SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número43La cuestión de la graduación en las universidades nacionales de la Argentina: Indicadores y políticas públicas a comienzos del siglo XXIEquidad en el Sistema de Educación Superior en Chile desde la Perspectiva de los Resultados índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Indicadores

  • No hay articulos citadosCitado por SciELO

Links relacionados

  • No hay articulos similaresSimilares en SciELO

Compartir


Propuesta educativa

versión On-line ISSN 1995-7785

Propuesta educativa (Online)  no.43 Ciudad Autonoma de Buenos Aires jun. 2015

 

DOSSIER

Políticas de avaliação e regulação na educação superior brasileira: a difícil relação entre expansão, melhoria da qualidade e controle de resultados

 

Maria Do Carmo De Lacerda Peixoto*

Dra. em Educação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil; Prof. da Universidade Federal de Minas Gerais - Brasil; Pesquisadora e autora de publicações sobre políticas para a educação superior. Membro do Grupo de Pesquisas Universitas/BR e do Observatório da Educação "Políticas de Expansão da Educação Superior". Email: mcarmolp@gmail.com


Resumo

O artigo aborda as políticas de avaliação e regulação da educação superior brasileira no período entre 1995-2014, correspondente aos dois mandatos dos Presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luís Inácio Lula da Silva, e ao primeiro mandato da Presidente Dilma Rousseff. É analisada a expansão verificada no período, além da diversificação da oferta com cursos de menor duração e na modalidade a distância. Nas políticas para a avaliação e a regulação, se evidenciam as tendências a priorizar o papel do desempenho do estudante como instrumento para a regulação dos cursos superiores e de diminuição da importância das visitas de comissões externas a cursos e instituições. A conclusão da análise aponta a subordinação da avaliação aos processos regulatórios, ao contrário do que foi regulamentado na política de avaliação do SINAES, o que pode vir a ser ainda mais acentuado com a aprovação de criação da agência de avaliação e supervisão, em análise pelo Congresso Nacional.

Palavras chave: Educação superior; Avaliação; Regulação; Expansão da educação superior.

Resumen

El objetivo del artículo es analizar las políticas de evaluación y regulación de la educación superior brasileñas en el período 1995-2014, correspondientes a los dos mandatos de los presidentes Fernando Henrique Cardoso y Luís Inácio Lula da Silva y al primer mandato de Dilma Rousseff. Se presenta un análisis de la expansión verificada en el período, en asociación con la diversificación de la oferta a través de cursos de corta duración y enseñanza a distancia. En las políticas para la evaluación y regulación hay evidencias de que se toma la evaluación del desempeño de los estudiantes como mecanismo para la regulación de los cursos superiores y de que el interés por las visitas de comisiones externas de cursos y instituciones fue restringido. En conclusión, el estudio apunta a que la evaluación se encuentra subordinada a los procesos regulatorios, lo que contraría la reglamentación de la política del SINAES, y que además puede acentuarse a través de la creación de la agencia de evaluación y supervisión que se encuentra en debate en el Congreso Nacional.

Palabras clave: Educación superior; Evaluación; Regulación; Expansión de la educación superior.

Abstract

This paper deals with Brazilian evaluation and regulation policies for higher education, between 1995 and 2014, at both Presidents' Fernando Henrique Cardoso and Luís Inácio Lula da Silva mandates, and to President's Dilma Rousseff first mandate. It is analyzed the expansion that takes place in this period, besides the diversification of studies offered with short-term programs and distance learning. In the evaluation and regulation policies are remarked the trends to emphasize the role of student performance as a regulation tool for university studies and that the external commissions' visits to courses and institutions decreased importance. The analysis conclusion indicates the subordination of evaluation to regulation processes, instead of what was regulated in the evaluation policy of SINAES, which could be even stressed with the creation of evaluation and supervision agency, under analysis in the National Congress.

Key words: Higher education; Evaluation; Regulation; Higher education expansion.


 

Introdução

O debate em torno da necessidade de ajustar as instituições educacionais às demandas da economia e as críticas à ineficiência e à baixa qualidade da formação ofertada por elas se deu em conjunção com a ideologia neoliberal, como orientadora da superação da crise do final do século XX, e a globalização. Nas reformas influenciadas pelo neoliberalismo, os Estados nacionais vão assumir a lógica do mercado, importando modelos de gestão privada para o domínio público, priorizando os resultados dos sistemas educativos, a criação de mecanismos de controle e a responsabilização social. Na educação superior, entendida como alavanca de mudança social e econômica e capaz de colaborar com o projeto de reforma e modernização dos Estados nacionais, sua estrutura e organização foram criticadas pela incapacidade de se adaptar às mudanças e demandas do mercado, em especial quanto ao estreitamento dos laços com a indústria, o comércio e o setor privado. Nesse contexto, a partir dos anos 1980, sob a influência dos organismos internacionais, diversos países investiram em mecanismos de avaliação da qualidade das instituições de ensino superior, caracterizando-se o Estado avaliador. Foi assim que, de acordo com Neave (2001), assumiu relevância o desenvolvimento de programas ou políticas de avaliação destinados a mensurar a eficácia das instituições de ensino superior, legitimando e redirecionando os recursos recebidos do Estado. Essas políticas implicaram na elaboração de distintos e complexos instrumentos de coordenação e controle na administração pública, intensificando e incrementando as atividades operacionais e administrativas de intervenção e regulação do Estado nas atividades educacionais.
A partir do final do século XX, no contexto da expansão da educação superior, o Estado avaliador marca presença de forma destacada nas políticas educacionais brasileiras. Gomes e Silva (2012: 150), destacam que a emergência, formulação e implementação das políticas públicas voltadas para a educação superior no Brasil se desenvolveram em três fases. A primeira delas, a partir da década de 1980 até meados dos anos 1990, quando a avaliação adquire visibilidade em meio ao debate sobre a busca por qualidade e maior regulação do setor, para inibir a expansão dos cursos de graduação, em especial de instituições privadas. Na segunda fase, entre 1995 e 2003, a avaliação é considerada mecanismo promotor da expansão da educação superior e visa o estabelecimento de rankings, para "instituir mecanismos de competição entre as instituições, gerar informações necessárias à modernização do mercado da educação superior e realizar a privatização da oferta". A terceira fase se inicia em 2004, com a institucionalização do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES), e é marcada pelo "ecletismo avaliativo", reunindo instrumentos baseados nas experiências das políticas das duas fases anteriores. Acrescente-se à periodização dos autores, a estreita relação que se estabelece entre avaliação e regulação dos cursos e instituições a partir do final da primeira década do século XXI. Neste artigo são analisadas essas políticas na educação superior brasileira, tendo como ponto de partida o início do governo de Fernando Henrique Cardoso, em 1995. Inicialmente será feita breve aproximação conceitual dos processos de regulação e avaliação para, em seguida, analisar as características do processo de expansão verificado ao longo dos mandatos de Cardoso, Luís Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, e das políticas de avaliação e regulação implementadas no decorrer do período entre 1995 e 2014.

