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Revista de enseñanza de la física

versão impressa ISSN 0326-7091versão On-line ISSN 2250-6101

Rev. enseñ. fís. vol.32 no.1 Cordoba abr. 2020

 

Investigacón didáctica

Concepgoes de aprendizagem nas Pesquisas em Ensino de Física que lidam com pequenos grupos]

Learning conceptions found in Physics Education Research with small group settings

Danielle R. Rocha

Alexandre F. Faria

 

1Programa de Pós-Graduagao em Educagao da Universidade Federal de Minas Gerais (Brasil).

2Colégio Técnico da Universidade Federal de Minas Gerais (Brasil).

*E-mail: danirocha@ufmg.br

Recibido el 9 de diciembre de 2019

Aceptado el 4 de marzo de 2020

 

Resumo

Diversas estratégias sao criadas para analisar o fenómeno aprendizagem. Tais estratégias podem sinalizar como os pesquisadores compreendem esse fenómeno. Neste trabalho, investigamos as concepgoes de aprendizagem que aparecem em trabalhos que lidam com pequenos grupos em aulas de Física. Analisamos 42 artigos publicados durante o período de 2012 a 2017 em periódicos de Ensino de Ciencias e de Física classificados como A1 pelo Qualis CAPES (Brasil). Categorizamos as análises desenvolvidas pelos autores segundo concepgoes de mente trazidas da literatura. Notamos uma predominancia (n=25) da concepgao que trata aprendizagem como uma prática social de compartilhamento de significados. Além disso, encontramos cinco trabalhos em que as concepgoes de aprendizagem divergiam entre suas próprias segoes. Finalmente, propomos que a ferramenta criada para a categorizagao dos artigos pode ser usada como instrumento de reflexao e ponderagao para a elaboragao de sequencias didáticas, avaliagoes escolares e estratégias de investigagao em aprendizagem.

Palavras clave: Aprendizagem; Pequenos grupos; Ensino de Física; Levantamento bibliográfico.

Abstract

Diverse strategies are created to analyze students' learning processes. These strategies provide clues about how the researchers perceive learning. We searched the conceptions of learning shown in investigations in which students are organized in small groups in Physics classes. We analyzed 42 articles published between 2012 and 2017 in journals made available and classified as highest credibility by CAPES (Brazil). We categorized them according to concepts of mind brought from the literature. Our findings show that learning is mostly perceived as a social activity of sharing meanings (n=25). We also found 5 articles with divergent conceptions in their sections (Data Analysis and Theoretical Framework). Finally, we propose that the categories created in this study can be used as tools to evaluate how tests, instruction and research target learning.

Keywords: Learning; Small group; Physics Teaching; Literature review.

I. INTRODUJO

O que é aprendizagem e como caracterizá-la? Essas perguntas básicas permeiam o fazer de professores e de pesquisadores em Ensino de Física. Para aqueles, a reflexao decorrente dessas questoes sao essenciais ao planejamento do ensino, desde a escolha das estratégias empregadas na abordagem de tópicos específicos a avaliagao

da aprendizagem desses tópicos; para estes, tal reflexao acompanha a definigao do objeto e do problema de pesquisa, dos referenciais teóricos e do delineamento metodológico.

Esses questionamentos tém dupla relevancia para nós: somos professores e pesquisadores, por isso nos levam a refletir sobre nosso trabalho de forma permanente. Recentemente, suscitou em nós uma curiosidade: quais concepgoes de aprendizagem estao presentes nas pesquisas conduzidas em aulas de física nas quais os estudantes trabalham em pequenos grupos? Essa questao constitui o objetivo deste trabalho. Circunscrever a questao de pesquisa aos pequenos grupos se justifica por nosso interesse de pesquisa por situagoes de ensino e aprendizagem em que os estudantes se organizam dessa forma. Nao identificamos na literatura de pesquisa outros artigos que tenham abordado essa questao ou questoes semelhantes. Por um lado, isso mostra que nossa pesquisa pode prestar uma contribuigao relevante a área. Por outro lado, dificulta o estabelecimento de um diálogo mais amplo com nossos pares.

Duas revisoes de literatura atuais indicam que um número expressivo trabalhos publicados em periódicos dedicados ao Ensino de Ciéncias falham em considerar e articular teorias de aprendizagens para definigao do quadro teórico-metodológico, quando trabalho de pesquisa, ou para o embasamento de propostas de intervengoes ou recursos didáticos. O foco dessas duas revisoes de literatura nao sao as teorias de aprendizagem usadas em trabalhos de pesquisa, como é o nosso caso, mas os temas "Aprendizagem Baseada em Projetos" (Pasqualetto, Veit e Araújo, 2017) e sobre "Resolugao de Problemas no Ensino de Física" (Oliveira, Araújo e Veit, 2017). Conscientes desta limitagao nos trabalhos da área, vimos no artigo de Rex, Steadman e Graciano (2006) uma possibilidade de inferir o que pesquisadores que nao explicitam suas teorias sobre aprendizagem pensam sobre esse fenómeno: a identificagao das concepgoes de aprendizagem pode ser lida a partir do delineamento metodológico das pesquisas, visto que os indicadores escolhidos para capturar o fenómeno aprendizagem revelam como ele é compreendido naquele trabalho.

Quando se pensa em definir aprendizagem, logo vem a mente autores clássicos como, por exemplo, Vygotsky (1991), Piaget (2002), Dewey (1910), Freire (1982) entre outros. Os trabalhos de pesquisa da nossa área, quando estabelecem seus quadros teórico-metodológicos para abordar o fenómeno da aprendizagem, geralmente se apoiam nesses autores clássicos ou nos que construíram a partir deles. Esses autores também sao introduzidos na maioria dos cursos de formagao inicial de professores. Pega a um colega docente que defina aprendizagem e provavelmente verá que os clássicos ou suas ideias serao evocados. Contudo, isso nao significa que essas teorias de aprendizagem orientam a prática profissional desses professores.

