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Revista de enseñanza de la física

versión impresa ISSN 0326-7091versión On-line ISSN 2250-6101

Rev. enseñ. fís. vol.34 no.1 Cordoba jun. 2022

http://dx.doi.org/10.55767/2451.6007.v34.n1.37936 

RELATOS DE AULA

A construgao do currículo de Física na perspectiva Freire-CTS em um contexto de pré-vestibular municipal

The construction of the Physics curriculum in the Freire-CTS perspective in a pre-university free

Lucas Carvalho Pacheco1 

Cristiane Muenchen1 

1Universidade Federal de Santa Maria. Cidade Universitária, CEP 97.115-900, Santa Maria, Brasil.

Resumo

Ao longo deste trabalho buscamos responder a seguinte questao: De que forma a construyo curricular, na perspectiva da articulado Freire-CTS, contribui nas experiencias e práticas pedagógicas em um contexto de pré-vestibular municipal? Portanto, discutem-se as experiencias e práticas pedagógicas desenvolvidas ao longo do processo de construyo curricular de Física no contexto do Sepé Tiaraju- ENEM e vestibulares. Dentre os aspectos evidenciados e discutidos, destaca-se a potencialidade de aulas críticas, reflexivas e dialógicas em pré-vestibulares.

Palavras chave: Abordagem Temática; Freire-CTS; Currículo; Ensino de Física

Abstract

Throughout this work, we seek to answer the following question: How does curriculum construction, from the perspective of the Freire- CTS articulation, contribute to pedagogical experiences and practices in a municipal pre-university? Therefore, the experiences and pedagogical practices developed during the process of curricular construction of Physics in the context of Sepé Tiaraju. Among the aspects highlighted and discussed, the potential of critical, reflective and dialogic classes in pre-university.

Keywords: Thematic approach; Freire- CTS; Curriculum; Physics teaching

INTRODUCTO

O sinal toca. O professor de física do pré-vestibular tradicional levanta-se da cadeira, na sala dos professores, e direciona-se para a sala de aula. Os estudantes já estao lhe esperando com a apostila aberta. Na apostila, definigoes básicas e resumidas de conteúdos específicos da física, além de inúmeras equagoes e dicas para os estudantes memorizarem. Ainda, o que está enfatizado no material nem sempre sao os conteúdos mais relevantes da Física, mas aquilo que aparece com mais frequencia no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) ou outros vestibulares. O professor entra na sala de aula, deseja um(a) bom dia/boa tarde/boa noite para os estudantes e comega sua aula. Sua aula baseia-se em colocar o conteúdo da apostila em forma de esquemas, para facilitar a memorizagao por parte dos estudantes. Afinal, o bom professor, supostamente, é aquele que faz os estudantes memorizarem mais conteúdos conceituais. Após, o professor realiza diversos exercícios do ENEM para os estudantes "treinarem" a realizagao deste tipo de exercícios. Com isso, os estudantes vao se tornando "cofres bancários", que apenas recebem conhecimentos transferidos pelo professor (Freire, 1988) e aplicam em exercícios, realizados sem problematizar, criticar ou dialogar.

Tudo isso ocorre porque, segundo Rubens Alves (2007), "o vestibular nao contribuí para o desenvolvimento da capacidade de pensar, porque privilegia a memorizagao". Nesta perspectiva, Pereira (2007) coloca que:

[...] os cursinhos mexem com o imaginario simbólico, principalmente dos jovens, oferecendo aulas-show com uma lógica bem diferente da verificada na escola, essa, na maioria das vezes, enfadonha e sem sentido, além de reafirmarem eventos da juventude (festas, namoros, etc.) e uma condigao diferenciada (status social) em uma sociedade que ainda conta com milhares de analfabetos e analfabetos funcionais. Operando com essa dimensao ritual da cultura do vestibular, os cursinhos se tornaram marcas com grande penetragao em termos da lucratividade do mercado, atuando, também, por meio de um agressivo marketing (PEREIRA, 2007, p.50).

A busca por um modelo de sociedade mais reflexiva, participativa e crítica, passa, também, por uma ressignificagao do Ensino de Física. Realizar tais agoes, no contexto educacional, passa pela problematizagao e construgao dos currí- culos escolares. Logo, a ressignificagao do ensino de Física passa pela proposito de "outro" currículo de Física, "mais abertos diante de problemas, de temáticas contemporáneas fortemente marcadas pela dimensao científica-tecnoló- gica" (Auler, 2007).

Diz-se "outro" currículo de Física considerando, e em contraposifao, a este currículo "sumarizado" das escolas de educagao básica, o qual as pesquisas da área vem denunciando. Este contrapoe-se a esta Teoria Tradicional de currí culo - na qual "o que ensinar" já está definido, basta apenas discutir o "como" -, em prol de uma Teoria Crítica, na qual "o que ensinar" é questionado e perguntas como as de Silva (2010) ganham destaque: "por que esse conheci- mento e nao outro? Quais interesses fazem com que esse conhecimento e nao outro esteja no currículo? Por que privilegiar um determinado tipo de identidade ou subjetividade e nao outro?".

Partindo deste resgate curricular, na qual o profissional docente passa a ser um construtor de currículos (Hunsche, 2010), insere-se o presente relato de experiencia. Este relato é resultado de um conjunto de agoes organizadas por meio do projeto de ensino intitulado "A construgao do currículo de Física na perspectiva Freire-CTS em um contexto de pré-vestibular municipal" (registrado sob número 056417 no Portal de Projetos da Universidade Federal de Santa Maria, UFSM), apoiado e financiado pelo Programa de Licenciaturas, da UFSM, do qual participaram um aluno do curso de graduagao em licenciatura plena em Física e também professor do Sepé Tiaraju- ENEM e vestibulares (neste trabalho, denominaremos apenas "Sepé Tiaraju") e a professora orientadora do projeto. Ainda, o projeto obteve o apoio da Fundagao Cultural Afif Jorge Simoes Filho, responsável pelo pré-vestibular, para a sua execugao.

