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Propuesta educativa

versión On-line ISSN 1995-7785

Propuesta educativa (Online)  no.46 Ciudad Autonoma de Buenos Aires nov. 2016

 

INVESTIGADORES JÓVENES

"América Latina en discusión": ou sobre a produção de conhecimentos em ciências sociais

 

Denise Bianca Maduro Silva Passades*

Alumna del Doutorado Latino-americano em Educação, UFMG; Mg. en Ciencias Sociales con orientación en Educación, FLACSO Argentina; Becaria del Ministerio de Educación de la República Argentina. E-mail: denisebianca@ufmg.br


Resumo

O objetivo do artigo é analisar a experiência de um grupo de estudos de pós-graduação sobre América Latina. Mais do que resultados da experiência de um determinado coletivo, o que objetiva-se é enfatizar processos, formas e desafios para se pensar América Latina. Para tanto, serve como objeto a experiência vivida nos anos de 2005 a 2007 em Buenos Aires, Argentina, pelo coletivo "América Latina En Discusión". Serviram como base para a análise cartas-convite, apresentações, programações e anais de eventos organizados pelo coletivo, assim como documento redigido em 2007 contendo as suas principais linhas teóricas de trabalho. Este texto foi construído tendo também por base a inserção da autora no coletivo. Neste trabalho de interpretação da experiência dialoga-se com autores que centram seus trabalhos em América Latina e na produção de conhecimentos, como os estudos decoloniais. Conclui-se pela necessidade de políticas que incentivem a produção de conhecimento por coletivos de pesquisadores latino-americanos, de diferentes nacionalidades; marcando projetos epistêmicos próprios, desde, sobre e para América Latina.

Palavras chave: América Latina; Pensamento decolonial; Produção de conhecimento; Formação em pós-graduação; Ciências sociais.

Resumen

El objetivo de este artículo es analizar la experiencia de un colectivo de investigadores de posgraduación que estudian América Latina. Más que los resultados del trabajo de un colectivo determinado, el objetivo del texto es hacer hincapié en los procesos, las formas y los desafíos que implican pensar América Latina. Para lograrlo, son usados como objeto de análisis la experiencia del colectivo "América Latina En Discusión" entre los años 2005 y 2007, en Buenos Aires, Argentina. Para el análisis, fueron utilizadas cartas de invitación, presentaciones, programaciones y actas de conferencias organizadas por el colectivo, como también, con un documento de 2007, que contiene las principales líneas de trabajo del grupo. Este texto basa su análisis también, en la experiencia de inserción de la autora en el colectivo. Para la elaboración de las interpretaciones, se dialoga con autores que tienen como foco de estudio la producción de conocimiento en América Latina, como por ejemplo los estudios decoloniales. La conclusión es que son necesarias políticas que estimulen el trabajo de investigación y producción de conocimiento de los grupos de posgraduación que estudian América Latina sumando esfuerzos desde diferentes países de la región; resaltando proyectos epistemológicos propios, desde, sobre y para América Latina.

Palabras clave: América Latina; Pensamiento decolonial; Producción de conocimiento; Formación en postgrado; Ciencias sociales.

Abstract

The aim of this paper is to analyze the experience of a group of postgraduate studies about Latin America. More than results from a particular collective, we aim to emphasize processes, challenges and ways to think about Latin America. Specifically we analyze the collective "América Latina En Discusión" that took place in the years 2005 to 2007 in Buenos Aires, Argentina. For the analysis, were used documents produced by the group, as invitation letters, schedules and papers, as well as a 2007 written containing its main lines of work. The text analysis also consider the insertion of the author into the collective. In this work of interpretation of the experience, were used authors who focus their studies in Latin America and in the production of knowledge. Conclusions are for the needing of policies that encourage the production of knowledge through Latin American collectives; marking ours own epistemic projects, from, about and for Latin America.

Key words: Latin America; Decolonial thought; Production of knowledge; Postgraduate studies; Social science.


América Latina é um modo de ver o mundo, interpretá-lo e agir sobre ele
(Lander, 2005: 15).

