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versión On-line ISSN 1853-9912

Palabra clave vol.12 no.1 Ensenada oct. 2022

http://dx.doi.org/https://doi.org/10.24215/18539912e172 

Avances de investigación

Compreendendo a integração das bibliotecas escolares e a comunidade: reflexões teórico-práticas a partir da teoria sistêmica

Understanding the integration of school libraries and the community: theoretical- practical reflections from systemic theory

Comprender la integración de las bibliotecas escolares y la comunidad: reflexiones teórico-prácticas desde la teoría sistémica

1Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação, Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Filosofia e Ciências, Campus de Marília, Brasil.

2Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação, Universidade de Brasília, Brasil.

Resumo

Apresenta reflexão sobre as possibilidades de atuação das bibliotecas escolares dentro e fora da escola e junto à comunidade local. Estudo teórico de caráter descritivo e exploratório, baseado em revisão bibliográfica e relatos de experiência. Demonstrainterpelações de como a aplicabilidade do pensamento ecossistêmico, no contexto dabiblioteca escolar, poderá contribuir para a construção de um centro de comunicação,informação e aprendizagem, capaz de tornar este espaço informacional cumpridor de seu papel social junto ao sistema educacional e a comunidade.

Palavras-chave Educação; Bibliotecas escolares; Teoria dos sistemas; Comunidad; Brasil

Abstract

This article presents a reflection on the possibilities of action by school libraries inside and outside the school and with the local community. Based on literature review and experience accounts, this exploratory descriptive theoretical study discusses how the applicability of ecosystemic thinking in the context of the school library can contribute to the construction of a communication, information and learning center capable of making this informational space fulfill its social function in the education system and the community.

Keywords Education; School Libraries; Systems Theory; Community; Brazil

Resumen

Presenta una reflexión sobre las posibilidades de acción de las bibliotecas escolares dentro y fuera de la escuela y con la comunidad local. Este estudio teórico descriptivo y exploratorio, basado en revisión de literatura y relatos de experiencia, plantea interrogantes acerca de cómo la aplicabilidad del pensamiento ecosistémico en el contexto de la biblioteca escolar puede contribuir a la construcción de un centro de comunicación, información y aprendizaje capaz de hacer que este espacio informacional cumpla su función social en el sistema educativo y la comunidad.

Palabras clave Educación; Bibliotecas escolares; Teoría de sistemas; Comunidad; Brasil

1. Concepções iniciais

Acredita-se nas contribuições que a teoria sistêmica pode proporcionar à biblioteca escolar e, consequentemente, ao ambiente escolar, quando se defende a ideia de que este tipo de biblioteca necessita se assumir como um espaço de comunicação e aprendizagem para cumprir sua função social nos dias de hoje.

A abordagem proposta aqui acredita no caminho inverso da visão cartesiana, sendo capaz de analisar as partes como um todo, com relacionamentos interligados. Reside na perspectiva de pensar a biblioteca escolar como espaço aberto e complementar à formação cidadã dos sujeitos que com ela se envolvem. Para isso, tomar-se-á como base a visão ecológica da sociedade, apresentada por Edgar Morin (1984),1 na qual defende que quanto mais complexo e rico for um sistema, mais aberto ele será.

Quanto à complexidade, a Teoria dos Sistemas no contexto da sociedade baseada na interação e interdependência entre todos os elementos que fazem parte de um único ecossistema que se autorregula e auto-organiza. Dessa forma consequentemente o comportamento de um dos integrantes deste ecossistema influi diretamente nos demais, pois cada parte não só constrói, mas também integra o próprio ecossistema.

Relacionar as teorias do pensamento sistêmico à prática da biblioteca escolar integradas a comunidade, possibilita estabelecer uma relação que permita a entrada e saída de informações de ambas as partes, favorecendo uma maior integração como o meio em que se encontra, bem como permitindo que esta seja capaz de contribuir, de forma efetiva, com a missão de oferecer à escola e à sociedade uma formação educacional, informacional, político e social.