O objetivo do projeto, que será relatado em partes neste artigo, visou construir o currículo da disciplina de Física, a partir da Abordagem Temática, no contexto do Sepé Tiaraju, baseando-se na articulagao entre os referenciais frei- reanos e da Educagao Ciencia-Tecnologia-Sociedade (CTS). Para tanto, foram pensados e desenvolvidos cinco temas, os quais sao compostos por uma série de planos de aula. Estes planos de aula, em conjunto com os diários reflexivos das aulas ministradas e as avaliagoes de cada um dos temas serao objeto de discussao das páginas a seguir. Portanto, almejamos com o presente trabalho discutir e relatar o processo de construgao do currículo de Física na perspectiva da Abordagem Temática em sintonia com a articulagao Freire-CTS no contexto do Sepé Tiaraju.

SEPÉ TIARAJU- ENEM E VESTIBULARES

O Sepé Tiaraju é um contexto de educagao nao formal, criado em 2021, sendo uma política pública que visa oferecer aos estudantes sepeenses um preparatório gratuito para os exames de ingresso no Ensino Superior, sendo destinado, principalmente, para as classes mais vulneráveis socioeconomicamente. Em 2021, o processo seletivo de ingresso no preparatório deu prioridade para os estudantes atingidos pela Pandemia de Covid-19, ou seja, os estudantes que concluíram o Ensino Médio em 2020 ou estudantes que estavam no 3° ano do Ensino Médio em 2021. Ainda, direcio- nou-se 80% das vagas do curso para estudantes com o Número de Identificagao Social (NIS)1 e 20% destinados a ampla concorrencia. Entretanto, os estudantes com NIS ocuparam menos de 30% das vagas, deixando abertas mais vagas para ampla concorrencia. Desta forma, devemos destacar o ambiente plural neste contexto de educagao nao formal, na qual os estudantes sao de diferentes bairros, diferentes classes sociais e diferentes ragas, mas que compartilham da vontade de acessar as Instituigoes de Ensino Superior (IES).

Outro ponto que deve ser destacado é a parceria realizada entre o Pré-Universitário Popular Alternativa (PUPA) e o Sepé Tiaraju. Tal parceria autorizou a utilizagao das apostilas do PUPA no Sepé Tiaraju e, ainda, propos formagoes conjuntas de educadores entre ambos os cursos. A apostila de Física do PUPA é um material didático problematizador, crítico e reflexivo (Santos et al., 2021), e que tem o mesmo referencial teórico-metodológico adotado nesta construgao curricular do Sepé Tiaraju.

ASPECTOS TEÓRICOS

O ENEM foi instituido em 1988 tendo como objetivo avaliar os estudantes ao término da educagao básica. A partir de 2009 o exame alterou sua metodologia, passando a ser também uma forma de ingresso nas IES, através do Sistema de Selegao Unificada (SISU) e o Programa Universidade Para Todos (ProUni). Ainda, o exame foi organizado com uma prova de Redagao e 180 questoes objetivas, divididas em quatro áreas do conhecimento: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias; Ciencias Humanas e suas Tecnologias; Matemática e suas Tecnologias e, por fim, Ciencias da Natureza e suas Tecnologias.

Embora o ENEM tenha se tornado nos últimos tempos mais conteudista, o exame é elaborado com base em cinco eixos cognitivos, comuns a todas as áreas do conhecimento, descritos na Matriz de Referencia do ENEM, sendo eles:

I. Dominar linguagens (DL): dominar a norma culta da Língua Portuguesa e fazer uso das linguagens matemática, artística e científica e das línguas espanhola e inglesa. II. Compreenderfenómenos (CF): construir e aplicar conceitos das várias áreas do conhecimento para a compreensao de fenómenos naturais, de processos histérico-geográficos, da produgao tecnológica e das manifestagóes artísticas. III. Enfrentar situagóes-problema (SP): selecionar, organizar, relacionar, interpretar dados e informagóes representados de diferentes formas, para tomar decisóes e enfrentar situagóes-problema. IV. Construir argumentagao (CA): relacionar informagoes, representadas em diferentes formas, e conhecimentos disponíveis em situagóes concretas, para construir argumentagao consistente. V. Elaborar propostas (EP): recorrer aos conhecimentos desenvolvidos na escola para elaboragao de propostas de intervengao solidária na realidade, respeitando os valores humanos e considerando a diversidade sociocultural (BRASIL, 2021, p.1).

Considerando os eixos cognitivos mencionados acima, nao nos faz sentido desenvolver em sala de aula uma edu cagao conteudista, memorizadora. Desta forma, defendemos a utilizagao, no contexto supracitado, do referencial teórico-metodológico da Abordagem Temática em sintonia com os pressupostos da articulagao Freire-CTS.

A perspectiva da Abordagem Temática (Delizoicov, Angotti e Pernambuco, 2011) vem ganhando destaque na área de educagao em ciencias, principalmente em propostas de reorganizagao curricular. Pierson (1997) caracteriza a Abor dagem Temática como "o que ensinar nao é tomado como um dado a priori". Dentre os principais objetivos de traba- lhar nesta perspectiva, Giacomini e Muenchen (2015, p.342) destacam alguns, sendo eles:

[...] produzir uma articulagao entre os conteúdos programáticos e os temas abordados, superar os principais problemas e limitagóes do contexto escolar, produzir agóes investigativas e problematizagóes dos temas estudados, levar o aluno a pen sar de forma articulada e contextualizada com sua realidade e fazer com que ele possa ser ator ativo do processo de en- sino/apren dizagem.

