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Revista de enseñanza de la física
versão impressa ISSN 0326-7091versão On-line ISSN 2250-6101
Rev. enseñ. fís. vol.33 no.3 Cordoba dez. 2021
INVESTIGACIÃN DIDÃCTICA
Evolucao do nivel de alfabetizado cientÃfica de futuros professores de fÃsica: um estudo longitudinal
Evolution of the level of scientific literacy of future physics teachers: a longitudinal study
Patrick Alves Vizzotto1
1Programa de Pós-graduagao em Educagao em Ciencias e Matemática, Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará, Marabá, Brasil.
*E-mail: patrickvizzotto@gmail.com
Recibido el 21 de agosto de 2020
Aceptado el 11 de julio de 2021
Resumo
Apresenta-se os resultados quantitativos de uma pesquisa que teve como foco medir o nivel de Alfabetizado CientÃfica de licenciandos de FÃsica em um intervalo de um ano. Por meio de um questionário chamado Teste de Alfabetizado CientÃfica Básica, 31 alunos de diferentes cursos de FÃsica do Rio Grande do Sul, no Brasil, participaram da coleta de dados em dois momentos, sendo, inicialmente, no segundo semestre de 2019 e depois, no segundo semestre de 2020. Mediante testes de estatÃstica, verificou-se a hipótese de haver diferenga entre os desempenhos no questionário nos dois momentos inferidos. Evidenciou-se um aumento significativo na média de acertos e, assim, discute-se possÃveis hipóteses para explicado desse acontecimento, bem como, encaminhamentos metodológicos que possam auxiliar no aprofundamento da investigado.
Palavras-chave: Ensino de fÃsica; Alfabetizagao cientÃfica; Pesquisa quantitativa.
Abstract
The quantitative results of a research that focused on measuring the level of Scientific Literacy of Physics undergraduates in an interval of one year are presented. Through a questionnaire called the Test of Basic Scientific Literacy, 31 students from different physics courses in Rio Grande do Sul, Brazil, participated in data collection in two moments, initially in the second semester of 2019 and then in the second semester of 2020. Through statistical tests, it was verified the hypothesis of there being a difference between the performances in the questionnaire in the two moments inferred. There was a significant increase in the mean number of correct answers, and, thus, possible hypotheses for the explanation of this event are discussed, as well as methodological referrals that can help deepen the investigation.
Keywords: Physics teaching; Scientific literacy; Quantitative research.
I. INTRODUJO
Qual a relagao entre Alfabetizagao CientÃfica e o entendimento público sobre ciencias? Será que os cidadaos conse-guem utilizar conhecimentos cientÃficos para compreender as relagoes de causa e efeito que as próprias agoes podem acarretar em suas vidas? A ciencia ensinada na escola, além de conceitos e nomenclaturas, apresenta o seu processo de construgao e evolugao, ao mesmo tempo em que potencializa uma visao do impacto das tecnologias na sociedade e meio ambiente? Qual é o nÃvel de Alfabetizagao CientÃfica de futuros professores de FÃsica?
Esses questionamentos sao comumente encontrados em produgoes desta linha de estudo denominada de Alfabetizagao CientÃfica. Conceito surgido durante o apogeu da corrida armamentista, tinha por objetivo formar jovens em carreiras cientÃficas, a fim de potencializar o desenvolvimento tecnológico estadunidense. Para isso, entre outras áreas, foi fundamental o investimento no ámbito da educado cientÃfica em todas as esferas do ensino.
Com o passar das décadas, o significado e os objetivos da Alfabetizado CientÃfica também passaram por mudanzas. Atualmente, deseja-se que egressos da educado básica tenham competencias e habilidades que os permitam compreender de forma satisfatória a natureza e as tecnologias presentes no cotidiano, de modo que proporcione a tomada de decisóes de forma crÃtica e responsável, consciente das relagóes de causa e efeito que suas agóes possam acarretar. Dessa maneira, consoante a Lemke (2006), a educagao cientÃfica deve se propor a contribuir para a melhoria da vida social.
Para Miller (1983), um indivÃduo considerado alfabetizado cientificamente deve possuir compreensóes mÃnimas em tres eixos distintos: entendimento dos conteúdos da ciencia; entendimento da natureza da ciencia; e entendi-mento do impacto da ciencia e tecnologia na sociedade e ambiente.
Ao encontro dessa concepgao, a American Association for the Advancement of Science (AAAS), publicou em 1989, os objetivos da educagao cientÃfica e os conhecimentos mÃnimos que todo egresso da educagao básica deveria possuir após sua passagem pela escola.
Com os ideais estabelecidos, fez-se necessário realizar estudos sobre como mensurar os nÃveis de Alfabetizagao CientÃfica. Para Membiela (2007), é fundamental investigar como as pessoas utilizam a ciencia no contexto social e pessoal. Dentre os trabalhos de maior proeminencia, destacaram-se os de Laugksch e Spargo (1996), que elaboraram um instrumento com questóes objetivas, envolvendo os tres eixos da Alfabetizagao CientÃfica, postulados por Miller (1983). Este questionário é composto por 110 itens com respostas dicotomicas, de verdadeiro ou falso, em que cons-tam questóes básicas sobre assuntos interdisciplinares da educagao cientÃfica. Denominado de Test of Basic Scientific Literacy (TBSL), este instrumento de medida foi utilizado por pesquisadores de diversos paÃses.
Porém, tanto os elaboradores como os pesquisadores que fizeram uso do questionário, relatam que a quantidade demasiada de itens é um fator que pode influenciar na qualidade das respostas obtidas, além do grande tempo gasto para a aplicagao do mesmo. A fim de suprir essa lacuna, elaborou-se (Vizzotto e Mackedanz, 2018) um processo de redugao instrumental, baseado em técnicas da psicométricas (Pasquali, 2017), fazendo com que os 110 itens fossem reduzidos para 45, todos com os mesmos Ãndices de confiabilidade e poder de medida do questionário integral.
Esse manuscrito tem por meta apresentar os resultados de duas aplicagóes desse instrumento, realizadas com um intervalo de um ano em 31 académicos de diferentes cursos de FÃsica do Rio Grande do Sul, a fim de responder a seguinte problemática: há mudangas significativas no nÃvel de Alfabetizagao CientÃfica de estudantes de graduagao em FÃsica quando medidas em um intervalo temporal de um ano?
