentido neutro, representando a imparcialidade do Estado face às crenças religiosas. Mas, tal como sucedeu com a palavra secularização, os seus contornos foram moldados pelos eventos históricos da época (as reações à lei Falloux de 1850, a proclamação da III República em 1870 ou a Comuna de Paris de 1871), nomeadamente pela distinção entre as esferas religiosa e política5. Isto conduziu a um desenvolvimento semântico no qual, através de palavras derivadas como laicismo ou laicizar, a secularização ultrapassa a esfera da neutralidade e da imparcialidade. A laicidade passa a representar, grosso modo e à semelhança do secularismo, uma revolução cultural militantemente empenhada no enraizamento dos direitos de cidadania e no uso da razão crítica, autónoma e emancipada (ibid.: 296-297; Casanova, 2011: 57; Ferreira, 2001: 58-59). Era, portanto, um aspeto da secularização investido, em especial, numa rígida separação entre o religioso e o secular, na luta contra o espírito clerical, na privatização e marginalização da religião, na criação duma esfera sociopolítica livre de símbolos religiosos e dum sistema de ensino obrigatório, gratuito e, acima de tudo, laico6.

A secularização passa, então, por uma acentuada extensão semântica que contrasta fortemente com o seu sentido original. Se nos inícios a palavra pretende definir um tempo, depois um espaço, um espaço dual (sagrado e profano) e dois tipos de clero (regular e secular); posteriormente, ela designa uma ação de transferência temporária de propriedades (religiosas para estatais), uma nacionalização e expropriação definitiva dessas mesmas propriedades, um movimento filosófico de progresso humano que não inclui a religião (secularismo) e outro projeto humano que a privatiza e discrimina, afastando as suas instituições e os seus símbolos da esfera pública (laicidade). Para Asad (2003: 192), esta é uma “notável inversão ideológica”, marcada por um movimento de dentro para fora do cristianismo. A secularização passa de um sentido neutro ou positivo a favor dela própria, reivindicando a superioridade da perfeição celeste face à mundanidade terrena, para um significado neutro ou negativo contra a religião, afirmando a autoridade das coisas terrenas, seculares e não religiosas na promoção do desenvolvimento humano. Esta evolução semântica é metaforicamente bem descrita pelo Grand Dictionnaire Universel de Larousse de 1873, ao definir o sentido de laico: “O Deus que vive está agora muito mais com o mundo laico do que com o mundo eclesiástico” (apud Catroga, 2010: 294).

Por meio desta proveniência pré-sociológica, com todas as suas vicissitudes históricas, o termo secularização passa a ser usado de forma ambígua, mas com um sentido crescentemente negativo, quando é adotado pelas ciências sociais para entender epistemológica e teoricamente o lugar da religião nas sociedades modernas (Shiner, 1967).

O advento das mudanças técnico-científicas (industrialização, positivismo, criticismo bíblico liberal ou teorias da evolução) e sociopolíticas (liberalismo, capitalismo, relativismo, comunismo, socialismo) de meados do século XIX tornou-se não só no pano de fundo do campo de estudo dos investigadores sociais, mas também numa consequência direta da secularização. De acordo com Beckford (2003: 35), era como se a secularização, nas suas muitas e diferentes formulações, tivesse sido a “parteira” ou o “catalisador” da modernidade.

Estas mudanças moldam os contornos da quinta e derradeira camada de sentido pré-sociológica da secularização. A palavra deixa de ser entendida como um movimento filosófico ou como um projeto humano, para se tornar numa classe histórico-filosófica que influencia, e provavelmente, determina o rumo das sociedades modernas ocidentais (Pierucci, 1998: 64). Alguns autores afirmam que o primeiro sentido histórico-filosófico da secularização surge, na década de 1860, na obra History of the Rise and Influence of the Spirit of Rationalism in Europe  do historiador e teórico político irlandês William Lecky (McLeod, 2000: 1; Hunter, 2015: 5), através de noções como secularização generalizada do intelecto europeu e secularização da política7. Com efeito – face aos avanços aparentemente inevitáveis e imparáveis desta modernidade secular – a literatura parece unívoca na afirmação de que, na época, a secularização significa, sobretudo, um declínio da relevância da religião. Beckford (2003: 35) diz-nos que as primeiras tentativas académicas de identificação da secularização foram precisamente nesse sentido; enquanto Bremmer (2008: 437) acrescenta que, mesmo que ainda não soubessem, os académicos que popularizaram o termo já denunciavam o declínio do Ocidente cristão. Intencionalmente ou não cria-se uma tese da secularização que se converte, rapidamente, numa filosofia da história que entende este fenómeno não como uma mera questão semântica ou programática, mas como uma evolução progressiva da humanidade: da superstição à razão, da crença à indiferença, da religião à ciência.

 

2. Críticas à religião, novas escatologias e genealogia sociológica

De acordo com Marramao (1998: 29-30), a partir do Iluminismo as variantes da tese da secularização começam a apresentar uma característica comum: o abandono da doutrina agostiniana dos dois reinos e a supressão do dualismo eternidade-mundo. Estes desenvolvimentos consolidam, nomeadamente a partir do século XIX e em parte devido à filosofia da história de Hegel, uma categoria unitária de história universal ou história-mundo, apresentada como universalmente válida. Tal como já denuncia a quinta camada de sentido da secularização, o carácter inclusivo e globalizante da nova visão histórico-filosófica do mundo é incluído dentro de um conceito harmónico, absoluto e processual de história que, a partir de agora, reconhece o secular como uma consubstanciação da verdade e da liberdade da era moderna (Hegel, 2001 [1837]: 441). Na conceção hegeliana, a pacificação do mundo num ordenamento estatal e a mundanização (Weltlichkeit) trazem um progresso mais unido do espírito que se desenvolve fora da Igreja e que, no limite, a exclui da sua realização (Marramao, 1998: 34-35).

