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Sociedad y religión

On-line version ISSN 1853-7081

Soc. relig. vol.29 no.52 Ciudad Autónoma de Buenos Aires Oct. 2019

 

Artículos

O que há para ser visto. Instrumentos, metodologias e dispositivos de produção da espiritualidade como fator de saúde

What is to be seen. Spirituality production instruments, methodologies and devices as a health factor

Rodrigo Toniol*1 

1Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Unicamp

Resumo

Neste texto privilegio a análise sobre um contexto de produção da interface espiritualidade-saúde ainda pouco analisado pelas ciências sociais da religião, refiro-me a um conjunto heterogêneo de atores que envolve: redes internacionais de pesquisadores do mainstream acadêmico, a Organização Mundial de Saúde, agências de fomento de pesquisas e gestores públicos, todos empenhados em inscrever a espiritualidade como um fator de promoção de saúde, como uma dimensão da saúde humana ou ainda, como um elemento de necessária atenção clínica. O texto está dividido em duas partes principais. Na primeira, apresento o modo que utilizo a noção de espiritualidade, insistindo que se trata de um uso de caráter mais metodológico do que nominalista. Na segunda parte exploro as dimensões empíricas do processo de legitimação da espiritualidade, dedicando uma seção para a dimensão política, outra para clínica e uma final para as pesquisas médicas. Termino indicando que, apesar das diferenças nos modos de instituir a espiritualidade, essas formulações são estabilizadas na consideração de que espiritualidade é uma questão de saúde.

Palavras-chave espiritualidade; saúde; ciência; espiritualidade; religião

Abstract

The purpose of this article is to analyze a context of relation between health and spirituality still underestimated by social scientist of religion, I refer to a heterogeneous set of actors that involves: international networks of researchers from the health Science mainstream, the World Health Organization, research promotion agencies and public managers, all committed to inscribing spirituality as a factor of health promotion, as a dimension of human health or, as an element of necessary clinical attention. The text is organized into two main parts. In the first section, I present the way I use the notion of spirituality, insisting that it is a methodological rather than a nominalistic one. In the second part I explore the empirical dimensions of the process of legitimizing spirituality, dedicating a section to the political dimension, another section for clinical and a final one for medical research. I conclude by indicating that, despite differences in the ways of instituting spirituality, these formulations are stabilized in the consideration that spirituality is a health issue.

Keywords spirituality; religion; health; science

Introdução

Trinta minutos antes do início da palestra, os organizadores do evento fecharam as portas do auditório, com capacidade para seiscentas pessoas, e avisaram aos que aguardavam do lado de fora que não havia mais lugar na plateia. Com a insistência de alguns, as portas foram novamente abertas e os corredores, assim como a parte detrás das poltronas, foram ocupados por médicos, pesquisadores e profissionais da saúde interessados em acompanhar a atividade, que recebia um lugar de destaque na programação do 33º Congresso Brasileiro de Psiquiatria. Naquele ano, em 2015, o evento recebeu mais de 6.000 inscrições, confirmando sua posição de maior reunião acadêmica de psiquiatria na América Latina e a segunda maior no mundo. A palestra em questão disputava o público com outras três, que aconteciam no mesmo horário e cujos temas estavam explícitos em seus títulos: Incapacidade jurídica na doença de Alzheimer, Passado e futuro da neuropsiquiatria infantil e Atuação do psiquiatra forense nos tempos da Lei Maria da Penha. A audiência que se apinhava no auditório, no entanto, estava interessada em um tema que apenas estreava no evento: pesquisas em espiritualidade e saúde. Para abordá-lo, a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) convidou Kenneth Pargament, professor emérito no departamento de psicologia clínica da Universidade de Ohio e o médico psiquiatra brasileiro Alexander Moreira de Almeida, professor da faculdade de medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora e coordenador das seções “espiritualidade e psiquiatria” da Associação Mundial de Psiquiatria e da própria ABP.

No dia seguinte, no âmbito do mesmo evento, outras duas atividades retomaram o tema da espiritualidade: o curso “Espiritualidade na prática clínica” e o “Encontro mundial espiritualidade e saúde mental”. O primeiro consistiu em quatro aulas, proferidas por pesquisadores norte-americanos, que abordaram as bases teóricas, os procedimentos técnicos e algumas das consequências éticas da atenção à dimensão espiritual na psicoterapia. O segundo foi uma reunião interinstitucional, com participação de representantes oficiais da Associação Mundial de Psiquiatria e das associações nacionais dos Estados Unidos, Inglaterra, África do Sul e Brasil, voltada para a criação de uma rede global de interessados no tema da espiritualidade.

Ainda que as três atividades mencionadas, promovidas pela Associação Brasileira de Psiquiatria, não caracterizem em absoluto as variadas formas que a relação entre espiritualidade e saúde vem sendo legitimada no campo das ciências médicas, elas apontam para importantes modalidades dessa legitimação, que vem ocorrendo: no âmbito político-institucional, na clínica e na pesquisa. Em cada uma dessas formas de legitimação, diferentes atores são mobilizados e mobilizam a categoria espiritualidade, instituindo-a em termos específicos, com características próprias, mas convergentes no esforço de estabelecê-la enquanto algo concernente à saúde e, por isso, de interesse das ciências médicas (Toniol, 2015b).

Neste texto analisarei o modo pelo qual a espiritualidade tem emergido (e sido constituída) nas ciências médicas a partir da análise desses três domínios de sua produção: a) político, a partir da análise de resoluções da Organização Mundial da Saúde (OMS); b) clínico, considerando a instituição de uma categoria diagnóstica específica no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais; c) pesquisas, através de reflexões sobre as metodologias empregadas nos estudos médico-científicos acerca de possíveis correlações entre saúde e espiritualidade. Cada uma dessas dimensões tem instituído formas particulares da categoria espiritualidade em seus processos cotidianos. E, ao mesmo tempo, essas distintas formas de legitimação se sustentam por meio de referências mútuas, produzindo uma extensa cadeia de conexões a partir da qual, por exemplo, o resultado de pesquisas médicas dedicadas ao tema funciona como justificativa para inclusão da “dimensão espiritual” em protocolos clínicos; e os pesquisadores, por sua vez, recorrem às políticas de saúde que mencionam a categoria para afirmar a pertinência de suas investigações.

Considerando essa dinâmica e, na tentativa de cobrir a complexidade do fenômeno, mesmo ao custo de cair em alguma generalidade, este texto pretende jogar luzes sobre o referido processo de legitimação. Para tanto, me detenho nessas três modalidades de produção da espiritualidade por meio da análise de documentos oficiais, textos acadêmicos, entrevistas e do trabalho de campo que tenho conduzido junto a grupos de pesquisa dedicados ao tema no Brasil. Este conjunto de dados resulta de um acúmulo de três anos de pesquisa sobre o tema, período no qual entrevistei cientistas, acompanhei o cotidiano de pesquisas médicas, explorei in loco os arquivos da Organização Mundial da Saúde e acompanhei congressos de saúde dedicados ao tema da espiritualidade.