Com vistas a responder essa pergunta de pesquisa o objetivo do estudo foi medir, através de um teste de Alfabetizagao CientÃfica, o nÃvel desse constructo em alunos da graduagao em dois momentos distintos.
Faz-se relevante estudos com tal perspectiva a fim de verificar a validade da hipótese que afirma que, conforme avanga-se nos estudos da graduagao em FÃsica, a Alfabetizagao CientÃfica do indivÃduo tende a aumentar. Considerando que uma das metas do Ensino de Ciencias na Educagao Básica é o desenvolvimento da Alfabetizagao CientÃfica (Sasseron e Carvalho, 2011), espera-se que os docentes que terao oportunidade de estimular tais atributos na escola, concluam seus cursos de formagao inicial com uma base de saberes capazes de abordar a ciencia com esse foco, ou seja: que possuam certa Alfabetizagao CientÃfica Básica.
Para Gil e Vilches (2001), a Alfabetizagao CientÃfica é um dos problemas mais preocupantes da educagao escolar. Isso se deve ao fato de que, embora os objetivos e agóes desenvolvidas tenham acontecido, os resultados a longo prazo, além de difÃceis de mensurar, sinalizam pouca efetividade das agóes concretizadas. Isso justifica ter como público-alvo de pesquisa indivÃduos que já concluÃram a escola básica e estao em formagao inicial para se tornarem promotores de Alfabetizagao CientÃfica. Assim, mostra-se relevante observar a retengao de conhecimentos escolares a longo prazo nesse público-alvo, por meio desse estudo longitudinal.
II. FUNDAMENTADO TEÃRICAO termo "Alfabetizagao CientÃfica" surgiu dentro de um contexto sócio-polÃtico de término da Segunda Guerra Mundial e inÃcio do perÃodo da Guerra Fria. As tensóes entre os paÃses conflitantes se davam na demonstragao de quem possuÃa o maior poderio tecnológico e bélico. A crise se intensificou nos Estados Unidos em 1957, após o langamento da Sputnik por parte da Uniao Soviética. Tal evento fez surgir o interesse do paÃs em ter uma populagao com maior nÃvel de entendimento das ciencias e interesse por carreiras cientÃficas. Segundo Anelli (2011), os EUA tiveram por objetivo incentivar jovens a carreiras STEM (Science, Technology, Engineering e Mathematics).
Para isso, era fundamental que a produgao cientÃfica de base e o desenvolvimento de tecnologias possuÃsse grande quantidade de incentivos financeiros. Porém, era necessário também formar geragóes de especialistas para desenvolver tais atividades, sendo entao, fundamental para o ponto de vista estadunidense, que tais carreiras fossem incentivadas desde o inÃcio da vida escolar da populado. Segundo DeBoer (2000), bilhóes de dólares foram investidos na denominada "educagao cientÃfica", com o surgimento de programas de incentivo, publicares cientÃficas, produjo de material instrucional e experimental, e com formado dos professores.
Décadas antes destes acontecimentos, autores do campo educacional como John Dewey, em 1916, já salientavam a relevancia de que os conhecimentos cientÃficos produzissem impactos nas agóes de vida dos indivÃduos escolarizados (Anelli, 2011). Outros autores como Noll (1935), Davis (1935) e Hoff (1936), abordaram tal ideal com o conceito de "atitude cientÃfica", postulando caracterÃsticas que as aulas de ciencias deveriam possuir e também, atributos que egressos da educagao básica necessitavam apresentar após a instrugao das ciencias da natureza. Foi esse contexto sócio-polÃtico que proporcionou base para consolidar o que décadas depois se nomeou como Alfabetizagao CientÃfica.
Dentro do ámbito educacional, acredita-se que esse termo surgiu, inicialmente, em um trabalho intitulado "Science literacy: Its meaning for American schools" de Paul Hurd (Hurd, 1958). Entende-se que a realidade escolar vigente nas escritas de Dewey e até mesmo Hurd (1958), reflete um cotidiano diferente do que se observou nas décadas seguintes, sendo essas referencias, um contexto importante para situar as condigóes de surgimento do termo, que, por sua vez, também sofreu discussóes e modificagóes de significado, possuindo, atualmente, vasta produgao que discute o seu surgimento e o processo de evolugao do seu sentido (Miller, 1983; Deboer, 2000; Laugksch, 2000).
Inicialmente, a literatura demonstrou uma busca por compreender o significado da terminagao, como observado na produgao de Shen (1975), na qual postulou que a Alfabetizagao CientÃfica poderia ser composta por tres subdivi-sóes, quanto aos seus objetivos e público destinado: Prática; CÃvica; e Cultural.
A Alfabetizagao CientÃfica Prática está relacionada as atividades cotidianas. à ela quem auxiliaria a populagao na compreensao e na resolugao de problemas relacionados com a saúde, alimentagao, tecnologias e na busca de melho-rias nas condigóes de vida. Essas competencias deveriam estar disponÃveis a todo indivÃduo, sendo elas, inicialmente, independentes da habilidade de ler e escrever. A Alfabetizagao CientÃfica CÃvica é a que possibilitaria ao indivÃduo o entendimento das influencias e consequencias da ciencia em decisóes polÃticas, a fim de proporcionar aos governantes e aos cidadaos, habilidades de tomada de decisao polÃtica responsável, com base em entendimentos cientÃficos. Para Shen (1975), esse nÃvel de Alfabetizagao CientÃfica possui uma dimensao de maior profundidade do que a anterior. Por fim, a Alfabetizagao CientÃfica Cultural, seria aquela derivada do interesse daqueles que nao possuem formagao cientÃfica, mas interessam-se por temas da ciencia, procurando leituras, publicagóes e cursos, motivados pelo desejo de obter novos conhecimentos, produzindo, por meio dessa dimensao contemplativa da ciencia, na visao do autor, uma cultura cientÃfica.