A biblioteca escolar enquanto agente transformador possui ofício decisivo para a formação de seus usuários, costuma a ser o primeiro contato dos usuários com uma biblioteca ou até mesmo serviços de informação. Somado a isso se apresenta como um recurso fundamental no processo de ensino aprendizagem na escola, além de ser um espaço e apoio informacional e cultural para a comunidade.

2. Conceitualizando

Caracteriza-se como um estudo teórico, de caráter exploratório e descritivo que tem como objetivo descrever conteúdos relevantes observados acerca do tema determinado (Reis & Reis, 2002). Reúne uma revisão bibliográfica de obras que apresentam e caracterizam a atuação das bibliotecas escolares integradas a sua comunidade de inserção, em conjunto com relatos de experiencias de bibliotecárias que retratam a prática de tal realidade no cenário amazonense.

O corpus teórico da pesquisa foi definido a partir de vários autores representativos e assuntos relacionados as bibliotecas escolares, educação e teorias sistêmicas. Quanto aos relatos de experiência buscou-se identificar casos explícitos de atividades desenvolvidas em bibliotecas escolares no Estado do Amazonas que se aproximasse dos elementos da teoria sistêmica - utilizando o critério de acessibilidade. A partir desse levantamento foram definidas seções a fim de caracterizar a proposta desse estudo. Tal caracterização pretende permitir a assimilação e reflexão da discussão em tela, conforme a seguir.

2.1. A Teoria Geral dos Sistemas

A Teoria Geral dos Sistemas não foi originalmente desenvolvida como uma teoria administrativa, mas sim como uma teoria biológica, criada em meados da década de 1950 pelo biólogo suíço Karl Ludwig Von Bertalanffy (2010), e orientava-se para as relações estabelecidas entre organismos biológicos e aos problemas decorrentes de seus crescimentos.

O ponto de partida que baliza o debate parte da percepção de que é bastante comum situações em que os estudos das estruturas que compõem o corpo humano são completamente fragmentados - primeiramente estudam-se as células, depois os tecidos, os órgãos e ao final os sistemas quando o ideal seria “(...) refletir organização do organismo como um todo [...] e ver o resultado das interações entre os componentes celulares básicos” (Capra, 2006, p. 90).

De igual maneira, observa-se que as organizações sejam elas públicas ou privadas dividem-se em departamentos, este modelo fragmentado que existe em larga escala na sociedade é fortemente criticado por Capra (2006), para ele a ruptura com este modelo poderá proporcionar uma melhor compreensão do mundo e tudo com o qual está relacionado. Deve-se tentar observar as conexões entre os problemas, para perceber e compreender o mundo como uma grande teia de relações enquanto um sistema aberto.

Portanto, necessita-se de uma nova visão da realidade que possa produzir transformações radicais em nossos pensamentos, percepções e valores. Dessa forma, a Teoria dos Sistemas (ou Teoria Sistêmica) trata sobre as relações entre o todo e suas partes, quando este conjunto tem um objetivo comum (Bertalanffy, 2010).

A teoria sistêmica foi desenvolvida a partir das formulações Bertalanffy (2010), na qual afirmava ser necessário tratar os problemas que cercam os seres humanos como "típicos de sistemas", considerando seus contornos, seus componentes e as relações entre as partes (Misoczky, 2013, p. 3).

Segundo esta teoria, o pensamento sistêmico desenvolve um papel dominante em diversos campos do conhecimento, que podem ser aplicáveis em todas as ciências conhecidas pelo homem. A teoria tem como finalidade estudar pontos em comum e de interesse entre diferentes campos do conhecimento, a fim de descobrir seus princípios conflitos e, com isso, gerar novos conhecimentos. No ambiente educacional no qual considera-se a escola como um sistema aberto, a biblioteca escolar apresenta-se com forte potencial para o desenvolvimento de ações que contemplem os fundamentos e propósitos do pensamento sistêmico, aliados aos interesses e desenvolvimento do meio ambiente que integra. Para tal é necessário elencar apontamentos e práticas que efetivavam essa assertiva conforme será explanado no decorrer do texto.

Em relação a sua natureza, os sistemas podem ser abertos, quando estes são suscetíveis às influências de seu ambiente; e fechados, quando não existe nenhum tipo de interação com o ambiente.