O texto que segue está dividido em duas partes principais. Na primeira, concentrada na próxima seção, apresento o modo que utilizo a noção de espiritualidade, insistindo que se trata de um uso de caráter mais metodológico do que nominalista. Na segunda parte exploro as dimensões empíricas do processo de legitimação da espiritualidade, dedicando uma seção para a dimensão política, outra para clínica e uma final para as pesquisas médicas. Na sequência termino com uma seção conclusiva.[1]

A política da espiritualidade

Em meados de 2016 a revista Ciências Sociais e Religião publicou um dossiê dedicado ao tema da “espiritualidade”. O texto de apresentação do fascículo, assinado pela antropóloga mexicana Renée de la Torre, introduz os artigos do volume e, principalmente, estabelece os marcos analíticos que justificam a reunião de textos sobre hinduísmo no Ocidente, devoções populares, luto dos familiares da Boate Kiss, ecologia e empreendedorismo na Argentina, sob a categoria espiritualidade.[2] Para tanto, De la Torre não recorre a definições do termo, mas, alternativamente, demarca um conjunto de características cuja recorrência, apesar do espectro de variações, indicaria um campo discernível. Espiritualidade, afirma a autora, “alude a práticas menos dogmáticas, distanciadas das normas e cânones das religiões, sendo cada vez mais individuais, subjetivas, intuitivas e emocionais” (2016:10). A autonomização do sujeito na busca por uma relação “pessoal com o sagrado e com o transcendente”, prossegue a autora valendo-se do diálogo com Charles Taylor (2007) e Maria Julia Carozzi (1999), é adensada “pelo rechaço ao controle institucional e ao autoritarismo” das instituições religiosas (2016:10). Estabelece-se, assim, mesmo sem recorrer a uma definição categórica da espiritualidade, um princípio contrastivo elementar: espiritualidade não é religião, ou, de forma ainda mais radical, “a espiritualidade aparece como o resultado da extração de crenças, significados, vivências, valores e experiências com o sagrado dos contornos institucionais” (2016:10), constituindo, então, uma espécie de saída da religião. Nesses termos, o dossiê repercute inicialmente uma tradição teórica consolidada, que, pelo menos desde a década de 1970, apela à religião para estabelecer, por contraste, o que seja a espiritualidade. Entre os autores que contribuíram com essa perspectiva estão Paul Heelas e Linda Woodhead, que em um texto conjunto asseveraram:

Espiritualidade é uma forma subjetiva de existência do sagrado, que enfatiza fontes internas de significado e de autoridade, assim como o cultivo ou sacralização da vida subjetiva. Assim, contrasta com concepções mais convencionais da religião que enfatizam uma fonte transcendente de significado e autoridade a qual os indivíduos devem se conformar (Heelas; Woodhead, 2005:6)[3]

Se essa é a chave analítica capaz de transcender, para então amalgamar, a diversidade empírica apresentada pelos textos reunidos no dossiê publicado por Ciências Sociais e Religião, o posfácio que o encerra, escrito por Alejandro Frigerio (2016), serve para trazer à tona a multiplicidade de definições que cercam o conceito de espiritualidade. Ora enfatizando as formas de uso da espiritualidade enquanto categoria analítica, ora como objeto de análise, Frigerio demonstra o estreito vínculo entre algumas dessas definições e os estudos de Nova Era (Carozzi, 1999b), bem como indica suas raízes clássicas na sociologia de Max Weber e de Ernst Troeltsch, e ainda explicita seus desdobramentos contemporâneos em novas categorias como "self spirituality" (Heelas 1996), "alternative spirituality" (Sutcliffe y Bowman 2000), "spirituality of life" (Heelas 2008), "holistic spiritualities" (Sointu y Woodhead 2010), "subjective life spirituality" (Woodhead 2010), "reflexive spirituality" (Besecke 2001) e "post-Christian spirituality" (Houtman y Apers 2007).

Neste texto estou pouco interessado em oferecer uma nova definição para espiritualidade ou mesmo aportar características para conceitos já estabelecidos. Aqui, opto por partir do reconhecimento de que o desafio das reflexões e análises sobre a “espiritualidade” não se devem a escassez ou a falta de consenso sobre um conceito, mas, pelo contrário, decorre justamente da abundância de definições ou, mais precisamente, do fato de que cada definição oferecida produz e está amparada em discursividades e em configurações empíricas específicas. Ao conceber a espiritualidade como objeto central de minha reflexão, assinalo que o mais importante é perceber como essa profusão de definições está relacionada com um conjunto igualmente profuso de performances que instituem a espiritualidade.

Neste texto aposto na pertinência analítica de tratar a espiritualidade como o produto histórico de processos discursivos e cujas formas de relação com a religião são variadas e não determinadas. Trata-se, com isso, de uma aproximação com a agenda de investigações sobre espiritualidade proposta por autores como Courtney Bender e Omar McRoberts (2012), cujo primeiro postulado é não tratar a religião ou a espiritualidade como categorias com núcleos, identidades ou qualidades estáveis, e tampouco assumir que espiritualidade seja, necessariamente, algo que dissimule ou se oponha à religião (tal como na fórmula “spiritual but not religious”). Assim, embora reconheça que em algumas situações espiritualidade possa ser um avatar da religião, recuso presumir, de saída, que haja uma relação categórica entre espiritualidade e religião (Bender, 2007; Taves e Bender 2012; Ammerman, 2013).

É nesse sentido que não parto de um conceito de espiritualidade, mas sim de um princípio metodológico, a partir do qual as variadas definições atribuídas ao termo interessam como objetos de análise e não como categorias analíticas. A semelhança entre esse procedimento e o que diz Talal Asad (1993:29)[4] sobre religião não é despropositada. Talvez a ordem desse paralelo fique mais clara na paráfrase de outra sentença de Asad (2001, p.220): definir ‘espiritualidade’ é antes de tudo um ato. Isso significa que espiritualidade enquanto categoria está constantemente sendo definida dentro de contextos sociais e históricos, e que as pessoas possuem razões específicas para definí-la de um modo ou de outro (Asad, 2001). A perspectiva parece alçar o debate sobre espiritualidade a um novo plano analítico, distanciado dos imbróglios filosóficos e teológicos clássicos sobre o tema, e marcado pelos aportes de certa filosofia política foucaultiana em que o conceito e suas características são situados nos jogos de relações de poder que os configuram e os transformam historicamente.

Em alguma medida, assumir essa analítica é a condição para atender ao chamado de Peter van der Veer de atentar para “a política da espiritualidade” (2009; 2013). Isso é, para o modo pelo qual essa categoria produz realidades, agencia atores e mobiliza instituições. A política da espiritualidade, portanto, não diz respeito a um conceito, mas sim a uma espécie de recomendação metodológica que insiste na necessidade de compreender os usos da categoria espiritualidade situacionalmente, a partir das configurações de poder e de conhecimento com as quais ela se articula cada vez que é enunciada. Em seus trabalhos, por exemplo, Veer mostra como o termo foi central para o projeto colonial de modernidade para Índia e para China. Nesses dois países a ideia de espiritualidade teria se estabelecido de modo distinto, embora, em ambos tenha funcionado como uma importante via de conexão com o Ocidente. A afirmação explicita o sugerido vínculo entre a modernidade, a partir dos “encontros coloniais” que ela produziu, e a categoria espiritualidade, forjada naquele momento, segundo Veer, como um conceito de abrangência universal e trans-histórica, capaz de produzir um enquadramento ocidental às práticas encontradas naqueles países.

Se, por um lado, não é da espiritualidade na Índia ou na China colonial de que me ocuparei neste texto, por outro, apresentar parte das discussões antropológicas da categoria partindo de uma analítica que a problematiza enquanto produto de articulações entre discursos, práticas e configurações institucionais - tal como feito por Veer -, introduz algumas dimensões dos debates que tenho buscado aprofundar, bem como aponta para a chave teórico-metodológica que orienta minhas reflexões.

Decretando espiritualidade

A OMS foi criada em 1948 como uma agência da Organização das Nações Unidas, investida da autoridade e da responsabilidade de coordenar ações internacionais de atenção à saúde. Tal como outras instituições, também criadas em meados do século XX, logo após a experiência de duas grandes guerras, a OMS foi estabelecida com o desígnio de “instituir normas e padrões de atendimento, articular políticas de gestão da saúde, prover suporte técnico e monitorar as ações locais de seus Estados-membros”[5]. Seu principal objetivo, tal como descrito em sua constituição inaugural, é tão vago quanto ambicioso: “A conquista do mais alto nívelde saúde possível para todos os povos”[6]. Diante dele, a função da OMS estaria concentrada em dois movimentos fundamentais: por um lado, garantir universalidade do acesso a serviços de saúde de qualidade para as populações menos favorecidas; por outro, criar mecanismos de controle e ação sobre epidemias globais que, por suas características, ultrapassam limites fronteiriços e, portanto, cujo combate depende de ações internacionais coordenadas. Noutro texto, analisei detidamente um amplo conjunto de documentos da OMS relativos a espiritualidade (Toniol, 2017). Para os fins propostos por esse artigo, privilegio um conjunto limitado de material, principalmente produzido ao longo da década de 1980.

Em maio de 1983, durante a 37ª Assembleia Mundial de Saúde, uma decisão histórica foi tomada: a "dimensão espiritual" foi integrada ao programa de estratégia da saúde dos Estados membros da OMS.

Quatorze anos mais tarde, o grupo especial do comitê executivo da entidade, destacado para revisar sua constituição, propôs que o preâmbulo do documento, onde se define o que é saúde, fosse alterado para: saúde é um estado dinâmico de completo bem-estar físico, mental, espiritual e social, e não apenas a ausência de doenças ou enfermidades.

Em janeiro de 1998, os membros do comitê executivo endossaram a proposta e a resolução foi adotada pela OMS (Khayat, 1998: 2009) (grifos meus).

A sumarização desses três fatos sugerem a abrangência temporal e política que os debates sobre “espiritualidade” assumiram na OMS. A incorporação do termo como um eixo norteador para os programas de estratégia da saúde dos Estados membros da Organização foi o primeiro movimento oficial de legitimação do vínculo entre espiritualidade e saúde no âmbito daquela agência. Com isso, o debate, antes marginal, foi redimensionado e nos quinze anos seguintes as tentativas de ampliação da legitimidade do fator espiritual resultou na alteração do próprio conceito de saúde no preâmbulo do principal documento da Organização.

A 37ª Assembleia geral da Organização Mundial de Saúde, ocorrida em 1983, é considerada por alguns pesquisadores (ver Khayat, 1998) como o evento fundador dos debates sobre espiritualidade no âmbito da instituição.[7]Durante aquele evento, representantes de 22 países encaminharam uma proposta de resolução à Assembleia, solicitando a consideração do fator espiritualidade como elemento determinante para a saúde humana. O encaminhamento não foi acolhido sem resistências. O médico M. Savel'ev, delegado da União Soviética, e eleito para esse debate como porta voz dos países "em que a igreja está separada do Estado”, embora não tenha se contraposto ao reconhecimento da importância que a dimensão espiritual tem na saúde das pessoas em alguns dos Estados membros da OMS, não subscreveu a resolução e ainda destacou “que o diretor geral [da OMS] encontrará dificuldades em considerar aspectos religiosos na elaboração e no desenvolvimento de programas de atenção primária” (Khayat, 1998).

O problema colocado pelo delegado soviético dava indícios daquilo que seria a condição para o estabelecimento da espiritualidade como uma categoria legítima em sua interface com saúde na OMS: demarcar sua diferença em relação à religião. Os propositores da resolução pareciam estar conscientes da necessidade de fixar esse marco de diferenciação, tal como se pode depreender de outro relato publicado pela OMS sobre a sequência daqueles debates:

Apesar dos progressos que fazíamos em direção a alguma forma de consenso, havia uma grande dificuldade semântica no tratamento do termo e isso ameaçava o debate. As crenças religiosas eram cada vez mais mencionadas por alguns delegados e o significado da “dimensão espiritual” parecia estar perdendo a clareza. Não houve ambiguidades por parte dos propositores da resolução, mas o Dr. Al-Saif tomou novamente a palavra para afirmar que o projeto não estava baseado em qualquer crença religiosa específica. ‘Quem pensa que o projeto de resolução tem implicações religiosas ou dogmáticas está equivocado. O que estamos tentando mencionar não é nada mais e nada menos do que o lado espiritual das pessoas e não as religiões ou as doutrinas que elas seguem’. (Khayat, 1991: 78-79, grifos meus)

A economia da diferença acionada para tratar das relações entre religião e espiritualidade no âmbito da OMS pode ser sintetizada a partir do seguinte contraste: enquanto a espiritualidade é um lado da pessoa, a religião é uma doutrina que pode ou não ser seguida. O coletivo religioso que se forma pela via da cultura ou da adesão, contrasta com o fundamento espiritual da pessoa, forjado na natureza humana. Ao final da assembleia, conforme relata a crônica do delegado egípcio que estava presente, a resolução foi recebida e aceita pela diretoria da OMS. [8] Quatro meses depois, em maio de 1984, foi publicado o texto final do documento relativo a essa demanda, que afirma ser “necessário o reconhecimento da espiritualidade como uma dimensão humana”. [9] Além desse documento, aquela Assembleia também aprovou o incentivo da OMS para pesquisas científicas que investissem no desenvolvimento de técnicas de monitoramento e de avaliação da espiritualidade das pessoas.

Assim como parte da literatura dedicada ao tema da espiritualidade já havia identificado — a exemplo das contribuições de De la Torre, Heelas e Woodhead, que citei anteriormente —, no caso da OMS, o estabelecimento dessa categoria também está fundada sobre sua separação com a religião. No entanto, dado que toda diferença é uma forma de relação, constatar que estamos diante da mesma fórmula (espiritualidade não é religião) significa pouco se o que nos move é analisar a produção da relação e não a possibilidade de sentenciar uma imaginada diferença substantiva. Isso é, o ganho analítico não repousa no diagnóstico de uma virtual diferença em si, mas em perceber como a formulação de uma “mesma” diferença está fundada em relações distintas. Se, para os analistas e “nativos” do campo esotérico e new age, espiritualidade não é religião porque a primeira institui uma forma de relação com o sagrado que recusa a mediação institucional, que enfatiza a experiência subjetiva e que valoriza os percursos individuais, para a OMS, espiritualidade não é religião porque a primeira constitui-se como uma dimensão humana e a segunda não. Essa é a síntese lapidar de um dos textos mais citados do campo das ciências médicas sobre o tema. Para seus autores, espiritualidade não é uma característica eletiva, um fator cultural, que as pessoas podem ou não possuir, mas sim um elemento substancial, invariavelmente compartilhado entre todos — ou, na citação literal do texto: “um componente inerente do ser humano” (Tanyi, 2002: 500).

A sentença das ciências médicas citada ainda guarda outra importante dimensão: na medida que a própria OMS passa a recomendar pesquisas científicas para aprofundar seu entendimento, a agência promove um deslocamento ontológico da espiritualidade, que deixa de ser fixada como uma dimensão da saúde humana e passa a existir como uma dimensão do humano. A sutileza do jogo de palavras implicada nessa transformação não deve atenuar a avaliação de seus impactos para o tipo de formulação que as resoluções da OMS contribuíram. Como demonstrarei a seguir, tanto na clínica quanto nas pesquisas, o entendimento da espiritualidade como uma qualidade dos humanos passou a ser um espectro constante — o que não significa, no entanto, que sempre seja elaborado da mesma forma. Enquadramentos teológicos e filosóficos da espiritualidade já haviam concebido-na como algo inerentemente humano, e sobre isso já temos textos suficientes, a novidade, agora, é que saberes médicos também têm debatido o tema, mobilizando para tanto, é claro, seus próprios meios.

Diagnosticando a espiritualidade

Ainda no campo da política das instituições de gestão da saúde, o ano de 1994 confirmou outro marco para o debate sobre espiritualidade nas ciências médicas. Naquele período, a Associação Americana de Psiquiatria lançou a quarta versão do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV), documento referencial que orienta psicólogos e psiquiatras na atribuição de diagnósticos. Na IV versão do manual um conjunto de novos transtornos apresentados, dentre os quais um que particularmente interessa nos interessa: problemas religiosos ou espirituais.

“V62.89: Esta categoria pode ser usada quando o foco de atenção clínica é um problema religioso ou espiritual. Exemplos incluem experiências aflitivas que envolvem perda ou questionamento da fé, problemas associados com conversão a novas crenças ou questionamento de outros valores espirituais que não necessariamente estão associados com alguma igreja organizada ou religião institucionalizada. (American Psychiatric Association, 1994, p. 685)”

O debate antropológico sobre as diversas edições do DSM é extenso (Mezzich et al, 1999; Jenkins, 1998). Aqui, meu interesse pelo caso está endereçado a dois aspectos específicos que, embora não estejam desassociados de reflexões mais gerais acerca desse dispositivo, podem prescindir de uma retomada extensiva dessa bibliografia. Basta mencionar, ao menos por ora, que concebo o DSM como um dispositivo de produção da realidade de entidades clínicas. Isso é, trata-se de um documento que inscreve as coisas no campo do real, não descrevendo simplesmente aquilo que foi observado, mas antes, instituindo aquilo que há para ser visto. Assim, contemporizar o DSM neste texto significa reconhecê-lo enquanto agente instituinte de uma outra modalidade da existência da espiritualidade no campo da saúde — e esse é o primeiro aspecto que desejo destacar. Associado a esse entendimento, também destaco que a categoria diagnóstica estabelecida no DSM contribuiu para o fortalecimento do campo das pesquisas sobre saúde, espiritualidade e religião, que já vinha ganhando legitimidade, pelo menos, desde a publicação das resoluções da OMS. Como afirmou em entrevista Everton Maraldi, pesquisador do Instituto de Psicologia da USP: “o DSM amenizou o tabu que era falar sobre religião ou espiritualidade. Depois da publicação o tema se tornou digno de pesquisa. Afinal, precisávamos entender melhor os mecanismos do diagnóstico”.

Naquele período, meados da década de 1990 (ver Toniol, 2015c; Toniol, 2018), houve um acentuado aumento nas pesquisas médicas dedicadas à espiritualidade, fenômeno que, em parte, pode ser atribuído às formulações sobre a espiritualidade feitas pala OMS e pelo DSM. Reconhecer que o processo de legitimação do debate médico-científico sobre espiritualidade e saúde está associado aos efeitos que ambas publicações tiveram não significa que nesses documentos espiritualidade e suas relações com religião e com o humano sejam convergentes. Por isso, a seguir detalho a espiritualidade performada pelo DSM, em seus próprios termos.

Entre as características da categoria diagnóstica estabelecida em 1994, destaco três aspectos. Primeiro, o texto introdutório do DSM-IV sublinha o esforço daquela edição do documento em ampliar a “sensibilidade cultural” dos quadros diagnósticos estabelecidos, de modo que o manual pudesse ultrapassar a ênfase nos aspectos biológicos do comportamento humano. Para David Lukoff[10], psicólogo e pesquisador estadunidense que preparou a solicitação para a incorporação do diagnóstico “problemas espirituais ou religiosos” no DSM-IV, esse fato favoreceu o deferimento de seu pedido, uma vez que, em suas palavras, “as dimensões religiosas e espirituais da cultura estão entre os mais importante fatores que estruturam a experiência humana, as crenças, os valores, o comportamento e os padrões de doença” (Turner et al., 1995:435)

A afirmação de Lukoff e a própria categoria diagnóstica formulada no DSM-IV enquadram a espiritualidade como um aspecto cultural de um princípio universal, o caráter “estruturante das dimensões religiosas e espirituais na experiência humana”. Tal como a espiritualidade promulgada pelas resoluções da OMS, a versão instituída pelo DSM também goza de um universalismo. Contudo, enquanto na OMS o fundamento universal da espiritualidade serve para sua positivação, afinal, passa a ser uma das dimensões do bem estar necessárias para a afirmação da saúde, no DSM, o reconhecimento de sua universalidade é a base para justificar um diagnóstico de sofrimento psíquico. Percebe-se, assim, que na pronunciada convergência dessas formas de instituir a espiritualidade, da OMS e do DSM, como um elemento universal, também está implicado um amplo espectro de variação da relação entre espiritualidade e saúde, que oscila entre uma forte correlação positiva (só há saúde quando há bem estar espiritual) até uma associação com sinal invertido, que torna a espiritualidade um fator de potencial transtorno. Na próxima seção demonstrarei como essa variação dos tipos de espiritualidade também está refletida nas tecnologias empregas em pesquisas médico-científicas dedicadas a avaliar o impacto desse “fator” na saúde.

O segundo aspecto que quero enfatizar, ainda sobre a definição da categoria diagnóstica instituída no DSM-IV, diz respeito à relação entre religião e espiritualidade. Sugiro que a relação promulgada está sintetizada na opção da Associação Americana de Psiquiatria pelo uso da conjunção alternativa “ou” e não pelo conectivo “e” na formulação da categoria “problemas religiosos ou espirituais”. Ao contrário da OMS, em que o demarcacionismo das sentenças sobre espiritualidade opera para afastar o termo da religião, aqui, a justaposição das duas categorias não parece ser um problema imediato. Ao mesmo tempo, a enunciação dos dois termos indica que, por mais próximos que possam ser, não são sinônimos e nem o emprego de cada um deles é aleatório.

Levando adiante um jogo analítico de contrastes que pode servir para elucidar a sutileza dessas aproximações e diferenciações entre religião e espiritualidade no campo da saúde, podemos matizar a aparente coincidência nas formulações da OMS e do DSM-IV insistindo que: para Organização Mundial da Saúde a diferença reside no estatuto universal da espiritualidade, em detrimento do particularismo da religião; já para a Associação Americana de Psiquiatria, religião e espiritualidade são, igualmente, dimensões estruturantes da experiência humana. Isso significa, portanto, que a diferença entre religião e espiritualidade no DSM-IV está precipitada noutro plano, a saber: nos tipos de casos de sofrimento psíquico que uma ou outra provocam. Isso é, se a natureza do transtorno religioso ou espiritual é semelhante a ponto de compartilharem uma única categoria diagnóstica, os processos de adoecimento associados a uma e outra são distintos.

Nos manuais de ensino sobre o diagnóstico, uma tipologia com três “modelos” do acometimento por “Problemas religiosos ou espirituais” são mencionados: perda ou questionamento da fé; problemas associados com conversão a novas crenças; questionamento de outros valores espirituais que não necessariamente estão associados com alguma igreja organizada ou religião institucionalizada. Observa-se aqui a configuração do regime de diferença entre religião e espiritualidade: enquanto os dois primeiros casos, exemplares de problemas religiosos, estão associados com alterações no comprometimento dogmático do sujeito com sua religião ou então com sua comunidade religiosa, o terceiro exemplo estabelece um quadro para problemas gestados em contextos não institucionais, o que remete, no DSM, ao conjunto de problemas classificados como espirituais. Sobre os dois primeiros, vale destacar duas breves introduções a cases que, conforme um manual com informações sobre o diagnóstico, sintetizam exemplos comuns dos respectivos processos de adoecimento:

[perda ou questionamento da fé] - S. é uma mulher euro-americana, com 58 anos de idade, que teve uma doença hepática progressiva durante 2 anos. Antes de sua doença, ela frequentava a igreja regularmente e usava seu tempo livre em atividades de caridade relacionadas com a igreja. Quando recebeu o diagnóstico, ela interrompeu seu envolvimento com a caridade e deixou de frequentar os serviços da igreja, alegando que "não via mais necessidade de adorar uma fantasia". Durante sua quarta internação, foi informada de sua doença não estava respondendo ao tratamento e que sua morte poderia ocorrer nas próximas semanas. Após a alta, ficou clinicamente deprimida, recusou tomar qualquer medicação, deixou de comer, passou o tempo olhando para fora do quarto ou lendo livros, e reclamando que "Deus tinha abandonado-a". (Lukoff, s/d: 18)

[problemas associados com conversão a novas crenças] – Manson Spero descreveu o caso de um adolescente de 16 anos, membro de uma família judia, que sofreu uma súbita transformação religiosa, tornando-se cada vez mais ortodoxo. Mudanças drásticas em sua vida, que incluíram longas horas de estudo de textos judaicos, a evitação de amigos e longos jejuns, levou sua família a procurar ajuda de um psicanalista. Um exame de estado mental determinou que o jovem não sofria de esquizofrenia e tampouco de outros distúrbios inicialmente considerados. A partir de então, o processo terapêutico foi dirigido à análise do impacto que sua opção religiosa causou em suas relações. (Lukoff, s/d: 21)

Com relação ao terceiro tipo de adoecimento dos “problemas religiosos ou espirituais”, justamente aquele relativo à espiritualidade, Lukoff esclarece que “no DSM-IV, os problemas espirituais são definidos como experiências angustiantes que envolvem o relacionamento de uma pessoa com um ser ou força transcendente, mas não estão necessariamente relacionados a uma igreja ou instituição religiosa.” Algumas vezes, prossegue o autor, “tais experiências resultam do envolvimento intenso com práticas espirituais como meditação ou yoga” (Lukoff, s/d: 30). O diagnóstico torna-se válido quando o processo de “spiritual emergence”, decorrente da experimentação dessas práticas, desencadeia experiências místicas que ficam fora de controle, transformando-se numa “spiritual emergency” (Lukoff, s/d: 30). O caso clinico emblemático é o relato da experiência do próprio David Lukoff, responsável direto pela demanda da inclusão da categoria “problemas religiosos ou espirituais” no DSM-IV:

Meu interesse pela espiritualidade e saúde mental remonta a 1971, quando passei dois meses em uma crise espiritual - convencido de que eu era uma reencarnação de Buda e Cristo com uma missão messiânica para salvar o mundo. Na minha prática clínica como psicólogo e no meu trabalho com a Rede de Emergência Espiritual nos últimos 25 anos, muitas vezes me encontrei com indivíduos em situações semelhantes. Em 1994 o meu trabalho nessa área culminou com a inclusão da categoria Problema Religioso ou Espiritual (V62.89), da qual fui co-autor. (Lukoff, s/d: 3)

Por fim, a terceira e última característica do diagnóstico que quero destacar refere-se ao fato de que seu emprego está relacionado ao contexto terapêutico. Afinal, consta na definição dada pela Associação Americana de Psiquiatria que “a categoria pode ser usada” quando o problema religioso ou espiritual é tornado “foco de atenção clínica”. Esse aspecto sentencia a dupla dimensão da espiritualidade no campo da saúde que explorei até agora: de um lado, a instituição da espiritualidade como um elemento da natureza e, ao mesmo tempo, da saúde humana, estabelecido nas/pelas resoluções da OMS; de outro, a espiritualidade como um aspecto de necessária atenção clínica, uma vez que a categoria, igualmente relativa à natureza humana, está instituída na forma de diagnóstico. A essas duas dimensões soma-se uma terceira, que institui a espiritualidade não por meio de políticas de gestão da saúde e tampouco da criação de diagnósticos, mas sim através de pesquisas médico-científicas.

Pesquisando a espiritualidade

O crescente interesse das ciências médicas pela relação entre saúde e espiritualidade já foi constatado e repercutido por outros trabalhos (Hill e Pargament, 2003; Koenig, 2008). Como indicadores globais do impacto desse campo, basta mencionar a consolidação de programas de pós-graduação sobre o tema em centros de pesquisas das universidades de Columbia, Duke, Harvard e Yale, além do vultuoso aumento no número de publicações dedicadas ao assunto em periódicos científicos e a oferta regular de cursos sobre a temática em universidades da Europa, Estados Unidos e América Latina (ver autor, 2015). Nesse quadro, o Brasil ocupa, reconhecidamente, um lugar de destaque, tendo se consolidado como um dos países com maior concentração de publicações acadêmicas sobre o tema (Lucchetti e Lucchetti, 2014).

No âmbito da pesquisa, para investigar possíveis correlações entre espiritualidade e processos de cura e de adoecimento é preciso, necessariamente, isolar o “fator espiritual”, fazê-lo emergir como um dado apreensível em análises e passível no estabelecimento de correlações com outros dados. Para investigar, por exemplo, correlações entre depressão e espiritualidade é preciso tornar a espiritualidade do sujeito investigado visível, aparente, inscritível nos registros médicos. Enfim, é preciso capturá-la por meio de metodologias e de instrumentos de pesquisas que ao torná-la visível também performam sua realidade.

Entre as tecnologias de captura da espiritualidade empregadas por parte de pesquisadores do campo da saúde estão os questionários, cujo desenvolvimento está diretamente associado a própria consolidação da psicologia enquanto disciplina. Basta mencionar que em 1904, James Bissett Pratt, orientando de doutorado de William James, filosofo e fundador da psicologia clínica, desenvolveu um questionário cujo objetivo principal era justamente compreender as experiências “autenticamente religiosas” (White, 2011). Acompanhando as ideias que já haviam sido formuladas por James em seu clássico livro “A variedade das experiências religiosas”, publicado em 1902, o questionário desenvolvido por Pratt, assim como outros elaborados por seus estudantes, estava orientado pela ênfase nas emoções e subjetividade como fatores determinantes da experiência com o sagrado, em detrimento da atenção a aspectos formais dos cultos e das instituições religiosas. Como já apontou Christopher White (2011), em seus comentários sobre essas pesquisas do início do século: “James e seus alunos se voltaram para estudos de psicologia da religião para entender a natureza e as fontes da crença. Atrelados às questões relativas a religião individual, esses próprios questionários sugeriam que a essência da religião reside no self” (White, 2011). Os questionários de Pratt, disponibilizados pela pesquisa de White, são claros quanto ao entendimento do autor de que “Instituições religiosas, ritos e comunidades são menos importantes. A essência da coisa a ser pesquisada - a essência da verdadeira religião - é a experiência interior” (idem).

A relevância das contribuições de James e de seus estudantes para o campo teórico-metodológico da psicologia clínica interessada na religião, não está limitado à concepção da experiência religiosa como um fenômeno sumariamente relativo ao self ou às individualidades subjetivas. Como Christopher White (2008) demonstrou extensivamente, esse entendimento já vinha sendo forjado, desde o século XVIII, pelo próprio protestantismo estadunidense, herdeiro do calvinismo. A novidade dos trabalhos de James foi a de construir mediadores teóricos e metodológicos capazes de fazer com que esse entendimento da natureza da experiência religiosa emergisse, também nesses termos, mas na qualidade de dado científico e não de dogma teológico.

O lastro epistemológico estabelecido por James em favor da pertinência e validade da utilização desse tipo de instrumento de pesquisa pode ser associado ao trabalho de outros autores que, ao longo do século XX, seguiram investindo no tema (ver Toniol, 2015b). Sobre essas contribuições remeto a outros textos (Alvarado e Krippner, 2010) e, assim, permito-me dar um salto histórico de quase um século até o ano de 1999, quando a Organização Mundial da Saúde publicou um instrumento de medição de qualidade de vida, que incluía um módulo dedicado a espiritualidade. Trata-se de uma publicação alinhada ao trabalho de James na medida em que igualmente se vale do survey como metodologia de análise e porque faz a espiritualidade emergir a partir do conteúdo de uma relato. Ainda mais do que isso, após a publicação da OMS, assim como ocorreu com os trabalhos de James, em um curto intervalo de tempo, dezenas de outros instrumentos de captura da espiritualidade foram criados por pesquisadores do campo da saúde. Entre esses novos instrumentos estão o Brief Multidimensional Measure in Religiousness and Spirituality (BMMRS) e o Daily Spiritual Experience Scale (DSES).

A concretude da espiritualidade, que emerge conforme o sujeito de pesquisa responde ao questionário, é promulgada tanto no BMMRS quanto no DSES por meio de um índice, isso é, um número capaz de escapar da indeterminação da experiência, tornando-a apreensível e quantificável. Em que pese possíveis diferenças entre eles, duas características são transversais. Primeiro, as menções a práticas religiosas institucionais que constam nos questionários estão mais relacionadas aos fatores protetivos associados à vida em comunidade, que ao impacto que a relação com outros fieis pode ter nas experiências espirituais; por exemplo, constam os seguintes itens na BMMRS: Se você estivesse doente, quantas pessoas de sua comunidade religiosa lhe ajudariam? Com que frequência as pessoas de sua comunidade religiosa procuram por você? Com que frequência as pessoas de sua comunidade religiosa criticam você e as coisas que você faz?

O segundo aspecto comum aos questionários são as menções a “Deus”. Por exemplo, na questão formulada na DSES acerca da frequência em que se “sente a presença de Deus”, ou então na BMMRS, na pergunta sobre a constância da sensação de que “Deus me abandonou”. A relevância da referência a esses itens repousa no fato de que eles operam como mediadores capazes de performar a realidade dos aspectos negativos da espiritualidade. Isso é, quando a experiência com a entidade divina é acentuadamente punitiva e persecutória, a espiritualidade da pessoa deixa de promover e passa a comprometer os indicadores de saúde, de bem estar e de qualidade de vida.

As metodologias das ciências médicas empenhadas no processo de avaliação da espiritualidade não somente a descrevem numa linguagem clínica, mas, principalmente, fundam sua realidade ontológica. É assim que a espiritualidade que emerge dos questionários: está centrada na experiência, é mensurável, pode ser vertida em um índice numérico e, caso seja bem conduzida, faz bem para saúde. No entanto, essa não é a única forma de captura da espiritualidade empregada pelas ciências médicas e, portanto, por mais real que seja, não é a única realidade da qual essa entidade goza.

Na Universidade Federal de Juiz de Fora, os pesquisadores do Núcleo de Pesquisa em Espiritualidade e Saúde (Nupes) têm investido noutras metodologias de investigação da espiritualidade sendo que, entre elas, destaca-se o uso de tecnologias de neuroimagem. Essas pesquisas, apesar da ampla variação de seus desenhos, estão sumariamente divididas em dois modelos principais, como sintetizou, em entrevista, Alessandra Maineiri, pesquisadora do Nupes: investigações “funcionais, ou seja, interessadas em descobrir como o cérebro funciona e quais áreas do cérebro estão mais e menos ativadas durante o fenômeno da experiência espiritual”; e, investigações dirigidas a “estrutura do cérebro, mais interessadas em saber se existem áreas do cérebro maiores ou menores entre as pessoas que passam por esse tipo de fenômeno”.

Os fenômenos aos quais a pesquisadora se refere são, majoritariamente: oração, meditação e transe. “Com as pesquisas de neuroimagem”, afirma Alessandra, “a gente tem como investigar as diferenças entre esses fenômenos e também perceber como que o cérebro funciona durante a ocorrência desses fenômenos”. A coleta dos dados nas pesquisas dessa natureza envolvem, portanto, o mapeamento da atividade cerebral de pessoas durante estados meditativos, em oração ou transe. Esse é o caso de uma pesquisa realizada por membros do Nupes, em colaboração com pesquisadores da Universidade da Pensilvânia, em que se comparou as áreas ativadas do cérebro durante o transe de médiuns espíritas enquanto realizavam atividades de psicografia e quando escreviam textos fora do estado transe (Peres et al., 2012).

Não são os resultados dessas pesquisas que interessam, mas sim a metodologia que empregam para fazer a espiritualidade emergir como uma entidade observável. Nessa versão, a espiritualidade assume a forma de uma imagem, que expressa uma região ou um conjunto de conexões estabelecidas em um terreno particular de existência: o cérebro. Para obter a imagem que testemunha a fisiologia da espiritualidade, no entanto, os pesquisadores recorrem a formas de práticas religiosas, como a oração e o transe mediúnico. Assim, enquanto nos questionários de mensuração da espiritualidade a religião aparece, principalmente, por meio da comunidade de fieis, que pode se configurar como um fator protetivo ou estressor para a saúde mental do sujeito avaliado, nas tecnologias de neuroimagem, são as formas da prática religiosa, e não a comunidade, que estão relacionadas com a espiritualidade.

A possibilidade de comparação entre o tipo de espiritualidade que cada uma dessas metodologias performa não termina na interface de cada uma delas com a religião. Outro aspecto importante diz respeito a qualidade da variação da espiritualidade que elas compreendem. Quando extraída dos questionários, a espiritualidade é revelada na forma de um número, que exprime o grau de sua experimentação para o individuo particular que está sendo analisado. Nesse caso, a métrica é universal, afinal, está baseada na pressuposição de que todos os humanos têm espiritualidade, mas o resultado é específico, já que responde por variações individuais no grau de espiritualidade. Quando os exames de neuroimagem são empenhados na captura dessa entidade clínica, a espiritualidade descrita não é a do indivíduo analisado mas, pelo contrário, é a de toda espécie. São conclusões dessa ordem que aventa o artigo “Brain surgery boosts spirituality”, publicado na revista Nature, em fevereiro de 2010:

Remover parte do cérebro pode induzir a paz interior, de acordo com pesquisadores da Itália. O estudo fornece a mais forte evidência até agora de que a experiência espiritual surge em, ou está limitada por, áreas específicas do cérebro. (...) "Este é o primeiro estudo que analisa realmente de perto a espiritualidade. Estamos lidando com um fenômeno complexo que está próximo da essência do ser humano", diz o co-autor Salvatore Aglioti, neurocientista cognitivo da Universidade Sapienza de Roma". Os autores identificaram duas partes do cérebro que, quando danificadas, levaram a aumentos na espiritualidade: o lóbulo parietal inferior esquerdo e o giro angular direito (Weaver, 2010).

(Urgesi, C. et al., 2010).