Poderíamos também, partindo da perspectiva de aprendizagem de cada um desses autores clássicos, analisar as concepgoes de aprendizagem presentes em pesquisas em Ensino de Física. No entanto, avaliamos que isso nos permitiria apenas identificar o que está colocado pelos autores de cada trabalho. Nao conseguiríamos ver além do que já foi explorado por estudos como o de Leach e Scott (2003), que discute como as visoes de aprendizagem podem influenciar futuras práticas pedagógicas e pesquisas em Educagao em Ciéncias. Assim, buscamos estabelecer um sistema de categorias para análise de nossos dados a partir de ideias mais gerais e que nos dariam maior poder de inferéncia. Para isso, revisitamos e reelaboramos as ideias sobre mente e aprendizagem propostas nos trabalhos de Olson e Bruner (1996) e Bereiter e Scardamalia (1996).

II. REFERENCIAIS TEÓRICOS

Todo professor ou pesquisador em Ensino, em diferentes situagoes, já se deparou com a pergunta: O que é aprendizagem? Esse é o tipo de questao que admite múltiplas respostas, podendo todas elas serem igualmente válidas. A importancia desta questao e do investimento na busca de uma resposta para ela está no seu potencial de reflexao e transformagao da prática de ensino e da prática de pesquisa.

A formulagao de uma resposta a essa questao nao se restringe aqueles que lidam no ámbito da Educagao. Todas as pessoas trazem consigo uma concepgao sobre o que é aprender e o que é ensinar. A todo o momento aprendemos e ensinamos algo uns aos outros ora de maneira intencional, ora de maneira nao intencional. Essa é uma característica humana, que transcende o fazer docente.

De acordo com Olson e Bruner (1996), as concepgoes que orientam a compreensao das pessoas sobre o processo de ensino e aprendizagem decorrem da maneira como se compreende o funcionamento da mente humana. Esses autores elaboraram uma construgao teórica que relaciona concepgoes sobre o funcionamento da mente humana com concepgoes de ensino e aprendizagem. Decorre desse trabalho o estabelecimento de quatro categorias que tomamos como base para análise das concepgoes de aprendizagem em um conjunto de pesquisas em Ensino de Física. No quadro 1, apresentamos esse sistema de categorias. Em seguida, descreveremos com mais detalhes cada uma delas.

QUADRO I. Concepgoes de mente, aprendizagem e ensino em Olson e Bruner (1996).

Concepgao de Aprendizagem

Concepgao de Ensino

Concepgao de Mente

O que é aprender?

Capacidades que possibilitam a aprendizagem

Papel do aluno

Papel do Professor

Conceito de

Professor

Executora

Adquirir uma habilidade

Imitagao

Repetir o que lhe é mostrado

Demonstrar

Artesao

Reprodutora

Ser capaz de lembrar o que foi transmitido

Memorizagao e recuperagao de info rmagoes

Receber

informagoes

Fornecer

informagoes

Autoridade

Compartilhadora de Significados

Atribuir significados socialmente compartilhados

Interagao social e reflexao

Compartilhar

compreensao

Colaborar

Parceiro

Criadora de Significados

Elaborar novas ideias a partir de conhecimentos acumulados

historicamente

Criagao e articulagao de ideias

Construir

conhecimento

Gerenciar

Informagoes

Consultor

A concepto de mente executora associa-se a visao de que a imitagao dos procedimentos adotados pelo professor promove a aprendizagem do estudante. Nessa concepgao, o papel do professor está associado a figura do artesao e as habilidades relacionadas a atividades de natureza manual. Sendo assim, para aprender nao é esperado (nem necessário) que o aprendiz entenda teorias relacionadas ao oficio, mas que ele tenha a capacidade de repetir os passos do mestre. O desenvolvimento da habilidade de imitar resulta em um produto final cada vez mais parecido com um executado por uma figura de maior expertise e, portanto, avalia-se a aprendizagem através da comparagao entre os produtos finais executados por artesao e aprendiz.

Na concepgao de mente reprodutora o estudante é visto como alguém dotado da capacidade de receber conhecimento e resolver problemas de acordo com o que foi ensinado a ele. Ao contrário da executora, essa concepgao de mente supoe que o estudante pode compreender as teorias que lhe tenham sido ensinadas. Ao conceber o conhecimento como algo externo ao estudante, a relagao entre ensino e aprendizagem é estrita e imperativa. Sendo assim, a aprendizagem é avaliada a partir da correspondencia entre as informagoes ensinadas e o que o aluno consegue dizer sobre elas posteriormente.

A concepgao de mente compartilhadora de significados rompe com a ideia de que o conhecimento é um conjunto de informagoes externas ao aluno que devem ser inculcadas por agao do professor. A mente do estudante é concebida como capaz de interpretar, analisar, explicar e dizer sobre as experiencias já vividas, sejam elas escolares ou nao. Os significados dados a essas experiencias devem ser compartilhados e construidos coletivamente, até que se atinja um consenso - o conhecimento intersubjetivo, uma espécie de correspondencia entre as mentes dos integrantes. O professor medeia as interagoes como um parceiro e os colegas de turma ganham relevancia no processo de aprendizagem. As evidencias de aprendizagem vem do aprimoramento das explicagoes individuais ou do grupo decorrente da colaboragao e do compartilhamento de significados.