Miller (1983), com base nas produgóes que haviam sido publicadas até entao, postulou que a Alfabetizagao CientÃfica poderia ser entendida através de um modelo de tres dimensóes, sendo que um indivÃduo, para ser considerado como alfabetizado cientificamente, deveria compreender: os conteúdos cientÃficos; a natureza da ciencia; e o impacto da ciencia e tecnologia na sociedade e ambiente. Os conteúdos consistem nas nomenclaturas e seus significados. Por natureza da ciencia, compreende-se o método cientÃfico, a dimensao epistemológica que define a ciencia e seus pro-cedimentos de pesquisa e a história da ciencia. Por último, o impacto da ciencia e tecnologia na sociedade e ambiente, versa sobre a criticidade que é importante os cidadaos possuÃrem para que se compreenda a dimensao social dos empreendimentos cientÃficos, possibilitando observar as relagóes de causa e efeito que o desenvolvimento cientÃfico e tecnológico pode ocasionar na sociedade e na natureza.
Por sua vez, a American Association for the Advancement of Science (AAAS), realizou trabalhos de incentivo a educagao cientÃfica, sendo um deles o Project 2061 - Science for All Americans (SFAA), (AAAS, 1989), no qual postulou os objetivos da educagao cientÃfica e as competencias que cada indivÃduo deveria possuir ao sair da educagao básica estadunidense. Para a AAAS, é considerado alfabetizado cientificamente aquela pessoa que compreende que as ciencias sao construgóes humanas interdependentes, com potenciais e limitagóes. Esse indivÃduo entende o mundo natural e a sua diversidade, e utiliza o pensamento cientÃfico para compreende-lo e tomar decisóes dentro desse cotidiano.
Uma outra visao para esse fenómeno é a de Bybee (1995). Sua concepgao entende que a Alfabetizagao CientÃfica acontece por meio de um processo gradual de evolugao, sendo classificada também em tres dimensóes: Alfabetizagao CientÃfica Funcional; Conceitual e Processual; e Multidimensional. A dimensao Funcional, centra-se em aquisigóes de conceitos, vocabulários e nomenclaturas técnicas, proporcionando ao indivÃduo o entendimento de que a ciencia se constitui de palavras especÃficas, fazendo com que essa nogao possibilite identificar e compreender tais termos em leituras e discussóes. Na extensao Conceitual e Processual, basicamente, atribui-se significado aos conceitos já adquiridos, relacionando-os a eventos e a informagóes de cunho cientÃfico. Nesta dimensao, ressalta-se a releváncia da contextuali-zagao e do entendimento dos processos utilizados para se produzir ciencia. A última dimensao é a Multidimensional, na qual unem-se as anteriores na busca por proporcionar uma visao de mundo que possibilite adquirir e externalizar os conhecimentos cientÃficos, tomar decisóes cientificamente adequadas e também, resolver problemas cotidianos.
Segundo Laugksch e Spargo (1996), dentre todas essas maneiras de conceber a Alfabetizagao CientÃfica, as dimensóes postuladas por Miller (1983) foram as de maior utilizagao em pesquisas da área e na elaboragao de documentos de instituyes de popularizadlo das ciencias, devido a abrangencia do conceito e por ter sido um dos manuscritos de grande proeminencia na busca por mensurar o nÃvel de Alfabetizadlo CientÃfica.
Essa diversidade de autores, refletindo sobre o significado do conceito, corroborou para uma pluralidade de en-tendimento sobre o que é a Alfabetizadlo CientÃfica. Ao encontro dessa afirmadlo, Laugksch (2000) salienta que essa multiplicidade de significado deve-se também aos diversos grupos de interesse que investigam de forma distinta esta temática, sendo eles: 1: Comunidade de educadlo em ciencias; 2: Cientistas sociais e pesquisadores da opinilo pública preocupados com questoes polÃticas envolvendo ciencia e tecnologia; 3: Sociólogos da ciencia e professores de ciencias, empregando uma abordagem sociológica para a alfabetizadlo cientÃfica; 4: Comunidade de educadlo cientÃfica informal e nlo-formal, e aqueles envolvidos na divulgadlo cientÃfica geral. Para Ogunkola (2013), essa diversidade conceitual deve-se a um processo de evoludlo do conceito, assim como da ciencia, que também está sempre evolu-indo no procedimento de entender o mundo.
Para a maioria dos autores citados, a Alfabetizadlo CientÃfica poderia ser concluÃda como o entendimento público sobre ciencia. Entretanto, para alguns, entendimento público da ciencia e Alfabetizadlo CientÃfica slo conceitos diferentes, como no caso de Membiela (2007), que concebe o entendimento público da ciencia como o que o público realmente apresenta como compreenslo: é o entendimento observado por meio de procedimentos de mensuradlo. E a Alfabetizadlo CientÃfica, por sua vez, seria o ideal a se alcandar, presente nos documentos que regem a educadlo cientÃfica e os manuscritos que visam sua promodlo. Por outro lado, para outros autores, como Anelli (2011), o entendimento público da ciencia é simplesmente como essa temática é denominada nos escritos advindos do Reino Unido, enquanto a Alfabetizadlo CientÃfica, por sua vez, deriva da nomenclatura cunhada nos trabalhos estadunidenses.
Na lÃngua portuguesa essas diferenciadoes se estendem também na forma de escrita, devido ao processo de tradudlo do termo. No Brasil, utiliza-se, na maioria das produdoes, o termo "Alfabetizadlo CientÃfica", sendo a palavra-chave "Le-tramento CientÃfico" a segunda mais utilizada e, também, há autores que utilizam o termo "Enculturadlo CientÃfica". Para Sasseron e Carvalho (2011), embora cada terminologia apresente suas justificativas para serem adotadas, percebe-se pontos de convergencia em todas essas diferentes formas de conceber esta temática de estudo. Para as autoras:
Defendemos uma concepgao de ensino de Ciéncias que pode ser vista como um processo de "enculturagao cientÃfica" dos alunos, no qual esperarÃamos promover condipoes para que os alunos fossem inseridos em mais uma cultura, a cultura cientÃfica. Tal concepgao também poderia ser entendida como um "letramento cientÃfico", se a consideramos como o conjunto de práticas as quais uma pessoa lanpa mao para interagir com seu mundo e os conhecimentos dele., No entanto, usaremos o termo "alfabetizagao cientÃfica" para designar as ideias que temos em mente e que objetivamos ao planejar um ensino que permita aos alunos interagir com uma nova cultura, com uma nova forma de ver o mundo e seus acontecimentos, podendo modificá-los e a si próprio através da prática consciente propiciada por sua interapao cerceada de saberes de nopoes e conhecimentos cientÃficos, bem como das habilidades associadas ao fazer cientÃfico. (Sasseron e Carvalho, 2011, p. 61)
Sendo assim, corroboramos com as autoras no entendimento de que uma Alfabetizadlo CientÃfica proporciona apti-dlo para uma efetiva leitura de mundo, nlo se centrando apenas em aspectos técnicos e mecánicos de memorizadlo de conceitos e procedimentos. Acima de tudo, um indivÃduo alfabetizado cientificamente é aquele que compreende a cons-trudlo e evoludlo do saber cientÃfico, bem como as consequencias que a ciencia e as inovadoes tecnológicas podem impactar na natureza e sociedade. Em uma vislo geral, pode-se considerar que, consoante a Lemke (2006), o entendimento dessa temática vai ao encontro do ideário proposto para um efetivo "ensino para a vida".
Paralelo ao surgimento e evoludlo do significado da Alfabetizadlo CientÃfica, também se mostrou relevante o ato de mensurá-la. Conforme referido anteriormente, após o landamento da Sputnik pela Unilo Soviética, nos Estados Unidos se fez necessário conhecer como era o nÃvel de compreenslo cientÃfica da populadlo, a fim de tradar metas para programas de incentivos das carreiras cientÃficas. Segundo Anelli (2011), a primeira tentativa de mensurar esse constructo foi realizada em 1957, sendo influenciada pelos supracitados estudos de atitudes cientÃficas, que versavam sobre caracterÃsticas que o indivÃduo deveria apresentar. Para Noli (1935) em seu estudo "Measuring the scientific atitude", as atitudes cientÃficas deveriam ser mensuradas, de preferencia, em situadoes envolvendo o cotidiano do indivÃduo e nlo somente em exemplos de laboratório, de forma mecánica. A necessidade de mensurar a Alfabetizadlo CientÃfica se deu também da necessidade de atestar o exito dos programas de incentivo a educadlo cientÃfica, nos quais grandes quantidades de dinheiro foram investidas, sendo entlo, esperado resultados satisfatórios no nÃvel de compreenslo pública das ciencias, em médio e longo prazo.
Para Shen (1975), tlo importante quanto elaborar adoes de promodlo da Alfabetizadlo CientÃfica, era também criar meios de mensurá-la quantitativamente. De acordo com Laugksch e Spargo (1996), um número expressivo de estudos de mensuradlo foi criado entre a década de 1960 a 1990. Esses instrumentos buscavam medir as subdivisoes anteriormente citadas, como as de Shen (1975), Miller (1983), e Bybee (1995). Para Bybee (1995), as diversas iniciativas de mensuradlo da Alfabetizadlo CientÃfica tinham como enfase a verificadlo de vocabulário e habilidades de processo, sendo a aplicadlo desses conhecimentos em situadoes contextualizadas e em ocorrencias diferentes daquelas aprendidas, um fator nao abordado com satisfazlo nestes estudos. O artigo de Miller (1983), em seu tempo, foi um dos mais relevantes da área nao só pela contribuidlo do modelo de tres dimensoes que proporcionaria o entendi-mento da Alfabetizadlo CientÃfica na sua perspectiva, mas também, por apresentar meios de mensurá-la através de situazoes aplicadas ao cotidiano (Laugksch, 2000).
Em 1996, Rudiger Laugksch e Peter Spargo, publicaram um estudo que relata o processo de elaboradlo, validadlo e apresentadlo dos resultados de um instrumento de medida com a meta de mensurar o nivel de Alfabetizadlo CientÃfica Básica de egressos da educadlo básica (Laugksch e Spargo, 1996). Os autores basearam-se nos objetivos para a educadlo cientÃfica publicados no SFAA, elaborados pela AAAS (1989) e também nos tres eixos constituintes da Alfabetizadlo CientÃfica, postulados por Miller (1983).
Esse instrumento se diferenciou dos demais por fornecer em um só questionário, a oportunidade de mensurar os tres eixos da Alfabetizadlo CientÃfica, por meio de 110 itens objetivos, com resposta de verdadeiro ou falso, abordando aspectos interdisciplinares, e com situadoes envolvendo conhecimentos básicos e aplicados ao cotidiano. Esse instrumento foi denominado de Test of Basic Scientific Literacy (TBSL) e foi direcionado a indivÃduos egressos da educadlo básica.
Com o passar dos anos, esse questionário foi utilizado em diversos paÃses ao redor do mundo para mensurar tal fenómeno de forma quantitativa, conforme os trabalhos na Ãfrica do Sul (Laugksch e Spargo, 1996; 1999); Austrália (Murcia e Schibeci, 1999); China (Chin, 2005); Israel (Baram-Tsabari e Yarden, 2005); Brasil (Camargo e outros, 2011; Nascimento-Schulze, 2006); Estados Unidos (Brossard e Shanahan, 2006); Turquia (Ozdem, 2010). No Brasil, o TBSL foi traduzido por Nascimento-Schulze (2006) e desde entlo o Teste de Alfabetizadlo CientÃfica Básica (TACB) foi empregado em pesquisas envolvendo as ciencias da natureza, conforme relatado em Vizzotto e Del Pino (2020).
Porém, o fato de ser um questionário extenso, contendo 110 itens, pode tornar o ato de responde-lo uma tarefa enfadonha. Tal consequencia, pode lesar o comprometimento dos respondentes, prejudicando assim, a confiabilidade da medida e viabilidade de aplicar tal instrumento no perÃodo escolar. Assim, elaborou-se em Vizzotto e Mackedanz (2018), um processo de redudlo instrumental que, por meio de técnicas estatÃsticas, reduziu de 110 para 45 itens, mantendo Ãndices semelhantes de confiabilidade, de poder de medida e também, manteve as propordoes de itens para cada eixo originalmente criado. Esse instrumento, com os 45 itens, foi denominado de Teste de Alfabetizadlo CientÃfica Simplificado (TACB-S) (Anexo I) e foi o questionário empregado na pesquisa aqui relatada.
A próxima sedlo abordará os procedimentos metodológicos do processo de aplicadlo e análise de dados realizados nesse estudo.
III. METODOLOGIAA. Caracterizadlo
Essa é uma pesquisa de abordagem quantitativa, descritiva-exploratória quanto aos seus objetivos, que possui como técnica de coleta de dados o emprego de questionário e tem como método de análise de dados procedimentos da estatÃstica descritiva e inferencial (Robaina et al., 2021).
B. O instrumento de pesquisa
De acordo com os elaboradores, o TACB-S inclui itens dos tres subtestes, assegurando sua estrutura teórica inicial, baseada nos tres eixos de Miller (1983). Isso significa que a quantidade de informadoes que o questionário original examina nos respondentes também pode ser encontrada, em escala menor, dentro do seu instrumento reduzido (Viz-zotto e Mackedanz, 2018). As questoes referentes ao eixo "entendimento dos conteúdos da ciencia" slo as de 1 a 3, 14 a 26 e as de 35 a 45. O eixo "entendimento da natureza da ciencia" é composto pelas questoes de 4 a 13, e por fim, o eixo "entendimento do impacto da ciencia e tecnologia na sociedade e ambiente" compreende as questoes da 27 até a 34.
Para o TACB-S, os Ãndices de acertos seguem a perspectiva do instrumento original, o qual tinha por base considerar um indivÃduo alfabetizado cientificamente aquele que obtivesse acertos em aproximadamente 60% de cada subteste. Assim, para o instrumento reduzido, das 27 questoes do eixo "entendimento dos conteúdos da ciencia", deve-se acertar 17. Para o segundo eixo, denominado "entendimento da natureza da ciencia", das 10 questoes, deve-se acertar pelo menos 6. Por fim, para o terceiro eixo "entendimento do impacto da ciencia e tecnologia na sociedade", 5 das 8 devem estar corretas.
O TACB é um dos muitos testes criados e referendados internacionalmente ao longo das últimas décadas, que visa medir diferentes aspectos da Alfabetizadlo CientÃfica. A escolha por esse instrumento e nlo por outros deve-se a caracterÃsticas como: a sua estrutura teórica e metodológica; tamanho; indÃcios de validade; por ele ter sido aplicado em muitos lugares do mundo; por ter sido traduzido para a lÃngua portuguesa; e por ter apresentado consistencia interna e validade satisfatórios a nossa realidade, conforme pode ser verificado em Vizzotto e Mackedanz (2018). Nao obstante, reconhece-se que existem outros testes igualmente relevantes na literatura, como por exemplo o Test of Scientific Literacy Skills (TOSLS) (Gormally, Brickman e Lutz, 2012); o Views on Science-Technology-Society (VOSTS) (Aikenhead e Ryan, 1992); o Views on science and education questionnaire (VOSE) (Chen, 2006); e o Student Unders-tanding of Science and Scientific Inquiry (SUSSI) (Liang, et al., 2006).
Alguns desses instrumentos sao mais voltados para a medigao de aspectos relacionados com a Ciencia, Tecnologia e Sociedade, como o VOSTS; outros sao mais amplos, medindo o conhecimento cientÃfico de modo geral (TOSLS; VOSE; SUSSI). Alguns ainda nao possuem tradugao para o portugués (VOSE; SUSSI), outros, por sua vez, apresentam um tamanho demasiadamente grande (VOSTS).
Assim, após uma análise das idiossincrasias dos instrumentos e tendo como base a problemática e os objetivos da pesquisa, chega-se ao entendimento particular de que o TACB, na sua versao reduzida, vem a ser, no presente momento, o questionário com maior adequagao para ser aplicado na amostra selecionada.
Conforme referido, para apreciagao de maiores detalhes sobre o processo de refinamento do instrumento integral que deu origem ao instrumento reduzido, tais como as análises de inclusao e exclusao de itens, Ãndices de validade e fidedignidade, recomenda-se, fortemente, a leitura do artigo de Vizzotto e Mackedanz (2018).
C. Aplicagao do questionário
O questionário foi aplicado presencialmente, de maneira anónima com participagao voluntária, no segundo semestre de 2019 para 105 estudantes de diferentes cursos de FÃsica do estado do Rio Grande do Sul, no Brasil. A escolha dos participantes deu-se por meio de uma amostragem por conveniencia, ou seja, quando leva em conta a disponibilidade de pessoas para fazer parte da amostra em um determinado intervalo de tempo, nao atendo-se a aspectos probabi-lÃsticos e aleatórios para formar a amostra participante (Robaina et al., 2021).
Após o perÃodo de um ano, contatou-se novamente tais académicos com o intuito de realizar uma nova aplicagao do questionário. Porém, nessa etapa, a adesao dos participantes foi consideravelmente menor e apenas 31 deles efetuaram o preenchimento do TACB-S, que foi disponibilizado eletronicamente devido a impossibilidade da coleta de dados presencial devido a quarentena decorrente do CoronavÃrus. Portanto, considerando a intengao de se realizar uma análise longitudinal do desempenho dos participantes, fizeram parte da análise final apenas aqueles que respon-deram o instrumento de pesquisa nos dois momentos.
Defende-se que, mesmo com um pequeno número de participantes, é relevante apresentar os resultados a literatura, pois, nesse caso, a quantidade nao altera o delineamento da pesquisa, ao mesmo tempo que, a redugao no número de participantes nao modifica a caracterizagao da amostra. Nao obstante, a variagao de desempenho levará em consideragao o mesmo indivÃduo em dois momentos diferentes, ou seja, os testes estatÃsticos empregados sao válidos para efetuar tais comparagoes mesmo com um número pequeno de amostras, pois sua análise é longitudinal.
D. Delineamento das análises estatÃsticas
As análises realizadas derivaram do somatório de acertos do instrumento integral e também dos seus trés eixos de forma individual. A partir desses Ãndices, realizou-se comparagoes do grupo para os dois momentos distintos de aplicagao, a fim de verificar se havia diferenga estatisticamente significativa entre os mesmos. Para isso, utilizou-se de testes de hipótese que analisam as médias de acertos do grupo nos dois momentos e as comparam, com o objetivo de verificar se, em geral, percebe-se desempenho superior ou inferior um em relagao ao outro (Hair, et al., 2006).
Para amostras que obedecem a uma tendéncia a normalidade (distribuigao gaussiana), utiliza-se um Teste t pareado para comparagao das médias de acertos dos participantes. Esse teste, segundo Field (2009) tem como pressupos-tos: 1) a diferenga entre os valores deve apresentar uma distribuigao normal; 2) Auséncia de Outliers (discrepancias nas diferengas entre os valores); e 3) As observagoes devem ser pareadas (dependentes). Porém, caso as amostras nao obedegam a uma curva normal, ou nao se encaixam nesses trés pressupostos, pode-se utilizar um teste nao-paramétrico para verificar a hipótese de diferengas, sendo indicado, para esse intuito, o Teste de Wilcoxon pareado, o qual possui apenas o pressuposto de que as observagoes devem ser pareadas.
Primeiramente, foi necessário verificar se as médias dos grupos seguem a curva Normal. Para isso, foi utilizado um teste chamado Shapiro-Wilk (Pasquali, 2017). Para interpretar a saÃda do software estatÃstico para o teste de Shapiro-Wilk, basta observar o seu p-valor de significancia. De modo geral, essa análise testa a hipótese nula de que os dados seguem uma distribuigao Normal, tendo como hipótese alternativa a nao tendéncia a normalidade dos dados. Em suma, para interpretar o teste com uma significancia de 95%, o p-valor deve apresentar um número maior que 0,05 para ser considerado uma distribuigao Normal, ou seja, se o teste de Shapiro-Wilk apresentar p<0,05, significa fuga de normalidade.
Após a realizadlo do teste de normalidade e do teste de hipótese indicado (paramétrico ou nao-paramétrico), caso seja indicada uma diferenga de desempenho estatisticamente significativa no grupo, realiza-se também, para medir o tamanho de efeito, um teste especÃfico para tal, sendo o Teste d de Cohen o recomendado para dados paramétricos (Lindenau e Guimaraes, 2012). Os dados foram tabelados no Software Excel e as análises foram realizadas no Statistical Package for the Social Science (SPSS) versao 23 para Windows. Salienta-se que, a fim de assegurar a lisura dos dados apresentados, optou-se por manter a configuradlo original da saÃda dos resultados, o que justifica sua formatagao especÃfica e a eventual linguagem em Ingles. Na próxima segao, apresenta-se os resultados obtidos dessas análises e na se-quéncia, as suas respectivas discussoes.
IV. RESULTADOS E DISCUSSOESA. Caracterizadlo dos participantes
O grupo foi composto por 20 mulheres e 11 homens, com idades entre 18 e 56 anos, os quais, quase metade (48%) concluÃram a educagao básica entre o ano de 2015 e 2017. Dos 31 entrevistados, 24 (77,4%) estudaram em escolas públicas; e 24 (77,4%) nao necessitaram parar os estudos no decorrer da educagao básica. Do total, 26 deles (83,9%) nunca haviam reprovado. Ainda, 77,4% dos participantes afirmaram já terem tido contato com docéncia até o momento da pesquisa.
B. Desempenho geral
Na tabela I, observa-se o desempenho geral individual de cada participante. Em sua estrutura é possÃvel analisar o panorama de seus desempenhos nos dois semestres em que responderam ao TACB-S.
TABELA I. Frequéncia de acertos de cada participante. Fonte: autor.
Participante | Acertos em 2019 | Acertos em 2020 | ||||||||
eixo 1 | eixo 2 | eixo 3 | Total | Considerado AC | eixo 1 | eixo 2 | eixo 3 | Total | Considerado AC | |
1 | 24 | 7 | 8 | 39 | Sim | 26 | 9 | 8 | 43 | Sim |
2 | 19 | 7 | 6 | 32 | Sim | 22 | 8 | 6 | 36 | Sim |
3 | 23 | 6 | 6 | 35 | Sim | 26 | 9 | 7 | 42 | Sim |
4 | 18 | 8 | 8 | 34 | Sim | 21 | 5 | 8 | 34 | Nao |
5 | 19 | 6 | 8 | 33 | Sim | 21 | 8 | 8 | 37 | Sim |
6 | 19 | 5 | 7 | 31 | Nao | 18 | 6 | 7 | 31 | Sim |
7 | 27 | 9 | 8 | 44 | Sim | 27 | 9 | 8 | 44 | Sim |
8 | 23 | 8 | 7 | 38 | Sim | 23 | 7 | 8 | 38 | Sim |
9 | 16 | 7 | 7 | 30 | Nao | 17 | 7 | 7 | 31 | Sim |
10 | 19 | 6 | 8 | 33 | Sim | 23 | 9 | 8 | 40 | Sim |
11 | 25 | 8 | 7 | 40 | Sim | 25 | 9 | 5 | 39 | Sim |
12 | 20 | 8 | 8 | 36 | Sim | 18 | 9 | 7 | 34 | Sim |
13 | 4 | 5 | 6 | 15 | Nao | 8 | 6 | 2 | 16 | Nao |
14 | 21 | 9 | 7 | 37 | Sim | 21 | 9 | 7 | 37 | Sim |
15 | 22 | 6 | 8 | 36 | Sim | 27 | 6 | 8 | 41 | Sim |
16 | 18 | 7 | 8 | 33 | Sim | 15 | 5 | 8 | 28 | Nao |
17 | 19 | 5 | 8 | 32 | Nao | 21 | 5 | 6 | 32 | Nao |
18 | 26 | 8 | 8 | 42 | Sim | 25 | 8 | 8 | 41 | Sim |
19 | 27 | 7 | 8 | 42 | Sim | 24 | 10 | 8 | 42 | Sim |
20 | 8 | 4 | 5 | 17 | Nao | 13 | 3 | 7 | 23 | Nao |
21 | 17 | 8 | 6 | 31 | Sim | 22 | 7 | 8 | 37 | Sim |
22 | 21 | 8 | 8 | 37 | Sim | 25 | 10 | 8 | 43 | Sim |
23 | 23 | 5 | 8 | 36 | Nao | 23 | 8 | 6 | 37 | Sim |
24 | 25 | 5 | 8 | 38 | Nao | 25 | 6 | 8 | 39 | Sim |
25 | 17 | 6 | 7 | 30 | Sim | 20 | 5 | 7 | 32 | Nao |
26 | 24 | 9 | 8 | 41 | Sim | 26 | 9 | 8 | 43 | Sim |
27 | 19 | 9 | 8 | 36 | Sim | 23 | 8 | 6 | 37 | Sim |
28 | 22 | 5 | 7 | 34 | Nao | 21 | 5 | 7 | 33 | Nao |
29 | 23 | 5 | 8 | 36 | Nao | 23 | 7 | 7 | 37 | Sim |
30 | 17 | 5 | 8 | 30 | Nao | 20 | 7 | 7 | 34 | Sim |
31 | 20 | 7 | 8 | 35 | Sim | 18 | 4 | 8 | 30 | Nao |