Para Bertalanffy (2010, p. 189), o organismo não é um sistema estático, fechado ao mundo exterior e contendo sempre componentes idênticos; mas sim um sistema aberto (quase) estacionário, no qual matérias ingressam continuamente, vindas do meio ambiente exterior, e neste são deixadas matérias provenientes do organismo. Logo, é possível inferir como sistema aberto aquele que se comunica com o ambiente onde está inserido.

Logo, sistemas humanos, consequentemente, são sistemas abertos. Tais sistemas, por comunicar-se com o ambiente, estão vulneráveis às condições deste. Os sistemas abertos estão em constante interação com o ambiente e com este trocam recursos, estabelecendo-se uma relação de interdependência.

A composição de um sistema se dá a partir da inter-relação de suas partes, de modo que ocorrendo uma mudança em uma das partes, ocasionará alterações em uma de suas outras partes, ou até mesmo na totalidade do sistema.

Portanto, embora cada parte de um sistema (subsistema) possa ser visto como individual, essas partes compõem um sistema maior. Por isso, entender o funcionamento de um sistema requer fazer as devidas relações entre seus fenômenos e sua essência e para isso é necessário que os atores envolvidos no processo conheçam a cultura organizacional e estejam atentos aos sinais do ambiente para que tenham sensibilidade não apenas de compreendê-lo, mas difundi-los aos envolvidos e favorecer o desenvolvimento desta proposta.

A partir da teoria sistêmica surge a teoria do pensamento ecossistêmico,[2] que vem ganhando espaço em diversas áreas do conhecimento, e tem como base conceito de ecossistema integrado, dando ênfase à relação da sociedade humana e seus ambientes, passando a considerar a importância dos valores inerentes aos ecossistemas humanos e sociais, pensando na importância de um comportamento harmônico e responsável pela preservação e garantia das gerações futuras.

A importância da teoria sistêmica para a compreensão do termo ecossistema é evidenciada por Morin (1984) que apresenta seu ponto de vista apontando para complexidade dos ecossistemas e o quão limitado é o conceito de ecossistema aplicado pela ecologia (interação entre componentes bióticos e abióticos).

Em sua fala, ressalta o homem como o sistema mais evoluído de todos, um sistema complexo, rico e consequentemente aberto e sob essa perspectiva, propõe ainda a ideia de um ecossistema social que chama de ecossistema sócio-urbano, conformado pela sociedade moderna vista a partir de um olhar ecológico onde estão presentes os indivíduos, os grupos, as instituições, entre outros (Morin, 1984, p. 98) devendo buscar a manutenção de uma relação centrada no equilíbrio integrado: cultura, meio ambiente e economia (Figura 1).

Figura 1 Estrutura de uma relação ecossistêmica. 

Fonte: Trindade (2019, p. 26), adaptado de Morin (1984).

O pensamento ecossistêmico leva a uma profunda reflexão a respeito das atitudes e certezas internalizadas, promovendo mudanças na forma de ver o mundo em busca de uma sustentabilidade para a vida.

2.2 A biblioteca da escola

A escola, por sua constituição natural, torna-se um sistema aberto, voltado para aprendizagem e formado por uma série de elementos que estão em constante interação, trocando influências e relações entre si. Ao exercer sua função educativa, a escola interfere diretamente na realidade do contexto da comunidade da qual faz parte.

A busca em envolver o ambiente escolar com a comunidade torna-se fator indispensável no processo de desenvolvimento da educação de forma democrática, para o cumprimento do papel social, político e cultural da escola. Para que isso ocorra, a escola deve apresentar-se como um espaço comunitário, realizando atividades culturais e serviços de utilidade pública e política que oportunizem e sejam atraentes à participação da comunidade.

Desta forma, aplicando as teorias do pensamento ecossistêmico ao sistema educacional, pode-se ter uma visão de inter-relação de um sistema aberto formado pela integração escola-comunidade.

Esta contextualização busca ensinar o aluno, a partir de uma visão ampla, que cria conexões entre a escola, a família e a comunidade. A mudança na forma de pensar a educação utiliza-se de meios para levar à reflexão aprofundada, buscando soluções para situações vivenciadas nas salas de aula e na rotina do dia a dia, em meio ao convívio social.