Para a concepgao de mente criadora de significados, nao basta apenas compartilhar significados para construir conhecimento; é necessário justificá-los. Conhecimentos que já foram questionados, colocados a prova e resistiram por serem baseados em evidencias - conhecimentos objetivos - nao tem igual valor ao conhecimento construido apenas pela correspondencia de mentes de integrantes determinado grupo. Na concepgao criadora, o estudante é visto como alguém que possui crengas e teorias que sao formadas e revisadas a partir de evidencias e nao só através do consenso coletivo. A capacidade do estudante de justificar e embasar significados resulta em um dominio tao grande sobre o conhecimento que permite diálogo de forma critica com ideias já consagradas: combinando-as, operacionalizando-as e criando novas. O aprendizado, sob essa perspectiva, pode ser analisado segundo a destreza com a qual o estudante justifica, articula e cria a partir de significados consagrados.

Embora as quatro categorias descritas acima estejam bem definidas, sentimos, do ponto de vista metodológico, a necessidade de torná-las mais operacionais. Recorremos ao trabalho de Bereiter e Scardamalia (1996) com essa finalidade. Esses autores apresentam uma discussao sobre concepgoes de mente e de aprendizagem que circulam nos ambientes educacionais e academicos. A principal contribuigao que trazem está na articulagao dessas concepgoes para estabelecer uma ferramenta de análise e de transformagao de práticas educativas.

Uma das bases para essa articulagao de ideias feita por Bereiter e Scardamalia (1996) sao os "tres mundos de Popper(1972)" - 1, 2 e 3 - e um mundo intermediário proposto pelos próprios autores - o mundo 2.5 (quadro 2).

QUADRO II. Mundos de Popper (1972) sob o ponto de vista de Bereiter e Scardamalia (1996).

Mundo

s

Caracterizagao

1

Mundo real, fisico e palpável

2

Mundo subjetivo construido por cada pessoa

2.5

Mundo das ideias compartilhadas por uma comunidade

3

Mundo em que as idéias sao tratadas como objetos

Os mundos de Popper (1972) sao considerados no trabalho de Bereiter e Scardamalia (1996) na apresentagao do conceito de conhecimento objetivo ou conhecimento como objeto, que é aquele que existe independentemente das pessoas, que está "fora" delas. Trata-se de uma contraposigao a nogao de conhecimento subjetivo que é concebido como aquele localizado na mente de cada individuo.

A forma como Bereiter e Scardamalia (1996) apresentam esses mundos nos ajudou a melhor caracterizar o sistema de categorias apresentado no quadro 1, tornando-o mais operacional. O que fizemos foi articular o trabalho desses pesquisadores com o trabalho de Olson e Bruner (1996).

O mundo 1 é tido como aquele das coisas materiais e físicas. Nele, estao contidos os móveis de uma sala, as canetas, cachorros e tudo que é palpável. Podemos lidar com esses bens de diversas maneiras: podemos usar a caneta para escrever ou para prender o cabelo, podemos rearranjar a posigao dos móveis e podemos brincar ou dar banho nos cachorros. Características como a cor da caneta, a disposigao dos móveis e o tamanho dos cachorros, podem ser analisadas a partir de nossa observagao direta, e portanto, possibilitam discussoes com certo desembarago. Entendemos que no mundo 1 opera a concepgao de mente executora porque a aprendizagem é julgada a partir da capacidade do sujeito de lidar com os objetos desse mundo.

O mundo 3 é o das ideias consagradas, que podem ser tratadas como objetos. Essa definigao decorre da articulagao da nogao de conhecimento objetivo para Bereiter e Scardamalia (1966), que apresentamos há pouco, e da nogao de conhecimento objetivo para Olson e Bruner (1996). Para estes, o conhecimento objetivo é aquele que foi posto a prova e que sobreviveu pela qualidade de sua adequagao as evidencias disponiveis e por sua importancia em termos de contribuigao para uma espécie de "armazém cultural" - um reservatório metafórico que reúne todo o conhecimento que é construido pela humanidade. Nesse mundo, as linhas de campo idealizadas por Michael Faraday como esforgo para compreender um fenómeno sem formulagao matemática sao tao reais quanto uma caneta. Consideramos que para uma concepgao de mente criadora de significados a aprendizagem está relacionada a habilidade em lidar com objetos do mundo 3.

O mundo 2 é o lugar da subjetividade, onde se situam as mentes de cada individuo. Por isso, nao é diretamente observável. Entretanto, é possivel inferir o que o sujeito pensa a partir de suas interagoes verbais e nao verbais com o mundo que constitui. Essa inferencia permite a comparagao do conhecimento de vários individuos (conhecimento intersubjetivo) e a comparagao dos conhecimentos subjetivos com os conhecimentos objetivos pertencentes ao mundo 3. A avaliagao de aprendizagem, na concepgao de mente reprodutora, é feita a partir da verificagao da correspondencia entre o mundo 2 e os mundos 1 e 3 - isso é, o aluno aprendeu se o que ele comunica corresponde ao que está no livro didático, ao que o professor ensinou em sala de aula ou a observagoes diretas de objetos do mundo 1. Embora essa concepgao de mente reprodutora lide com objetos do mundo 3, nao se espera do estudante a capacidade em lidar sozinho com tais objetos. A concepgao reprodutora nao identifica os mundos 1 e 3 como diferentes, pois assume conhecimento como algo pronto e que, para aprender, é necessário adquiri-lo ou incorporá-lo da maneira como ele é. Em outras palavras, o conhecimento é algo externo a mente de um individuo e que, para ser internalizado, é necessária aceitagao das coisas como elas sao.

A principal diferenga entre as concepgoes reprodutora e criadora é que, para esta, o estudante é capaz de operar com conhecimento objetivo e perceber a natureza continuamente expansivel e reelaborável do mundo 3. Por outro lado, numa visao de mente reprodutora nao se espera que o estudante consiga lidar com os objetos do Mundo 3 sem que ele seja guiado por alguém que já saiba.

Bereiter e Scardamalia (1996) propuseram também o mundo 2.5, do conhecimento "embutido na prática", conhecimento que permeia o ambiente e é compartilhado entre mentes de várias pessoas que, muitas vezes, nem sequer percebem que o possuem ou compartilham e, por tal motivo, nao pode ser tratado como objeto. O Conhecimento intersubjetivo de Olson e Bruner (1996) dialoga com isso ao estabelecer que ele nao pode ser objetivo porque as pessoas que o compartilham nao possuem boas razoes para justificá-lo. O mundo 2.5, portanto, se vincula a concepto de compartilhadora de significados, já que as práticas sociais para essa concepto regem o que é tido como conhecimento. A génese do conhecimento está no compartilhamento intersubjetivo de concepgoes e crengas, numa espécie de convergéncia entre mentes. Aprender demanda participagao e percepgao dessa correspondéncia.

O resultado da articulagao dos trabalhos de Bereiter e Scardamalia (1996) e Olson e Bruner (1996) está no quadro 3, no qual também apresentamos indicadores que nos ajudaram a identificar as concepgoes de aprendizagem presentes nos artigos que foram objetos de nossa análise.

QUADRO MI. Operacionalizagao do sistema de categorias empregado para análise.

Concepgao de Mente

Caracterizagao da Aprendizagem

Indicadores (tipo de aprendizagem considerada nos artigos selecionados para análise)

Executora

Capacidade de operar com objetos do mundo 1.

Capacidade do estudante de reproduzir agoes e procedimentos demonstrados pelo professor ou colegas. Nao pressupoe compreensao dos fundamentos que regem essas agoes e procedimentos.

Reprodutora

Capacidade de reter e recuperar informagoes (mundo 2) sobre objetos do mundo 1 e 3.

Capacidade do estudante de recuperar ideias, conceitos e teorias a fim de responder a questoes que lhe sao apresentadas.

Compartilhadora de Significados

Capacidade de operar ativamente no mundo 2.5

Capacidade dos estudantes de aprimorarem ou elaborarem o entendimento sobre determinadas ideias, conceitos, leis ou teorias a partir da interagao com o outro e da colaboragao.

Criadora de significados

Capacidade de atuar no mundo 3 por meio do relacionamento de ideias desse mundo e da elaboragao de novas ideias.

Capacidade do estudante de mobilizar conhecimentos objetivos acumulados historicamente de maneira justificada para elaboragao de solugao de novos problemas.

Para encerrar esta segao, cabe uma nota de cautela: os mundos apresentados no quadro 2, na prática, sao indissociáveis - separá-los é um esforgo intelectual para tentar organizar concepgoes de conhecimento, aprendizagem, ensino etc. Um exemplo provocativo sugerido por Bereiter e Scardamalia (1996) é o livro didático - cujo conteúdo (ideias consagradas) é produto do mundo 3 em uma representagao do mundo 1 (papel).

III. DELINEAMENTO METODOLÓGICO

Este estudo consiste numa análise documental de relatos de pesquisa empírica sobre aprendizagem em pequenos grupos de estudantes em aulas de Física. Delimitamos artigos que lidam com pequenos grupos pois essa temática constitui um de nossos interesses de pesquisa. Centramos nas aulas de Física pois é nessa área que atuamos.

Utilizamos o portal Qualis Capes, ferramenta oficial brasileira de classificagao da produgao científica, para identificar os periódicos dedicados ao Ensino de Ciéncias classificados como A1 (classificagao máxima) nas áreas de Educagao e Ensino. Definimos o período entre 2012 e 2017 para busca de artigos. Buscamos, nas páginas dos periódicos ou em bases de dados nas quais estavam indexados, pela combinagao (lógica AND) de trés palavras-chave: "pequenos grupos", "aprendizagem" e "Física" - em inglés "small group", "learning" e "physics". Nao restringimos os campos de busca: texto principal, palavras-chave, resumo e título foram sondados. Enviamos o resultado dessa busca inicial para o gerenciador de referéncias Zotero. Usamos a ferramenta "gerar relatório" do Zotero para estruturar uma planilha com o resumo de todos os artigos que levantamos. Passamos, entao, a triagem dos artigos para análise.

A triagem inicial se baseou nos seguintes critérios:

1.    O resumo deveria indicar que trata-se de um relato de pesquisa empírica sobre aprendizagem.

2.    Apenas pesquisas sobre aprendizagem em Física foram mantidas - pesquisas em aprendizagem de conteúdos específicos de Química e Biologia foram excluídas.

3.    Incluímos apenas pesquisas em ambientes formais de aprendizagem.

4.    Artigos de revisao, teóricos e relatos de experiéncia foram excluídos.

A maior dificuldade apresentada nesta triagem inicial foi distinguir as pesquisas com foco nos processos de ensino das pesquisas com foco na aprendizagem dos estudantes. Isso porque muitos resumos eram ambíguos quanto a essa característica das pesquisas. Outra dificuldade consistiu no fato de que a configuragao de pequenos grupos também nao era explícita em um grupo significativo de resumos, embora fosse sugerida em outros campos como o título.

Diante dessas dificuldades, optamos por manter todos os artigos que suscitaram dúvidas no momento de aplicado dos critérios de triagem para a fase de leitura completa dos textos.

Os artigos selecionados para essa fase de leitura do texto completo foram enviados para outro gerenciador de referencias (Mendeley) que apresenta ferramentas mais interessantes para leitura e marcagao dos artigos. Depois de organizados, retomamos aqueles artigos em que tivemos dúvidas ao aplicar os critérios 1-4 descritos acima. Buscamos sanar as dificuldades que relatamos no parágrafo anterior da seguinte maneira:

•    A partir da leitura dos objetivos e das questoes de cada pesquisa, verificamos se o foco do artigo era aprendizagem em ambiente formal. Em caso de negativo, o artigo era excluido.

•    Buscamos pelo contexto da pesquisa para verificar se a investigado da aprendizagem se deu a partir de situagoes de sala de aula nas quais os estudantes trabalharam em pequenos grupos. Foram excluidos os trabalhos que nao adotaram tal arranjo.

A. Categorizagao dos Artigos

Após a triagem dos artigos, procedemos ao trabalho de análise. Usamos o sistema de categorias apresentado no quadro 3 para classificar as concepgoes de aprendizagem presentes nos diferentes relatos de pesquisa. Alguns dos artigos triados apresentavam a seguinte inconsistencia: as segoes de apresentagao do referencial teórico e de apresentagao dos resultados traziam diferentes concepgoes de mente e aprendizagem. Tivemos que definir qual segao tomaríamos como referencia para proceder a análise e responder a nossa questao de pesquisa.

Inspirados em Rex, Steadman e Graciano (2006), focamos na segao de resultados de cada artigo, visto que as reais concepgoes dos pesquisadores sobre o que é aprender se materializam nesta segao.

Exemplificaremos o uso que fizemos do sistema de categorias do quadro 3. Tomaremos para exemplificagao trechos extraídos da segao de resultados dos artigos que constituiram nossa base de análise. Nenhum artigo triado foi categorizado na concepgao executora, portanto, nao exemplificaremos essa categoria.

Exemplo 1: Reprodutora

Essa concepgao entende que a aprendizagem se dá quando há correspondencia entre o mundo 2 e os mundos 1 e 3. Veja o exemplo extraído de "Learning, retention, and forgetting of Newton's third law throughout university physics" (Sayre et al., 2012) abaixo:

Especulamos, portanto, que a aula sobre os conceitos elétricos escalares interfere na resposta de uma questao baseada em vetores (forga coulombiana). Na semana 5, a aula muda para corrente, resistencia e circuitos. Embora também seja escalar e tenhamos observado que a performance da semana 5 ainda é inferior á média, suspeitamos que como a aula nao envolve explicitamente as cargas elétricas, o efeito de interferencia é diminuido (Sayre et al., 2012,p. 9)

Sendo que interferencia foi definida como:

Um terceiro fenómeno, interferencia, ocorre quando dois pedagos de informagoes relacionadas (ou tarefas) sao aprendidas.

O desempenho em um pode diminuir significativamente quando o segundo é aprendido antes (pró-ativo) ou após (retroativo) e a quantidade de interferencia aumenta com o grau de semelhanga entre os dois elementos de informagao. (Sayre et al., 2012, p.2)

Para esses autores, aprendizagem está relacionada a capacidade de recuperar e relacionar informagoes, tendo sido inferida a partir de resultado em testes de múltipla escolha. Ao longo do texto, a aprendizagem também é associada a memória, o que pode sugerir que o trabalho lida com uma concepgao de mente análoga a um compartimento que retém informagoes obtidas externamente. Assim, julgamos que, para esses autores, a aprendizagem está localizada no mundo 2 e avaliada de acordo com a correspondencia do que está contido lá com os mundos 1 e 3.

Exemplo 2: Compartilhadora de significados

Em uma análise cuja a concepgao de mente é a compartilhadora de significados, há a intengao de investigar a construgao de conhecimentos por grupos de estudantes (conhecimento intersubjetivo), a correspondencia entre os significados atribuídos pelos membros do grupo e as interagoes estabelecidas entre os seus membros.

Na pesquisa "Transitions in students' epistemic framing along two axes" (Irving, Martinuk e Sayre 2013), os autores dedicam-se a investigar as transigoes que os estudantes fazem entre perspectivas brincalhona e séria (eixo horizontal) e estreita e expansiva (eixo vertical). No trecho abaixo, extraído da análise de dados, podemos notar a énfase dada as interagoes:

As interagoes tendem a ser mais expansivas em 32% do tempo e mais estreitas em 53% das vezes. Um adicional de 15% do vídeo nao é mostrado neste gráfico porque os eixos sao apenas para discussao, e os alunos nao discutem nada durante esse tempo. (Irving, Martinuk e Sayre, 2013, p.8)

O trecho indica que o sistema de categorias foi elaborado especificamente para a análise de discussoes entre os estudantes. Destacamos que a análise nao abrange o conteúdo de Física (pertencente ao mundo 3). Sendo assim, entendemos que o investigador estava analisando a correspondéncia de perspectivas entre os estudantes - localizadas no mundo 2.5.

Exemplo 3: Criadora de Significados

Nesta concepgao, a destreza em operar objetos do mundo 3 (conhecimento objetivo) com vistas a apresentagao de solugoes para novos problemas é tomada para fazer inferéncias sobre a aprendizagem do estudante. Oliveiras et al (2014) em "Students1 Attitudes to Information in the Press: Critical Reading of a Newspaper Article With Scientific Content", classificaram trés perfis de leitores. Uma das categorias definidas pelos autores é denominada leitor crítico:

Estudantes que fazem comparagao entre dados, evidencias ou informagoes dadas pelo texto, informagoes encontradas na Internet e seu próprio conhecimento científico para chegar a conclusoes que consideram diversas perspectivas. Os alunos que executam esse processo sao considerados leitores críticos. (Oliveras, Márquez e Sanmartí, 2014, p.612)

A identificagao de leitor crítico nao só corresponde a do leitor da concepgao "criadora de significados", como explicita que o aluno deve contrastar informagoes com o seu próprio conhecimento - ou seja, operacionalizar o conhecimento objetivo para avaliar as informagoes obtidas por diferentes fontes. Em seguida, analisa o trecho da resposta dos alunos:

O aluno identifica algumas das idéias científicas (fontes de energia, transformagao de energia e transferencia de energia sob a forma de calor ou degradagao de energia), mas nao fornece justificativa científica da relagao entre CO2 e energia. (Oliveras, Márquez e Sanmartí, 2014, p.626)

Destacamos neste trecho que apenas "identificar" ideias científicas se mostra insuficiente para os autores. Leitores críticos, na perspectiva deles, devem elaborar justificativas que correlacionem objetos do mundo 3.

IV. RESULTADOS

Nossa busca inicial retornou 375 artigos. A triagem baseada nos resumos nos levou a descartar 237 artigos na etapa inicial. Acessamos o texto completo dos outros 138 trabalhos. Após essa etapa, ainda com base nos critérios de triagem, restaram para nossa análise 42 artigos.

Os principais motivos de exclusao de trabalhos para nossa análise foi (i) nao se tratar de pesquisa com estudantes que trabalhavam em pequenos grupos em aulas de Física e (ii) nao se tratar de pesquisa em que a aprendizagem figurava como objeto de investigagao.

No quadro 4, apresentamos a categorizagao dos artigos triados segundo a concepgao de aprendizagem expressa na segao de análise de dados desses mesmos artigos. Na coluna resumo, apontamos o número de resumos que analisamos dos artigos obtidos a partir dos nossos critérios de busca; na coluna "textos completos", contabilizamos o número de artigos em que procedemos a análise dos textos completos; na coluna "selecionados", contabilizamos os artigos que passaram pelo processo de triagem; nas quatro últimas colunas, apresentamos o resultado de nossa categorizagao.

QUADRO IV. Operacionalizagao do sistema de categorías empregados para análise.

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1

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C

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o

r

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1980-850X

CIÉNCIA & EDUCACAO

6

2

0

0

0

0

0

1983-2117

ENSAIO: PESQUISA EM EDUCACAO EM CIÉNCIAS (ONLINE)

2

2

1

0

0

0

1

0102-4744

REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE FÍSICA

4

4

0

0

0

0

0

1554-9178

PHYSICAL REVIEW SPECIAL TOPICS. PHYSICS EDUCATION

RESEARCH

111

42

19

0

6

11

2

0157-244X

RESEARCH IN SCIENCE EDUCATION

66

34

11

0

1

8

2

1059-0145

JOURNAL OF SCIENCE EDUCATION AND TECHNOLOGY

53

20

4

0

0

2

2

0926-7220

SCIENCE & EDUCATION (DORDRECHT)

43

20

4

0

0

2

2

1571-0068

INTERNATIONAL JOURNAL OF SCIENCE AND

MATHEMATICAL EDUCATION

52

11

2

0

0

1

1

1871-1510

CULTURAL STUDIES OF SCIENCE EDUCATION (ONLINE)

27

1

1

0

0

1

0

0031-9120

PHYSICS EDUCATION (BRISTOL. PRINT)

11

2

0

0

0

0

0

TOTAL (absoluto)

375

13

8

42

0

7

25

10

TOTAL EM PORCENTAGEM - f(x) = CATEGORIA / TOTAL DE SELECIONADOS

0

16,

7

59,

5

23,

8

As categorias Compartilhadora e Criadora apresentaram maior quantidade de artigos quando comparadas as categorias Executora e Reprodutora. Atribuimos este resultado a escolha de pequenos grupos como termo chave, já que essa configuragao de sala promove maior interagao entre os alunos. Assim, é razoável inferir que o pesquisador que lida com esse tipo de sala de aula nao tenha uma concepgao do processo de ensino-aprendizagem em que o professor figura como protagonista e que o estudante seja passivo em relagao ao conhecimento.

Ainda assim, a porgao de 16,7% dos artigos (7 trabalhos) foi categorizada como Reprodutora. Embora o valor seja relativamente alto, notamos que em tres desses sete artigos apresentam-se concepgóes de aprendizagem no referencial teórico que diverge da concepgao de aprendizagem sinalizada nos resultados. Trataremos dessa divergencia na próxima subsegao. Os outros quatro artigos apresentaram concepgao reprodutora sobre o processo de aprendizagem tanto no tratamento dos referenciais teóricos, quanto na apresentagao dos resultados. Ambos foram publicados na Physical Review Special Topics. Por exemplo, um deles investiga aprendizagem a partir de sua associagao a curvas de memória e esquecimento; o outro lida com a consistencia de respostas corretas no Force Concept Inventory (FCI) - ambos, portanto, analisam a correspondencia entre o mundo 2 e os mundos 1 e 3, característica desta categoria.

Apresentam concepgao compartilhadora sobre o processo de aprendizagem 59,5% dos artigos analisados. Esse valor expressivo pode indicar que, para a maioria dos pesquisadores, a principal fungao do trabalho em pequenos grupos é promover um contexto propicio para troca de ideias e construgao coletiva de conhecimento. Além disso, consideramos essa concepgao bem mais abrangente em relagao as outras. Uma evidencia disso é o fato de ser a única em que Olson e Bruner (Olson and Bruner 1996) dividiram em subcategorias - que nao foram trabalhadas neste estudo.

Os outros 23,8% dos artigos tomados para análise apresentaram concepgao de aprendizagem categorizada como criadora de significados. Nesses trabalhos, o contexto dos pequenos grupos parece cumprir a fungao de dar oportunidade para que os alunos mobilizem estratégias para navegar pelo mundo 3 e justifiquem suas respostas coordenando objetos deste mesmo mundo. No que diz respeito a quantidade de artigos cuja concepgao de www.revistas.unc.edu.ar/index.php/revistaEF

REVISTA DE ENSEÑANZA DE LA FÍSICA, Vol. 32, no. 1 (2020)    38

aprendizagem foi categorizada como "criadora", o valor encontrado ficou abaixo de nossas expectativas: esperávamos que nossa busca resultasse em valores próximos para as duas últimas categorias do quadro 3, que atribuem capacidades mais sofisticadas aos estudantes. É notável uma tendencia de valorizado do conhecimento construido pelos alunos. Contudo, é possivel que o pesquisador interessado em investigar a desenvoltura dos estudantes com o conhecimento objetivo sinta-se inseguro ao nao conceder o mesmo prestigio que seus pares ao conhecimento construido coletivamente em sala de aula.