A média de acertos em 2019 foi de 34,13 acertos, com desvio padrao de 6,19 acertos. Por sua vez, em 2020, a média de acertos foi de 35,6 acertos, com desvio padrao de 6,14 acertos. Porém, para analisar quem poderia ser considerado alfabetizado cientificamente foi necessário verificar se cada participante obteve no mÃnimo 60% de acertos em cada um dos 3 eixos do teste. Assim, a partir da tabela I, pode-se notar que na primeira aplicado 67,7% do total (21 participantes) atingiram o mÃnimo de acertos esperado. Após um ano, em 2020, esse número subiu para 23 participantes, compondo 74,2%. Ainda, foi possÃvel perceber que 17 participantes, que foram considerados alfabetizados cientificamente em 2019, também assim foram considerados em 2020. No entanto, 4 pessoas que atingiram os escores mÃnimos em 2019 nao obtiveram sucesso em 2020, enquanto outros 6 que nao tiveram sucesso em 2019, em 2020, foram considerados alfabetizados cientificamente.
FIGURA 1. Box Plot dos Outliers para o banco de dados. Fonte: autor.
Ao analisar a figura acima nao se percebe indicado de Outliers (valores discrepantes nas diferengas de desempe-nho), o que corrobora com a hipótese nula de normalidade dos dados. Assim, recomenda-se analisar a hipótese de diferenga de desempenho por meio do Teste t pareado ao invés do Teste de Wilcoxon.
D. Teste de hipótese e teste de tamanho de efeito
Na tabela II, apresenta-se os resultados do Teste t pareado para analisar a diferenga de desempenhos, bem como, o Teste d de Cohen para analisar o tamanho de efeito.
TABELA II. Teste t pareado e Teste d de Cohen. Fonte: autor.
SUMMARY | Alpha | 0,05 | Hyp Mean Diff | 0 | ||||
Groups | Count | Mean | Std Dev | Std Err | t | df | Cohen d | Effect r |
1 | 31 | 34,13333 | 6,190835 | |||||
2 | 31 | 35,6 | 6,145366 | |||||
Difference | 31 | -1,46667 | 3,137464 | 0,57282 | -2,56043 | 30 | 0,467469 | 0,429396 |
médio | ||||||||
T TEST | ||||||||
p-value | t-crit | lower | upper | sig | ||||
One Tail | 0,007962 | 1,699127 | yes | |||||
Two Tail | 0,015925 | 2,04523 | -2,63821 | -0,29512 | yes |
O Teste t pareado mostrou que há diferengas entre o desempenho dos participantes no segundo semestre de 2019 e no segundo semestre de 2020 (t (29) = -2,56; p= 0,0159, p<0,05). Assim, pode-se afirmar que o desempenho, em média, no segundo semestre de 2020 foi superior ao do segundo semestre de 2019.
Para verificar o tamanho de efeito, ou seja, a intensidade dessa diferenga significativa, observa-se o Teste d de Cohen. Esse teste gera, para cada interagao, um valor que varia de 0 a 1, sendo que quanto mais próximo a 1, mais forte pode ser considerado o tamanho do efeito da diferenga estatÃstica observada. As referencias sao classificadas como tamanho de efeito pequeño (0,20 - 0,39), médio (0,40 - 0,79) e grande (> 0,80). Desse modo, de acordo com a tabela II, é possÃvel afirmar que a diferenga estatisticamente significativa foi considerada de intensidade média, apresentando valor de 0,47. Tal indicador auxilia na eliminaglo de erros na tomada de decislo sobre qual hipótese aceitar (nula ou alternativa). Logo, fica evidente que houve um aumento na média de acertos do grupo quando comparados os dois momentos, que, embora pequeno, pode ser considerado significativo.
Diante dessa constatadlo, é possÃvel que uma das explicagoes para esse aumento seja a vivencia dos alunos no contexto universitário. Nlo há qualquer relaglo causal que comprove essa hipótese. Também nlo é possÃvel descartar que o fato de os estudantes já terem respondido ao TACB-S no semestre anterior possa ter garantido recordar as respostas dadas anteriormente. Por isso, para reduzir a possibilidade de acertos por esse último fator, as respostas corretas e incorretas nlo foram problematizadas com os alunos após sua primeira aplicaglo.
Ainda assim, é importante salientar que nlo é a intenglo afirmar que a diferenga encontrada se deve, de maneira direta e causal, ao fato de ter sido na graduaglo que os participantes desenvolveram aspectos da Alfabetizaglo CientÃfica. Em pesquisas com delineamento "observaglo->tratamento->nova observaglo" as variáveis que podem influenciar a resposta dos participantes slo inúmeras. Elas podem ser divididas em: fontes de validade interna (história pessoal, maturaglo, testagem, etc.) e fontes de validade externa (interaglo entre testagem e tratamento e seleglo e tratamento) (Campbell e Stanley, 1979). Ou seja, slo muitas as causas que podem explicar essa diferenga.
Após esta consideraglo, é possÃvel salientar que o cerne da discusslo nlo se centra nas causas da diferenga, mas sim na reflexlo sobre o fato de que a diferenga foi menor do que o esperado - pois espera-se que, ao concluir a formaglo de professores, o docente possua subsÃdios que o permita estimular a Alfabetizaglo CientÃfica em seus alunos e nesse um ano de intervalo de tempo, mesmo significativa, o crescimento pode ser considerado sutil.