Na pretensão de desenvolver competências e habilidades para que os alunos sejam capazes de transformar de forma construtiva o meio em que integram, as escolas procuram recursos que possam auxiliar este processo de construção do conhecimento, e a biblioteca escolar apresenta-se como uma importante aliada.

Por ser a biblioteca escolar um espaço de interação social, no qual convivem pessoas de diferentes realidades (faixas etárias, situação financeira, credo, raça etc.), esta, deve abraçar os conceitos das teorias sistêmicas, buscando integrar as necessidades de seu público, bem como proporcionar atividades que possibilitem a compreensão das questões e problemas que compõem o sistema ao qual integram.

O Manifesto IFLA/UNESCO para Bibliotecas Escolares (2000) aponta que as bibliotecas escolares habilitam os estudantes para a aprendizagem ao longo da vida, preparando-os para avaliar e utilizar a informação em seus mais diversos suportes, além de preconizar a liberdade intelectual e o acesso à informação como fundamentais ao exercício responsável da democracia.

Partindo dessa premissa, a biblioteca escolar analisada é considerada como um sistema aberto, capaz de receber e produzir estímulos no sistema que integra, deve estar atenta às demandas do meio ambiente em que está inserida.

No documento IFLA Diretrizes para Biblioteca Escolar (2016), em vários momentos, são citados trechos que destacam a importância desta integração da biblioteca escolar com seu meio ambiente interno e externo, destacando em relação a sua missão e finalidades que é um espaço existente em “todo o mundo como ambientes de aprendizagem que oferecem espaço (físico e digital), acesso aos recursos, atividades e serviços para incentivar e apoiar a aprendizagem de alunos, professores e comunidade” (IFLA, 2016, p. 19) e constitui “(...) um espaço social aberto a eventos culturais, profissionais e educativos (por exemplo, efemérides, encontros, exposições) para a comunidade em geral” (IFLA, 2016, p. 20).

Nesse sentido, a biblioteca escolar foge as características de um sistema fechado, isolado em si, agindo apenas em atendimento às necessidades do corpo escolar (professores, alunos e gestores), sem nenhum tipo de vínculo com a comunidade na qual está inserida a escola.

Ao pensar essa integração com o meio ambiente e seu sistema, estão os estímulos gerados e recebidos pela biblioteca escolar, os inputs, a throughput, os outputs, o feedback e o meio ambiente, que podem ser considerados conforme a seguir:

  1. Inputs: entrada de matéria, energia e informação. Identificar questões sociais, culturais e políticas que emergem da comunidade e impactam na formação dos alunos tais como: inclusão social, violência doméstica, empreendedorismo, economia doméstica, preservação do meio ambiente, conservação do patrimônio público, etc.

  2. Throughput (transformação): consiste na avaliação, transformação e processamento dos inputs recolhidos, convertendo-os em produtos e serviços úteis e direcionados às necessidades da escola e da comunidade em geral.

  3. Outputs: consiste na aplicação dos inputs recebidos e transformados em produtos e/ou serviços, nesta etapa todos que integram o sistema escolar e seus subsistemas (alunos, funcionários, professores, pais, comunidade etc.) estes devem estar interagindo.

  4. Feedback (retroação): consiste na avaliação das entradas e saídas de estímulos do sistema, esta etapa apresenta dois tipos de aspectos: positivos, capazes de acelerar os outputs, ou negativos, que vão desestimular novos outputs.

  5. Meio ambiente: divide em dois tipos

    - Ambiente interno: setores e dependências da escola;

    - Ambiente externo: comunidade na qual a escola está inserida.

Esses estímulos da teoria sistêmica, aplicados à realidade do ecossistema escolar, podem ser ilustrados conforme a seguir (Figura 2):

Figura 2 Ecossistema: comunidade – escola. 

Fonte: Trindade (2019, p. 41).

Na Figura 2, observa-se a representação da escola como um sistema formado por subsistemas (funcionários, alunos, biblioteca, gestores e professores), inserida no macrossistema comunidade e cercada de outros subsistemas, estando todos em constante fluxo de relações, atuando diretamente nas transformações que ocorrem no todo ecossistêmico.

