SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número52El financiamiento de la educación superior en América Latina: tendencias e instrumentos de financiamientoFinanciamiento y eficiencia de la Educación Superior en Argentina: estudio de caso de las Universidades Nacionales índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

  • Não possue artigos citadosCitado por SciELO

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Propuesta educativa

versão On-line ISSN 1995-7785

Propuesta educativa (Online)  no.52 Ciudad Autonoma de Buenos Aires nov. 2019

 

DOSSIER: EL FINANCIAMIENTO EDUCATIVO EN AMÉRICA LATINA

As Universidades Federais brasileiras sob ataque do Governo Bolsonaro

The Federal Universities in Brazil under attack by the Bolsonaro Government Las Universidades Federales en Brasil bajo ataque del gobierno Bolsonaro

 

Nelson Cardoso Amaral*

Universidade Federal de Goiás-Brasil

Nelson Cardoso Amaral es Doutor em Educação pela Universidade Metodista de Piracicaba, Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Goiás.


Resumo

Este estudo apresenta uma amostra das mentiras e meias verdades que estão sendo ditas sobre a educação brasileira e, em especial, sobre as Universidades federais, desde janeiro de 2019, pelo próprio Governo Bolsonaro. Nas considerações finais são apresentadas algumas questões que, se respondidas, podem contribuir para que se possa compreender qual o sentido de o próprio Ministério da Educação ser a principal fonte dessas mentiras e meias verdades.

Palabras clave: Educação; Meias verdades; Ultraliberalismo; Financiamento, Autonomia.

Abstract

This study presents a sample of the lies and half-truths which are being told about the education in Brazil, especially regarding the Federal Universities, since January 2019, by the Bolsonaro government. In the final considerations, it is presented some questions that, if answered, can contribute to understand the meaning of the Ministry of Education itself being the main source of these lies and half-truths.

Palabras clave: Education; Half-truths; Ultraliberalism; Financing; Autonomy.

Resumen

Este estudio presenta una muestra de las mentiras y medias verdades que se cuentan sobre la educación brasileña y, en particular, sobre las universidades federales, desde enero de 2019, por el propio Gobierno de Bolsonaro. En las consideraciones finales, se presentan algunas preguntas que, si se responden, pueden contribuir a comprender el significado del propio Ministerio de Educación como la principal fuente de estas mentiras y medias verdades.

Palabras clave: Educación; Medias verdades; Ultraliberalismo; Financiación; Autonomía.


 

Introdução

As Universidades Federais brasileiras, um conjunto de 63 instituições, presentes em todos os estados da federação e no Distrito Federal estão, desde a posse do Governo Bolsonaro em janeiro de 2019, sob um intenso ataque do grupo que assumiu a presidência da república. O grupo que assumiu o poder se constitui de pessoas com pensamento ultraconservador nos costumes e ultraliberal nos aspectos econômicos passou a desenvolver, sobretudo pelo Ministério da Educação, uma campanha pública que procura fragilizar as Universidades Federais, instituições que ainda possuem uma grande credibilidade perante a opinião pública. A população brasileira tem recebido informações, de forma ininterrupta, que colaboram para que as pessoas passem a ver as Universidades Federais como locais em que há um grande desperdício do dinheiro público que nelas são aplicados.
Neste estudo apresentaremos algumas dessas informações e ao examinarmos os seus conteúdos poderemos claramente classificá-las ou como mentiras ou meias verdades. Discutiremos, dentre muitas que foram divulgadas, as seguintes informações que inundaram a mídia a partir de janeiro de 2019: 1) o Brasil já aplica elevado volume de recursos financeiros em educação; 2) é preciso acabar com a vinculação constitucional de recursos financeiros para a educação; 3) as Universidades Públicas não realizam pesquisa; 4) devemos retirar recursos da educação superior e repassá-los para a educação básica; 5) os orçamentos das Universidades Federais crescem muito de um ano para o outro.
Iremos, em primeiro lugar, discutir cada uma das informações elencados anteriormente para, em seguida, nas considerações finais apresentar algumas questões que, das respostas a elas, seria possível concluir sobre quais os motivos desses ataques.