INTRODUÇÃO

O objetivo deste texto1 é analisar a experiência de um grupo de estudos de pós-graduação em ciências sociais sobre América Latina2 a luz dos debates sobre o decolonialismo epistêmico, como apresentado nesta primeira seção introdutória. A segunda seção, denominada Apresentação e Análise, inicia-se com o tópico O caminho se faz caminhando onde será apresentada a experiência vivida nos anos de 2005 a 2007 em Buenos Aires, Argentina, pelo coletivo autodenominado3 "América Latina En Discusión". A narrativa desse tópico segue a lógica temporal de desenvolvimento do Coletivo, mas entrecruza-se com análises sobre sua forma de produzir conhecimentos. Serviram como base para análise cartas-convite, apresentações, programações e anais de eventos organizados pelo coletivo, assim como documento redigido em 2007; referido documento será detidamente analisado no tópico dois da segunda seção, Principais Linhas Teóricas de Trabalho do Coletivo, porque contém a síntese das principais discussões que tiveram lugar no Coletivo. A terceira seção é dedicada às conclusões, que giram em torno dos modos e das possibilidades de produção de conhecimento social latino-americano. A última seção apresentará a bibliografia utilizada neste estudo. Metodologicamente - partindo da posição de que o conhecimento baseia-se na experiência, de que as experiências formam o indivíduo e de que toda objetividade tem interferência do olhar – constrói-se a narrativa deste texto tendo por base também a inserção da autora no Coletivo. Entende-se que a objetividade não é ausência de participação; sem participação não existe pesquisa (Pires, 2008). Para Pires -ao revisitar "digressões sobre o estrangeiro" - o esforço de objetivação requer vinculação e interesse pelo grupo, em seguida, distância em relação aos particularismos do mesmo (Pires, 2008: 82). Respeitando esse pressuposto, tendo passado sete anos da experiência e estando inserida em doutorado concernente a estudos latino-americanos4 é que a autora realiza a presente análise.
Este texto também consiste em esforço de divulgação da história do Coletivo, a partir de uma análise que possa conversar com outras experiências, ao mesmo tempo em que auxilia a repensar a própria. Assim, se destacará o que foi constitutivo do Coletivo, as dinâmicas geradas a partir das principais perguntas que foram surgindo em sua trajetória: Por que ser um coletivo de discussão sobre América Latina? Como abordar América Latina em investigações em ciências sociais? Espera- se que as questões levantadas e seus modos de tratamento possam ser úteis para outros coletivos que queiram estudar e discutir América Latina. Para Castro-Gómez (2005), a América Latina entra na modernidade como a "outra face" dominada, explorada, encoberta e negada. Para o autor, a "Europa moderna", após expansão portuguesa e espanhola do século XV, declara-se o centro e as outras culturas como periferia. Faz parte do projeto de modernidade, prossegue o autor, a formação dos estados nacionais e a consolidação do colonialismo; aspectos para os quais contribuíram o conhecimento científico-técnico para sua consolidação: "A questão era ligar todos os cidadãos ao processo de produção mediante a submissão de seu tempo e de seu corpo a uma série de normas que eram definidas e legitimadas pelo conhecimento" (Castro-Gómez, 2005: 81). Para o autor, o Estado moderno é uma função no interior do sistema internacional de poder.
A categoria "colonialidade", afirma Castro-Gómez (2005), permite ver os processos sociais como partes de um mesmo processo histórico de constituição da economia-mundo capitalista, por meio de confrontos e interconectividades. A "colonialidade" seria constitutiva da modernidade. Em diálogo com Quijano, Castro-Goméz (2005) define a "colonialidade" do poder como os dispositivos disciplinares do "projeto" de modernidade que se vinculam a uma dupla governabilidade.

"De um lado, a exercida pra dentro pelos estados nacionais, em sua tentativa de criar identidades homogêneas por meio de políticas de subjetivação, por outro lado, a governamentabilidade exercida para fora pelas potências hegemônicas do sistema-mundo moderno/colonial, em sua tentativa de assegurar o fluxo de matérias-primas da periferia em direção ao centro" (Castro- -Gómez, 2005: 83).

Castro-Goméz (2005) considera que ambos processos são parte de uma mesma dinâmica estrutural, e apresenta a "colonialidade" do saber5: ciências sociais como aparelho ideológico do Estado legitimando a exclusão e o disciplinamento do Estado para implementar as políticas de modernização; ciências sociais legitimando a divisão internacional do trabalho e a desigualdade nos termos de raça e de comércio entre centro e periferia, ou seja, os grandes benefícios sociais e econômicos que as potências europeias obtinham do domínio de suas colônias. Nesse contexto, a única possibilidade de se construir um conhecimento considerado científico e universal seria negando outras lógicas de compreensão do mundo que não fossem eurocêntrica e ocidental, considerando as demais ingênuas e pouco consistentes.

Castro-Goméz (2005: 84) conceitua a modernidade:
"[...] como uma série de práticas orientadas ao controle racional da vida humana, entre as quais figura a institucionalização das ciências sociais a organização capitalista da economia, a expansão colonial da Europa e, acima de tudo a configuração jurídico-territorial dos estados nacionais".

Modernidade e "colonialidade" são relações de poder presentes no continente em todo seu processo de formação histórica. Uma ação de ressignificação, de colocar em cheque as premissas para pensar, pesquisar e agir sobre e na América Latina, busca reverter e destituir os imaginários de inferioridade e submissão com os quais as sociedades e sujeitos pensam a si mesmos em América Latina, e com os quais os dominantes se instituíram como dominantes. Consiste em um processo que objetiva desvelar o mito da "civilização superior" que anula e domina o outro (o "bárbaro"). Aceitar a "cultura" dominante sem gerar questionamentos é conformar, atualizar e perpetuar o simbolismo que localiza "o outro" como inferior. A pluralização e ressignificação da realidade permitem o surgimento de uma nova visão que se orienta para a transformação das desigualdades a partir da inclusão das identidades ativas desses "outros", antes negados e subalternizados. Reconhecer a si mesmo mais do que querer parecer ao outro representa a possibilidade de quebra do controle discursivo, ideológico e epistemológico. Nas palavras de Dussel (2005: 65-66):

"Ao negar a inocência da 'Modernidade' e ao afirmar a Alteridade do 'Outro', negado antes como vítima culpada, permite 'des-cobrir' pela primeira vez a "outra-face" oculta e essencial à 'Modernidade': o mundo periférico colonial, o índio sacrificado, o negro escravizado, a mulher oprimida, a criança e a cultura popular alienadas, etc. (as 'vítimas' da 'Modernidade') como vítimas de um ato irracional (como contradição do ideal racional da própria 'Modernidade').
[...] Supera-se a razão emancipadora como 'razão libertadora' quando se descobre o 'eurocentrismo' da razão ilustrada, quando se define a 'falácia desenvolvimentista' do processo de modernização hegemônico. Isto é possível, mesmo para a razão da Ilustração, quando eticamente se descobre a dignidade do Outro (da outra cultura, do outro sexo e gênero, etc.); como Identidade na Exterioridade como pessoas que foram negadas pela Modernidade. Desta maneira, a razão moderna é transcendida (mas não como negação da razão enquanto tal, e sim da razão eurocêntrica, violenta, desenvolvimentista, hegemônica)".