Neste cenário, a biblioteca escolar age como parte integrante do sistema escolar e seus subsistemas, relacionando-se com os demais subsistemas e executando o processamento interno deste sistema. Portanto, a escola como um sistema tem como missão educar e ensinar para a sociedade, integrando ações que aproximem a comunidade e influenciem transformações positivas.

A biblioteca escolar, como um órgão de apoio escolar, tem como premissa servir aos interesses e objetivos da escola, neste caso, deve servir não só ao ambiente interno da escola como também ao seu ambiente externo: a comunidade.

Compreende-se a comunidade como alunos, os pais e familiares de alunos que habitam no entorno da escola. Nesse processo, as ações pedagógicas devem ser pensadas em conjunto com o currículo proposto pelas instituições que regulamentam as normativas educacionais, mas sem deixar de lado que os espaços formativos não são apenas as salas de aula e as ações das famílias que muitas vezes são levadas em consideração ou ocorre de forma muito limitada, tem um impacto nas atividades de aprendizagem dos alunos, tanto dentro quanto fora do horário escolar. Dessa forma, é preciso compreender e considerar a comunidade como um agente educativo.

Também “[...] a biblioteca deve moldar-se aos indivíduos e aos objetivos da comunidade. Se a comunidade se esforça para crescer a biblioteca também precisa crescer. Se você se preocupa com o futuro, ou com a economia, ou com o futuro da democracia em seu país, sua biblioteca também deve se preocupar (Lankes, 2016, p. 24).

A biblioteca escolar deve promover e possibilitar ações e reflexões acerca de temas relacionados aos interesses da escola e da comunidade, além de fomentar o hábito da leitura, construindo um espaço democrático de diálogo, tornando-se capaz de contribuir como um agente de transformação social em seu meio ambiente. Se a escola busca integrar a comunidade e desenvolver-se junto a esta, tão logo a biblioteca escolar deve atuar com o mesmo foco da escola.

3. A escola da comunidade

É possível compreender no contexto brasileiro como os elementos da teoria sistêmica podem ser aplicados a atuação da biblioteca escolar, e mais particularmente no Estado do Amazonas, situado na região norte do Brasil conforme ilustrados nos casos a seguir. Os casos selecionados para esse estudo foram identificados de formas diferentes: o primeiro trata-se de um recorte da pesquisa de mestrado referente a dissertação A biblioteca escolar como agente transformador da sociedade: uma perspectiva ecossistêmica, apresentada no Programa de Pós- Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade Federal do Amazonas (Trindade, 2019). O segundo caso é o relato de experiência da bibliotecária Lisane Marcela Teixeira Laborda Mendes, que compõe a obra Por que Precisamos de Bibliotecários? (Mendes, 2021).

Ambos foram escolhidos com o intuito de contextualizar realidades encontradas na região do Estado do Amazonas, que apresenta especificidades inerentes apenas a ele, como por exemplo, ser o maior em extensão territorial, apresentar um dos mais baixos índices de densidade demográfica do país, com 2,23 habitantes por quilômetro quadrado e um médio Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,674,índice constituído pelos três pilares avaliativos de saúde, educação e renda, ocupando a décima oitava posição, se comparado aos outros estados do país, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (Brasil. IBGE, 2010).

Assim, a biblioteca escolar pode ser uma ferramenta importante para uma mudança educacional da população, sobretudo em municípios que não dispõem de bibliotecas públicas, conforme dados oficiais do Registro Nacional de Bibliotecas Públicas coordenado pela Fundação Biblioteca Nacional, que evidenciava que dos 62 municípios do Estado do Amazonas, apenas 9 tinham bibliotecas públicas, sendo uma realidade onde as condições não são favoráveis e demandam pensar em unir forças e pensar em melhores e favoráveis perspectivas (Siqueira, 2016).

Dados mais recentes evidenciam que no Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas há o registro de 59 bibliotecas públicas, embora não seja possível aferir a evidência sobre instalações, equipamentos físicos e tecnológicos, acervos, serviços, quadro de pessoal e outros e o funcionamento para atendimento ao público conforme apresentado por Magalhães (2019).