1. O Brasil já aplica elevado volume de recursos financeiros em educação

A avaliação de que o Brasil já aplica um elevado volume de recursos financeiros em educação está expressa na afirmação do Ministro da Educação de que "a gente gasta como os ricos e tem resultados dos pobres" (O GLOBO, 2019). A tabela 01, construída com dados obtidos na Agência de Inteligência Americana (CIA) e do próprio Banco Mundial, mostra os valores aplicados por estudante matriculado nos países membros da OCDE.
O Brasil aplica em educação US$/PPP 2.525,48 e os países membros da OCDE aplicam, em média, US$/PPP 7.139,34. Como concluir, então, que o Brasil "gasta como os ricos"? O fato de o Brasil aplicar o equivalente a 6,2% do PIB em educação e os países da OCDE aplicam, em média, 4,93% da soma dos PIBs desses países não significa que o Brasil aplica mais recursos financeiros, em US$/PPP, nos seus níveis educacionais.

2. É preciso acabar com a vinculação constitucional dos recursos educacionais

O volume de recursos financeiros aplicados em educação pelo Brasil só atingiu o patamar equivalente a 6% do PIB devido a existência da vinculação estabelecida no artigo 212 da Constituição Federal (CF) de 1988:

"A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências na manutenção e desenvolvimento do ensino" (CF, 1988, Art. 212)

O Ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou em entrevista ao Jornal Valor, em 10/03/2019, que: "Guedes diz ter pronta PEC [Proposta de Emenda Constitucional] para desvinculação total do orçamento" (VALOR, 2019).
Há que se perguntar: qual o interesse em se efetivar a desvinculação? A única resposta possível seria a de que há uma intenção de se diminuir o volume de recursos aplicados na educação brasileira. Note-se que o texto do artigo 212 da CF estabelece "nada menos" e "no mínimo", o que indica claramente a intenção de diminuir os recursos financeiros educacionais.

3. As Universidades Públicas não realizam pesquisas

Em entrevista à Rádio Jovem Pan, no dia 08/04/2019, o próprio Presidente da República afirmou: "Poucas universidades têm pesquisa e, dessas poucas, a grande parte está na iniciativa privada" (JOVEM PAN, 2019). No Brasil, historicamente, as universidades públicas possuem a função de liderar a produção de conhecimentos, ciência, tecnologia e inovação.
Esse perfil determinado historicamente pode ser visualizado examinando-se a tabela 02 que mostra o quantitativo de programas de pós-graduação stricto sensu (mestrado ou doutorado) existentes em cada um dos estados e no DF, nos âmbitos federal, estadual, municipal e privado. No âmbito federal estão separados os programas existentes nas Universidades Federais daqueles das outras instituições federais que ofertam a pós-graduação stricto sensu (Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, Centros Federais de Educação Tecnológica, Escola Nacional de Ciências Estatísticas, Instituto Militar de Engenharia e Instituto Tecnológico da Aeronáutica). O exame desta tabela, por si só, já bastaria para podermos afirmar que a análise presidencial é absolutamente uma absurda inverdade. Verifica-se, portanto, que é o conjunto de Universidades Federais, instaladas em todos os estados brasileiros e DF que promove em seus 2.180 programas de pós-graduação stricto sensu pesquisa e extensão que procuram diminuir as assimetrias regionais e a desigualdade brasileira.
Os programas de pós-graduação stricto sensu que atuam nas instituições públicas federais, estaduais e municipais, totalizam 3.400, ou 81,4% do total de programas, e são responsáveis por grande parte das pesquisas brasileiras.