Pensar criticamente sobre América Latina, nessa perspectiva, auxilia a identificar os elementos de dominação, de ocultação, para se livrar deles e, ademais, para reconhecer a própria identidade (em sua particularidade e hibridez).

APRESENTAÇÃO E ANÁLISE

O caminho se faz caminhando
O Coletivo "América Latina En Discusión" era um espaço aberto de reflexão e debate sobre a realidade social latino-americana (América Latina En Discusión, 2007c, d, e, h). Era conformado por jovens pesquisadores de distintas nacionalidades, disciplinas e universidades que se encontravam entre o segundo semestre de 2005 e de 2007 centralizados em Buenos Aires, Argentina, cursando estudos de pós-graduação (América Latina En Discusión, 2007h). Eram estudantes do Mestrado em Ciências Sociais com orientação em Educação da Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales - FLACSO/AR (turmas dos anos 2005- 2007 e 2006-2008), do Mestrado em Antropologia Social do Instituto para el Desarrollo Social (IDES) e dos Programas de Pós-Graduação, Mestrado e Doutorado da Universidad de Buenos Aires e da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) (América Latina En Discusión, 2007c, d, e, h).
Foram fundadores do Coletivo pós- -graduandos de Colômbia, Bolívia, Brasil, Argentina, Venezuela, Peru e México. Ressalta-se que para além das nações presentes entre os fundadores (considerados os principais articuladores das ações do Coletivo) também encontravam-se investigadores de outras nacionalidades latinas como Chile (presente no Ciclo de Cine Realidades y Ficciones de América Latina) e Uruguai (presente nos Anais do Primer Congreso de Estudios Latinoamericanos). Esse Coletivo se propôs o desafio de debater sobre as diversas formas de teorizar o conhecimento em ciências sociais e refletir sobre as suas diferentes possibilidades de produção, com implicações e intervenções na prática.

"De este modo el colectivo se consolida como un grupo de investigadores en formación en los que la diversidad de perspectivas en los estudios latinoamericanos nutre el trabajo y el debate, pero indispensablemente deberán subvertir la práxis". (América Latina En Discusión, 2007h: 1)

om distintas nacionalidades e formações, cada um trazia "categorias de pensamentos impensados que delimitam o pensável e predeterminam o pensado" (Bourdieu, 1992: 10 apud Pires, 2008: 58). Essa característica, somada ao interesse genuíno de aprofundar os conhecimentos sobre América Latina e de levantar novas questões, foi o ponto forte do Coletivo: tendo consciência, respeito e interesse na história, na vivência e nos pensamentos que cada um trazia, encontraram formas, apontadas nesta seção, de estabelecer trocas frutíferas para se entender e se pensar América Latina. Para Escobar (2005: 67) é possível "[...] tratar o conhecimento corporizado, prático, como constituindo um modelo de alguma maneira compreensivo do mundo". Nesse sentido havia uma dupla corporeidade no coletivo: a do corpo como estrutura experimental vivida e como contexto da cognição. "Cada ato do conhecimento de fato produz um mundo" (Escobar, 2005: 67). No Coletivo, procurava-se explorar os vínculos individuais entre lugar-experiência e a produção do conhecimento, a partir de cada nacionalidade, mas buscando também construir ativamente uma identidade latino- -americana, com implicações para a reconstrução desses lugares. "As mentes despertam num mundo, mas também em lugares concretos, e o conhecimento local é um modo de consciência baseada no lugar, uma maneira lugar-específica de outorgar sentido ao mundo" (Escobar, 2005: 69). Para Escobar (2005) o lugar é essencial para imaginar outros contextos, para pensar a construção da política, do conhecimento e da identidade. Para o autor, o abandono (histórico) do lugar faz com que as categorias construídas na narrativa sejam suscetíveis de transformar- -se em instrumento de dominação. Escobar (2005: 70) também situa a política no lugar:

"A política, em outras palavras, também está situada no lugar, não só nos supraníveis do capital e do espaço. O lugar, pode-se acrescentar, é a localização de uma multiplicidade de formas de política cultural, ou seja, do cultural transformando- se em política [...]".