De fato, não há um acompanhamento da criação e manutenção das bibliotecas, e nem sequer a supervisão de suas reais existências. Nessa linha de considerações, Magalhães (2019) constatou o desconhecimento sobre a condição da biblioteca pública dos municípios pela coordenação do Sistema Estadual de Bibliotecas Públicas do Amazonas:

Não basta a existência de listas, é necessário que se compreenda que um sistema de bibliotecas deve servir para estabelecer meios e ações em prol de objetivos conjuntos, numa perspectiva onde atuações, procedimentos e serviços estejam articulados entre as unidades (bibliotecas) e onde o fluxo de informações gere condições para usufruto do todo que pode ser oferecido. A informação deve ser à base para uma proposta sistêmica entre bibliotecas. (Magalhães, 2019, p. 158).

O primeiro caso que ilustra essa realidade é encontrado na cidade de Itacoatiara, a terceira cidade mais populosa do Estado do Amazonas, de acordo com o último censo do IBGE no ano de 2010, o quantitativo populacional era de 86.839 habitantes (Brasil. IBGE, 2010). Nesse município a ação da Coordenadoria Regional de Educação de Itacoatiara, pertencente a Secretaria de Educação do Estado do Amazonas, é composta por uma rede de 8 bibliotecas escolares.

As bibliotecas oferecem, em seus espaços, o livre acesso à comunidade em geral para consulta e estudos e anualmente, no mês de novembro, as bibliotecas realizam a Mostra de Bibliotecas Escolares da Rede Estadual de Ensino, que acontece em espaços púbicos como pontos turísticos da cidade (fig. 3). Tais bibliotecas bem como suas ações, são planejadas e coordenadas pela bibliotecária Nábia Santeiro e envolvem as escolas da rede estadual de ensino e a comunidade local (Trindade, 2019, p. 86).

Figura 3 Mostra de Bibliotecas Escolares da Rede Estadual de Ensino em Itacoatiara, município do Amazonas. 

Fonte: Trindade (2019, p. 87).

No segundo caso retratado está a Biblioteca Escolar “Elson Farias”, pertencente ao grupo escolar Creche Escola Bebê Bombom e o Colégio Connexus,3 fundado em 1987 e sediado na Zona Centro-sul de Manaus.

A biblioteca escolar “Elson Farias”, comandada pela bibliotecária Mendes, desenvolve uma série de ações para promoção do acesso à educação, informação e cultura no ambiente escolar, atende alunos que vão desde a primeira infância a adolescência (Mendes, 2021).

Dentre as ações da biblioteca escolar destaca-se o projeto Paradidático solidário (Figura 4), criado em 2018 o projeto busca doar livros para bibliotecas e projetos em áreas periféricas da cidade de Manaus. Apesar do grupo escolar estar inserido no sistema privado de ensino, encontrou por meio do projeto paradidático solidário contribuir com desenvolvimento de seu meio social.

Por meio de campanhas o projeto realiza a arrecadação de livros e materiais entre os alunos e a comunidade escolar, e posteriormente as arrecadações são entregues em instituições carentes tais como bibliotecas de escolas públicas e abrigos de caridade.

O projeto, além de visar a responsabilidade social, contribui com a formação de leitores em comunidades carentes que não têm acesso a espaços de leitura e informação. Estrategicamente promove uma experiência única aos alunos, que geralmente têm pouco ou nenhum contato com realidades tão diferentes das suas, trabalhando nestes a solidariedade e a cidadania (Mendes, 2021).

Figura 4 Apresentação da bibliotecária Lisane Mendes sobre o Projeto Paradidático solidário. 

Fonte: Canal Grupo de Pesquisa GRUPIC (2020).

Observa-se que nos casos relatados o bibliotecário tem papel essencial nesse processo, uma vez que a biblioteca escolar como agente integrado ao aprendizado como um ato social, deve oferecer produtos e serviços capazes de atender ao interesse da escola além de promover vínculos de integração com a sociedade.