4. Devemos retirar recursos da educação superior e repassá-los para a educação básica

Em reportagem publicada em 03/05/2019, o Portal UOL informa: "MEC quer tirar recursos do ensino superior para creche. Que disputa é essa?" (UOL, 2019). Para aqueles que avaliam que a educação básica brasileira poderia melhorar muito se fossem transferidos recursos das Universidades Federais para esse nível educacional, é fácil concluir que isto não é uma verdade.
O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) divulga o total dos recursos financeiros públicos aplicados tanto no setor público quanto no setor privado separando-os por nível educacional. No ano de 2014 foram aplicados na Educação Básica (EB) o equivalente a 4,8% do PIB, o que significa um montante de R$ 265 bilhões aplicados na EB. Em 2014 o número de estudantes na EB era de 49.771.371, o que resulta em R$ 5.324,00 por aluno. (BRASIL.INEP, 2019) O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) divulga o total dos recursos financeiros públicos aplicados tanto no setor público quanto no setor privado separando-os por nível educacional. No ano de 2014 foram aplicados na Educação Básica (EB) o equivalente a 4,8% do PIB, o que significa um montante de R$ 265 bilhões aplicados na EB. Em 2014 o número de estudantes na EB era de 49.771.371, o que resulta em R$ 5.324,00 por aluno. (BRASIL.INEP, 2019)
No ano de 2014 foram aplicados R$ 36 bilhões em recursos do tesouro nas Universidades Federais. Se supusermos que a metade desses recursos fossem transferidos para a EB, o valor por aluno passaria de R$ 5.324,00 para R$ 5.684,00 na EB, um aumento de 6,8%.
Portanto, a EB poderia melhorar muito pouco se esta ação fosse realizada e pode-se perguntar: o que ocorreria com as 63 Universidades Federais se seus recursos fossem reduzidos pela metade? Podemos afirmar que seriam destruídas. Este seria um passo histórico "criminoso" num país com as dimensões e importância do Brasil no contexto das nações.

5. Os orçamentos das Universidades Federais cresceram muito nos últimos Anos

O Ministro da Educação em 26/09/2019 afirmou

"O problema do ensino superior no Brasil é que a gente gasta uma fortuna com um grupo muito pequeno de pessoas. Mais de 80% do ensino superior está na iniciativa privada e o MEC (Ministério da Educação) tem uma folha de pagamento com professores federais que cresce 8% ao ano sem eu fazer nada" (CORREIO BRAZILIENSE, 2019, grifos nossos).

E continuou: "a gente tem 10 universidades federais no Brasil que gastam, que custam, mais de R$ 3 bilhões, cada uma delas, por ano". Com relação aos dados apresentados pelo Ministro da Educação note-se:
1) O Censo da Educação Superior de 2018 nos mostra que nas instituições privadas estão matriculados nos cursos de graduação presenciais e a distância um total de 6.373.274, e nas públicas, 2.077.481. Isto quer dizer que são 75,4% matriculados nas privadas e não "mais de 80%" como afirmou o Ministro.
2) A tabela 03 apresenta a variação percentual da folha de pagamento e encargos sociais das Universidades Federais no período 2011-2016.
Conclui-se, portanto, que o crescimento médio da folha de pagamento nesse período foi de 3,0% e não de 8% ao ano como afirmou o Ministro.
3) A tabela 04 mostra os 10 maiores valores orçamentários aprovados pelo Congresso Nacional para as Universidades Federais em 2018.
Verifica-se que somente uma Universidade Federal, a UFRJ, atinge um valor acima de R$ 3 bilhões em seu orçamento aprovado pelo Congresso Nacional em 2018. Quais são as outras nove? Note-se que nesses valores estão incluídos os pagamentos dos aposentados e pensionistas que significam nas universidades com maior tradição, como a UFRJ, um percentual entre 30% e 40%.