A formagao de cidadaos críticos, a insergao do aluno na sociedade, a busca de sentido para a educagao científica e tecnológica e a contextualizagao do conhecimento científico sao os objetivos encontrados na maioria dos discursos que caracterizam o movimento CTS no contexto educacional, segundo Strieder (2012). Ainda, de acordo com a autora, existem diferentes perspectivas de abordagens CTS, mas seus objetivos podem ser reunidos em tres grandes grupos: i) Proporcionar um ensino de ciencias que permita ao educando enxergar a própria realidade a partir dos conhecimen tos científicos; ii) Desenvolver no educando um senso crítico de maneira que ele possa discutir com propriedade as implicagoes da ciencia e tecnologia na sociedade; iii) Capacitar o educando para que ele tome atitudes de maneira a mudar a própria realidade. Dessa maneira, a neutralidade da ciencia-tecnologia deixa de existir e o seu desenvolvi- mento deve levar em conta o contexto social.

No contexto brasileiro, autores como Auler (2007), discutem e defendem a articulagao entre os pressupostos CTS e as ideias do educador Paulo Freire, essencialmente as relacionadas ao campo curricular. Segundo o autor, a leitura crítica da realidade, assim como a superagao da chamada "cultura do silencio" (pressupostos freireanos), podem po- tencializar a compreensao crítica das relagoes entre ciencia, tecnologia e sociedade, além de democratizar as decisoes envolvendo ciencia e tecnologia. Nesta perspectiva, Almeida e Strieder (2021) evidenciaram, em uma de suas investi- gagoes, que o objetivo geral da articulagao Freire-CTS "é o estudo da realidade, de forma a considerar as relagóes com a atividade científica-tecnológica, uma vez que a CTtem causado profundas transformagoes sociais". Ainda, as autoras citam tres pressupostos fundamentais na articulagao Freire-CTS, sendo eles: a problematizagao da atividade científica- tecnológica, a busca por uma maior participagao social e o ensino de ciencias via temas da realidade dos estudantes.

Ademais, devemos salientar que a mediagao entre o diálogo e o conhecimento científico é realizada pela proble matizagao. Entretanto, nao se está a falar de qualquer problematizagao, muito menos daquela que esteja amparada somente nos conhecimentos científicos. A problematizagao nesse viés tem o objetivo de exercer uma análise crítica sobre a realidade em questao, de modo que tal análise é feita com base nos conhecimentos científicos, por meio do diálogo (Muenchen, 2010). Problematizar somente com base nos conceitos científicos, mas esquecer do contexto real, dos problemas e das situagoes cotidianas - se é que isso seja possível - é tao equivocado quanto problematizar so mente com base no contexto real, dos problemas e das situaçoes cotidianas, mas esquecer dos conhecimentos cien tíficos. Para Muenchen (2010), problematizar implica em diálogo, desafio e transformaçao, pois "aoproblematizar, de forma dialógica, os conceitos sao integrados à vida e ao pensamento do educando. Ao invés da memorizaçao de infor mâmes sobre Química, Física ou Biologia, ocorre o enfrentamento dos problemas vivenciados".

Os elementos apontados e discutidos anteriormente constituíram a "base" teórico/prático da construçao curricu lar desenvolvida no contexto do Sepé Tiaraju. As articulaçoes entre a problematizaçao, diálogo e os conhecimentos científicos, foram trabalhadas, em sala de aula, por meio dos Très Momentos Pedagógicos (3MP), na qual estrutura- ram os planejamentos de cada um dos 29 encontros, totalizando 54 horas/aula de 40 minutos cada. Ao longo destes encontros foram desenvolvidos os seguintes temas: "Bicicletas: um meio de locomoçao muito utilizado em Sao Sepé/RS", "Problema Juventude", "Construçao Civil", "Saneamento Básico" e "Produçao, Transmissao, Distribuiçao e Consumo de Energia Elétrica".

Para Araújo e Muenchen (2018) os 3MP podem fortalecer o processo de ensino-aprendizagem e contribuir para o desenvolvimento do senso crítico e da superaçao dos níveis de consciència pelo educando. Constituídos por bases freireanas, os momentos pedagógicos - como metodologia de sala de aula - sao descritos por Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2011) por 1° Problematizaçao inicial; 2° Organizaçao do conhecimento e 3°Aplicaçao do conhecimento.

Atualmente os momentos sao vistos como uma dinámica didático-pedagógica (e nao apenas metodologia), isto é, sao mais amplos, e podem ser utilizados para a organizaçao de materiais didáticos, para a organizaçao de eventos/pa lestras, como estruturantes de currículos, e também como estruturantes de Estilos de Pensamento. Para estas análi- ses, sugerimos as leituras de Muenchen (2010), Araújo (2015) e Magoga (2017).

Reiteramos que cada um desses momentos possui uma funçao específica, brevemente explicitada abaixo:

1° Momento: problematizaçao inicial, é o momento inicial em que o educador, com a funçao coordenadora e fomentador de discussoes, apresenta situaçoes reais que os educandos conheçam e vivenciam em que sao introduzidos os conhecimentos científicos. É o momento no qual os educandos sao desafiados a expor o que pensam sobre o assunto e perceber que o conhecimento científico que eles possuem nao é suficiente.

2° Momento: organizaçao do conhecimento, é o momento em que os educandos estudam os conhecimentos se- lecionados pelo educador, agora com a funçao formativa, como necessários para a compreensao dos temas e da pro- blematizaçao inicial;

3° Momento: aplicaçao do conhecimento, é o momento em que os educandos podem articular a conceituaçao cien tífica com situaçoes reais trabalhadas anteriormente, assim como expandir suas análises para outras problemáticas.

De modo a exemplificar, podemos visualizar um dos planos de aula elaborado e implementado no Sepé Tiaraju, sobre o tema Problema Juventude, no quadro abaixo:

QUADRO I: Exemplo de um plano de aula. 