A influência desta metamorfose da secularização nos intelectuais ocidentais8 da época, mas não só, é evidente. Com efeito, mesmo antes de Hegel, já outros teóricos da secularização revelam esse sentido unitário, processual e universal da história moderna e do consequente declínio da religião.

Joas (2014: 13) e Stark (1999: 249) citam Thomas Woolston, teólogo e pensador livre inglês, como um dos primeiros expoentes da ideia de que a religião (cristã) teria um futuro limitado. Woolston escreveu na década de 1710 que, por volta do ano de 1900, o cristianismo desaparecia. Esta ideia não perece com o inglês. Pelo contrário, a partir daí, as gerações seguintes mostraram-se confiantes de que “dentro de algumas décadas, os humanos superariam a crença no sobrenatural” (Stark, ibid.). O iluminista francês Voltaire, em 1756, também exprime a ideia de que o fim da religião estava próximo e que chegaria, muito provavelmente, durante o seu período de vida. Três anos mais tarde, o escritor anglicano e irlandês, Laurence Sterne publica o influente romance Tristram Shandy no qual sugere que o cristianismo deixaria de existir em meio século. Todavia, contrariamente aos dois primeiros, o autor não considera que isso significasse o fim de todas as religiões (Joas, 2014: 13). As previsões do desaparecimento do cristianismo continuam com o rei da Prússia, Frederico II. Este déspota esclarecido, próximo de Voltaire e de outros iluministas da época, também vê no declínio do cristianismo o reflexo de um tipo de crença insustentável que, com o tempo, feneceria. Estas ideias tiveram ainda repercussão nos EUA. Numa carta escrita em 1822, Thomas Jefferson reduz o cristianismo a uma doutrina simples oferecida por Jesus Cristo e afiança que, na época, não existia jovem a viver no país que, no final da sua vida, não morresse como Unionista (Stark, 1999: 249-250; Joas, 2014: 13).No século XIX estes desenvolvimentos dispersos reuniram-se em torno de uma corrente de pensamento mais ampla (ibid.: 13-14). A necessidade de resposta académica à mudança das estruturas pré-modernas e modernas de sociedade e aos seus desafios inerentes fez emergir a sociologia, enquanto disciplina autónoma no campo das ciências humanas. Estas preocupações da sociologia clássica levaram-na a questionar-se sobre o futuro da religião nas sociedades modernas e sobre o declínio da sua influência social nos indivíduos e nos Estados – considerados como indicadores de passagem de uma sociedade tradicional para uma sociedade moderna (Vilaça, 2006: 64-68)9.

A afirmação, por parte dos primeiros sociólogos, de que haveria progressivamente uma menor necessidade de lidar com a religião como facto social relevante, formalizou-se naquilo que designámos por tese da secularização. Vários autores partilham desta posição. Casanova (1994: 17), por exemplo, diz que qualquer tentativa de desenhar uma genealogia da secularização deve passar pela sociologia, onde “finalmente encontrou o seu lar”. Lechner (1991: 1103) assevera que, desde os inícios, a secularização faz parte da sabedoria sociológica convencional. Enquanto, por seu turno, Beckford (2003: 35) e Gorski (2003: 111) defendem que as suas raízes clássicas encontram-se no dealbar do século XIX, através dos escritos de dois dos fundadores da sociologia: Henri Saint Simon e Auguste Comte.

Não obstante as diferenças existentes nos argumentos saint-simoniano e comtiano, ambos asseveram que a história humana passa por uma série de etapas distintas. Nesta perspetiva evolucionista o poder e a plausibilidade da religião tradicional estão gradual e irreversivelmente condenados pela crescente influência do Estado e da ciência (Saint-Simon, 1969: 41-42; Comte, 1936 [1830-42]: 10-11, 85). A religião deixa de funcionar como o código regulador de toda a vida humana e torna-se numa dimensão, entre outras, das sociedades modernas com uma função social contestada e limitada.

Comte, em particular, ao descrever o terceiro dos três estados da lei pela qual se rege a história humana, considera que o positivismo levaria ao desaparecimento da religião (ibid.: 87-88). Na sua perspetiva, a nova ciência do homem em gestação, a sociologia, pautar-se-ia pela neutralidade, objetividade e pelo empirismo, ou seja, por métodos de conhecimento científico (idênticos aos das ciências da natureza) que marcam o fim de uma era metafísica. Ao conceber um futuro mais controlado pela ciência social do que pela religião, Comte assevera a extinção da fé dogmática e a afirmação duma religião da humanidade, criada de modo totalmente racional (Gorski, 2000: 140)10.

Segundo Vilaça (2006: 70), o alemão Karl Marx tinha à semelhança de Comte o desejo de uma análise científica da sociedade e uma certa animosidade em relação à religião. A sua perspetiva sociológica atribuía a maioria das mudanças sociais dos séculos XVIII e XIX ao advento do capitalismo ocidental, uma mudança que, na perspetiva do germânico, produz uma individualização das estruturas sociais e a racionalização das relações sociais (Collins, 2007: 20-21). Marx, à semelhança de Friedrich Engels11, considera que o capitalismo na sua maturidade industrial gera um distúrbio ininterrupto de toda a estrutura social e que isso, consequentemente, leva à dissolução das sociedades mais estáticas (tradicionais) (Marx e Engels 1848/1987: 25-26). Numa das suas passagens do manifesto comunista, os autores afirmam que, face aos rápidos avanços da industrialização e do capitalismo, tudo o que é sagrado é profanado. Os seres humanos passam a enfrentar, com sentidos sóbrios, as suas reais condições de vida (ibid.: 26). Para Marx, estas reais condições de vida são aquelas que excluem a religião, porque a crença no sobrenatural reprime as circunstâncias que permitem desenvolver uma revolução que devolva a humanidade às pessoas.

Na conceção marxista, a religião é, portanto, o ópio do povo12. Essa metáfora carrega em si uma ideia de alienação da realidade, um processo de desconsciencialização humana relativamente ao meio em que se insere. Além disso, representa uma falsa consciência, uma mistificação da realidade e uma instituição de controlo social. Assim sendo, para Marx (Marx e Engels, 1987 [1844-1892]: 11-12), a conquista duma consciência plena da condição humana passa pela abolição da religião13. Esta instrumentalização, essencialmente política, da dimensão religiosa é, para Willaime (1995: 9), exemplificativa duma crítica racionalista da religião que, deste modo, lhe concede pouco espaço enquanto fenómeno social autónomo. O sociólogo alemão atribui-lhe um papel secundário na estrutura social e desenvolve-o através de uma conotação negativa – como o oposto de mudança estrutural ou emancipação humana. De acordo com Vilaça (2006: 72), as conceções marxistas repercutiram-se com força no modo como muitos sociólogos perspetivaram o lugar da religião em finais do século XIX e inícios do século XX.Com efeito, estas ideias tiveram ecos posteriores nos trabalhos de Émile Durkheim (1858-1917) e Max Weber (1864-1920). Todavia, com eles, dá-se um salto qualitativo importante relativamente à análise do fenómeno religioso. Nas palavras de Casanova (1994: 17), Durkheim e Weber, ao libertarem-se das suas críticas positivista e iluminista14, construíram as fundações para o estudo sóciocientífico da religião15.

Ao separar as questões sobre a verdade da religião e a sua estrutura simbólica da função social que desempenha, a sociologia de Durkheim ajudou no desenvolvimento de uma análise estrutural-funcionalista do religioso. Weber, por seu turno, evitando reduzir a religião à sua própria dimensão e concentrando-se no estudo dos seus significados, efeitos e condições socio-históricas, estabeleceu as fundações para uma sociologia das religiões comparativa, histórica e fenomenológica16.

A literatura é consensual na afirmação de que foi com eles que se estabeleceram os alicerces para uma tese mais sistemática da secularização – entendida, agora, não apenas como uma mera convicção sociológica. Esta postura de investigação mais sistemática não os impediu, porém, de manter alguns dos pressupostos intelectuais da época sobre o futuro da religião17. Por exemplo, em Durkheim e Weber as religiões históricas, sob as condições modernas da época, “passariam por um declínio” (Gorski, 2004: 111), seriam “empurradas para as margens da sociedade” (Pollack, 2011: 2) ou “não sobreviveriam ao ataque do mundo moderno” (Casanova, 1994: 18).

O diagnóstico aparentemente semelhante sobre o fenómeno religioso esconde, porém, algumas diferenças na sua forma de o interpretar e avaliar que, pela sua complexidade e influência e repercussão futuras, nos exortam a analisá-lo mais detalhadamente.

Em certa medida, os pressupostos durkheimianos têm semelhanças com o pensamento comtiano. Para Durkheim o estado de anomia das sociedades contemporâneas era uma consequência da não substituição das normas morais tradicionais fundadas na religião. Na sua perspetiva, cabia à sociologia reconstruir uma moral que respondesse às exigências do espírito científico (Vilaça, 2006: 12; Willaime, 2006: 756). Contudo, diferentemente de Comte, Durkheim não crê existir um desfasamento incontornável entre a religião e o pensamento científico (Fernandes, 2001: 22). Ou seja, a ciência não provoca o perecimento do religioso. Porquê? Porque Durkheim entende a religião numa perspetiva funcionalista; i.e., não apenas como um sistema de crenças e ideias, mas também como um sistema de ações, rituais, cerimónias e celebrações que desempenham uma função social essencial nas sociedades (Norris e Inglehart, 2004: 9). É uma experiência do sagrado que não pode ser apartada da comunidade (Durkheim, 1925 [1912]: 65).

Preocupado com as questões do consenso e coesão em sociedades marcadas pelo individualismo, Durkheim constrói uma teoria de mudança social. Nela se advoga, em geral, uma crescente diferenciação entre as unidades da sociedade e, em particular, uma gradual divisão social do trabalho (Durkheim, 1984 [1893]). Ao analisar as sociedades pré-modernas, Durkheim identifica um padrão de organização que apelida de divisão mecânica do trabalho, no qual os diferentes segmentos sociais alcançam a sua coesão através duma identificação pura. Por contraste, as sociedades modernas exibem um modo de organização completamente diferente ao qual o autor chama de divisão orgânica do trabalho (ibid.: 31-87) Este novo modelo não se sustenta na similaridade das suas unidades (como acontece na solidariedade mecânica), mas em fórmulas gerais de diferenças complementares (Durkheim, 1969 [1898]: 26). De acordo com Christiano (2007: 44), as sociedades modernas, sob o prisma durkheimiano, encaminham-se para uma forma orgânica de solidariedade, caracterizada por obrigações contratuais, pela interdependência e interação entre diferentes unidades sociais, por uma competição entre elas e, em última análise, pela sua especialização.

Os desenvolvimentos deste processo de transformação social têm repercussões na religião. Segundo Durkheim (1984 [1893]: 119), na fase pré-moderna houve um sistema de crenças comum que dominou todas as dimensões sociais. No caso extremo de grupos menos complexos, a crença religiosa e a consciência social eram a mesma coisa. Todavia, face à crescente complexidão das sociedades, a religião estende-se a cada vez menos áreas da vida social (ibid.). Para Vilaça (2006: 74), é precisamente na identificação deste fenómeno social que é legítimo identificar a questão da secularização em Durkheim18.

Na esteira de Saint Simon e Comte, os pressupostos durkheimianos afirmam que as sociedades industriais se caracterizam por uma diferenciação funcional. Nelas os profissionais e as organizações especializadas, dedicadas à saúde, educação ou segurança social substituem parte das funções exercidas, anteriormente, na Europa ocidental, por pessoas ou instituições religiosas (Beckford, 2003: 35; Norris e Inglehart, 2004: 103-104). Ou seja, a religião não é mais a esfera reguladora de toda a vida humana, mas apenas uma dimensão social, entre outras.

A tradição à qual Weber pertence é independente daquela fundada por Comte e Spencer e desenvolvida por Durkheim (Tschannen, 1992: 119). Weber não se considerava um verdadeiro sociólogo, mas um economista. Todavia, tal como os percursores da sociologia, o que predomina na obra weberiana é a sua preocupação com a sociedade moderna e menos com a questão religiosa em si mesma (Vilaça, 2006: 72-81; Bremmer, 2008: 434; Joas, 2014: 14).

De acordo com Tschannen (1992: 120) e Vilaça (2006: 72-81), o interesse de Weber pela religião deve-se à influência de Ernst Troeltsch e Ferdinand Tönnies. O primeiro estuda a distinção entre o espiritual e o secular, promovendo ideias como a mundanização (de orientações religiosas) e a generalização de uma ética particular (Troeltsch, 1958 [1911]: 174-179). O segundo trabalha sobre as transformações do papel da religião através da dicotomia comunidade e sociedade. Para Tönnies (2002 [1887]: 33-44) a transição da comunidade – onde persistem relações pessoais de proximidade dominadas pelo emocional e baseadas na religião e tradição – para a sociedade – onde predominam relações impessoais, interesses individuais e onde se remete o religioso para a esfera privada – reflete a perda do domínio das instituições religiosas sobre o indivíduo.

Em Weber a questão do individualismo é particularmente relevante (Vilaça, 2006: 72-81), visto que argumenta que a ética protestante conduziu a um novo paradigma na relação indivíduo-sociedade. Segundo Tschannen (1992: 119), Weber ao refletir sobre este tema da impessoalidade das relações sociais, introduz e/ou desenvolve, “involuntariamente”, os principais tópicos da discussão sobre a secularização: a ideia de que o fenómeno tem raízes religiosas, a generalização, diferenciação, mundanização, desencantamento, burocratização e racionalização. Os dois últimos pressupostos enfatizam o modo como, nas sociedades modernas, a racionalização da ação e a burocratização das instituições intervêm no novo padrão de relações interpessoais e sociais. Estes são dois conceitos chave que caracterizam uma tendência histórica particular do mundo ocidental.

Com efeito, a racionalização é o paradigma pelo qual a vida social se estrutura, mediante critérios de racionalidade funcional. Para Weber, as sociedades ocidentais caminham para um modelo económico racional promovido, não exclusivamente, por uma mentalidade (religiosa) particular (Weber, 1978 [1922]: 480). A secularização é, portanto, uma consequência da racionalização ocidental (Weber, 2003 [1904-1905]: 30, 182). Neste campo, de acordo com Demerath (2007: 59) e Vilaça (2006: 72-81), Weber é ambivalente no concernente aos seus resultados. Por um lado, preza os fundamentos culturais de tudo o que envolve a racionalização, desde o capitalismo até à burocracia. Por outro lado, preocupado com o espírito da época, lamenta o seu lado negro que conduz, presumivelmente, a uma “solidão interior sem precedentes” (Weber, 2003 [1904-1905]: 104) e a um desencantamento.

Segundo Willaime (2006: 758-759), a expressão desencantamento – enquanto desmagificação do mundo (Entzauberung der Welt) – é a preferida de Weber. Através deste termo, o autor descreve o grande processo histórico-religioso de racionalização pelo qual a religiosidade ocidental passou, em virtude da influência cultural lograda pelo judeocristianismo (Weber, 2003 [1904-1905]: 105). O desencantamento do mundo é, portanto, outra face da racionalização e uma noção basilar nas conceções weberianas sobre a transformação do religioso (Tschannen, 1992: 128).

Este desencantamento, ou melhor, o protestantismo ascético ao edificar uma religião fundada na Palavra, despojada de objetos ou intermediários afastou determinados elementos do universo religioso de um imaginário que dava às pessoas uma noção de pertença e de sentidos partilhados (Weber, 2003 [1904-1905]: 154-155). Concomitantemente, o progresso da ciência – impulsionado pelo protestantismo – veio transformar os quadros cognitivos tradicionais, promovendo um tipo de conhecimento inspirado em pressupostos racionais.Para Weber o capitalismo era um exemplo paradigmático. Inicialmente impulsionado pelo fervor religioso, ele descartaria, mais tarde, as suas fundações morais, criando uma nova lógica de racionalidade sem limites. O capitalismo, transformado numa busca pelo lucro e despojado do seu sentido ético e religioso, tende a associar-se a paixões meramente mundanas que lhe conferem, com frequência, um carácter desportivo (ibid.: 182). Nesta fase de desenvolvimento cultural, onde imperam “especialistas sem espírito e sensualistas sem coração” (ibid.), o indivíduo moderno caminha de uma ideologia religiosa que o coloca a uma distância inalcançável de Deus, para uma estrutura organizacional concreta na qual os seus esforços se encontram distantes de qualquer significado superior, qualquer que ele seja (Christiano, 2007: 43).

Neste contexto, concordamos com Vilaça (2006: 81) quando diz que a expressão desencantamento do mundo é a que exprime uma relação mais direta com a secularização. Todavia, as expressões não querem dizer o mesmo. A primeira surge em sociedades marcadamente religiosas, pois são religiões éticas que excluem a magia como meio de salvação (Weber, 2003 [1904-1905]: 117). É a batalha da religião contra a magia. A secularização, por seu turno, envolve o afastamento, restrição e diminuição do religioso. É a luta da modernidade cultural contra a religião, a prostração da religião e a libertação face a ela. Pierucci (1998: 51) resume eloquentemente esta relação conceptual tripla: a racionalização é um processo mais amplo e abrangente que o desencantamento e, por isso, engloba-o; este último, por sua vez, tem uma duração histórica mais longa do que a secularização e, por este motivo, abrange-a.

Ao falar tanto de desencantamento como do processo de secularização, Weber tem a vantagem de sublinhar a complexidade do fenómeno social (Willaime, 2006: 758). Como tópico de análise, a secularização é colocada de várias formas: como processo histórico propiciado pela própria religião (elemento interno) ou determinado por outras variáveis sociais modernas que influenciam a esfera religiosa (elemento externo)19. A questão da secularização é descrita tanto através de movimentos dinâmicos e diacrónicos quanto de registos estruturais e sincrónicos. Contudo, em qualquer um dos casos, existe a preocupação com a relação entre religião e modernidade, quer seja em relação ao problema da emergência ou da especificidade do mundo moderno.Posto isto, qual é então a posição weberiana quanto ao lugar da religião no mundo hodierno? Em primeiro lugar, cabe dizer que não existe, uma oposição entre religião e modernidade, desencantamento ou racionalização (Tschannen, 1992: 131-133; Vilaça, 2006: 81). Por exemplo, Willaime (2006: 759) diz que em Weber a desmagificação não significa obrigatoriamente secularização. Uma sociedade pode ser desmagificada, através da racionalização da ciência e economia, sem ser secularizada, nas esferas morais e políticas. Inversamente, uma sociedade pode ser secularizada nos campos jurídico e político sem ser desmagificada. Em segundo lugar, é importante referir que Weber acredita, tal como Comte, que o racionalismo científico tende a minar a bases cognitivas das cosmovisões religiosas. De acordo com Gorski (2000: 140), não só o racionalismo científico como todo o processo de modernização (industrialização, urbanização ou individualismo) têm, em Weber, efeitos negativos sobre a religião. Todavia, em terceiro lugar, Weber não assume que o triunfo dessas cosmovisões conduz ao desaparecimento das religiões tradicionais, mas ao seu declínio20. A própria noção de declínio não é inevitável. Através da releitura da tese weberiana por Pierre Bourdieu21, Tschannen (1992: 133) assevera que a religião passa a atuar num terreno onde competem vários intervenientes, sem que isso signifique que venha a perder a contenda.

Assim sendo, em Weber, o indivíduo moderno não pode viver com a religião, mas também não pode viver sem ela (Vilaça, 2006: 80). Por um lado, o argumento weberiano coloca a hipótese de surgirem novos profetas ou deuses (Weber, 2003 [1904-1905]: 182). Na linha durkheimiana os deuses antigos estão a ficar velhos, tendo dificuldades em competir com os novos que as sociedades modernas criam para si mesmas. Para Weber este processo resulta da diferenciação das várias esferas seculares – à medida que forçam a sua própria autonomia interna e legal. Por outro lado, as pessoas, por não aguentarem o “destino dos tempos”, procurarão sempre os “braços abertos e cheios de compaixão” da igreja (Weber, 2009 [1919]: 155). Contudo, para Weber, este é um ato criticável, porquanto significa que elas estão dispostas a cometer o inevitável “sacrifício intelectual” de acreditar em Deus e de lhe clamar ajuda (ibid.). Posto isto, concordamos novamente com Vilaça (2006: 80) quando diz que a ambivalência de Weber torna “bastante difícil perceber” qual a sua posição quanto ao lugar da religião no mundo moderno.

 

Conclusão

O recurso à metodologia genealógica permitiu-nos trabalhar a secularização como uma ferramenta de pesquisa, analisando as suas contingências, descontinuidades e vicissitudes históricas. Isso possibilitou-nos a observação da correlação de forças própria do processo de transformação do seu significado no discurso pré-sociológico: a sua evolução de categoria temporal e espacial neutra, para outra que procura distinguir, conotativamente, este mundo do outro mundo; a sua transição para o direito canónico e a sua posterior apropriação pela esfera civil, conquistando um sentido jurídico-político; a sua entrada no campo da filosofia (e teologia) da história e, finalmente, no da ética e da sociologia. Não há propriamente uma origem – uma intenção ou determinação originais –, mas uma série de acontecimentos que ocorrem ao acaso das forças.

É através deste “exemplo clamoroso” (Marramao,1998: 12 e 17) de metamorfose de uma das expressões-chave do debate político, ético e filosófico contemporâneo que a secularização e o seu concomitante projeto de modernidade iniciam o seu percurso nas interpretações sociológicas da religião no século XIX. Em particular, por meio de uma perspetiva processual e universal da história moderna e da subsequente decadência da religião. A secularização encontra-se portanto no legado ativo desta metamorfose, desenvolvendo-se a partir dela e, de certo modo, continuando-a. Relembre-se que, para examinar a religião, os primeiros sociólogos partem da mudança estrutural que vinha sucedendo nas sociedades modernas e das suas consequências22. Em virtude do avanço das sociedades industriais, todos criam que a religião desapareceria ou perderia relevância na esfera pública. Na perspetiva daquilo que Gorski (2003: 111-113) designa por “teoria clássica da secularização”, o declínio das crenças e práticas (ortodoxas cristãs ocidentais) deve ser interpretado de uma forma mais abrangente, como o declínio do poder das ideias e instituições religiosas, e explicado com referência a vários processos sociais, como a diferenciação, racionalização ou industrialização, agrupados indistintamente na rubrica da modernização. Em suma, para os primeiros sociólogos, à medida que os organismos sociais se tornam mais diferenciados e a vida social mais racionalizada, as instituições e crenças religiosas perdem o seu poder e a sua plausibilidade.

Outro benefício do recurso à genealogia foi a compreensão de que, em si mesmos, os conceitos, como o de secularização, não têm uma essência, sendo inteiramente “construídos através de figuras que não lhe são estranhas” (Foucault, 2009 [1979]: 18). Com efeito, à exceção de Weber (Beckford, 2003: 41), os sociólogos fundadores não eram analistas desinteressados do seu objeto de estudo. Joas (2014: 14) encontra conexões entre as lutas culturais do século XIX (que já informavam os seus trabalhos) e as suas conceções de secularização. Grosso modo, eles advogam que os princípios da ciência e da razão deveriam destruir aquilo que consideram ser a ignorância e superstição da religião. Para Beckford (2003: 41), o interesse dos fundadores nas questões da transformação social e da transmutação do religioso não era puramente teórico ou intelectual. Pelo contrário, o tema da secularização é alvo de disputa e o seu conteúdo é determinado em função de diferentes necessidades teóricas e pragmáticas sobre o declínio da relevância do fenómeno religioso. O seu objetivo não era apenas uma compreensão teórica e desapaixonada da mudança no religioso, mas “uma oportunidade de afetar o ritmo, direção ou resultado dessa mudança” (ibid.). Assim, por conta desta exegese sociológica parcial, a secularização ganhou um estatuto paradigmático dentro das ciências sociais. Não obstante os esforços de sistematização, sobretudo de Durkheim e Weber, o consenso era tal sobre o devir da religião nas sociedades modernas que ela se manteve incontestada. Isto significa dizer que, apesar de a secularização ter sido usada como premissa implícita nos trabalhos dos fundadores da sociologia, ela nunca foi examinada rigorosamente, nem mesmo formulada explícita ou sistematicamente (ibid.; Casanova, 1994: 17).

Estas conclusões – sobre as proveniências da secularização, suas apropriações e metamorfoses e sua emergência sociológica – obrigam-nos a questionar a sua essência enquanto a ordem natural das sociedades hodiernas. Todavia, mais importante do que isso, devem compelir os investigadores sociais, principalmente os interessados no estudo do segundo momento fundamental da história da secularização (como vimos, a partir dos anos 1960), a ter em consideração a evolução dos discursos sociológico e pré-sociológico da secularização e a pôr em perspetiva o carácter normalizador e universal do projeto de sociedade (moderna e secular) que o acompanha.

 

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Notas

1. Usamos a expressão teorias da secularização e usaremos o termo tese da secularização para distinguir as proposições teóricas já falsificadas cientificamente (essencialmente as que surgem pós-1960, com a afirmação da sociologia das religiões) das que se basearam noutras ainda carecentes de falsificação para serem confirmadas (representadas sobretudo pelas posições dos primeiros sociólogos do século XIX), respetivamente. Contudo, tanto numa como noutra a secularização deve ser entendida, no geral, como uma tentativa de conceptualização analítica de processos histórico-globais modernos (Casanova, 2011: 54). Com o tempo, surgiram, porém, algumas alternativas a esta perspetiva normalizadora e absoluta da secularização. Relembrem-se as teorias da economia ou do mercado religioso, mormente a partir dos finais de década de 1980, defendida por autores como Laurence Iannaccone, Rodney Stark ou Stephen Warner; da individualização, essencialmente desde os inícios da década de 1990, sustentada por Grace Davie, Danièle Hervieu-Léger ou Wade Clark Roof; e da reversão da secularização, sobretudo a partir de meados dos anos 1990, defendida por José Casanova, Peter Berger ou Jürgen Habermas. Blumenberg referia-se aqui ao teorema da secularização, procurando defender a legitimidade da era moderna, por oposição ao argumento da continuidade histórica de Karl Löwith (Meaning in History, 1949).

2. O conceito de era ou período axial foi elaborado inicialmente por Karl Jaspers, na obra Vom Ursprung und Ziel der Geschichte (1949), e posteriormente desenvolvido por Taylor (2007), aplicando-o à concepção da era secular. Em traços gerais, a era axial, situada entre 800 e 200 a.C., caracteriza-se por uma rutura, supostamente independente, mas alegadamente simultânea, nas três dimensões de enraizamento – ordem social, cosmos e bem humano – de diferentes civilizações da época – chinesa, indiana e ocidental. A revolução axial não ocorreu de forma súbita, mas através de um processo de lenta transformação e emancipação humana – responsabilidade, progresso tecnológico, ciência e filosofia – e, concomitantemente, de crescimento de novas religiões (monoteísmo, confucionismo ou budismo) – desafiadoras das ideias de mito, politeísmo e da inquestionabilidade da natureza e da fé. Por exemplo, a urbanização e a erosão da civilização paroquial, normalmente associadas a fortes vínculos religiosos; a expansão da literacia e a educação e o fim do monopólio do conhecimento do clero; a ciência e a tecnologia e o desenvolvimento de caminhos alternativos aos religiosos para se compreender o mundo; as ideologias políticas e o surgimento de novos princípios reguladores e legitimadores da ação estatal; o crescimento do Estado moderno e a centralização de funções oferecidas anterior e exclusivamente pelas instituições religiosas; a participação política dos indivíduos e a sua relativa emancipação do controlo das elites políticas e religiosas; ou a modernização económica e prosperidade que levam os indivíduos a recorrer menos à religião. O segundo momento fundamental surge na década de 1960 e seguintes com a emergência da secularização na sociologia da religião, nomeadamente através dos trabalhos de Thomas Luckmann, Peter Berger ou Bryan Wilson. Contudo, no contexto da nossa proposta genealógica, não nos interessa deter nesses autores. A nossa intenção é analisar e entender as condições que permitiram a emergência da tese da secularização na sociologia e não aprofundar os seus significados modernos. Esse trabalho já foi feito por nós noutro local: “As camadas internas da secularização: Proposta de sistematização de um conceito essencialmente contestado”, Sociologia, vol. 33, 2017. Não iniciaremos a observação das proveniências da secularização na era axial, sobretudo por dois motivos. Em primeiro lugar, porque esse trabalho foi feito recente, extensa e brilhantemente por Taylor (2007: 146ss), de modo que estaríamos apenas parafraseando. Em segundo lugar, e mais relevantemente, porquanto nos parece que o estudo da proveniência da secularização, como categoria epistemológica e teórica, tem mais pertinência com o advento do (proto)cristianismo, pois é ele que se apropria do termo e é a partir dele e em relação com ele que surgem as metamorfoses pré-sociológicas da secularização. A axialidade pressupõe alterações que ocorreram nas sociedades ocidentais e orientais; porém, consideramos que o estudo da secularização, pela sua determinação e relativismo culturais, deve ser circunscrito a um espaço geográfico delimitado. Por esse motivo, a nossa investigação observará apenas esse tempo (inícios do primeiro milénio cristão) e espaço (sobretudo, a Europa ocidental) determinados. Neste contexto, importa sublinhar ainda o facto de esses monges manterem um dístico que os ligava ao seu anterior mosteiro ou congregação. Isto encerra outra característica comum da secularização: a noção de que as esferas terrenas, embora secularizadas, podem ainda manter traços religiosos (Gorski e Altinordu, 2008: 60). 

3. Não obstante essa intenção de atenuar as perdas da Igreja, a maioria dos autores é perentória ao afirmar que a expressão secularização foi um eufemismo para a transferência, nacionalização, expropriação ou apropriação das possessões eclesiásticas pelo poder civil (Gorski e Altinordu, 2008: 60; Vilaça, 2006: 64; Willaime, 2006: 757).

4. Em particular das sociedades católicas do Sul da Europa e, dentro destas, da francesa. Segundo Catroga (2010: 295), o termo é intraduzível noutras línguas não latinas, de modo que, sobretudo nas línguas anglo-saxónicas, ele será substituído por palavras da família de saeculum.

5. A sua dicionarização, no sentido empregue aqui, deu-se em 1873 no Grand Dictionnaire Universel de Larousse que definia a laicidade do seguinte modo: “Carácter do que é laico, duma pessoa laica: a laicidade do ensino”. Por seu turno, o vocábulo laico era descrito desta forma: “Que não é eclesiástico, nem religioso: juiz laico. Não deve haver cidadão, clérigo ou laico, que esteja isento da ação das leis. Hábito laico – bens laicos – ensino laico” (apud Catroga, 2010: 293).

6. Catroga (ibid.: 273) afirma que toda a laicidade é uma secularização, mas que nem toda a secularização é (ou foi) uma laicidade e, muito menos, um laicismo. 

7. Não obstante a relevância da utilização destes termos, Bremmer (2008: 436) afirma que, nestas duas utilizações, ainda se encontra presente o antigo sentido de secularização e que expressões similares já haviam sido proferidas em França.