Por fim, cabe destacar que o tratamento das discussoes entre estudantes como principal fonte de dados é característica comum dos trabalhos que trazem as concepgoes compartilhadora e criadora sobre o processo de aprendizagem. O que os diferencia é o tipo de conhecimento que se propoem a analisar.

A. Concepgoes divergentes no mesmo trabalho

A análise dos artigos triados mostrou uma situado interessante: sedes distintas de um mesmo artigo podem trazer concepdes divergentes sobre mente e aprendizagem. Apresentamos, a seguir, uma análise desses casos. Recorremos a passagens dos artigos para apresentar evidencias que sustentam nossas afirmagoes.

Concepgao compartilhadora nos referenciais e reprodutora nos resultados

Identificamos tres artigos com este tipo de divergencia. Exemplificaremos nossa análise com base em um deles, que é bastante representativo. Em "Effective student teams for collaborative learning in an introductory university physics course" (Harlow, Harrison e Meyertholen, 2016), os autores trabalham com uma perspectiva socioconstrutivista nos referenciais teóricos:

A previsao de que aprender em equipe pode ser mais eficaz do que aprender como individuos isolados foi melhor articulada por Vygotsky. Ele introduziu o conceito da zona de desenvolvimento proximal, que descreve o que um aluno pode fazer com ajuda, em comparagao com o que ele ou ela pode fazer sem ajuda. No contexto da aprendizagem colaborativa e de Peer Instruction, os companheiros de cada aluno formam o andaime necessário para manter o aluno dentro de sua zona mais efetiva de desenvolvimento proximal. (Harlow, Harrison e Meyertholen, 2016, p.1)

Contudo, na análise de dados, esses autores verificaram se o trabalho em grupo impactou a aprendizagem dos estudantes com base no resultado individual obtido em teste padronizado - o Inventário do Conceito de Forga:

Nosso estudo produziu um resultado nulo: a composigao das equipes nao teve efeito mensurável sobre a aprendizagem dos alunos. Os ganhos normalizados no FCI sao os mesmos dentro das incertezas para todos os tipos de alunos em todos os tipos de equipes. (Harlow, Harrison e Meyertholen, 2016, p.8)

A estratégia metodológica utilizada para avaliar a aprendizagem busca identificar correspondencia entre o mundo 2 de cada aluno aos mundos 1 e 3, como se quisessem avaliar a capacidade de aplicagao do conhecimento adquirido.

A contradigao está em adotar um referencial teórico que coloca a interagao entre estudantes como o cerne do processo de aprendizagem e conduzir uma análise de dados em que a aprendizagem foi inferida através do método "caixa preta" (Cf. Cohen, 1994) de pré e pós-teste. Em outras palavras, a aprendizagem foi inferida a partir das respostas corretas a teste padrao e nao através de indicios obtidos na interagao entre os estudantes.

Concepgao compartilhadora nos referenciais e criadora nos resultados

Identificamos dois artigos que apresentam essa divergencia. Ambos fazem mais que analisar o conhecimento construido na interagao entre estudantes: eles, na verdade, investigam a desenvoltura dos estudantes em lidar com ideias consagradas do Mundo 3 e criar a partir delas. Isso caracteriza um deslocamento do olhar do conhecimento intersubjetivo para o conhecimento objetivo, o que é típico da concepgao criadora de novos significados.

Exemplificaremos o que acabamos de dizer com base no artigo "Interagoes discursivas em pequeno grupo durante uma atividade investigativa sobre determinagao da aceleragao da gravidade" (PEREIRA, 2013). Na segao dos referenciais teóricos desse trabalho, os questionamento e as justificativas dos estudantes sao tratadas como parte de uma conversagao exploratória, definida no trecho abaixo:

Na conversagao exploratória, o discurso é dominado por refutagoes e solicitagoes de esclarecimentos que expliquem ou justifiquem uma ideia. Essa conversagao implica em raciocinio e suas regras básicas necessitam que sejam observados e considerados os pontos de vista de todos os participantes; os pares tratam de forma critica, mas construtiva, as ideias dos demais, já que as afirmagoes e sugestoes sao consideradas conjuntamente e o avango do grupo ocorre por intermédio de negociagoes coletivas.(Pereira, 2013, p.69-70)

Nesse tratamento teórico, há uma énfase na negociagao entre os integrantes do grupo e nao na desenvoltura qual eles lidam com ideias consagradas (conhecimento objetivo). Na apresentagao dos resultados, tem-se uma perspectiva diferente:

Henrique disse que ia usar V=V0+gt (fungao horária da velocidade no movimento uniformemente variado), sendo inicialmente seguido por Silvia, que apontou, no turno 158, que para utilizar essa relagao matemática havia a necessidade de conhecer a velocidade do objeto, o que poderia dificultar a utilizagao da fórmula. Diante disso, Henrique argumentou, no turno 159, que tal velocidade poderia ser calculada pela velocidade média (Vm). Naquele momento, ficou clara a confusao de Henrique entre os conceitos de velocidade e velocidade média. No entanto, o grupo parece nao ter identificado esse problema, pelo menos de forma explícita. (Pereira, 2013, p.77)

Interpretamos que a autora reflete sobre como os estudantes lidam com conhecimento objetivo (conceito e fórmula de velocidade), característica de uma concepgao criadora.

Já no recorte abaixo, notamos que a autora destaca que uma das estudantes justifica sua ideia com base nas variáveis disponíveis (destaque feito pela própria autora como recurso de análise):

Dando sequéncia á conversagao exploratória, Carolina expós seu ponto de vista - contrapondo-se á ideia de que a proposigao de Henrique era mais prática - e esclareceu o porqué de sua escolha (turno 164, Carolina), no que foi apoiada por Solange (turno 166).

[164]    (Carolina) Eu acho que essa aqui [referindo-se á formula h = % gt2 ]é melhor porque a gente vai ter o tempo, certo ? A altura, certo?

[165]    (Solange) Só vai faltar o g.

[166]    (Carolina) É. (Pereira, 2013, p.77)

Há outras evidéncias de que a maneira que os integrantes do grupo operam com conhecimento objetivo é relevante na análise de dados, por exemplo, no trecho seguinte:

[...] a resposta que o aluno Henrique lhe forneceu, nos turnos 170 e 172, demonstra que ele seguiu confundindo os conceitos de velocidade e velocidade média e que o grupo nao foi capaz de identificar esse problema. Portanto, a falta desse conhecimento científico justifica por que a aluna Solange defendeu, no turno 173, que fossem considerados os pontos de vista de ambos, Carolina e Henrique.

[167]    (Henrique) Mas aqui também, a gente vai ter a velocidade inicial e a velocidade final. [168] (Silvia) A mesma coisa. Delta S e t.

[169]    (Solange) Como a gente vai achar velocidade?

[170]    (Henrique) Gente, Vm.

[171]    (Silvia) Isola o g, isola o g aí. Faz essa conta no papel. Isola o g.

[172]    (Henrique) Velocidade média é igual a delta S sobre delta t. A gente vai ter o delta t o Audacity, o delta S também...

[173]    (Solange) Entao vamos fazer desses dois jeitos, entao... (Pereira, 2013, p.78)

Constatamos que, embora o artigo também se dedique a analisar o conhecimento intersubjetivo (ex. organizagao do grupo, lideranga exercida por uma das alunas), parte significativa dos resultados apresentados envolveram a análise da operacionalizagao de conhecimento científico. Uma vez que a pesquisa contém expressiva avaliagao da habilidade em lidar com objetos do Mundo 3, entendemos que a análise dos dados foi pautada por uma concepgao de aprendizagem criadora.

Entretanto, no referencial teórico, ressalta a relevancia da construgao significados aceitos por membros do grupo (conhecimento intersubjetivo) para a aprendizagem, sem explicitar se há diferenga entre os significados compartilhados entre os integrantes de um pequeno grupo de estudantes e aqueles consagrados pela comunidade científica:

Como as pessoas interagem entre si de modo eminentemente discursivo, as interagoes sociais sao sempre mediadas pela linguagem. Sendo assim, a indissociabilidade defendida por Vigotski (2009) entre pensamento e linguagem indica que investigar o discurso dos estudantes pode nos auxiliar na compreensao de seus processos de aprendizagem, já que é por meio da interagao social que ocorrem o intercambio de significados entre os sujeitos e a apreensao dos significados compartilhados socialmente. (Pereira, 2013, p.67-68)

V. CONSIDERALES FINAIS

Buscamos responder a seguinte pergunta: quais concepgoes de aprendizagem estao presentes nas pesquisas

conduzidas em aulas de física nas quais os estudantes trabalham em pequenos grupos? Para abordar essa questao, utilizamos um sistema de categorias baseado nos trabalhos de Olson e Bruner (1996) e Bereiter e Scardamalia (1996).

Dos 42 artigos analisados, 25 trabalhos concebem a aprendizagem como decorrente da construyo de conhecimento que é compartilhado por um grupo (concepto compartilhadora de significados). Em outros 10 trabalhos, entende-se aprendizagem como uma certa destreza em operar ideias consagradas pela Ciencia (concepto criadora de significados). Por fim, identificamos 7 artigos em que a aprendizagem é entendida como a habilidade em absorver e recuperar conhecimentos ensinados pelo professor (concepto reprodutora).

Interpretamos o predominio da concepto compartilhadora de significados entre os artigos analisados como decorrente da natureza das atividades didáticas analisadas ou que constituíram o contexto de análise: tratam-se de atividades em que os estudantes trabalharam em pequenos grupos. Ao conduzir pesquisa num contexto com esse tipo de atividade, é natural que os pesquisadores estejam interessados no caráter coletivo de elaborado do conhecimento e que se dediquem a compreender os processos de evolugao do conhecimento intersubjetivo -definido como conhecimento compartilhado entre os membros de um grupo.

Identificamos que apenas 11 dos 42 artigos analisados apresentam definigao explícita de aprendizagem. Mesmo que a carencia de fundamentagao teórica de aprendizagem já tenha sido apontada na literatura em Ensino de Física (Pasqualetto, Veit e Araújo, 2017), esse resultado causa estranheza uma vez que o objeto de investigagao desses artigos é a aprendizagem. Como se pode investigar a aprendizagem sem defini-la ao menos minimamente? Por outro, é razoável pensar que a explicitagao da concepgao de aprendizagem pelos autores pode causar desconforto já que envolve posicionamento em relagao ao próprio trabalho, ao campo de pesquisa em que se insere e entre o trabalho e o campo de pesquisa.

Investigar o fenómeno da aprendizagem é uma tarefa que exige criatividade. Pode-se faze-lo sob diversas perspectivas, o que pode levar a resultados que se complementam. Enfatizamos que nosso trabalho de pesquisa nao teve como objetivo fazer juízo de valor sobre a qualidade ou a propriedade desta ou daquela concepgao de aprendizagem usada por nossos pares. Buscamos, na verdade, fazer um levantamento geral para compreender como o fenómeno da aprendizagem tem sido investigado em aulas de Física o que, para nós, professores e pesquisadores, se constituiu como um exercício reflexivo.

Este trabalho traz como implicagao para a pesquisa e para a prática de ensino um sistema de categorias (quadro 3) que decorre da articulagao teórica de definigoes de concepgao de mente e aprendizagem. Tal sistema de categorias pode ser usado como exercício de reflexao e planejamento sobre as maneiras de ensinar, sobre a avaliagao da aprendizagem e sobre a construgao de delineamentos metodológicos nas pesquisas.

 

REFERENCIAS

 

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