A partir desta exemplificafao, torna-se importante ressaltar as palavras de Pernambuco (2002), quando a autora explica que "como organizadores, esses momentos nao se distinguem necessariamente no tempo, constituindo atividades separadas". Isto é, apesar de possuírem fungoes específicas, os momentos nao possuem papéis hierárquicos distintos e, por isso mesmo, também sao entendidos como fractais. No decorrer da Organizado do Conhecimento, o movimento da problematizafao em busca da construfao do conhecimento esteve presente, bem como na Aplicado do Conhecimento.

A opfao pelo uso dos 3MP no planejamento e consequente desenvolvimento das aulas, derivou nao apenas por sua relevancia educacional, mas também pelo fato do educador do Sepé Tiaraju, um dos autores do trabalho, vivenciar processos formativos, tanto no contexto da graduado quanto no contexto de um grupo de estudos e pesquisa, nos quais estudou e se interessou por tal "dinámica didático-pedagógica". Além disso, "diferentes sao os estudos que apontam um trabalho mais significativo quando os 3MP sao desenvolvidos a partir da perspectiva da Abordagem Temática" (Schneider et al., 2018).

A elaborado dos temas por meio de Abordagens Temáticas, baseando-se nas articulafoes Freire-CTS, e seus de- senvolvimentos a partir dos 3MP possibilitou, como se verá nas próximas páginas, construir um currículo de Física no referido contexto totalmente diferente daquele praticado nos pré-vestibulares tradicionais. Desta forma, será apresentado na próxima sefao, com certo grau de detalhamento, o desenvolvimento das aulas no Sepé Tiaraju.

ASPECTOS METODOLÓGICOS

Ao longo deste trabalho buscamos responder a seguinte questlo: De que forma a construyo curricular, na perspec tiva da articuladlo Freire-CTS, contribui nas experiencias e práticas pedagógicas em um contexto de pré-vestibular municipal? Logo, almejamos com o presente trabalho discutir e relatar as experiencias e práticas pedagógicas desen volvidas ao longo do processo de construyo do currículo de Física na perspectiva da Abordagem Temática em sintonia com a articuladlo Freire-CTS no contexto do Sepé Tiaraju.

Partindo disso, foi realizada uma análise, através da releitura e destaque dos principais pontos, dos diários reflexi vos dos encontros e avaliadoes do tema, ambos realizados pelo educador. Para Porlán e Martín (1997), o diário é um instrumento útil para a descridlo, análise e valorizadlo da realidade escolar e, também, para a mudanda de concepdoes. Ainda, foi realizada uma avaliadlo para cada um dos temas desenvolvidos, na qual constam os principais aspec tos didáticos-pedagógicos observados pelo educador no decorrer do desenvolvimento dos temas, além de uma discusslo sobre a avaliadao dos simulados aplicados aos estudantes. Portanto, foi analisada uma amostra de 29 diários reflexivos e 5 avaliadoes do tema, os quais serlo discutidos na próxima sedlo.

DESENVOLVIMENTO DAS AULAS DE FÍSICA NO SEPÉ TIARAJU

As aulas do Sepé Tiaraju ocorreram em 2021, de agosto até novembro. Como supracitado, a disciplina de física foi organizada em cinco temas, em que cada um deles contém uma questlo geradora e uma subdivislo em problematizafoes de unidades de conteúdos. A organizado dos temas pode ser esquematizada a partir da figura a seguir:

FIGURA 1: Organizadlo dos temas desenvolvidos em sala de aula. 

A partir dessa organizado, os 29 encontros da disciplina de física, que totalizaram 54 horas/aula, foram divididos da seguinte forma:

QUADRO II: Organização da disciplina de Física ao longo do ano letivo. 

A primeira aula com a turma teve como objetivo realizar a apresentado da disciplina. Para isso, foi apresentado a forma em que a disciplina seria ministrada (através da Abordagem Temática). Ainda, foi discutido, de forma dialógica, de que forma é realizada a Ciencia e o que é estudado na Ciencia Física. Por fim, foi discutido o formato das questóes de física no ENEM.

A partir do segundo encontro, iniciamos o desenvolvimento dos temas. O conjunto de planos de aula elaborados para cada um dos temas buscaram problematizar, a partir da perspectiva que defendemos, a questao geradora do tema e as problematizagóes de cada uma das unidades de conteúdo. Ademais, devemos salientar que ao final do desenvolvimento de cada um dos temas foi aplicado um simulado da disciplina. Os simulados continham problemas e exercícios com ligado direta ao tema. Consideramos que os "exercídos" sao baseados em técnicas já conhecidas de resolugao, na qual obtém-se um resultado invariável. Já os problemas vao exigir o desenvolvimento de estratégias para chegar a uma conclusao, na qual poderá variar de resposta para resposta. Dentre as questóes propostas, pode mos citar os seguintes exemplos:

Exemplo 1: "Um outro equipamento utilizado em carros é o cinto de seguranza. Embora nao seja muito utilizado em Sao Sepé, é um equipamento crucial para a diminuigao do número de mortes em acidentes de transito. A lei da Física utilizada para explicar isto é:"

Exemplo 2: "Elabore duas Políticas Públicas que poderiam ser implementadas em Sao Sepé buscando minimizar o Problema Juventude."

Ainda, destacamos que em cada um dos simulados foi solicitado aos estudantes que realizassem um mapa temá tico (mapa na qual tem como objetivo relacionar o tema central com outros temas e/ou situagóes). Desta forma, os estudantes colocam em evidencia o tema trabalhado em sala de aula e, a partir deste, coloca as relagóes na qual o estudante considere pertinente. Os mapas temáticos auxiliam os estudantes na sistematizagao do tema e, ainda, au- xiliam o educador, pois muitas vezes os estudantes realizam relagóes nao imaginadas pelo mesmo.