Dos dezoito fundadores (América Latina En Discusión, 2007h) sete contavam com bolsa de manutenção e acadêmica concedida pela Secretaría de Políticas Universitarias de Argentina, SPU/AR, em parceria com FLACSO/AR, por dois anos. A influência do Mestrado em Ciências Sociais com orientação em Educação e de sua política de bolsas para estudantes de países latino-americanos foi decisiva para o coletivo, que iniciou como atividade acadêmica extracurricular do mesmo (América Latina En Discusión, 2007c, d, e): compartilhavam-se espaços formativos e modos de existência que permitiam a construção coletiva. A necessidade de construir o Coletivo partiu também do encontro desses "estrangeiros", interessados em fazer pesquisa sobre e de transformar suas realidades latinas. Retornando à análise em Pires (2008) sobre a condição de estrangeiro do pesquisador, encontra-se a seguinte definição: é a liberdade política de ir e vir do grupo; liberdade ética de ter em conta outros grupos oprimidos (além de semelhantes) e de avançar para um humanismo compreensivo capaz de incluir a humanidade inteira; liberdade de conhecimento passível de introduzir diversas formas de demarcações. Essa definição parece pressupor na atuação desse pesquisador "estrangeiro" uma responsabilização com a emancipação e a libertação em relação a dogmatismos que limitam a liberdade do pesquisador. Para Foucault (1984: 574 apud Pires, 2008: 85), para se criar o novo é preciso se situar nas fronteiras. O encontro entre "estrangeiros", e suas fronteiras epistêmicas, trouxe uma série de perguntas sobre o próprio modo de se fazer pesquisa: O conhecimento acadêmico em ciências sociais é adequado ao que se investiga no coletivo? Existem outras formas de conhecer? Como se localizar nesse conhecimento?
Assim, como fruto desse encontro de jovens investigadores da região latino-americana e de seus interesses acadêmicos, em 2005 foram realizadas reuniões para aprofundar o conhecimento das problemáticas sociais e da produção acadêmica latino-americana (América Latina En Discusión, 2007h). No começo existiam divergências a respeito da abordagem temática, se considerá- la especificamente dentro da educação ou ampliá-la para outras dimensões sociais. Foi então que conclui-se que era necessário realizar primeiramente uma aproximação da história dos distintos países porque constatou-se a dificuldade para pensar América Latina como um todo, e/ou a tendência a generalizar para América Latina situações particulares dos países de origem. É importante enfatizar esse primeiro momento de constituição do Coletivo, porque essa dificuldade não é uma particularidade. Analisando as contribuições da história para a pesquisa, Pires (2008:52) corrobora com o estabelecimento de uma aproximação histórica do conhecimento ao destacar que: "[...] é preciso retroceder para redescobrir o que foi encoberto, ou para lançar luz sobre as causas, origens e consequências de um problema atual, de ordem social ou cultural". Naquele momento perguntavam- se: Como aproximar-se da reflexão? É necessário distinguir um eixo de discussão que permita comparar a situação dos distintos países permitindo distinguir o particular do geral? Na história pode-se encontrar uma espécie de substrato comum que permita falar de América Latina como um todo constituído e constitutivo?
A proposta de partir desde a história se bem esteve baseada em parte na ignorância das realidades latino- americanas para além de seus próprios países, ao mesmo tempo, reflete uma posição intuitiva, mas também intelectual e política, de que a colonização determinava as histórias posteriores dos países, estando inscrita nas leituras do pensamento decolonial e da relação centro e periferia. Faz parte desta compreensão dos fenômenos sociais, o entendimento de que o mundo não está livre da imposição colonial (Castro-Gómez e Grosfoguel, 2007). Para Mignolo (2007) o projeto "decolonial" busca pensar a partir das histórias locais do mundo que foram interrompidas pela história local de Europa que se apresentou como projeto universal. Assim entendido, o conhecimento também se constrói numa perspectiva geopolítica. Para Castro-Gomez e Grosfoguel (2007) a hibridez latino-americana entre o tradicional e o moderno, esse ponto de interseção, representa uma resistência semiótica capaz de re-significar as formas hegemônicas de conhecimento e criar novas formas de utopias que incorporem os conhecimentos subalternos e os reconheçam como necessidade ética e política. Walsh (2012) considera que o projeto "decolonial" deve reconceitualizar e refundar estruturas sociais, epistêmicas e de existências, pondo em cena e em relação equitativa lógicas, práticas e modos culturais diversos. Consiste em um projeto político, social, epistêmico e ético dirigido à transformação estrutural e sócio-histórica para construção de uma sociedade diferente. Em investigações em ciências sociais, segundo Pires (2008), a orientação teórica dada à descrição de um conjunto de fatos objetivos é uma forma de construção da realidade; a pesquisa comporta uma seleção de aspectos da realidade e deformações (aceitáveis ou não) da mesma, em virtude da finalidade da pesquisa. Desse modo, seguindo o eixo de análise dos autores decoloniais, os interesses sociais influem na objetividade dos sujeitos, incluindo o sujeito pesquisador. Fazer pesquisas desde e para América Latina implica assumir "não mais envolver- se com um conhecimento neutro da realidade objetiva, mas produzir um conhecimento útil e ético, visando solidariedade, harmonia e criatividade" (Pires, 2008: 43). Toda produção de conhecimento é também uma forma política de ver o mundo, um posicionamento, uma tomada de decisão.
Como fruto dos debates do primeiro semestre, em novembro de 2006 o Coletivo realizou o seminário "América Latina En Discusión" com o apoio institucional de FLACSO/AR, com apresentações de trabalhos e discussões relativas à história e à configuração social de Brasil, Bolívia, Colômbia, Peru, México e Venezuela, países de origem dos apresentadores (América Latina En Discusión, 2006; 2007c, d, e, h). Citam-se (América Latina En Discusión, 2006) alguns títulos dos trabalhos apresentados para que se visualize o tipo de conhecimento produzido neste momento de aproximação e questionamento das representações históricas nacionais e da problemática social em América Latina: Bolivia: una descripción simple pero necesaria; Del proyecto civilista a la educación intercultural bilingüe: el desafío de la diversidad sociocultural en la educación pública peruana; Literatura y modernización en Venezuela: Rómulo Gallegos, Doña Bárbara y la Colonialidad del proyecto civilizatorio de la elite burguesa; Fronterización del Estado. Femicidio en Ciudad Juárez y Morelos: un mensaje de la violencia de género y un capitulo en el neoliberalismo actual; Entre Macondo a Marquetalia: un breve recorrido por Locombia. Reflexiones fragmentarias sobre la historia, la memoria y el saber; Colombia: sus violencias y su personalidad histórica; Formação do Brasil contemporâneo, raízes do Brasil e Casa grande e Senzala: a Colônia sob a óptica das três perspectivas fundantes do pensamento sociológico brasileiro; Política e educação: elementos para uma caracterização da sociedade brasileira.


Cartaz de divulgação do evento em 20066.

Como explicitado pelo Coletivo América Latina En Discusión (2007h: 1), partindo da experiência do seminário optou-se por contar com um novo marco comum de leituras com a finalidade de delinear campos temáticos que nucleassem a discussão. Entre dezembro de 2006 e o primeiro quadrimestre de 2007 foram realizadas reuniões nas quais se abordaram os pressupostos gerais dos estudos pós-coloniais, do debate modernidade e pós-modernidade, e da educação popular articulada a movimentos sociais de base (América Latina, 2007h). Nessas reuniões os membros também debatiam suas produções, tais como resenhas, artigos científicos, e relatórios de pesquisa7.
Segundo Pires (2008) o pesquisador seleciona fatos, escolhe ou define conceitos, interpreta seus resultados, em suma, ele constrói, de sua parte, seu objeto tecnicamente e teoricamente. Assim, em Pires, a seguinte afirmação é cara para entender o posicionamento do Coletivo: a ciência constrói seu objeto. Foi essa consciência que levou o coletivo a alguns questionamentos ao se fazer pesquisa em América Latina: Como construir o objeto? Qual o projeto de sociedade que está presente na forma de construir os fatos nas pesquisas? Quais seriam as outras formas de construção da realidade? Quais as outras narrativas possíveis? Foi na busca por possíveis respostas para essas perguntas que o Coletivo recorreu à sétima arte, quando esta cria a partir e se debruça sobre a realidade latino-americana. O Coletivo promoveu junto com a organização social de base "La Chispa" o Ciclo de Cinema "Realidades y Ficciones de América Latina" do dia 31 de maio a 04 de julho de 2007, em Buenos Aires (América Latina En Discusión, 2007a). Os filmes exibidos8 eram de países de origem dos membros do Coletivo, estes se encarregavam da seleção e apresentação. Na primeira edição, o Ciclo também contou com o apoio de FLACSO/AR, onde ocorreram algumas sessões. No segundo semestre de 2007, o Ciclo foi exibido na UNICAMP – São Paulo (América Latina En Discusión, 2007i)9. Deslocando-se do momento anterior de conhecer as distintas histórias nacionais em América Latina, ao organizar o Ciclo, o Coletivo estava também preocupado em buscar formas que permitissem conhecer de maneira distinta as realidades latino- americanas. Os debates propiciaram repensar as narrativas utilizadas nas pesquisas ao se debruçarem sobre as histórias e/ou os fragmentos de histórias para construção do objeto de estudo, buscando pensar a partir do lugar e não do "universal" europeu (Mignolo, 2007). Em 2007, o Coletivo também organizou o Primer Congreso de Estudios Latinoamericanos nos dias 25, 26 e 27 de junho, na Universidad Nacional Tres de Febrero (UNTREF). As linhas temáticas foram: políticas educativas e/ou sociais; interculturalidade e multiculturalismo; construção de subjetividades e identidades; Estado e cidadanias (América Latina En Discusión, 2007c, d, e, tradução nossa). Apesar de cada linha ter sua ênfase10, essas tinham como pressuposto básico que a análise científica não é neutra, que é preciso manter a atitude crítica frente à ciência, e que a crença demonstrada no poder da razão, e em sua vertente moderna, no progresso através dessa luz, não pode ser adotada com fé inquestionável (Dussel, 2005).
O Primer Congreso de Estudios Latinoamericanos contou com trabalhos sobre Argentina, Brasil, Bolívia, Colômbia, México, Uruguai e Venezuela (América Latina En Discusión, 2007g). Contou-se também com a intervenção e participação da Universidad Popular de las Madres de Plaza de Mayo (América Latina En Discusión, 2007h). Citam-se alguns trabalhos apresentados (América Latina En Discusión, 2007g): ¿Qué le dice Bolivia al Multiculturalismo?; Las inscripciones del sufrimiento en el cuerpo y la emergencia de subjetividad: formas de sujeción de la religiosidad barroca andina; La identidad nacional en América Latina: reflexiones sobre construcciones teóricas y realidades contemporáneas; La juventud entre las estructuras: presente y exceso de realidad; Inquietações sobre a formação do homem político nas sociedades latino-americanas; El anarcosindicalismo en el movimiento obrero boliviano (1912-1964); Desarrollo y Control Social en Venezuela: El caso del Metro de Caracas; ¿Y si la ciudadanía existente no coincide con la ciudadanía que el Estado desea?: Tensiones y contradicciones en la relación entre Estado y Sociedad Civil. Análisis de caso de la Reforma del sistema educativo chileno; Desencuentros de hoy: viejas desigualdades. Acceso, permanencia en la educación formal y expectativas ocupacionales en niños, niñas y jóvenes indígenas del Perú; A expansão da universidade no Brasil: aspectos histórico-políticos e sociológicos; Pequeños científicos e ilustres ciudadanos. ¿Será posible? Una reflexión sobre los lineamientos de la educación básica en Colombia.


A obra de Joaquín Torres-García foi escolhida e adaptada pelo Coletivo como parte de sua identidade visual em 2007.

Finalizando esta seção, reconhece- se que, durante sua trajetória, o Coletivo buscou alinhar-se com movimentos sociais, como La chispa e Madres de Plaza de Mayo no planejamento, divulgação e execução de eventos acadêmicos e também na realização de reuniões para estudos temáticos11. Nessa parceria com os movimentos sociais, o Coletivo tenta superar a falsa separação da população em geral e o mundo dos especialistas. Lander (2005) afirma que na visão dos cidadãos do mundo moderno, o ser humano é visto como externo ao corpo e ao mundo, instrumentalizando-os. Essa visão gerou a fissura ontológica entre a razão e o mundo: conhecimento descorporizado e descontextualizado. Conclui-se que a prática acadêmica do Coletivo, durante sua trajetória, pautou-se por reconhecer que o que se faz modela e limita o que se pode conhecer, tendo implicações para o tipo de conhecimento que se quer produzir.

Principais Linhas Teóricas de Trabalho do Coletivo

Em 2007, o Coletivo retomou os temas e as discussões centrais surgidos durante sua caminhada e delineou linhas que constituíam uma forma própria de interrogar e analisar os problemas e a produção acadêmica latino-americana, assim como novas possibilidades de trabalho (América Latina En Discusión, 2007h). Esta seção traz uma síntese dessas linhas. Ao destacar as linhas de trabalho do Coletivo, compartilha-se, em português, alguns resultados de seus debates. Entendendo o grupo como um coletivo de estudantes de pós-graduação, os delineamentos abaixo não se postulam como verdades absolutas, são interpretações que podem apresentar alguns equívocos teóricos, porém mais do que o resultado final, importa destacar, pelas dinâmicas do grupo e de sua escrita, o movimento, a intenção e o diálogo estabelecido entre os temas e, desta forma, se destaca também a potencialidade formativa em ciências sociais de constituir-se um coletivo de discussão em nível de pós-graduação desde e sobre América Latina.

1. Desigualdade social e desigualdade econômica
O Coletivo América Latina En Discusión (2007h) percebe as desigualdades sociais em América Latina como interação complexa entre variáveis culturais, étnicas, raciais e geográficas, para além das estritamente socioeconômicas, não sendo, portanto, um problema apenas de classe, mas sem negar que existe uma relação estreita e intrínseca entre a ordem geopolítica dominante (concentração de poder e de riqueza no plano nacional, internacional e mundial) e as representações sociais (civilização-barbárie e desenvolvido- subdesenvolvido). Nessa linha, repensando a história e o devir dos movimentos e das ideologias de esquerda na região perguntam-se: "Que diz a história e a sociopolítica latino- americana a respeito da natural e inexorável evolução do capitalismo e suas contradições internas?" (América Latina En Discusión, 2007h: 3, tradução nossa)

2. Diferença, otredad e multiculturalismo
Nesta linha o Coletivo América Latina En Discusión (2007h) entende que, usualmente, a "otredad" é representada e homogeneizada na categoria "minorias", aglomerando indistintamente mulheres, crianças, jovens, indígenas e afrodescendentes, já que "coincidentemente" esses compartilham uma situação de exclusão social, marginalidade e pobreza. Concluem para essa linha de trabalho que faz-se necessário desagregar a ideia de minorias para aprofundar e diferenciar os problemas, além de rastrear os pontos de interseção (natural e forçado) que fizeram coincidir histórica, social e politicamente a essas populações como "o outro", abrindo espaços para repensar as políticas públicas e educativas, e também para repensar os paradigmas da multiculturalidade e da alteridade, gerados pelas ciências sociais.

3. Modelos sociais: Estado e cidadanias.
Nesta linha o Coletivo América Latina En Discusión (2007h) ressalta a profunda dependência e subalternidade gerada a respeito de e graças aos modelos sociopolíticos e aos interesses econômicos próprios das nações do "primeiro mundo", que colocam América Latina simbólica e materialmente como parte do "terceiro mundo". No documento (América Latina En Discusión, 2007h) emergem perguntas, relativas à porquê e se as instituições e sociabilidades modernas, incluindo o Estado, foram realmente incorporadas na América Latina. Surgem também perguntas pela democracia e pelas cidadanias na América Latina: "Existiu democracia na América Latina? [...] Em virtude de que se estabelece a cidadania: do acesso formal aos direitos civis e individuais graças à nacionalidade ou em virtude de gozar efetivamente de tais direitos e participar na construção dos espaços, âmbitos, instituições e leis coletivas?" (América Latina En Discusión, 2007h: 5, tradução nossa). Finalizando, mencionam a questão do poder econômico, político e simbólico que adquiriram em vários países da região grupos sociais distintos aos organismos estatais e aos partidos políticos tradicionais; tais como as mobilizações e organizações campesinas, indígenas e sindicais (movimentos sociais em oposição à política formal e que geram desde a base formas ativas de cidadania articuladas a processos de identidade cultural ou equidade econômica), e grupos armados à margem da lei (guerrilhas, autodefesas, paramilitares e cartéis do narcotráfico).