Os processos de regulação e avaliação

A regulação é atividade desenvolvida por uma pluralidade de instâncias e lugares, em que a ação do Estado é realizada de modo compartilhado com os interesses de diferentes atores, sobre os quais detém autoridade. Compreende a produção de regras que orientam o funcionamento de um sistema, o controle do seu cumprimento e o (re) ajustamento das ações dos atores em função das regras estabelecidas. Num sistema complexo como o educacional, a regulação resulta num sistema de coordenação, no qual interagem diversos níveis, finalidades, processos e atores, segundo racionalidades, lógicas, estratégias e interesses distintos (Farenzena e Marchand, 2013). Ao ressaltar a historicidade das ações de regulação, Sousa (2012) afirma ser equivocado dizer serem elas atividades instituídas pelo Estado de características neoliberais. Essa assertiva é sustentada em Barroso (2005), para quem a atual difusão do termo regulação na área educacional, está associada ao objetivo de atribuir outro estatuto à intervenção do Estado na condução das políticas públicas. Segundo o autor, muitas das referências feitas a esse novo papel regulador do Estado servem para demarcar as propostas de modernização da administração pública, em relação às práticas tradicionais de controle burocrático, pelas normas e regulamentos próprios da intervenção estatal.
Para Antunes (2007), a regulação é o conjunto de atividades orientadas para produzir a concordância entre comportamentos individuais e coletivos Para mediar os conflitos sociais e limitar as distorções produzidas pelo processo de acumulação a níveis compatíveis com a coesão social, essas atividades se caracterizam pela tendência à estabilização e institucionalização. Observa a autora que, o Estado não manteve o controle da regulação, constituindo-se como "regulador de último recurso", isto é, ele mantém a autoridade e a responsabilidade pela governança da educação, embora não controle o modo como são coordenadas as atividades. Em sintonia com Antunes, Barroso afirma que, no sistema educativo, a regulação "não é um processo único, automático e previsível, mas sim um processo compósito que resulta mais da regulação das regulações, do que do controle direto da aplicação de uma regra sobre ação dos 'regulados'" (2005: 733-734). Por isso, considera mais adequado falar em "multi-regulação", na qual os ajustamentos e reajustamentos decorrentes dos processos de interação dos vários dispositivos reguladores resultam dos interesses, estratégias e lógicas de ação de diferentes grupos de atores, por meio de processos de confrontação, negociação e recomposição de objetivos e poderes. Nesse sentido, a natureza e o significado da regulação dos sistemas educativos além de modificações, apresentam distinções importantes. Antunes (2007) registra ter a regulação saído de uma forma determinada por regras, que operava através dos inputs, isto é, normas, orientações, recursos e políticas fornecidas ao sistema educativo, para uma forma determinada por objetivos, que atua de acordo com determinadas realizações ou outputs do sistema. No patamar seguinte, a base da regulação reside nos resultados (outcomes) determinados para o sistema, de modo que esses resultados sejam traduzidos em desempenhos, produtos e saídas imediatas, exibidas pelas escolas e face aos quais elas serão avaliadas.
As informações e juízos gerados pela avaliação constituem a base da atividade regulatória. Tendo em vista que para sua realização a regulação depende da verificação da correspondência entre e os dados e informações obtidos e o que foi estabelecido nas normas que foram acordadas, bem como de um julgamento sobre esses resultados, ela tem que estar associada à avaliação. O crescente interesse por essa atividade por volta da década de 1980, por parte dos governos neoliberais, foi traduzido pela expressão "Estado avaliador". Para Broadfoot (2000, apud Sousa, 2012), a partir de uma falsa promessa de maior autonomia das instituições, a filosofia subjacente a esse tipo de Estado é a de reforço do controle, pois, ao descentralizar funções para as instituições, o modelo impõe um grande número de avaliações de resultados e a produção de indicadores de desempenho.
As primeiras avaliações empreendidas pelo Estado eram atividades rotineiras, com o objetivo de estabelecer o controle do cumprimento de metas pré-estabelecidas na legislação. Com a progressiva complexificação e expansão da economia globalizada, o Estado passou a fazer uso de instrumentos cada vez mais sofisticados, visando orientar as políticas nacionais. Nesse sentido, a avaliação despontou como importante mecanismo para o planejamento das políticas, de modo a fazer com que o controle dos recursos investidos e dos resultados alcançados viesse a se consolidar como a principal engrenagem da gestão educacional. A partir da aplicação de provas padronizadas e da prestação de contas pelas instituições de ensino superior, o Estado atua no sentido de aprimorar a formação dos indivíduos de acordo com as demandas do mercado de trabalho, podendo obter uma relação custo/benefício mais eficiente dos investimentos, além de compartilhar as responsabilidades pela gestão (Sousa, 2012). Numa perspectiva de crítica dessa concepção na educação superior, Dias Sobrinho (2000:195) considera que, ao invés de colaborar com uma regulação de controle, a avaliação deveria ser utilizada pelos órgãos governamentais para orientar o trabalho das instituições de ensino superior para o "(...) conhecimento, a interpretação, a tomada de decisões e a transformação da realidade" Para o autor, a avaliação não é uma fotografia pontual que apenas fornece elementos fragmentados de conhecimento, pois sendo "pedagógica, social, organizada e intencionalmente orientada para a transformação, ela mesma é um mecanismo de construção e elevação da qualidade". Desse modo, torna-se possível fazer com que os desempenhos e indicadores mensuráveis produzidos, ultrapassem o controle administrativo e burocrático do Estado, gerando uma reflexão permanente sobre as consequências pedagógicas e o papel das instituições de ensino superior na sociedade.
Assim sendo diz Sousa

"(...) pensar em avaliação como política pública é entendê-la como um processo dinâmico que não ocorre apenas ao final de cada etapa, projeto ou programa, mas como política pública que se institucionaliza em cada ação, com a possibilidade de intervir no replanejamento ou aprimoramento das políticas sociais em curso. Pensar em avaliação como política pública é informar os resultados da ação à sociedade, seja como parte da prestação de contas do Estado ou como forma de comprometer os envolvidos com o sucesso obtido e com as fragilidades identificadas nos resultados e metas não alcançados" (2012: 161-162).

As questões envolvidas no entendimento sobre o papel da regulação e da avaliação na educação superior, e nas políticas públicas a elas relacionadas se encontram refletidas na educação superior brasileira do período recente. É o que se verá no decorrer da análise que segue.

A educação superior no Brasil

As políticas para a educação superior no Brasil a partir da segunda metade dos anos 1990, no decorrer dos governos de Fernando Henrique Cardoso, Luís Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, se notabilizaram, de modo especial, pela expansão da oferta em diversos sentidos: extensão geográfica, volume, modalidades de ensino, diversificação institucional, notadamente pela via do ensino privado, lucrativo e não lucrativo. Os dados da tabela 1 permitem observar que, entre 1995 e 2013, o número de instituições e de cursos de ensino superior se expande, de forma acentuada e continuada1. Os dados de 2014 ainda estão sendo coletados pelo Ministério da Educação, o que não compromete a análise do primeiro mandato de Dilma Rousseff.

Tabela 1. Evolução da expansão de instituições e da participação do setor privado, e dos cursos, na educação superior brasileira:

Fonte: Censo da Educação Superior/INEP/MEC.

Entre 1995 e 2013, o número total de instituições de ensino superior teve aumento percentual de 161%, tendo a expansão no segmento particular ocorrido em proporção superior à do total, correspondendo a 200% em relação ao ano inicial, enquanto o crescimento das instituições públicas foi de apenas 36%. A expansão do número de cursos, por sua vez, foi de mais de quatro vezes ao longo do período. Em números absolutos, o processo foi mais acentuado no decorrer dos dois mandatos de Fernando Henrique e de Lula, enquanto a expansão de cursos se deu em maior proporção nos governos Lula. No interior desse processo verificou-se a introdução, em 1997, de nova forma de organização acadêmica, os centros universitários, com presença exclusiva no interior do setor privado, e aos quais foram atribuídas características antes reservadas apenas às universidades. De acordo com Cunha (2004 :54), "Quase autônomos ou detentores de quase toda a autonomia universitária, os centros universitários ocupam o lugar, no discurso reformista oficial, da universidade de ensino, definida esta por oposição à universidade de pesquisa, a que seria plenamente constituída". No conjunto das instituições brasileiras, contudo, tanto as universidades quanto os centros universitários representam uma pequena proporção, correspondendo, em 2013, as primeiras a 8% e os segundos a 6%, enquanto as faculdades são mais de 80% das instituições. No período analisado institucionalizou-se o "capitalismo acadêmico" na educação superior brasileira, com a expansão das instituições lucrativas e, ao longo da primeira década do século XXI, desenvolveu-se processo ainda mais intenso nesse segmento, com fusões comerciais entre instituições do país e do exterior e instituições oferecendo ações nas bolsas de valores. Tudo isso configurou, segundo Carvalho um

"movimento multifacetado de financeirização, oligopolização e internacionalização da educação superior brasileira. Ainda que o processo de mercantilização restrinja-se a poucas instituições de educação superior mercantis, esses estabelecimentos representam um número expressivo de matrículas e cursos. Mais do que isso, é um elemento central na análise acerca dos limites e das possibilidades da política pública educacional" (2013: 773).

No número de alunos matriculados a expansão ocorreu de forma ainda mais acentuada, conforme mostram os dados da tabela 2.

Tabela 2. Evolução das matrículas no ensino superior brasileiro e da participação do setor privado: 1995-2013

Fonte: Censo da Educação Superior/INEP/MEC.

Entre 1995 e 2013, as matrículas cresceram 915% nas instituições privadas, ao passo que no setor público o crescimento foi de apenas 57%, tendo a expansão total de matrículas atingido 374% em relação ao registrado em 1995. Em proporção reduzida entre as instituições, as universidades foram responsáveis, em 2013, por 50% das matrículas, ficando as faculdades com 34% e os centros universitários com 14%. Apesar desse crescimento, a taxa de escolarização na educação superior brasileira tem evoluído de modo bastante lento, e ainda precisa ser muito ampliada para atender à população, conforme mostra a tabela 3.

Tabela 3. Evolução da taxa de escolarização na educação superior brasileira:

Taxa líquida ajustada 11,2 18,8 Taxa líquida 9,8 15,1 Taxa líquida ajustada: população de 18 a 24 anos que frequentou ou que já concluiu educação superior
Fonte: PNAD/IBGE

No Plano Nacional de Educação para o decênio 2001-2010, a principal meta para o ensino superior era elevar as matrículas a 30% da população brasileira, na faixa etária de 18 a 24 anos. Este indicador foi mantido e ampliado no Plano Nacional de Educação para o decênio 2014-2024, com meta de elevar a taxa bruta para 50% e a taxa líquida para 33% no período, devendo 40% das matrículas serem efetivadas no segmento público da educação superior. Trata-se de objetivo que exigirá um grande aporte de recursos financeiros, mas, exigirá ainda maior determinação política por parte dos governos do país no decênio.

As políticas de expansão da educação superior

De acordo com Carvalho (2015) as políticas de expansão no período analisado se realizaram com base em quatro premissas que favoreceram, sobretudo, o segmento particular: a) diversificação de cursos; b) diferenciação institucional; c) combate às desigualdades regionais em ter- mos educacionais; d) expansão via cursos noturnos. Buscou-se atender, além disso, á demanda estudantil por meio da criação de novas formas de acesso, e da implantação de políticas de ação afirmativa. Nos governos de Fernando Henrique Cardoso houve acentuada redução de investimentos na educação superior pública, com consequente transferência da responsabilidade para o setor privado. Este quadro se configurou no contexto da reforma do Estado2, no qual este nível de ensino passou a ser considerado de natureza pública, porém não necessariamente estatal.
A política pública no primeiro governo Lula não pôde alterar a trajetória percorrida no período anterior, concentrando-se em aperfeiçoar ou restringir a aplicabilidade da legislação existente, fazendo uso, entre outros meios, do estabelecimento de critérios mais rigorosos para a definição dos formatos de universidades e centros universitários. A partir do segundo mandato, a política de expansão se pautou, inicialmente, pelo lançamento de programas abrangendo tanto o setor privado quanto o público. No setor privado, por meio da criação do Programa Universidade para Todos (PROUNI), a partir de 2005, que outorga bolsas totais ou parciais em cursos de graduação de instituições privadas. O PROUNI destina-se a estudantes com renda familiar mensal per capita igual ou inferior a um salário mínimo e meio, tendo ainda entre os requisitos: ter cursado o ensino médio completo em escola pública, ou como bolsista em instituições particulares; ser portador de necessidades especiais; ou ser professor da rede pública de ensino. As instituições que participam do programa são beneficiadas pela isenção de uma série de impostos.
No segmento público, a política de aumento de vagas tomou novo formato, impulsionada, segundo Carvalho (2015), pelo crescimento econômico e a maior disponibilidade de recursos da União, direcionados à recuperação das verbas de custeio, pessoal e investimentos das universidades federais. Atuando na direção contrária do governo Fernando Henrique, o governo Lula buscou realçar a importância das universidades públicas, priorizando a expansão do segmento público federal. A primeira fase desse programa teve início em 2003, voltada para a interiorização e criação de novas universidades federais e a construção de novos campi naquelas já existentes. A implantação do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), a partir de 2008, marca a segunda fase da expansão. O REUNI objetivou dobrar o número de estudantes matriculados em cursos de graduação das universidades federais. Esse incremento de vagas inclui a melhoria de dois indicadores específicos: elevação gradual para 90% na taxa de conclusão dos cursos de graduação presenciais, e relação de 18 alunos por professor nesses cursos, ao final de cinco anos. No programa estão incluídos, ainda, a redução das taxas de evasão e o aumento das vagas de ingresso, devendo nesta oferta 30% ser no período noturno.
A expansão de instituições, cursos e vagas no setor público foi feita com o objetivo de reduzir as desigualdades regionais, tendo a ampliação das instituições federais de ensino superior ocorrido em todas as regiões do país. No mesmo período, o crescimento do setor privado se concentrou nas regiões Sul e Sudeste, onde a lucratividade do investimento é mais elevada, em especial em São Paulo, estado mais rico da federação. No âmbito do REUNI, as universidades federais existentes abriram novos campi no interior de todos os estados da federação. Foram também criadas novas universidades, todas localizadas em cidades do interior dos estados. A interiorização de oportunidades educacionais foi favorecida, ainda, pelo reordenamento e expansão de outro segmento das instituições federais de ensino superior, as instituições federais de educação tecnológica (IFETs). A distribuição dessas instituições entre os dois mandatos de Lula e o primeiro de Dilma é mostrada na tabela 4.

Tabela 4. Distribuição das universidades federais e das instituições federais de educação tecnológica por regiões geográficas: 2003-2013

Fonte: Censo da Educação Superior/INEP/MEC.

Os dados da tabela permitem observar que, além de o crescimento ter ocorrido em todas as regiões geográficas, houve um direcionamento maior dele para as regiões Norte e Nordeste, historicamente menos favorecidas pelas políticas anteriores de expansão da educação superior, e cujas condições econômicas não foram consideradas tão atrativas para o investimento pelo setor privado. Por sua vez, a reorganização e expansão dos IFETs está sintonizada com a visão de organismos multilaterais como Banco Mundial e UNESCO, no que diz respeito à orientação para que os países passem a atuar visando a diferenciação institucional na educação superior e a diversificação de cursos, por meio de programas de estudos mais curtos e do uso do ensino a distância, de modo a atender às necessidades do mercado de trabalho e à diversidade do público estudantil. Os dados da tabela 5 mostram a evolução da expansão da oferta de cursos de graduação em educação a distância (EaD) e de cursos superiores de tecnologia, que ocorreram ao longo dos governos Lula e Dilma.

Tabela 5. Evolução das matrículas em cursos na educação a distância e em cursos superiores de tecnologia nos setores público e privado: 2003 - 2013

Fonte: Censo da Educação Superior/INEP/MEC.

No primeiro ano do governo Lula, a participação das instituições privadas na oferta de educação a distância representava apenas 20% do total, embora os quase 50.000 alunos desta modalidade representassem muito pouco, em comparação com as 3.887.022 de matrículas presenciais de 2003. Ao longo do período, no entanto, as matrículas na EaD cresceram bastante, em especial no segmento privado, da ordem de 97,8%, enquanto no setor público o aumento foi de apenas 2,9%, totalizando um acréscimo percentual de 22,1% das matrículas em educação a distância. Essa expansão foi mais acentuada durante os dois mandatos do governo Lula, tendo em vista que, 17,6% do crescimento já haviam sido efetivados até 2010, ficando uma diferença de apenas 4,5 pontos percentuais para o período seguinte. No setor privado, a expansão nos governos Lula foi da ordem de 73,1% - diferença de 25 pontos percentuais em relação ao mandato de Dilma -, e de 3,6% para o setor público. O crescimento da oferta pública na educação a distância, apesar de em proporção reduzida, foi estimulado pela criação, pelo governo federal, do sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB), que articula universidades públicas, estados e municípios para a oferta de cursos na educação a distância, priorizando iniciativas voltadas para a formação docente na educação básica. Na educação tecnológica a expansão também foi priorizada pelo setor privado, embora o crescimento seja menor em comparação com o que ocorreu na EaD. A oferta privada já vinha ocorrendo nesse tipo de cursos antes de 2003, ano em que representava 66% do total de matrículas. Ao longo do período, a expansão total nessa modalidade atingiu 7,7%, sendo 10,2% no setor privado, enquanto no público cresceu 2,7%. Ou seja, embora em proporções mais reduzidas, teve padrão de crescimento similar ao verificado na educação a distância. Outro aspecto a assinalar, é que a política de expansão da educação tecnológica foi assumida de modo mais incisivo no primeiro mandato de Dilma Rousseff do que no período de Lula, tendo em vista que enquanto cerca da metade do aumento se deu em oito anos, a outra metade ocorreu em três anos. Como medida de democratização do acesso nas instituições federais, foi estabelecido entre as metas do REUNI que 30% das novas vagas a serem incluídas pelas instituições federais nas propostas de adesão a esse programa deveriam ser oferecidas no turno da noite. Desse modo, o ensino superior noturno, que atende ao estudante trabalhador, teve a oferta pública bastante ampliada. Levantamento preliminar do programa mostra que nessas instituições, entre 2007 e 2011, a expansão da oferta de vagas no turno da noite foi de 102%.
No que se refere às ações afirmativas, no segundo mandato do governo Lula o Poder Executivo encaminhou ao Congresso projeto de lei com o objetivo de criar um sistema especial de reserva de vagas nas instituições públicas federais, para estudantes egressos de escolas públicas, em especial negros e indígenas. Este projeto somente se converteu em lei no governo da Presidente Dilma, em 2012. Por esse dispositivo legal todas as instituições federais de ensino superior devem ocupar um mínimo de 50% das vagas de todos os seus cursos e turnos com egressos de escolas públicas. A metade dessas vagas deve ser destinada a estudantes com renda familiar mensal per capita de até um salário mínimo e meio e, no conjunto, um percentual deve ser destinado para pretos, pardos e indígenas, de acordo com a proporção da representação destes grupos em cada unidade da federação, com base no último Censo Demográfico. O prazo para cumprimento desta determinação é até 2016, podendo ser implantado de forma progressiva com ocupação do mínimo de 12,5% do total de vagas a cada ano a partir de 2013. Levantamento feito por Daflon et al (2014), mostra o impacto causado por essa lei nas universidades federais. O resultado da comparação das vagas oferecidas em 20123, 2013 e 2014, é mostrado na tabela 6.

Tabela 6. Evolução da s vagas reservadas pelas instituições federais, em percentual: 2012 - 2014

Fonte: Daflon et AL (2014)

Para Feres Júnior et al (2013: 31-32) o principal efeito da nova lei consistiu em ampliar, no universo de beneficiários de escola pública e de baixa renda, a representatividade de estudantes pretos, pardos e indígenas. Ao estabelecer a relação entre o cálculo das cotas e as características demográficas de cada estado, consideram que a lei está sendo bem sucedida em respeitar as especificidades locais e, ao mesmo tempo, garantir a representatividade desses grupos étnicos no ensino superior conforme sua proporção na população. Antes da aplicação da lei eram fortes as diferenças regionais no tocante à inclusão étnico-racial, percebendo os autores que em 2013 a proporção da presença desses grupos nos estados em relação aos percentuais de vagas a eles destinados nas universidades federais havia melhorado.

Políticas de avaliação e regulação

As primeiras políticas de avaliação da educação superior vão ser propostas no Brasil a partir da década de 1980, estando sua primeira referência legal no artigo 209 da Constituição Federal de 1988. A consolidação da avaliação como marco regulatório, contudo, vai se dar com a aprovação da Lei Nº. 9.394 de 1996, que fixou as Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e instituiu a obrigatoriedade dos processos de avaliação para a renovação periódica da autorização e reconhecimento de cursos superiores, bem como para do credenciamento das instituições. Nesse sentido, a avaliação orienta as diretrizes políticas de supervisão e controle estatal, e de ações voltadas para a promoção da qualidade do sistema de educação superior. A lei definiu, ainda, a organização dos sistemas de ensino nas diversas instâncias do segmento público: federal, estadual e municipal, sendo o sistema federal de ensino integrado pelas instituições de ensino mantidas pela União e as instituições de ensino superior criadas e mantidas pela iniciativa privada. Entre outros aspectos, isso significa que, à exceção das instituições de ensino superior estaduais e municipais, todas as demais estão submetidas aos procedimentos de avaliação e regulação do governo federal.
A avaliação assumiu, assim, importância singular na política pública brasileira. Pouco antes da aprovação da LDB, em 1995, foi aprovada a Lei Nº. 9391 que criou o Exame Nacional de Cursos (ENC), estabelecendo a realização de exames obrigatórios para os concluintes dos cursos de graduação, com o objetivo de mensurar os resultados do processo de ensino-aprendizagem. Com caráter anual, esse exame seria aplicado gradualmente aos cursos até incorporar todas as carreiras desse nível de ensino. A aplicação foi feita entre os anos de 1996 e 2003, tendo no último ano participado mais de 470 mil estudantes, número pouco representativo, contudo, inferior à metade dos concluintes dos cursos de graduação daquele ano. A forma de divulgação dos resultados do ENC permitia a comparação entre diferentes instituições e o estabelecimento de rankings, estimulando a competição entre instituições e cursos, e construindo na população a ideia dos exames como mecanismo de controle de qualidade, ainda que não tenha sido registrada nenhuma consequência para os cursos. Conforme Cunha, (2003: 49): "(...) contrariando a proposta de governo do candidato Fernando Henrique Cardoso, o foco da avaliação do ensino superior deslocou-se da dimensão institucional para a dimensão individual", instalando- se uma regulação de mercado em que os cursos das diversas instituições concorriam um com outro pelas matrículas, a partir dos resultados de uma prova em larga escala e com os quais a imprensa elaborava rankings de grande divulgação. Dessa forma, a avaliação assumiu caráter de regulação e controle, até mesmo social. No que tange aos governos Lula, a intenção de revigorar a ideia da educação superior como benefício público, presente na ampliação dos investimentos feitos neste nível de ensino se manifestou, também, na política de avaliação, expressa na Lei 10.861/2004, que instituiu Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES). Pouco depois da posse, em 2003, foi criada Comissão Especial de Avaliação, com o objetivo de elaborar nova proposta de avaliação da educação superior. A proposta apresentada (SINAES, 2009) baseava-se na centralidade da avaliação institucional, iniciando com a autoavaliação e incluindo, além da avaliação de cursos uma prova realizada por áreas de conhecimento e aplicada a amostra dos alunos ingressantes e concluintes.
Tendo passado por várias modificações, a proposta foi aprovada pelo Congresso em abril de 2014, sendo instituído o SINAES, como um sistema misto, pois a lei que o criou tem tanto características da avaliação emancipatória quanto regulatória4, embora procure diferenciar os processos de avaliação e regulação. Nesse sentido, foram introduzidos vários instrumentos objetivando assegurar o caráter sistêmico da avaliação, a integração dos espaços, momentos e etapas do processo, além de informações em torno de uma concepção global única da instituição avaliada. A avaliação foi considerada como instrumento de política educacional voltado à defesa da qualidade, da participação e da ética na educação superior. Os principais instrumentos que compõem o SINAES são: avaliação institucional, compreendendo dois momentos: autoavaliação orientada e avaliação externa; avaliação de cursos de graduação, voltada para identificar as condições de ensino oferecido aos estudantes em relação ao perfil do corpo docente, às instalações físicas e à organização didático-pedagógica; exame nacional de desempenho de estudantes (ENADE), prova em larga escala, com o objetivo de verificar os conhecimentos dos estudantes acerca de conteúdos programáticos, competências e habilidades, aplicado para alunos do primeiro ano e para concluintes dos cursos de graduação. Em contraposição ao governo anterior, em que o processo era realizado verticalmente do Ministério da Educação para as instituições e cursos e com fins classificatórios, ao incluir a autoavaliação das instituições, o SINAES utiliza instrumentos e recursos que se estendem para além do controle e da verificação. De acordo com Meneghel et al (2006), pela primeira vez no país foi criada uma política nacional de avaliação fundada em perspectiva compreensiva e pedagógica que, partindo das instituições, a elas retornava, exercendo o Poder Público ação mediadora. Em 2008, porém, foram introduzidas mudanças significativas no sistema, resultante segundo Gomes e Silva (2012: 170), "de ações ministeriais para "ajustar" o Sistema e responder aos seus limites políticos". A partir da combinação de algumas variáveis com os resultados obtidos pelos estudantes no ENADE, foram criados dois indicadores sintéticos: o Conceito Preliminar de Curso (CPC) e o Índice Geral de Cursos (IGC). O primeiro tem por base os resultados do ENADE e alguns insumos relativos ao corpo docente, sua titulação e regime de trabalho, além de aspectos da infraestrutura. O segundo considera o resultado do CPC e dados de matrículas na graduação e pós-graduação, entre outros. O estabelecimento desses índices fomentou a geração de rankings de cursos e instituições, passando seus resultados a desempenhar papel preponderante na regulação da educação superior.
Conforme se observou, nos anos seguintes houve paulatina diminuição da importância dos processos de visitas de comissões para avaliação de cursos. De acordo com as portarias que regulamentaram os índices, quando o resultado do Conceito Preliminar de Curso, hieraquizado em escala de 1 a 5, for igual ou superior a 3 fica dispensada a visita de comissões externas para a renovação de reconhecimento do curso. Configura-se, desta forma, uma regulação baseada em resultados, sintonizada com as modificações do seu significado nos sistemas educativos apontadas por Antunes (2007). O argumento que sustentou essa alteração se baseou na impossibilidade logística de proceder às visitas para mais de 30.000 cursos, de forma a conseguir realizar a renovação periódica de reconhecimento, conforme estabelecido na LDB. Em consequência, restringiu-se a oportunidade de que coordenadores dos cursos e instituições pudessem fazer sua análise sobre o corpo docente, as condições de infraestrutura e a estrutura curricular, a partir da vista de comissões de avaliadores. Dessa forma, além da visita de avaliação para reconhecimento, a grande maioria dos cursos passou a ter sua qualidade avaliada, principalmente, pela participação dos estudantes no ENADE. Aspecto negativo resultante desta situação é apontado por Bertolin e Marcon (2015: 119), a partir de evidências de ser o capital cultural, construído no contexto familiar, social e econômico dos estudantes o fator que mais impacta o desempenho dos graduandos em exames de larga escala. Assim sendo, afirmam os autores

 "(...) é muito provável que um curso e uma instituição de educação superior com grande relevância e pertinência social, num contexto geográfico de grande vulnerabilidade socioeconômica e com perfil de alunos pertencentes a classes sociais menos favorecidas, serão avaliados pelo Estado e "taxados" pela sociedade como elementos do sistema sem qualidade ou desnecessários".

A predominância da regulação sobre a avaliação vai se acentuar ainda mais a partir de 2011, quando houve uma reordenação dos setores no interior do Ministério da Educação, sendo criada a Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (SERES). A responsabilidade pelas atividades desses campos em todas as áreas da educação superior - presencial, a distância e tecnológica - anteriormente distribuídas entre as Secretarias de Educação Superior e de Educação Tecnológica, foram centralizadas na SERES. De modo relativamente rápido, este órgão assumiu o controle dos processos, agindo até mesmo de modo quase informal, ao "legislar" por meio da divulgação de notas técnicas e não mais de portarias. As visitas de comissões de avaliação externa de cursos, quando ocorrem, devem ser demandadas pela Secretaria, como parte das etapas de processo regulatório instaurado. Ainda novo direcionamento foi dado, em agosto de 2012, quando o Executivo encaminhou ao Congresso Nacional projeto de lei que cria o Instituto de Avaliação e Supervisão da Educação Superior (INSAES), estruturado com características similares às agências reguladoras5. O projeto visa o aprimoramento e a atualização das estruturas de gestão, de processos e sistemas de informação, frente ao volume de instituições e cursos, de modo a dotar de efetividade as ações destinadas à qualidade. A criação do instituto ainda não foi aprovada, e tem sido objeto de críticas sob os mais diversos ângulos.
Nunes et al, por exemplo, questionam o fato de que o projeto menciona as funções de regulação e avaliação, sem atentar para o fato de que já existe arcabouço legal bem delimitado e implementado para a realização dessas funções, a lei do SINAES. Explicitam, ainda, que com "a consolidação, sob um mesmo teto, dos atos relativos à avaliação, regulação e fiscalização. (...) a iniciativa demonstra, em primeira instância, que os processos podem conversar entre si, mas também pode indicar o risco de supremacia de um processo sobre os demais" (2012: 33). O posicionamento da Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior (CONAES), instituída pela lei que criou o SINAES, foi enfático, no entendimento de que é imprescindível que os processos de avaliação sejam desenvolvidos de forma autônoma e independente dos de supervisão e de regulação. Em correspondência enviada à Associação dos Dirigentes das Instituições Federais, a CONAES observou: "De acordo com o que ocorre no âmbito internacional, a regulação pode ser entendida como uma política de "governo", pois seu grau de exigência pode (e deve) ser ajustado em função de políticas (às vezes conflitantes) de expansão e de garantia de padrões de qualidade mínima. A avaliação, por outro lado, deve ser entendida como uma política de "estado", pois procedimentos e critérios têm que ser fundamentados numa concepção de qualidade e baseados em noções de ordem técnica, protegidos de interferências de natureza política e/ou imediatista" (CONAES, 2013)
A criação do INSAES, contudo, parece ser fato consumado. As injunções políticas, econômicas e ideológicas desse início do segundo mandato de Dilma Rousseff tornam difícil, no entanto, prever sua configuração final, bem como os impactos que produzirá sobre as políticas de avaliação e regulação da educação superior brasileira.

Conclusão

A política original proposta para o SINAES fracassou no que diz respeito ao cumprimento dos propósitos de participação, democracia e respeito à identidade institucional. Além disso, a implantação do sistema continua incompleta, tendo em vista que da estrutura original - instituições, alunos e cursos - apenas o ENADE e, em certa medida, a autoavaliação institucional, têm cumprido seus objetivos. As avaliações externas, tanto das instituições quanto dos cursos, estão condicionadas à agenda da regulação, a partir da criação dos chamados indicadores de qualidade e, em especial, a partir da criação da Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior. Nos objetivos e finalidades do SINAES se encontram tanto a avaliação formativa, que aponta os pontos fortes e fracos do funcionamento institucional, permitindo o aprimoramento contínuo, quanto a somativa, que verifica as condições de funcionamento e exige a obediência a um padrão mínimo de qualidade para a permanência no sistema federal. Para Ribeiro (2015), aí reside o grande desafio do SINAES enquanto um sistema, porque envolve um conjunto diversificado de atores: os avaliados que são os dirigentes e mantenedores, os professores funcionários e alunos; e os avaliadores, diferentes atores que examinam as condições de organização e funcionamento da instituição, contribuindo com a sua evolução qualitativa, e também que fiscalizam o cumprimento das condições preconizadas para instituição.
Em termos da qualidade, também não se pode dizer que o SINAES tenha conseguido produzir modificações relevantes na educação superior. Os números e o ritmo da expansão de instituições, cursos e matrículas, em especial, o fato de ter sido reduzida a mecanismo de controle da expansão, são indicações do tamanho do desafio a ser enfrentado pela política de avaliação da educação superior no Brasil. A concepção fortemente mercantilizada, que caracterizou essa expansão, precisa ser acompanhada por processos avaliativos mais potentes. De acordo com Sousa (2012), a utilização da avaliação apenas como vetor da regulação restringe a autonomia das instituições e conduz a uma política de controle de resultados, sem contribuir para uma gestão acadêmica que visa à melhoria da qualidade. Os interesses, estratégias e lógicas de ação dos diferentes grupos de atores, envolvidos nas políticas de avaliação e nas de regulação, precisam receber tratamento adequado, de modo a que as primeiras não só forneçam juízos necessários para a realização da regulação, como também contribuam para o aprimoramento da gestão acadêmica, independente dos processos regulatórios.

Notas

1 Os anos de 1995 e 2002 correspondem aos dois mandatos de Fernando Henrique. Os dois mandatos de Lula foram cumpridos entre 2003 e 2010, e o primeiro de Dilma entre 2011 e 2014.

2 Esta reforma se orientou por diretrizes difundidas no contexto internacional de retirada do Poder Público das atividades de produção de bens e serviços; criação de marcos regulatórios para os setores privatizados ou liberalizados; e implementação de reformas gerenciais na administração pública, para combater a estagnação econômica e a crise fiscal.

3 O percentual de vagas reservadas do ano de 2012 se deve ao fato de que desde o início do século XXI diversas universidades públicas haviam implantado tipos variados de ações afirmativas.