Nos parágrafos anteriores, descrevemos, de forma geral, como foi a organizagao e quais foram os principais recursos e referenciais teóricos-metodológicos utilizados para a elaboragao do planejamento da disciplina de física, no Sepé Tiaraju. Já nos próximos parágrafos, iremos descrever a implementagao deste planejamento em sala de aula para cada um dos temas e discutir algumas reflexóes sobre.

Tema 1- "Bicicletas: um meio de locomogao muito utilizado em Sao Sepé"

Segundo o IBGE, Sao Sepé tem uma frota de aproximadamente 12.500 veículos de passeio, o que significa que existe mais de um veículo de passeio (carros, camionetas, caminhonetes, motos) a cada duas pessoas. Esses dados mostram que a mobilidade urbana de Sao Sepé é realizada a partir de transporte individual e nao coletivo. Um dos motivos para isso é que existe apenas uma linha de transporte coletivo de onibus na cidade e sao poucos os horários disponíveis. Desta forma, as pessoas mais pobres, em que nao tem condigóes de comprar e manter um veículo de passeio, utilizam as bicicletas como meio de transporte na cidade, haja vista que os deslocamentos sao curtos, na maioria das vezes.

Entretanto, nao existem ciclovias e ciclofaixas em Sao Sepé e, nem mesmo, políticas públicas de prevengao a aci dentes de transito, como escolas de transito. Desta forma, é relevante discutir, em sala de aula, a fungao social das bicicletas em Sao Sepé. Ademais, é importante problematizar o desinteresse da administragao municipal em criar políticas públicas que considerem as bicicletas como um meio de melhorar a mobilidade urbana na cidade, tanto economicamente quanto ambientalmente.

Com base na justificativa apresentada, foram elaborados e implementados quatro planos de aula com base no tema "Bicicletas: um meio de locomogao muito utilizado em Sao Sepé/RS". A organizado das aulas sobre o tema (ou seja, a questao geradora do tema e as problematizagoes das unidades de conteúdo) é esquematizada de acordo com a figura a seguir.

FIGURA 2: Esquema da organizado do tema 1. 

Além disso, os conhecimentos científicos desenvolvidos em sala de aula e as horas/aula trabalhadas em cada uma das problematizagoes podem ser visualizados no quadro a seguir:

QUADRO III: Organização da disciplina de Física no tema 1. 

A implementagao do tema ocorreu dentro do tempo previsto e foram utilizados diversos recursos didáticos para buscar relacionar ainda mais o tema com o cotidiano dos estudantes, como o Google Maps. Mas, o tema nao gerou o diálogo esperado, como pode ser observado no trecho da avaliagao do tema a seguir: "Conseguí problematizar a fun- gao social das bicicletas e dialogar sobre a utilizagao das bicicletas em Sao Sepé. Entretanto, nao consegui enxergar nos estudantes satisfagao e empenho para debater o tema" (Avaliagao do tema).

Acreditamos que tal situagao ocorreu por nao haver contato direto de todos os estudantes com o tema, pois dos quarenta estudantes apenas quatro (ou seja, apenas 10%) utilizam bicicletas como meio de locomogao, como é mostrado a seguir, no trecho do diário 1 do tema.

Iniciei a aula questionando os estudantes "voces utilizam bicicletas?". 11 estudantes responderam que utilizam bicicletas. Depois questionei "Tudo bem, e desses 11 que responderam, para que finalidade utilizam as bicicletas?". Destes, 7 responderam que utilizam como esporte/atividade física e 4 como locomogao (Diário 1 do tema).

Logo, consideramos que seja mais pertinente trabalhar este tema de forma conjunta com outras temáticas e nao de forma isolada.

Desta forma, acredito que este tema nao deva se tornar uma Unidade Temática no futuro material didático dos estudantes, pois acredito que seja melhor trabalhar a mobilidade urbana de modo geral ou trabalhar mobilidade urbana dentro do tema "ProblemaJuventude". (Avaliagao do tema)

Após as 7 horas/aula ministradas a partir das problematizagoes do tema, foi realizado um simulado em 2 ho ras/aula.

A partir da corregao do simulado, percebi que eles argumentaram bem sobre a fungao social das bicicletas e acrescentarem muitas coisas novas no mapa temático. Logo, considero que eles conseguiram visualizar as diversas relagoes do tema com o ámbito político, económico e social. (Avaliagao do tema)

Ademáis, salientamos que a participagao dos estudantes pode ter sido menor por conta de ser o primeiro contato dos mesmos com o educador e com o contexto de pré-ENEM. Desta forma, consideramos que o tema atingiu os objetivos propostos (problematizar a fungao social das bicicletas em Sao Sepé).

Tema 2- "Problema Juventude"

O tema "Problema Juventude" surge a partir da necessidade de discutir em sala de aula um problema antigo em Sao Sepé, os jovens. "A juventude de hoje em dia só pensa em drogas e álcool", relata uma moradora de Sao Sepé/RS. Na cidade, existe uma cultura de todos os jovens (independente de classes sociais) se reunirem em um único lugar aos finais de semana, geralmente em frente de bares e/ou distribuidoras de bebidas, seja em veículos automotores ou nao. Essa cultura traz várias consequencias, como a reclamagao dos moradores, utilizagao de drogas lícitas e ilícitas dirigindo veículos automotores (causando acidentes de transito, muitas vezes), poluigao sonora, lixo nas ruas, proble mas na mobilidade urbana, dentre outros. Desde 2016, a Prefeitura Municipal utiliza a medida de proibir o estaciona- mento na frente desses bares e/ou distribuidoras para desmotivar os jovens de se reunirem em frente aos locais. Entretanto, essas medidas resultam, apenas, com que os jovens migrem para outro local do município. Mas, afinal, por que temos esse problema? A falta de políticas públicas para lazer dos jovens e a centralizagao das atividades culturais do município sao algumas das causas que buscamos enfatizar ao longo do desenvolvimento desse tema.

Desta forma, justifica-se a escolha desse tema para que possam ser discutidas as causas e as consequencias do problema juventude e que possam ser debatidas e elaboradas possíveis solugoes para este problema. Por fim, destacamos que o tema abrange todos os estudantes, haja vista que o tema tem impacto direto em suas rotinas de lazer e diversao, além de desmotivar a permanencia de jovens no município. Desta forma, o desenvolvimento do tema em sala de aula foi organizado da seguinte forma:

FIGURA 3: Esquema da organizaçâo do tema 2. 

A partir da questao geradora do tema e suas problematizaçôes de unidades de conteúdo foram trabalhados os seguintes conhecimentos científicos e suas respectivas horas/aula trabalhadas.

QUADRO IV: Organizaçâo da disciplina de Física no tema 2. 

Desde a primeira aula ministrada, o tema gerou muito diálogo e discussoes, na qual obtiveram participagao da maioria dos estudantes, como é constatado no trecho do primeiro diàrio de aula do tema: "Essa foi a aula que teve o maior diálogo, até entao, eles participaram bastante das problematizagoes e conseguimos dialogar muito" (Diàrio 1 do tema).

Uma importante constatadlo durante a implementagao deste tema foi o "medo de errar" dos estudantes, na qual entendemos que possa estar atrelada ao ensino tecnicista e propedeutico praticado nas instituigoes de ensino frequentadas pelos estudantes.

Na primeira aula, iniciei realizando um conjunto de problematizagoes sobre o tema como um todo, sendo elas: i) Vocé faz parte do Problema Juventude? Qual a sua opiniao sobre o tema? e ii) Na sua opiniao, o Problema Juventude está associado a quais outros temas (Sociais, económicas, políticas)? Chamou-me atengao, neste momento, o medo de errar dos estudan tes, pois embora as questoes fossem opinativas, os mesmos buscavam encontrar apenas uma resposta para essas proble matizagoes. (Avaliagao do tema)

Para finalizar o tema, foi implementado um simulado em 2 horas/aula, na qual os estudantes tiveram que realizar problemas, exercícios, montar o mapa temático sobre o tema e elaborar duas políticas públicas, na qual sao colocadas no trecho da avaliagao do tema a seguir.

Dentre as políticas públicas propostas, destacam-se: Lei que obriga bares e distribuidores de bebidas fecharem os bares antes da 1 hora da manha, Criar um centro de eventos para os jovens (buscando atividades de lazer e cultura), Ter maior fiscalizagao de motoristas alcoolizados, através de testes com bafómetro, Ter maiorfiscalizagao de pessoas realizando po- luigao sonora em horários inadequados, maior investimento em cultura e toque de recolher. Nesta última proposta, foi comentado aos estudantes "Isso nao seria uma política pública inconstitucional em situagóes nao excepcionais?". Nestas questoes, chamou-me atengao o fato deles nao terem citado a centralizagao cultural do municipio, na qual realiza suas atividades culturais quase que exclusivamente no centro da cidade. (Avaliagao do tema)

Com base nos parágrafos anteriores, consideramos que o desenvolvimento do tema em sala de aula foi pertinente para a problematizagao e discussao de um problema que está presente na comunidade sepeense há anos, perpas- sando por administragoes de diferentes partidos. Desta forma, buscamos a participagao social dos estudantes, motivando-os a elaborar políticas públicas e solugoes a serem apresentadas para o poder público.

Tema 3- "Construgao Civil"

A construgao civil é um termo que engloba uma cadeia de ramos associados ao planejamento, execugao e acompa- nhamento de obrassejam elas públicas ou privadas- como, por exemplo, de acessos (pontes, viadutos), de tráfego (rodovias), de saneamento (tubulagoes, pluviais) e habitacionais (casas e prédios). Ao longo das aulas, enfatizamos a relagao entre a construgao civil e as mudangas climáticas, discutindo algumas das alternativas. Além disso, foram tra- balhadas as condigoes térmicas das moradias de Sao Sepé, a partir da discussao do projeto "Casa sem frestas". O projeto casa sem frestas foi realizado por uma turma de estudantes de uma escola de Sao Sepé e pelo Interact Club Sao Sepé, na qual consiste em forrar casas em condigoes precárias com caixas de leite, visando um maior conforto térmico e melhor estética para as moradias.

FIGURA 4: Esquema da organizaçâo do tema 3. 

Além disso, os conhecimentos científicos e as horas/aula de trabalho relacionadas a cada problematizagao de unidade de conteúdo podem ser visualizados na tabela a seguir.

QUADRO V: Organizado da disciplina de Física no tema 3. 

Através deste tema, buscamos relacionar os problemas relacionados à construyo civil, principalmente por mora- dias e pavimentadlo, com as mudanzas climáticas. O desenvolvimento deste tema em sala de aula foi muito pertinente, principalmente por Sao Sepé ter se tornado a segunda cidade do Brasil a declarar emergencia climática. Com isso, é necessàrio problematizar de que forma a construyo civil está relacionada com as mudanzas climáticas e quais agoes estao sendo tomadas pelo poder público para minimizar essas mudanzas do clima.

Novamente, chamou-nos atengao a busca pela resposta "correta" para as problematizagoes, por parte dos estu- dantes, como é demonstrado a seguir no trecho do diário 1 deste tema.