Ao mesmo tempo é importante refletir sobre os outros 30% que nlo puderam ser considerados alfabetizados cientificamente e que estlo na formaglo inicial para se tornarem professores de FÃsica. O público estudado foi esco-lhido devido a viabilidade de aplicaglo do instrumento, uma vez que, dificilmente, em outros ambientes se conseguiria reunir aspectos de disposiglo, tempo, interesse e ambiente controlado para se realizar uma coleta de dados fidedigna. Isso significa que a parcela da populaglo estudada slo pessoas que concluÃram a educaglo básica e tiveram oportuni-dade e interesse de ingressar em uma formaglo para se tornarem professores. Com isso, de modo geral, questiona-se que: se fossem incluÃdos nesta amostragem indivÃduos que nlo continuaram seus estudos após a educaglo básica, o quantitativo de participantes considerados alfabetizados cientificamente seria menor ou maior? Certamente é uma questlo relevante para estudos futuros.
A partir dos resultados apresentados é possÃvel discutir qual é o panorama da Alfabetizaglo CientÃfica para esse público. Ressalta-se que as conclusoes dessas análises devem se limitar a amostra estudada.
Na média dos dois semestres, 70% dos participantes puderam ser considerados alfabetizados cientificamente, pois obtiveram desempenho mÃnimo satisfatório nos tres eixos que compoem o questionário. Esse quantitativo é corroborado pelas pesquisas que utilizaram o TBSL para mensurar este constructo, tanto internacional quanto nacionalmente (Laugksch e Spargo, 1996, 1999; Camargo e outros, 2011; Nascimento-Schulze, 2006; Camargo e outros, 2010; Rivas, 2015), mesmo que tais trabalhos nlo tenham conduzido uma pesquisa longitudinal, impossibilitando comparagoes precisas com o presente estudo, motivo pelo qual, incentiva-se que mais estudos com esse escopo sejam realizados em pesquisas futuras para fins de comparaglo.
Foi possÃvel notar, também, que o eixo 1 (entendimento do conteúdo da ciencia) foi o subteste que obteve maior Ãndice de acertos entre os tres. Isso também corrobora com resultados de Rivas (2015) e Camargo e outros (2011), defensores de que tais indÃcios sugerem um predomÃnio desse tipo de formaglo nas escolas brasileiras, isto é, uma perspectiva majoritariamente conteudista e focada nos procedimentos matemáticos, nlo considerando, na mesma proporglo, os aspectos epistemológicos da ciencia e também as suas relagoes com a sociedade e ambiente. Para Membiela (2007), nlo há como potencializar os Ãndices de Alfabetizaglo CientÃfica sem uma reflexlo sobre os aspectos curriculares das disciplinas de cunho cientÃfico.
Segundo Nascimento-Schulze (2006), uma das principais conclusoes do TBSL no contexto da egressos Sul-Africanos é a diferenga de desempenho entre jovens de etnia africana em relaglo aos jovens brancos. Segundo a autora, isto "reflete o impacto do "apartheid" existente na naglo em décadas passadas" (Nascimento-Schulze, 2006, p. 112). Assim, as evidencias observadas na presente análise sugerem que o panorama da Alfabetizaglo CientÃfica desse grupo pesquisado, de modo geral, vai ao encontro dos padroes apresentados na literatura da área.
Os resultados aqui obtidos nlo visam esgotar as possibilidades de medir a Alfabetizaglo CientÃfica, no entanto, servem de aspiraglo para delinear estudos subsequentes com um grupo maior e com maior variedade de análises de correlaglo.
V. CONSIDERALESRealizou-se uma pesquisa com a seguinte problemática: há mudanzas significativas no nivel de Alfabetizadlo CientÃfica de estudantes de graduadlo em FÃsica quando medidas em um intervalo temporal de um ano? Para isso, mediu-se, através de um teste de Alfabetizadlo CientÃfica, o nÃvel desse constructo em alunos da graduadlo em dois momentos distintos, separados temporalmente por um ano. Os resultados demonstraram diferenda estatisticamente significativa, sinalizando que o desempenho posterior foi ligeiramente maior do que o desempenho dos participantes na pri-meira vez que responderam ao instrumento de pesquisa. Isso ressalta a necessidade de aprofundamento da investigadlo, a fim de averiguar quais fatores presentes na vida escolar dos participantes mais puderam corroborar para os Ãndices aqui registrados, assim como, aumentar o tamanho da amostra e o tempo da análise longitudinal.
Do total, 70% foram considerados alfabetizados cientificamente, segundo a perspectiva de que é necessário acertar um mÃnimo de aproximadamente 60% de cada subteste. Conclui-se que no eixo 1 (conteúdo da ciencia) houve maior Ãndice de acertos. No eixo 2 e 3, que versam sobre a natureza da ciencia e a reladlo da ciencia e tecnologia na sociedade, respectivamente, os valores de acertos demonstraram adjacencia ao mÃnimo proposto. à necessário analisar se fatores relacionados com o processo escolar dos participantes, como quantidade de reprovadoes, conciliadlo entre trabalho e estudo, evaslo escolar e contato com a docencia, apresentam correladlo com o nÃvel de Alfabetizadlo CientÃfica mensurada na perspectiva do TACB-S.
à importante salientar que os resultados aqui apresentados nlo slo generalizáveis na sua totalidade, porém, com-poem-se de dados e procedimentos relevantes a serem repetidos em estudos futuros, em outros contextos e públicos-alvo, a fim de agregar Ãndices e discussoes ao processo de reflexlo da qualidade da educadlo básica e dos desafios da Educadlo em Ciencias e da formadlo de professores de FÃsica no Brasil.
Além dessa sugestlo de aprofundamento da investigadlo, recomenda-se realizar a aplicadlo do TACB-S em demais contextos brasileiros e também em ámbito internacional, a fim de consolidar os seus Ãndices de confiabilidade.
NOTAEsta investigadlo foi aprovada pelo Comité de ética da instituidlo do pesquisador CEP 19011619.0.0000.5310, número da resoludlo: 3.559.855.
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