6. O gasto por aluno e o custo do aluno é elevado nas Universidades Federais

Em outra abordagem, em 30/04/2019, o Ministro da Educação afirmou em O Globo que: "Para cada aluno de graduação poderia pagar 10 em creche" a reportagem explica ainda que "o ministro compara ainda o custo de um aluno na faculdade (R$ 30 mil anuais segundo ele) com o de uma vaga em creche (R$ 3 mil, segundo ele)" (O GLOBO, 2019b).
É preciso estar atento à diferença entre o gasto anual por aluno e o custo anual do aluno. O gasto por aluno é obtido simplesmente dividindo-se o volume total de recursos financeiros aplicados nas instituições de educação superior em um determinado ano e o número de estudantes matriculados naquele ano. A Organização para a Coordenação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) divulga este indicador e a tabela 5 mostra os seus valores para o Brasil e países selecionados, membros da OCDE. Verifica-se que o Brasil possui um gasto anual por aluno na educação superior de US$/ PPC 13.540,00 que está abaixo do valor médio dos países membros da OCDE que é de US$/PPC 15.772,00. Entretanto, há países que aplicam valores bem mais elevados que o valor médio: Austrália (US$/PPC 18.337,00), Canadá (US$/PPP 21.458,00), Japão (US$/ PPC 17.883,00), Noruega (US$/PPC 20.379,00), Suíça (US$/PPC 25.744,00), e EUA (US$/PPC 27.924,00).
Há, entretanto, que se tomar muito cuidado/cautela com essas comparações internacionais e, neste caso em especial, é preciso perguntar sobre a estrutura orçamentária nos diversos países uma vez que as UFs brasileiras possuem hospitais, museus, orquestras, rádios, televisões, fazendas, centros de eventos, aposentados e pensionistas nas folhas de pagamento etc. Corre-se o risco de se efetivar comparações indevidas entre os países (SHEEHAN, 1996: 25).
Além disto, as UFs realizam intensa atividade de pesquisa e extensão, além das atividades de ensino. Considerando o montante de recursos alocados para o financiamento das atividades de ensino, pesquisa e extensão das UFs, qual seria então o custo anual do aluno, que está relacionado especificamente às atividades de ensino, devendo-se excluir o financiamento das atividades de pesquisa ou extensão? O valor do custo anual do aluno que apresentaremos a seguir se refere a um custo médio anual, considerando-se o total de estudantes de graduação e de pós-graduação stricto sensu, utilizando-se as informações do Censo da Educação Superior divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e os dados da pós-graduação stricto sensu divulgados pela Capes. Devido a inexistência de banco de dados oficiais não serão considerados os estudantes dos cursos de pós-graduação lato sensu, os dos cursos de extensão e nem os da educação básica e profissional que são ofertados pelas UFs. É bom lembrar, então, que o valor do custo anual do aluno que será apresentado será maior do que aquele a ser obtido se tivéssemos informações sistematizadas para todos esses casos.
No cálculo do custo anual do aluno é preciso que retiremos dos recursos totais aplicados nas instituições, num determinado ano, aqueles que se dirigem ao pagamento de aposentados e pensionistas -por não mais participarem diretamente da formação dos estudantes- e o equivalente a 65% dos recursos aplicados nos Hospitais Universitários (HUs), que se dirigem à prestação de serviços de saúde à população considerando-se parâmetro estabelecido pelo Tribunal de Contas da União (TCU) (BRASIL.TCU, 2004: 4); portanto, nesta metodologia, 35% dos recursos dos HUs são considerados para as atividades de pesquisa e extensão. Além dessas considerações é preciso que retiremos dos recursos resultantes, aqueles que se dirigem às atividades de pesquisa e extensão, para obtermos o volume de recursos financeiros que foram efetivamente aplicados na formação do aluno com o ensino, o que caracteriza o custo anual do aluno. Isto pode ser realizado por meio de uma metodologia adaptada de Amaral e Pinto que considerará as seguintes premissas básica para o cálculo do percentual das despesas que se dirigem às atividades de pesquisa e extensão (AMARAL e PINTO, 2010):
1) Existe uma relação direta entre as despesas com pesquisa ou extensão e a quantidade de professores que trabalham em tempo integral nas instituições.
2) Existe uma relação direta entre o percentual das despesas que se destinam à pesquisa ou à extensão e o número de mestres e doutores.
3) Existe uma relação direta entre as despesas com pesquisa ou extensão e o percentual de alunos de pósgraduação stricto-sensu em relação ao total de alunos das instituições - graduação presencial adicionados aos de pós-graduação stricto-sensu.
4) Existe uma relação direta entre as despesas com pesquisa ou extensão e o tamanho da pós-graduação stricto sensu.
5) Existe uma relação direta entre as despesas com pesquisa ou extensão e a avaliação Capes de seus programas de pós-graduação stricto-sensu.