Ainda em casa, analisando as respostas dos estudantes ao questionàrio inicial, observei que muitos tinham colocado res postas muito completas, apresentando referencias de sites de onde teriam tirado aquelas respostas. Quando cheguei na sala de aula, muitos estudantes falaram "Ah, professor eu nao sei se as minhas respostas estao certas, desculpa". Neste momento, percebi, novamente, "o medo de errar" dos estudantes, na qual estao acostumados com um ensino tradicional em que existe apenas uma resposta correta, estava presente no ámbito da disciplina de Física. Desta forma, expliquei para eles que essas problematizagoes iniciais servem exatamente para eu ver qual é a percepgao deles sobre determinado tema e que nao existe resposta correta. (Diário 1 do tema)

Ademais, destacamos o aspecto interdisciplinar deste tema, como por exemplo a relagao dos conceitos de física térmica com fenómenos como as ilhas de calor e inversao térmica, em que sao geralmente desenvolvidos isolada- mente na disciplina de geografia. Ainda, como nos temas anteriores, foi aplicado um simulado aos estudantes para finalizar o tema. Entretanto, desta vez o simulado foi uma proposta de redagao dissertativa- argumentativa sobre o tema "mudangas climáticas", na qual foi elaborado em conjunto com a professora de redagao do Sepé Tiaraju.

Almejávamos, com isso, que os estudantes utilizassem dos conhecimentos científicos da física para embasar a sua argumentagao sobre o tema proposto na redagao, na qual o texto deveria ser escrito em duas horas/aula. Podemos observar, no trecho a seguir, o relato escrito pela professora de redagao sobre o simulado.

A partir do simulado de redagao, elaborado pelo Professor do componente curricular de Física, sobre Mudangas Climáticas, os estudantes do Cursinho Sepé Tiaraju tiveram a oportunidade de desenvolverem melhor as suas argumentagoes. Sabe-se que, para uma redagao o mais próximo possível da nota 1000 no ENEM, é indispensàvel ter conhecimentos de diferentes disciplinas escolares, além de conhecimento de mundo. Isso ultrapassa as questoes estruturais da redagao e, portanto, esse trabalho desenvolvido pelo professor de física foi de suma importáncia para que os estudantes tivessem conhecimento e os transpusesse para o papel sobre: inversao térmica, ilhas de calor, construgao civil, pavimentagao, entre outros, relacionados à temática "mudangas climáticas". Portanto, a abordagem da disciplina de física realizada no Cursinho Sepé Tiaraju contribuiu para a argumentagao coerente com o tema de redagao proposto. (Avaliagao da Professora de redagao)

Ainda, dentre as propostas de resolugao de problemas apresentadas nos textos dissertativos-argumentativos, destacamos: a pintura das ruas asfaltadas com cores frias, visando diminuir a absorgao da luz pelo asfalto; a instalagao de telhados verdes nas residencias (visando um melhor conforto térmico para as residencias e, consequentemente, para a cidade) e, por fim, a troca de asfaltamento pelo calgamento com paralelepípedo, por conta do fluxo de calor e da diferenga de calor específico entre os materiais. Com isso, constatamos que o referencial teórico-metodológico utilizado auxiliou os estudantes nao apenas na compreensao dos conhecimentos científicos da Física de forma isolada, mas da articulagao destes para melhor argumentagao e reflexao crítica da realidade social, económica e ambiental.

Tema 4- "Saneamento Básico"

O Saneamento Básico é um conjunto de servigos, infraestruturas e instalares operacionais de a) abastecimento de água potável, b) esgoto sanitàrio e c) limpeza urbana e manejo dos residuos e é considerado um direito básico, para o bem-estar e saúde da populagao. Entretanto, alguns bairros de Sao Sepé ainda nao tèm acesso a rede de esgoto sanitário, como os bairros Zenari e Cristo Rei. Além disso, Sao Sepé tem uma considerável populagao que mora na zona rural, onde nao existe coleta de lixo. Desta forma, torna-se relevante abordar esse tema em sala de aula, pois é um tema de ordem social, haja vista a sua importancia para a saúde pública e os impactos ambientais causados.

FIGURA 5: Esquema da organizado do tema 4. 

Ademáis, os conhecimentos científicos e as horas/aula trabalhadas em cada problematizagao de unidade de conteúdo podem ser visualizados na tabela abaixo.

QUADRO VI: Organizado da disciplina de Física no tema 4. 

Este foi o tema com a menor carga horária. Entretanto, propiciou várias reflexoes e conhecimento da realidade de bairros da cidade pouco conhecidos pela maioria dos estudantes. Em sala de aula, estudantes que moram em bairros afastados comegaram a relatar a rotina de falta de água nas casas, esgoto a céu aberto e coleta de lixo realizada semanalmente. Entao:

Questionei aos estudantes "E qual o padrao entre esses bairros?" e eles responderam "sao bairros afastados do centro", "sao bairros mais pobres", "sao bairros sem indústrias e comércios". Entao, cometamos a discutir o motivo desses bairros serem invisíveis para o poder público e concluimos que existe relapao direta com o poder económico e político da populando. (Diário 2 do tema).

Por fim, foi aplicado um simulado no terceiro encontro, na qual constituiu-se por um problema aberto sobre o tema e exercícios adaptados do ENEM, também sobre o tema.

Tema 5- "Produgao, Transmissao, Distribuido e consumo de Energía Elétrica"

Debates acerca da possível extragao de carvao mineral e instalagao de uma usina termelétrica, pela mineradora Nossa Senhora do Carmo, ganharam repercussao em Sao Sepé. De um lado, o ex-prefeito Leocarlos Girardello diz que "[...]E

na área da mina, também terá poluigao quase zero e deixará, depois, a área melhor do que está, toda reflorestada" (Jornal O Sepeense, 2019) e seus apoiadores defendendo, afirmando que todos os impactos ambientáis serao medidos pela empresa. De outro lado, opositores a extragao de carvao mineral pela mineradora afirmam que usinas de carvao mineral sao uma das formas de produgao de energia elétrica mais poluente do mundo e que, até mesmo, países de "primeiro mundo" estao desestimulando a produgao de energia elétrica a partir dessa fonte. Além disso, Sao Sepé já possui uma usina termelétrica movida a casca de arroz, uma usina fotovoltaica em construgao e um projeto para construgao de uma Pequena Central Hidrelétrica (PCH). Diante disso, consideramos relevante discutir a temática de produgao de energia elétrica em sala de aula, colocando todos os pontos de vista e potencializando a participagao social e a tomada de decisao pelos estudantes.