Este espaço deve dispor ainda de um uma equipe capacitada, destaca-se que o bibliotecário deve assumir uma postura participativa nesse processo, tornando- se o mediador entre os usuários e a informação. É fundamental que a biblioteca escolar integre as atividades que acontecem na escola, nas salas de aula e na comunidade, para que assim seja capaz de identificar e reconhecer as necessidades informacionais e tecnológicas de seu público. (Trindade, 2019, p. 77).

Para tal o bibliotecário e a equipe necessitam garantir que a biblioteca escolar seja continuamente um espaço de democratização e acesso a informação, atuando em parceria com o corpo pedagógico escolar e com as demandas que possam ser identificadas como necessidades da comunidade, buscar sempre que possível promover ações que integrem a função educativa e cidadã da biblioteca com a desenvolvimento social local.

Nesse cenário o bibliotecário que atua na comunidade escolar enxerga a escola como parte do ecossistema local, e identifica-se como coautor no processo de ensino aprendizagem com formação para a cidadania. É essencial e estratégico a inclusão da biblioteca escolar no planejamento e desenvolvimento das atividades de cunho pedagógico, pois o bibliotecário além do planejamento e execução das atividades técnicas deve atuar de forma a garantir o acesso à informação, a orientação a pesquisa e o incentivo à leitura.

É reconhecida a fragilidade da biblioteca escolar, assim como as experiências cotidianas dos profissionais muitas vezes acabam sendo um desafio diário pela falta de um melhor entendimento por parte da gestão do ambiente escolar sobre essa concepção, o que pode dificultar o posicionamento da biblioteca escolar como protagonista nesse cenário. A título de ilustração, observa-se que este espaço, geralmente, permanece fechado no período de férias quando poderia explorar as potencialidades lúdicas e culturais desenvolvendo práticas diversificadas de lazer, entretenimento e aprendizagem contínuos para os alunos e para a comunidade local.

De forma geral o trabalho realizado pela biblioteca escolar necessita receber o apoio da escola e buscar envolver-se à comunidade, consolidando uma atuação integrada que permita o direcionamento e desenvolvimento de ações que possam contribuir de forma participativa e democrática para o desenvolvimento social.

Conclusões

Em virtude dos estudos realizados, ficou claro que a teoria dos sistemas se faz presente e aplicável em todos os campos do conhecimento, porém falta um olhar mais aprofundado quanto a essa questão em relação a atuação das bibliotecas escolares. Na comunicação, bem como na educação, essa perspectiva é assimilada com maior frequência e clareza em vista de outras áreas do conhecimento, porém, no contexto em especial aqui tratado, das bibliotecas escolares, é latente o desconhecimento a respeito.

Ressalta-se a importância de uma comunicação eficiente e contínua entre a biblioteca escolar e seu meio ambiente interno e externo, a fim de cumprir sua missão como parte integrante e participativa do ambiente escolar e da comunidade.

Este estudo apresentou uma breve amostra de possibilidades de atuação da biblioteca escolar como agente de transformação integrado a escola e a comunidade, os casos apresentados aplicam em suas realidades as bases da visão sistêmica ao ambiente escolar, porém seria de grande relevância para temática, novos estudos acerca dessa perspectiva, em especial se podem sugerir estudos direcionados aos atores desse processo: alunos, professores, demais membros do corpo escolar e da comunidade local.

Por fim, conforme o exposto pode-se afirmar que a perspectiva do pensamento ecossistêmico, aplicado às práticas da biblioteca escolar impulsiona oportunidades significativas de transformação social, uma vez que as teorias e conceitos levantados e apresentados nessa investigação constantemente apontam rumo a construção da existência humana em equilíbrio com meio integrante.

Referências

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Notas

1Escritor, antropólogo, sociólogo e filósofo francês um dos principais pesquisadores dos estudos da complexidade e da natureza humana.

2Esta proposta fundamentada nos pensamentos de Capra (1996) e Morin (2003), no qual a coletividade desenvolve novas formas de convivência harmoniosa e consciente com a natureza e o uso dos recursos naturais.

3Grupo escolar da rede privada situado em uma área nobre da cidade de Manaus, capital do Estado do Amazonas, atende alunos em sua maioria de classe econômica privilegiada.

: 03 de Octubre de 2022; Recibido: 25 de Agosto de 2021; Aprobado: 18 de Junio de 2022

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