8. O saeculum, em todas as suas expressões e dimensões, é uma categoria teológica única dos eventos históricos da cristandade ocidental que estruturaram a construção da sua história (Casanova, 2011: 61; Catroga, 2010: 50). Não é, pois, de admirar que as primeiras proposições sobre secularização tenham surgido através da pena de cientistas sociais e intelectuais do Ocidente.

9. A literatura atual aponta alguns motivos para este argumento. Segundo Billiet et al. (2003: 135), a industrialização estimula uma atitude de makability que dispensa o religioso. Ou seja, as pessoas desenvolvem a sensação de que elas mesmas podem controlar o seu ambiente natural, material e social, reduzindo, assim, a necessidade de recorrer à ajuda do sobrenatural. Além disso, com o fenómeno industrial, as pessoas tornam-se unidades móveis de produção e passam a viver naquilo que Manuel Castells define de espaço de fluxos (apud ibid.: 135-136). Os indivíduos não encontram mais as suas ligações num lugar permanente, reduzindo a possibilidade de controlo social e o sentimento de partilha de uma consciência coletiva (religiosa) institucionalizada num território específico. Isto vai ao encontro do que Danièle Hervieu-Léger chama de erosão da civilização paroquial; i.e, a passagem de uma sociedade rural (que moldou a cristandade cristã) para uma industrial que causa problemas à cultura religiosa (ibid.).

10. Contrariamente a Comte, o inglês Herbert Spencer, coevo das ideias comtianas, não vê necessidade duma nova autoridade moral centralizada e emanada pela ciência. Para Spencer, a religião não era o fenómeno estruturante da vida social, nem o único meio de interpretação do mundo para o qual era necessário encontrar uma alternativa (positivista, no caso comtiano). O filósofo britânico considerava que as sociedades modernas puderiam subsistir sem uma ordem moral centralizadora, sendo, doravante, regidas por uma moralidade secular, difusa, mas consensual (Spencer, 1937: 16).

11. Engels, à semelhança do que vimos entre Comte e Spencer, tem uma posição menos assertiva do que Marx em relação ao futuro da religião. Para ele, o capitalismo não destrói a atividade reflexiva que alimenta a religião e, por isso, é-lhe conferido um estatuto não tão redutor do que o enunciado pelo marxismo (Marx e Engels, 1987 [1844-1892]: 17).

12. Segundo Demerath (2007: 58), precisamos ter cuidado com a utilização deste conceito, porquanto é frequentemente retirado do seu contexto que, em rigor, é bastante compassivo e espiritual. A sua posição é que a religião é uma representação social do sofrimento humano. É “o suspiro da criatura oprimida, o coração do mundo sem coração, assim como o espírito de uma situação não espiritual”.

13. Para Vilaça (2006: 70), esta é uma visão redutora, porque põe o religioso ao serviço dos poderes estabelecidos, legitimando-os e ignorando as suas dimensões de protesto e de sistema simbólico autónomo.

14. Não obstante esta afirmação, Casanova (1994: 17) reconhece que tanto Durkheim como Weber se mantiveram como positivistas e como produtos desencantados do iluminismo, respetivamente.

15. Para Casanova (1994: 18) e Willaime (2006: 756), esta foi a semente que fez surgir no campo sociológico a disciplina da sociologia das religiões.

16. Neste campo, uma nota deve ser feita sobre o sociólogo alemão Georg Simmel (1858-1918). A obra simmeliana tem particular relevância para a sociologia da época, nomeadamente pelas suas conceções de sociedade (como algo que não tem existência em si mesmo e que resulta, antes, de uma multiplicidade de interações individuais), de religião (como uma dessas formas típicas de ação recíproca), da natureza do religioso (fenómeno concreto que se manifesta nas igrejas ou denominações) e de vida em sociedade (que será um dos elementos na base da origem da religião que, por seu turno, é uma esfera específica da vida social com variações ao longo da história).

17. Apesar de virem de lares tradicionalmente religiosos – luterano no caso de Weber e judeu no de Durkheim – a autodescrição do primeiro como não musical religiosamente (religiously unmusical), ou seja a falta daquela sensibilidade característica do sentimento religioso, era também adequada para Durkeim, diz-nos Demerath (2007: 58).

18. Todavia, Durkheim não usa a expressão secularização, mas ela encontra-se presente sobre a designação de laicização (Billiet et al., 2003: 132; Vilaça, 2006: 74).

19. Para Weber (2009 [1904]: 311), um exemplo paradigmático da complexidade deste processo podia ser encontrado no que outrora fizeram as seitas protestantes nos EUA. Segundo o autor, elas sofreram, através da implementação do recrutamento por votação, um processo de secularização similar ao dos clubes e sociedades seculares, correspondente à conclusão lógica de um processo histórico-religioso de desencantamento do mundo.

20. Bremmer (2008: 434) chama a atenção para o facto de em Weber, assim como em Troeltsch, esta noção de declínio ser o reflexo de uma preocupação tradicional protestante sobre a perda da influência católica na Alemanha. 

21. Em particular, o seu livro A Economia das Trocas Simbólicas de 1971.

22. Por exemplo, Comte e a defesa do positivismo e a revolução pela ciência; Marx e o comunismo e a libertação do operariado; Durkheim e a laicidade e a emancipação pela escola laica. Como vimos, para sustentarem as suas teses, os primeiros defensores da secularização apontavam em duas direções genéricas: o estabelecimento e a expansão de instituições seculares e o declínio de longo termo da ortodoxia cristã.

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