Ademais, embora a maioria dos equipamentos utilizados em nosso cotidiano sejam movidos a energia elétrica, a populagao, em geral, nao tem conhecimento de como é transmitida, distribuida e consumida a Energia elétrica. Desta forma, propoe-se realizar uma problematizagao sobre a transmissao, distribuigao e consumo de energia elétrica, con siderando seus impactos ambientais e sociais. Na figura a seguir, podemos observar de que forma foi organizado o desenvolvimento do tema durante as aulas.

FIGURA 6: Esquema da organizagao do tema 5. 

Na tabela a seguir, observamos os conhecimentos científicos e as horas/aula trabalhadas em cada problematizagao de unidade de conteúdo.

QUADRO VII: Organizagao da disciplina de Física no tema 5. 

O desenvolvimento deste tema em sala de aula foi muito pertinente, pois problematizou um tema que vem ga- nhando destaque no município, haja vista que nos últimos anos Sao Sepé vem se tornando um polo de produgao de energia elétrica. Para finalizar o tema, foi aplicado um simulado, na qual os estudantes tiveram que descrever todos os objetos elétricos e/ou eletronicos do seu quarto e calcular o gasto, em reais, de energia elétrica em um mes. Essa atividade foi importante, pois evidenciou as diferengas sociais da turma, enquanto alguns colocavam ar-condicionado outros tinham que dividir o ventilador com outros irmaos.

Os alunos demonstraram muito interesse e participagao no simulado, pois comegaram a discutir, entre eles, as diferengas sociais evidenciadas pela quantidade de objetos elétricos e eletronicos que cada um contém. Ainda, eles ficaram perplexos com a complexidade de calcular a energia elétrico. Por fim, eles discutiram a relevancia de realizar um consumo mais cons ciente, optando por utilizar objetos menos potentes, um aluno explanou "eu nunca tinha visto a potencia das coisas elétricas do meu quarto". (Diàrio de aula 7)

Dessa forma, foi perceptível um significado mais profundo dos conhecimentos científicos, a partir de problemáticas recorrentes no mundo da vida dos estudantes. Por fim, devemos destacar que trabalho do tema em sala de aula problematizou o fato de, nem sempre, o desenvolvimento científico e tecnológico significar o desenvolvimento social.

CONSIDERALES FINAIS

Com o presente trabalho, tivemos o objetivo relatar, refletir e discutir o processo de construyo do currículo de Física na perspectiva da Abordagem Temática em sintonia com a articuladlo Freire-CTS no contexto do Sepé Tiaraju- ENEM e vestibulares. Uma das maiores dificuldades constatadas no desenvolvimento das aulas com esta perspectiva foi romper com a perspectiva conteudista em que a maioria dos estudantes estlo familiarizados, ainda mais em contexto de pré-vestibular. Como relatado ao longo do trabalho, os estudantes, principalmente nos primeiros encontros, ti- nham receio de colocar as suas respostas, suas percepgóes e seus conhecimentos, haja vista que acreditavam nao serem "detentores de conhecimento" algum. Desta forma, o educador teve que dialogar com os estudantes, buscando deixar o ambiente educacional propicio para o diálogo, em que a exposiglo de ideias e percepgóes, sejam elas erro- neas ou nao, pudessem ser explicitadas.

Ademais, um dos aspectos evidenciados foi a potencialidade dos mapas temáticos como recurso didático quando utilizado este referencial teórico-metodológico. Os mesmos, construidos pelos estudantes ao final de cada simulado, auxiliaram na sistematizadlo do tema e na construglo do novo material didático do Sepé Tiaraju para 2022.

Salientamos, ainda, que a partir da prática de cada um dos temas, foi necessário repensar os planejamentos para o desenvolvimento dos temas seguintes, o que retrata a necessidade da intensa "adao-reflexlo-adao" (FREIRE,1988), por parte do educador. Logo, reiteramos a relevancia dessa experiencia, tanto para a formaglo do estudante quanto para a formaglo (seja ela inicial ou permanente) do educador, pois, além de preparar para um processo seletivo, busca potencializar nos sujeitos a criticidade. Desta forma, o uso das categorias diálogo e problematizaglo, aliados aos co nhecimentos científicos, ressignificaram o Ensino de Física neste contexto, a partir da prática pedagógica realizada em 2021 e com o novo material didático elaborado para anos posteriores. Tal material didático é um dos principais resul tados deste processo de construglo curricular e irá balizar, neste contexto, a prática pedagógica dos professores de física. Na figura a seguir, podemos observar a capa do material didático elaborado. O material didático está disponível de forma on-line e gratuita na plataforma Física Alternativa e no site do Grupo de Estudos e Pesquisas Educaglo em Ciencias em diálogo (GEPECiD).

Por fim, este artigo buscou enfatizar a possibilidade de ressignificar o Ensino de Física em um contexto de pré- vestibular, formando nao apenas sujeitos memorizadores, mas sujeitos críticos, reflexivos e atuantes na busca por soluçoes aos problemas sociais. Dessa forma, destacamos a relevância desta produçao para a literatura da área e reiteramos a importância de continuarmos refletindo e discutindo essas experiências, promovendo seu desenvolvimento e estimulando mais espaços de implementaçao, sejam eles formais ou nao formais.

AGRADECIMENTOS

Ao Programa de Licenciaturas (PROLICEN), da Universidade Federal de Santa Maria, pela concessao de bolsa de estu- dos e a Fundagao Afif Jorge Simoes Filho pelo apoio na execugao do projeto.

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Recebido: 02 de Fevereiro de 2022; Aceito: 26 de Maio de 2022

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