Imagem 1. A espiritualidade foi localizada no lobo parietal inferior esquerdo (imagem da esquerda) e no giro angular direito (imagem da direita). 

O relato subjetivo como principal testemunha da experiência espiritual, tal como ocorre no caso da metodologia dos questionários, dá lugar ao corpo, mais precisamente ao cérebro, que termina inscrevendo a espiritualidade no registro dos marcadores biológicos, da ordem da natureza. Não sendo a diferença uma propriedade das coisas, mas uma qualidade das relações, quando a espiritualidade se estabelece nesses termos, sua interface com a religião também adquire outros contornos: “Estudos anteriores mostraram que uma vasta rede de conexões cerebrais frontais e parietais está relacionada com crenças religiosas. Mas com esse estudo começamos a perceber que espiritualidade e religião não envolvem exatamente as mesmas regiões do cérebro” (Weaver, 2010). Assim, nesses estudos não só o cérebro é o lugar da espiritualidade, como também é o terreno — e a prova — de sua diferença com a religião.

O florescimento desse tipo de pesquisa dirigida ao tema da espiritualidade não está desconectado de um processo mais amplo de tenção da psiquiatria para modelos analíticos cada vez mais orientados pelos princípios da medicina baseada em evidências, como já observaram outros autores (Beaulieu, 2001; Prasad, 2005). Comentando esse processo, embora discutindo as mudanças nas formas de consideração dos diagnósticos psiquiátricos, Jane Russo descreveu o que também pode ser observado com relação aos estudos sobre espiritualidade que, quanto mais próximos do modelos das neurociências, maior impacto acadêmico tiveram:

A objetividade empírica dos sinais e sintomas corresponde idealmente à objetividade empírica do substrato físico. Ou seja, a psiquiatria só terá a garantia de objetividade no caso de se apoiar no que é concreto, físico, empiricamente observável, quantificável e reprodutível através de exames e aparelhos, representado pelo substrato orgânico, pelo que é passível de tradução pela linguagem da biologia, da fisiologia, da neuroquímica, da genética. A objetividade do diagnóstico psiquiátrico é igual à objetividade do substrato fisiológico e orgânico (Russo, 1999: 128).

Fazer a espiritualidade emergir como uma imagem, conforme operam as tecnologias de mapeamento de atividade cerebral é uma forma retoricamente poderosa para a legitimação de seu debate no campo das ciências médicas. Essa metodologia que faz ver é também um ato de criação do que há para ver e, assim, produz um deslizamento sutil entre a epistemologia da ciência que descreve a espiritualidade e o ato de fundação ontológica do objeto que deve ser descrito. Mas isso não é tudo.

Desde 2015, no ambulatório de psiquiatria geriátrica do Hospital das Clínicas (HC), vinculado à Universidade de São Paulo, uma pesquisa que tem sido desenvolvida por um grupo interdisciplinar de profissionais da saúde faz uso de um instrumento inovador na captura da espiritualidade: a análise espectrográfica e perceptivo auditiva da prece. A utilização dessa metodologia em pesquisas no campo da psiquiatria não é incomum, por exemplo: Ozdas et al (1999) descreveu a existência de correlação significativa entre características vocais no set terapêutico e risco de suicídio em curto prazo; Cassol et al (2010) analisou associações entre a voz e aspectos psicológicos de pacientes com transtorno obsessivo compulsivo; e Stassen (1993) descreveu as características vocais comuns a pacientes psicóticos esquizofrênicos. Na pesquisa realizada no HC, o objetivo é encontrar correlações entre o perfil de espiritualidade dos sujeitos avaliados, obtido a partir dos instrumentos já descritos (BMMRS e DSES), e seus padrões vocais quando enunciam orações. A coleta de dados segue o seguinte protocolo: a voz de uma pessoa já pré-selecionada conforme os critérios da pesquisa é gravada em três situações; primeiro, solicita-se a ela que realize uma fala encadeada, isso é, automática e pré-determinada, como a sequência dos meses do ano ou dos dias da semana; segundo, essa gravação é seguida por outra em que a pessoa conta algum fato de sua vida detalhadamente; por fim, pede-se que o sujeito analisado “faça uma oração”, deixando aberta a possibilidade de enunciação de preces automáticas, ou seja, decoradas, e espontâneas, isso é, sem uma estrutura pré-estabelecida.

O registro da voz é transformado em um espectro gráfico que indica variações de tons, estrutura harmônica e frequência. A imagem formada pela enunciação da oração é, então, transformada em uma série de indicadores específicos da fonoaudiologia, produzidos por profissionais externos ao grupo dos pesquisadores envolvidos com a coleta dos dados.

Software Fonoview

Imagem 2.  . Imagem do espectrograma de uma oração, cedida pelos pesquisadores  

Assim como no caso dos exames de neuroimagem, nesse tipo de tecnologia também é uma forma específica da prática religiosa que dá acesso ao dado relativo à espiritualidade, a oração. Contudo, enquanto nos exames de mapeamento da atividade cerebral o que está em jogo é encontrar a localização genérica da espiritualidade a partir da observação dos efeitos que certa forma de estímulo (meditação, transe e oração) produz, sem se deter nas particularidades que essas formas podem ter entre os indivíduos, a análise espectrográfica da prece opera em um sentido diverso. Nela, a prece particular é transformada em um dado capaz de cartografar não o que é e o que não é espiritualidade, mas sim a qualidade da espiritualidade. Para isso, os pesquisadores baseiam-se em dois conceitos forjados ainda na década de 1960, por Gordon Allport e Michael Ross (1967): espiritualidade intrínseca e espiritualidade extrínseca[11]. Letícia Alminhana e Alexander Moreira-Almeida, delinearam bem os significados desses dois termos e ainda indicaram alguns dos desdobramentos que eles tiveram em pesquisas clínicas:

A religiosidade extrínseca está associada a comportamentos religiosos que visam benefícios exteriores, de status, segurança e distração, em que a pessoa se volta ao sagrado ou a Deus, mas sem desapegar-se do self. Por outro lado, a religiosidade intrínseca está associada a um sentimento de significado último da vida, em que a pessoa busca harmonizar suas necessidades e interesses às suas crenças, esforçando-se por internalizá-las e segui-las completamente. Como diz Allport, ao estabelecer uma comparação entre as duas orientações: "os extrínsecos usam sua religião enquanto os intrínsecos a vivenciam" . Utilizando essa diferenciação, Maltby encontrou resultados significativos que apresentaram associações negativas entre religiosidade e psicoticismo. (Alminhana e Moreira-Almeida, 2009:155)

Em síntese, a versão intrínseca da espiritualidade é um fator que beneficia a saúde, já quando extrínseca, a espiritualidade pode causar problemas. Amparados pela distinção sugerida pela citação, podemos dizer que estamos, portanto, diante de duas qualidades da espiritualidade, uma positiva e outra negativa.

A expectativa dos pesquisadores do HC é que a partir de uma quantidade significativa de elocuções de orações coletadas, a análise espectrográfica da prece possa indicar a existência de padrões vocais de pessoas com espiritualidades extrínsecas e intrínsecas. Nesse caso, a metodologia não serve apenas para demarcar a existência da espiritualidade, mas principalmente serve para estabelecer diferenças na espiritualidade. Para isso, vale ainda destacar, embora também dependa da enunciação do sujeito investigado, aqui, ao contrário dos questionários, a espiritualidade é performada como um dado por meio da forma da enunciação e não do conteúdo da fala.