Dessa forma, a Universidade Federal que tiver 100% dos professores em TI (Tempo Integral), 100% dos professores mestres ou doutores, 50% dos estudantes de pós-graduação stricto sensu significarem 50% do total de estudantes, adicionando-se os de graduação com os de pós-graduação stricto sensu, mais de 100 cursos de mestrado ou doutorado, e todos esses cursos possuírem conceito 7 na Capes, terá especificado que 60% dos seus recursos se dirigiriam às suas atividades de pesquisa e extensão, após a retirada daqueles associados aos aposentados e pensionistas e 65% dos recursos dos HUs.
O custo anual do aluno das UFs, valor médio de todas as UFs, para os anos de 2005 e 2017, conforme foi estabelecido pela metodologia apresentada neste estudo foi o da tabela 5. O quantitativo de estudantes em 2005 foi de 607.945 e em 2017, 1.274.048, adicionandose os de graduação aos de pós-graduação stricto sensu explicitados na tabela 6. Houve, portanto, uma queda no custo do aluno, de -24,7%, resultado da combinação de um complexo de variações das informações relativas aos professores, estudantes de graduação e de cursos de pós-graduação stricto sensu, constituintes da metodologia utilizada. Há, portanto, que se perguntar: qual metodologia foi utilizada pelo MEC para dizer que o custo anual do aluno das Universidades Federais foi de R$ 30.000,00?

Considerações finais: o Programa Institutos e Universidades Empreendedoras e Inovadoras - FUTURE-SE explica a existência das mentiras e meias verdades?

Meio à "avalanche" de informações divulgadas pelo Governo, como as que analisamos, o Ministério da Educação divulgou no dia 17 de julho de 2019 o Programa Institutos e Universidades Empreendedoras e Inovadoras - FUTURE-SE que tem por objetivo, segundo a proposta apresentada, fortalecer "a autonomia administrativa e financeira das Instituições Federais de Ensino Superior - IFES, por meio de parceria com organizações sociais e de fomento à captação de recursos próprios" (FUTURE-SE, 2019, grifos nossos).
Sobre este objetivo pode-se afirmar, em primeiro lugar, que o artigo 207 da Constituição Federal de 1988 estabeleceu que "As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão" (CF, 1988, art. 207). Não há, portanto, que se falar em "autonomia financeira". A proposta, ao apresentar os compromissos que as instituições se comprometem a cumprir se resolverem efetivar as suas adesões afirma que o primeiro compromisso é o de utilizar a organização social contratada para o suporte à execução de suas atividades de gestão, governança e empreendedorismo, pesquisa e inovação e internacionalização. As Organizações Sociais são organizações privadas sem fins lucrativos que seriam contratadas pelo MEC e não pelas Universidades. A autonomia nos aspectos administrativos, de gestão financeira e patrimonial, e da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão estaria comprometida pela presença desse ente privado.
Considerando que as Universidades deveriam fazer adesão ao Programa, podemos perguntar: com as mentiras e meias verdades, estaria o Governo querendo fragilizar as Universidades Federais para provocarem as suas adesões ao Programa? Causando o desgaste das Universidades perante a população o Governo esperaria que seria mais fácil diminuir os seus recursos financeiros e transformá-las em "instituições empreendedoras’ que conseguiria captar recursos financeiros para a sua manutenção? Considerando que o grupo que assumiu o poder executivo federal é ultraconservador nos costumes e possui em seu interior defensores de atitudes anti-intelectualistas, estaria querendo reduzir a influência das Universidades Públicas na formação de intelectuais, profissionais e cientistas brasileiros?
Se considerarmos que o grupo que governa o país é constituído por ultraliberais no campo econômico, haveria a intenção de fragilizar as instituições de educação superior públicas para que as instituições privadas pudessem crescer ainda mais? Haveria o objetivo de diminuir a presença da educação pública nos recursos do fundo público para que o setor privado tivesse maior liberdade para obter recursos deste fundo? As respostas para essas e outras questões precisam ser encontradas nos próximos anos para que análises consistentes possam ser realizadas sobre qual será o futuro das Universidades Federais no Brasil.