4. Ciências Sociais em América Latina: saber e poder.
Segundo o documento em análise (América Latina En Discusión, 2007h), um tema central e recorrente no Coletivo era a relação entre o saber e o poder, vista à luz dos modelos epistemológicos com os quais as ciências sociais e a academia latino-americana têm pensado suas realidades e problemáticas de investigação.

"Tendo em conta que as ciências sociais (incluídas as desenvolvidas nas universidades e instituições acadêmicas latino-americanas) são construções simbólicas e culturais que herdam e representam em suas racionalidades e construções teóricas ao protótipo social moderno e europeu, se desenha a inquietante pergunta por se este andaime conceitual, fundamentado na escrita, na leitura, na abstração, na conjectura causal (indutiva ou dedutiva) e na generalização, permite captar e interpretar a complexa realidade social e a diversidade epistemológica e cultural de nossos países [latino-americanos]? Esta pode ser captada em suas particularidades e lógicas narrativo-ficcionais por uma racionalidade do homogêneo? Podemos deixar de nos explicar e de nos ver em função de um nível de atraso ou de defeito, quando as ciências sociais partem dos implícitos inquestionados do desenvolvido e da civilização ocidental como paradigmas de evolução ou superioridade dos que naturalmente conduzem a história? [...] É possível descolonizar as ciências sociais em América Latina e se sim, o que quer dizer isso, o que implica?" (América Latina En Discusión, 2007h: 6, tradução nossa).

No intento de afrontar estas questões, o Coletivo América Latina En Discusión (2007h) finaliza a linha, considerando chave revisar os desdobramentos do pensamento social latino-americano que tocaram esses aspectos e dialogar com os conhecimentos autóctones, populares e ancestrais na compreensão do universo social e cultural latino-americano, problematizando o olhar experto.

5. Educação e Políticas Educativas
O Coletivo América Latina En Discusión (2007h: 7) considera que a escola é uma das instituições mais representativas do projeto modernizador e teve em América Latina um papel central na consolidação dos processos políticos, culturais e sociais mencionados nas linhas anteriores. Assim, nesta linha de trabalho, questiona-se "[...] como a escola, pese às políticas de democratização da educação, gerou, perpetuou e aprofundou as diferenças econômicas, sociais e culturais na região" (América Latina En Discusión, 2007h: 7, tradução nossa). Somam (América Latina En Discusión, 2007h) a compreensão de que a escola e a política educativa se uniram em América Latina, por vezes, de forma irreflexiva aos modelos e implícitos epistemológicos eurocêntricos sem ter em conta as limitações que tais modelos apresentam na hora de compreender o contexto latino-americano: sem incorporar formas de representações, saberes, símbolos, atores e versões próprias. Nesse marco, o Coletivo América Latina En Discusión (2007h) considera que é importante recuperar os desenvolvimentos da educação popular e da pedagogia da libertação, geradas na América Latina e articuladas a organizações sociais de base, assim como revisar os argumentos das diversas pedagogias críticas e progressistas originadas nos anos sessenta e setenta, que visualizam o trabalho educativo como uma prática consciente de reflexão e transformação social. "É possível sustentar relações democráticas e gerar leituras sociais críticas na escola e que esta siga sendo a escola?" (América Latina En Discusión, 2007h: 7, tradução nossa).

6. Sujeitos e identidades
Nesta linha de trabalho (América Latina En Discusión, 2007h), surge a pergunta pelos tipos de subjetividades e de identidades (sociais e individuais) geradas a partir dos processos históricos dos diversos países latino-americanos, como a globalização, a hibridação e a "glocalización" simbólica propiciadas pelas indústrias culturais e o acesso à internet. Questionam-se, no Coletivo América Latina En Discusión (2007h), categorias como infância, juventude, gênero, etnia e cidadania como referentes simbólicos portadores de uma identidade definitiva e totalizante. Destacam também a importância da religião e da igreja católica na configuração de identidades e subjetividades na América Latina (América Latina En Discusión, 2007h).

7. Um olhar transversal
O Coletivo América Latina En Discusión (2007h) explicita que as linhas são campos temáticos que possibilitam visualizar problemáticas transversais à região, assim como servir de base para realizar estudos comparados. Ressaltam a importância da "[...] criação de uma abordagem regional que não apague ou suprima as realidades nacionais em prol de uma leitura regional e que não perca de vista os processos comuns da região na exaltação das diferenças e particularidades [...]" (América Latina En Discusión, 2007h: 8, tradução nossa).

CONCLUSÃO

Em 2008 a maioria dos membros retornou ao país de origem e o Coletivo tentou consolidar uma rede de trabalho virtual que tinha como objetivo explorar novas formas, enfoques e métodos para o entendimento das realidades latinas, utilizando-se também de estudos comparados sobre as problemáticas sociais da região. Para tanto, buscou-se financiamento, porém o padrão encontrado vinculava-se ao pensamento histórico-político-filosófico europeu moderno em detrimento de um novo pensamento regional. As condições materiais de surgimento e desaparecimento do Coletivo são um reflexo do problema enfrentado para o desenvolvimento de um pensamento social latino-americano: inicialmente apoiados por uma política regional de formação de investigadores sociais, o encontro desses "outros" latinos permitiu a proposição de uma determinada produção científica, porém sem meios para dar continuidade a suas investigações, impôs-se a fragmentação do Coletivo como reflexo do domínio, até os dias atuais, de padrões políticos de interesse que trabalham em favor de uma episteme europeia-moderna (Castro-Gómez, 2005; Dussel, 2005; Castro-Gómez e Grosfoguel, 2007).
Finaliza-se este artigo destacando que para produzir conhecimento comprometido com as sociedades latino-americanas é importante reconhecer a necessidade de se mudar os termos e o conteúdo dos debates, apontado para lógicas marcadas pelos projetos epistêmicos próprios de América Latina: "mudar a maneira de perceber a realidade, de vermos a nós mesmos e de nos conduzirmos, criando uma nova consciência" (Mignolo, 2007: 181, tradução nossa). Todo paradigma científico apresenta uma dimensão política e todo conhecimento nasce de uma vontade política (Lander, 2005). A partir desse entendimento, ressalta-se também a necessidade de mais políticas e programas que incentivem a produção de conhecimento dialogado entre pesquisadores latino-americanos. Mais especificamente, atenta- se para a necessidade de novos desenhos de pós-graduação para transformação acadêmica, de forma que essa não seja guardiã da tradição e escrava da repetição.
Neste texto foram exemplificadas tensões, dinâmicas e potenciais contidos nas diferenças culturais de investigadores sociais de países da região preocupados com um mesmo fim: pensar América Latina. Reconhecer, respeitar e pôr em diálogo as diferentes visões de mundo, os diferentes sujeitos, os vários "outros" existentes, compreendendo que esse "coletivo" influencia os modos de se fazer ciência, pode ser a base para se formar pesquisadores que não percam de vista a dura realidade das sociedades latinas, e, portanto, produzam novas formas de atuação política desde uma concepção mais própria e integral para a região.

Notas

1 Agradecimentos à atenciosa revisão da Professora Maria de Fátima Cardoso Gomes, coordenadora do Doutorado Latino-americano em Educação da UFMG entre 2013 e 2015.

2 Schwartz (1993) localiza o conceito de América Latina sendo aplicado a questões tanto políticas como literárias primeiramente em 1836, em artigo de Michel Chevalier, francês, e sendo retomado posteriormente com vigor pelo escritor e diplomata colombiano José María Tores Caicedo (1827-1889), autor de "Unión latinoamericana", de 1865.

3 Em alguns documentos também se identificam como Latinoamérica en Discusión (América Latina En Discusión, 2007 c, d, e). O surgimento do nome "América Latina En Discusión" faz alusão a existência no grupo de membros cuja primeira língua é o português e ao fosso histórico e acadêmico entre o Brasil e os outros países da América Latina (Schwartz, 1993).

4 O "Doutorado Latino-americano em Educação: políticas públicas e profissão docente" constitui-se como um acordo de cooperação interinstitucional entre a Oficina Regional de Educação da UNESCO para América Latina e Caribe (OREALC/UNESCO), o Instituto de Educação Superior da UNESCO para América Latina e Caribe (IESALC/UNESCO), a Red Kipus e universidades do México, Venezuela, Colômbia e Brasil, dentre outros países da América Latina. Desde 2009 o referido doutorado está em funcionamento na Faculdade de Educação da UFMG.

5 Candau e Russo (2010) ressaltam dos estudos decoloniais a concepção de "colonialidade" do ser, como interiorização e subalternização de grupos sociais, particularmente negros e indígenas, e, especificamente baseadas em Walsh, a "colonialidade" da natureza, como afirmação da divisão binária entre natureza e sociedade e a negação de perspectivas em que estas realidades estão articuladas a espiritualidade.

6 O cartaz foi modificado para não revelar a identidade da autora, conforme orientações editoriais.

7 Cita-se como exemplo de artigo assim produzido Maduro Silva e Martins (2008).

8 Compunham o Ciclo de Cinema: Días de Santiago (Direção Josué Mendez, 2004, Peru); La estratégia del caracol (Direção Sergio Cabrera, 1994, Colombia); Vampiros en la Habana (Direção Juan Padrón, Cuba, 1985); Tapete Vermelho (Direção Luiz Alberto Pereira, 2006, Brasil); Próxima salida (Direção Nicolas Tuozzo, 2004, Argentina); La Revolución no será transmitida (Direção Kim Bartley e Donnacha O'Brian, 2003, Venezuela); Quién mató a la llamita Blanca? (Direção Rodrigo Bellot, 2006, Bolivia); Play (Direção Alicia Scherson, 2005, Chile).

9 Faz-se referência ao material produzido para divulgação da segunda edição, porém não foram encontradas avaliações sobre sua execução.

10 Sendo o espaço limitado, para melhor compreensão dos sentidos das linhas do Congresso, remetemos ao próximo tópico onde serão apresentadas as grandes linhas de trabalho do Coletivo, como síntese de sua trajetória.

11 Cita-se, por exemplo, discussão sobre movimento bolivariano na Venezuela e da ascensão de presidente operário no Brasil (América Latina En Discusión, 2007b).

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