Como venho sublinhando, os modelos de análise da espiritualidade empregados no campo da saúde atuam estabelecendo as próprias possibilidades de existência dessa “entidade”, seja na forma de índice numérico, de um lugar no cérebro ou de imagem de uma onda sonora. Buscar explicitar como a espiritualidade é “enacted”, a partir de uma série de dispositivos, não significa denunciar que o fato científico é também um feito, antes disso, minha aposta é nas variações que as formas do feito têm para o fato. Não é, portanto, desacreditar o fatos, mas acreditar — e estender as consequências — de cada forma do feito.

Conclusão

Christopher White, em um verbete intitulado “Belief-Science”, inserido em uma publicação dedicada à genealogia da categoria espiritualidade, teceu o seguinte comentário: “Se a religiosidade tradicional está em declínio, onde as pessoas que antes eram religiosas e agora se identificam como espiritualizadas estão consolidando suas interpretações sobre Deus, o espírito, a vida após a morte e outras ideias relacionadas?” E continuou: “Qual é a matéria-prima que está formando as novas crenças sobre os reinos transcendentes, deuses e almas? Minha aposta é que essa fonte é a Ciência.” (White, 2011) Não tenho material empírico para sustentar uma afirmação dessa natureza e tampouco White parece possuir substrato suficiente para uma consideração de tal amplitude. Contudo, se discordo da afirmação de White sobre a ciência como o endereço da atenção e formação dos princípios da crença dos sujeitos identificados como “espiritualizados”, nela reconheço uma insinuação valiosa para este texto: à ciência interessa a espiritualidade.

Desloco, então, a atenção de White no interesse dos sujeitos espiritualizados em direção a ciência, para insistir na necessária reflexão sobre o interessamento da ciência pela espiritualidade. O emprego do termo interessamento aqui, originalmente cunhado por Callon (1986), é útil porque ajuda a evocar dois aspectos importantes do processo de produção da espiritualidade que descrevi: a) um dos efeitos desejados da ação do interesse (isso é, do interessamento) é produzir estabilizações; b) para produzir estabilizações é necessário empenhar um amplo conjunto de dispositivos (políticos, científicos, analíticos, etc.). O interessamento, vale ressaltar, não produz coesões, mas implica estabelecer uma matriz capaz de abrigar os próprios dissensos entre os atores. Remetendo ao termo, portanto, valendo-me mais de algumas de suas características conceituais que da metodologia nele implicada, torna-se mais compreensível que tão importante quanto destacar e analisar a profusão nos modos de performar a espiritualidade, a partir de dispositivos políticos, clínicos e científicos, é reconhecer que há, no dissenso, um plano de convergência que estabelece: espiritualidade é uma questão de saúde. E foi nessa tensão que busquei situar este texto, analisando as variações nas formas de produzir a espiritualidade como uma entidade política, clínica e cientificamente real, insistindo que as variações não pulverizam, mas, pelo contrário, tornam ainda mais plausível sua realidade.

A recorrência e a legitimidade que a categoria espiritualidade tem adquirido no âmbito das ciências médicas e mesmo nas agências internacionais e nacionais de gestão da saúde pública não é um dado deduzido apenas dos números de publicações dedicadas ao tema. A extensão e intensidade desse fenômeno estão relacionadas com o fato de que, cada vez mais, espiritualidade é uma categoria que permite, aos agentes do campo da saúde, alterar a forma de organizar a realidade. É por isso que a conclusão desse texto não aponta para uma definição do que seja espiritualidade, mas, alternativamente, insiste na necessidade de observar as variações dessa categoria cada vez que ela é performada. Não se trata, em síntese, de sentenciar a priori qual o lugar e quais são as características da espiritualidade, mas sim de analisar as articulações entre as definições da espiritualidade e os dispositivos que são empenhados para torná-la real.

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*Professor do programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Unicamp. Este texto é resultado do projeto de pesquisa apoiado pela Fapesp (2015/18386-8)

[1]Este texto é o desenvolvimento de uma conferência realizada no departamento de sociologia da Universidade de São Paulo, realizada em novembro de 2016. Agradeço ao convite e aos comentários de Ricardo Mariano na ocasião. Emerson Giumbelli, Nicolás Viotti, Pedro Paulo Soares e Raquel Bastos, que leram versões preliminares deste artigo e contribuíram para o amadurecimento de algumas ideias apresentadas. Menciono também os pareceristas anônimos de Sociedad y Religión que deram preociosas sugestões para o texto.

[2]Refiro-me aos textos Bastos, 2016; Suarez, 2016; Peixoto, Borges e Siqueira, 2016; Silveira e Sofiati, 2016; Funes, 2016, respectivamente.

[3]Em outros trabalhos Linda Woodhead (2010) explicita o caráter relacional da espiritualidade com relaçao a religião, visibilizando não somente sua forma contrastastiva, como também indicando a possibilidade de serem complementares. Contudo, quando trata dessa dupla possibilidade está referindo-se mais as configurações de crença (religioso e espiritual; espiritual mas não religioso) e menos a categoria espritualidade.

[4]A citação literal do texto de Talal Asad ao qual faço referência é: “O meu argumento é que não pode haver uma definição universal de religião, não apenas porque seus elementos constituintes e suas relações são historicamente específicos, mas porque esta definição é ela mesma o produto histórico de processos discursivos” (Asad, 2010: 264)

[5]Documento consultado: Constituição OMS, 1988, pp.1. Arquivos OMS.

[6]Ibid.

[7]Temos acesso aos debates ocorridos durante essa Assembleia graças a dois textos. O mais antigo deles é a crônica escrita pelo delegado do Egito no evento, o médico M.H. Al-Khayat (Disponível em: http://www.medizin-ethik.ch/publik/spirituality_definition_health.htm, consultada em 13/11/2014). A segunda narrativa sobre o evento está no livro EMRO Partner in health in the eastern mediterranean 1949-1989, publicado pela própria Organização Mundial de Saúde em 1991 (Disponível em http://apps.who.int/bookorders/anglais/detart1.jsp?codlan=1&codcol=46&codcch=9, consultado em 07/12/2014). Embora esses textos tenha sidos essenciais para a obtenção das informações descritas nesta seção, eles são pouco sistemáticos e bastante sintéticos. Também me vali de dados obtidos em visitas à sede da Organização Mundial da Saúde, em Genebra, Suíça, onde pude consultar um amplo conjunto de documentos relativos ao tema da espiritualiade, produzidos pela instituição.

[8] Como já afirmamos, há pouco dados disponíveis sobre esse debate. Parte das informações citadas foram obtidas graças ao auxílio dos bibliotecários da University of California San Diego, a quem agradeço o apoio na pesquisa. A resolução encaminhada para a diretoria da OMS possui o seguinte registro na entidade: documento Jan. 1984 EB73/l984/REC/l, 2.

[9]Há uma ambivalência nessa resolução que ora trata a espiritualidade como uma dimensão da saúde humana e ora como uma dimensão humana. Nesse documento, tais formulações parecem ser usadas de forma intercambiável.

[10]Lukoff foi uma figura central para o estabelecimento dessa categoria diagnóstica no DSM, tendo sido um dos responsáveis por sua propostição e posterior difusão n. Um detalhamento mereceria um novo texto. Para mais informações sobre suas atividade, recomendo o site https://www.spiritualcompetency.com/

[11] Allport e Ross utilizam, de maneira alternada, os termos espiritualidade e religiosidade. Não poderei aqui explorar as características desse tipo de uso. Limito-me a remeter o leitor a uma análise anteriormente elaborada (Toniol, 2018).

Recebido: 19 de Outubro de 2018; Aceito: 13 de Março de 2019

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