4 São dois paradigmas diferentes de avaliação: a formativa e a somativa, sendo que a primeira é realizada ao longo do processo, com a participação dos atores, e que deve considerar toda a instituição, com a possibilidade de alcançar status emancipatório (Saul, 1994). Já a avaliação somativa verifica os resultados alcançados ao final do processo e apresenta um viés regulatório, devido à utilização que é dada aos

5 Segundo Nunes et al (2012), as diversas agências reguladoras foram criadas no Brasil como órgãos independentes e não como departamentos subordinados à administração direta. Esta criação se insere no contexto mais amplo de reforma do Estado, implementada durante os dois mandatos do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), sendo que nos governos Lula e Dilma essas agências foram fortalecidas e consolidadas.

Bibliografía

1. Antunes, F. (2007), "O espaço europeu de ensino superior para uma nova ordem educacional?", ETD - Educação Temática Digital, Campinas, dez., v.9, n. esp., pp.1-28.         [ Links ]

2. Barroso, J. (2005), "O Estado, a educação e a regulação das políticas públicas", Educação & Sociedade. vol.26, n.92, pp. 725-751.         [ Links ]

3. Bertolin, J. C. G. e Marcon, T. (2015), "O (des)entendimento de qualidade na educação superior brasileira - Das quimeras do provão e do ENADE à realidade do capital cultural dos estudantes", Avaliação, Campinas, vol.20, n.1, pp. 105-122.         [ Links ]

4. Broadfoot, P. (2000), "Um nouveau mode de régulation dans un système décentralisé: l'État évaluateur", Revue Française de Pédagogie, vol.130, n.1, pp.43-55. Disponível em http://persee.fr/web/revues/home/prescript/article/rfp (Acesso em 10 de abril de 2015).         [ Links ]

5. Carvalho, C. H. A. de (2013), "A mercantilização da educação superior brasileira e as estratégias de mercado das instituições lucrativas", Revista Brasileira de Educação, vol.18, n.54, pp. 761-776        [ Links ]

6. Carvalho, C. H. A. de (2015), "A política pública de expansão para a educação superior entre 1995 e 2010: uma abordagem neoinstitucionalista histórica", Revista Brasileira de Educação, vol.20, n.60, pp. 51-76.         [ Links ]

7. CONAES (2013), "Ofício nº 77/2013 encaminhado ao Presidente da ANDIFES, Assunto: Observações da CONAES sobre o PL 4372/2012 que cria o INSAES", Brasília, 17 de outubro de 2013.         [ Links ]

8. Cunha, L. A. (2004), "O ensino superior no octênio FHC", Educação & Sociedade, Campinas, vol. 24, n. 82, pp. 37-61.         [ Links ]

9. Cunha, L. A. (2003), "O ensino superior no octênio FHC", Educação & Sociedade, Campinas, vol. 24, n. 82, pp. 37-61.         [ Links ]

10. Daflon, V. T., Feres Júnior, J. e Moratelli, G. (2014), Levantamento das políticas de ação afirmativa 2014: evolução temporal e impacto da Lei nº 12.711 sobre as universidades federais, GEMAA. Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa, abril, Disponível em: http://gemaa.iesp.uerj.br/publicacoes/levantamento/impacto-da-lei-n-12-711-sobre-as-ifes-2014.html (Acesso em 17 abril 2015).         [ Links ]

11. Dias Sobrinho, J. (2000), "Avaliação da educação superior", São Paulo, Cortez.         [ Links ]

12. Farenzena, N. e Marchand, P. S. (2013), "Relações intergovernamentais na educação à luz do conceito de regulação", Cadernos de Pesquisa, vol.43 n.150 set./dez, pp.788-811.         [ Links ]

13. Feres Júnior, J., Daflon, V. T., Ramos, P. e Miguel, L. (2013), Levantamento das políticas de ação afirmativa: impacto da Lei nº 12.711 sobre as universidades federais, GEMAA. Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa, abril de 2014, Disponível em: http://gemaa.iesp.uerj.br/publicacoes/levantamento/levantamento2.html (Acesso em 17 abril 2015).         [ Links ]

14. Gomes, A. M. e Silva, A. l. (2012), "Políticas de avaliação na educação superior no Brasil: um balanço", em A. M. Gomes e J. F. Oliveira (orgs.), Reconfiguração do campo da educação superior, São Paulo, Mercado das Letras, pp. 145-185.         [ Links ]

15. Meneghel, S. M., Robl, F. e Silva, T. (2006), "A relação entre avaliação e regulação na educação superior: elementos para o debate", Educar em Revista, v. 28, pp. 89-106.         [ Links ]

16. Neave, G. (2001), "Reconsideración del estado avaliador", em G. Neave (org.), Educación superior: história y política, Barcelona, Gedisa, pp. 211-240.         [ Links ]

17. Nunes, E. de O., Fernandes, I. e Albrecht, J. V. de (2012), O INSAES como agência reguladora atípica (análise a partir do PL n° 4.372/2012), Observatório Universitário, documento de trabalho nº 104.         [ Links ]

18. Ribeiro, J. L. de S. (2015), "SINAES: o que aprendemos acerca do modelo adotado para avaliação do ensino superior no Brasil", Avaliação, Campinas, vol.20, n. 1, pp.143-161.         [ Links ]

19. Saul, A. M. (1994), Avaliação emancipatória: desafio à teoria e à prática de avaliação e reformulação do currículo, São Paulo, Cortez.         [ Links ]

20. SINAES - Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior: da concepção à regulamentação (2009), 5ª ed., revisada e ampliada - Brasília, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira.         [ Links ]

21. Sousa, J. V. de (2012), "Avaliação e Regulação na educação superior brasileira: concepção, natureza e finalidades", em C. Cunha, J. V. Sousa e M. A. Silva (orgs.), Universidade e Educação Básica, políticas e articulações possíveis, Brasília, Liber Livro.         [ Links ]

Creative Commons License Todo el contenido de esta revista, excepto dónde está identificado, está bajo una Licencia Creative Commons