Anexo

Tabela 1. Valor aplicado por estudante matriculado, valores em US$/PPP

Tabela 2. Quantitativo de programas de pós-graduação stricto sensu (MS ou DR) em cada um dos estados e no DF, nos âmbitos federal, estadual, municipal e privado - 2016

Tabela 3. Execução Orçamentária liquidada dos recursos das Universidades Federais para o pagamento de pessoal e encargos sociais (Valores em R$ milhões, a preços de janeiro de 2017, corrigidos pelo IPCA)

Tabela 4. Aos 10 maiores orçamentos totais, todas as fontes, das Universidades Federais no ano de 2018 (Valores em R$)

Tabela 5. Gasto anual por Aluno na educação superior

Tabela 6. O custo anual médio do aluno das UFs nos anos de 2005 e 2017

Referências

1. Amaral Cardoso, Nelson; Pinto, José Marcelino de Rezende. O financiamento das IES brasileiras em 2005: recursos públicos, privados e custo dos alunos. Série Estudos - Periódico do Programa de Pós-Graduação em Educação da UCDB. Campo Grande - MS, n. 30, p. 51-70, jul./dez. 2010.         [ Links ]

2. BRASIL.CAPES. Sistema de Informações Georreferenciadas - GEOCAPES. Disponível em: https://geocapes.capes.gov.br/geocapes/ (acesso em 15 de maio de 2019).         [ Links ]

3. Brasil Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm        [ Links ]

4. BRASIL.INEP. Censo da Educação Superior - 2017. Disponível em: www.inep.gov.br (acesso em 10 de outubro de 2018).         [ Links ]

5. BRASIL.INEP. Estimativa do Percentual do Investimento Público Total em Educação em Relação ao Produto Interno Bruto (PIB), por Nível de Ensino - Brasil 2000-2015. Disponível em: http://inep.gov.br/indicadores-financeiros-educacionais (acesso em 15 de junho de 2019).         [ Links ]

6. FUTURE-SE. Programa Institutos e Universidades Empreendedoras e Inovadoras. Disponível em: https://g1.globo.com/educacao/noticia/2019/07/17/future-se-leia-a-integra-da-proposta-do-mec-sobre-mudancas-na-gestao-das-universidades-federais.ghtml (acesso em 29 de setembro de 2019).         [ Links ]

7. JOVEM PAN. Entrevista do Presidente da República à Jovem Pan, no día 08/04/2019. Disponível em: www.unicamp.br/unicamp/ju/artigos/luiz-marques/ciencia-versus-bolsonaro (acesso em 20 de setembro de 2019).         [ Links ]

8. O GLOBO. A gente gasta como os ricos e tem resultado dos pobres. Disponível em: www.g1.globo.com/educacao/noticia/2019/04/08/a-gente-gasta-como-os-ricos-e-tem-resultado-dos-pobres-leia-frases-donovo-ministro-da-educacao.ghtml (acesso em 20 de junho de 2019).         [ Links ]

9. CORREIO BRAZILIENSE. Weintraub diz que vai ‘atrás da zebra gorda’: profesores com salario alto. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/eu-estudante/ensino_ensinosuperior/2019/09/26/interna-ensinosuperior-2019,791013/weintraub-diz-que-vai-atras-da-zebra-gorda-professores-com-salario.shtml (acesso em 27 de setembro de 2019).

10. O GLOBO. Para cada aluno de graduacão poderia pagar 10 em creche. Disponível em: https://oglobo.globo.com/sociedade/educacao/para-cada-aluno-de-graduacao-poderia-pagar-dez-em-creche-dizministro-da-educacao-23633807 (acesso em 10 de julho de 2019b).         [ Links ]

11. OCDE. Education at a Glance 2016 -OECD INDICATORS. Disponível em https://www.oecd-ilibrary.org/education/education-at-a-glance-2016_eag-2016-en (acesso em 25 de junho de 2019).         [ Links ]

12. Valdemar S. e Nelson Cardoso A. (2000), "O Banco Mundial revisa posições: quem há de pagar a conta?", in Perspectiva, 18(33), pp. 65-76.         [ Links ]

13. UOL. MEC quer tirar recursos do ensino superior, para creche. Que disputa é essa?. Disponível em: https://educacao.uol.com.br/noticias/2019/05/03/ministro-quer-tirar-recurso-de-federais-por-ensino-basicoha-essa-disputa.htm (acesso em 15 de agosto de 2019).         [ Links ]

14. VALOR. Guedes diz ter pronta PEC para desvinculação total do orçamento. Disponível em: valor.globo.com/Brasil/noticia/2019/03/10/guedes-diz-ter-pronta-pec-para-desvinculacao-total-do-orcamento.ghtml (acesso em 10 de agosto de 2019).         [ Links ]

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons