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Revista de enseñanza de la física

versión impresa ISSN 0326-7091versión On-line ISSN 2250-6101

Rev. enseñ. fís. vol.34  supl.1 Cordoba dic. 2022

 

Relatos de aula

Astronomía en la formación inicial de profesores en física

Néstor Eduardo Camino1 

Bettina Bravo1 

Iván Bustos Fierro1 

María Silvina De Biasi1 

1 Centro de Ciencias Biológicas da Natureza, Universidade Federal do Acre. Rodovia BR 364, Km 04 - Distrito Industrial, CEP 69920-900, Rio Branco, AC, Brasil.. 2Núcleo de Apoio a Inclusao, Universidade Federal do Acre. Rodovia BR 364, Km 04 - Distrito Industrial, CEP 69920900, Rio Branco, AC, Brasil.

Resumo

O trabalho apresenta um jogo didático com audiodescrigao e braile, sobre calorimetria, que inclui os estados físicos da água, calor sensível e calor latente; para inclusao de deficientes visuais no contexto do ensino de física. O relato de experiencia sobre a aplicagao do jogo com um grupo de alunos do terceiro e segundo ano do ensino médio em uma escola pública de Rio Branco-AC é apresentado. O estudo de caso apresenta tres etapas de intervengao com um estudante Baixa Visao: uma primeira entrevista com objetivo de conhecer um pouco do histórico da deficiencia do aluno; uma explanagao na feira de ciencias da escola pelo estudante baixa visao para adquirir dominio sobre o jogo, seguido de uma segunda entrevista para identificar as impressoes do discente ao participar da feira; e a aplicagao do jogo com o grupo de quatro alunos da escola, no qual tres com visao normal e um com deficiencia visual. Ao final do jogo, uma roda de conversa entre os participantes demonstrou que o jogo promoveu interagao social e situagao de aprendizagem que contemplou todos os alunos envolvidos.

Palavras chave: Estados físicos da água; Calor sensível e latente; Jogo didático; Audiodescrigao; Braile

Abstract

The paper presents a didactic game with audio description and Braille, on calorimetry, which includes the physical states of water, sensitive heat and latent heat; for the inclusion of the visually impaired in the context of physics education. The experience reports on the application of the game with a group of students from third- and second-year high school in a public school in Rio Branco-AC. The case study presents three stages of intervention with a Low Vision student: a first interview in order to know a little about the student's disability history; an explanation at the school science fair by the low vision student to acquire mastery over the game, followed by a second interview to identify the student's impressions when participating in the fair; and the application of the game with the group of four students of the school, in which three with normal vision and one with visual impairment. At the end of the game, a round of conversation between the participants demonstrated that the game promoted social interaction and a learning situation that contemplated all the students involved.

Keywords: Physical states of water; Sensitive and latent heat; Didactic game; Audio description; Braille

INTRODUJO

No Brasil, o termo Deficiencia Visual (DV) inclui tres grupos distintos: cegueira, baixa visao e visao monocular; que se dá por duas escalas oftalmológicas, a acuidade visual e o campo visual. O presente trabalho aborda um jogo didático desenvolvido e testado com um grupo reduzido de discentes, a partir da necessidade de envolver um estudante baixa visao nas atividades escolares, mais especificamente a feira de ciencias da escola. Para caracterizar tal deficiencia, o Ministério da Educagao Brasileiro - MEC (Brasil, 2006) em seu material sobre "Saberes e práticas da inclusao", concei-tua como:

Baixa Visao é a alteragao da capacidade funcional da visao, decorrente de inúmeros fatores isolados ou associados, tais como: baixa acuidade visual significativa, redugao importante do campo visual, alteragoes corticais e/ou de sensibilidade aos contrastes, que interferem ou que limitam o desempenho visual do individuo. A perda da fungao visual pode se dar em nivel severo, moderado ou leve, podendo ser influenciada também por fatores ambientais inadequados. Cegueira é a perda total da visao, até a ausencia de projegao de luz. Do ponto de vista educacional, deve-se evitar o conceito de cegueira legal (acuidade visual igual ou menor que 20/200 ou campo visual inferior a 20° no menor olho), utilizada apenas para fins sociais, pois nao revelam o potencial visual útil para a execugao de tarefas. (Brasil, 2006, p. 16)

Podese dizer que a baixa visao é uma situagao intermediária entre a visao normal e cegueira, em que uma pessoa com a melhor corregao óptica convencional, ou após o tratamento cirúrgico, ainda apresenta dificuldades na realiza-gao nas práticas diárias tais como: escrita, leitura, se deslocar na rua, entre outras, ou seja, ela é uma perda severa de visao que nao pode ser corrigida por tratamento clínico e nem cirúrgico, tampouco com óculos convencionais. Especificado a deficiencia que envolve um dos estudantes alcangado pelo jogo didático apresentado no trabalho, alguns apontamentos fazem-se necessários.

A partir de 1993 as políticas públicas no Brasil passam a ter o caráter inclusivo, referendadas pela Declaragao de Salamanca (1994, p. 3) na qual afirma que: "As escolas deveriam acomodar todas as criangas independentemente de suas condigoes físicas, intelectuais, sociais, emocionais, linguísticas ou outras". Nesta diregao, a inclusao desses alunos no cenário da educagao se faz necessária. De acordo com Declaragao de Salamanca (1994): "As criangas e jovens com necessidades educacionais especiais devem ter acesso as escolas regulares, que a elas devem se adequar, já que tais escolas constituem os meios mais capazes para combater as atitudes discriminatórias (...), constituindo uma sociedade inclusiva e atingindo a Educagao para todos." (UNESCO, 1994, p. 8-9). Portanto, novas práticas pedagógicas precisa-vam ser inseridas no aprendizado dos alunos com deficiencia, pois nao bastava somente incluí-los em sala de aula sem um acompanhamento pedagógico, de forma a romper barreiras que possam impedir a exclusao ou a evasao, buscando de fato realizar uma educagao inclusiva.

Assim, a escola atualmente deve incentivar a aprendizagem, utilizando-se de atividades que criem um ambiente facilitador para favorecer o processo de aquisigao da autonomia para estudantes portadores de deficiencia. Para tanto, o aluno DV requer uma produgao mais específica, como a adaptagao de materiais didáticos.

Neste contexto, quando se menciona o processo educacional, principalmente na infancia, é inevitável nao fazer mengao a ludicidade como parte importante deste processo, o lúdico abre possibilidades essenciais para a formagao da crianga, através do brincar e do faz de conta é possível aprimorar sentidos, trabalhar a criatividade, desenvolver habilidades, formular conceitos, desenvolver senso crítico e de tomada de decisoes, promover a interagao, entre ou-tros. Através do brincar a crianga agrega significancia as descobertas, neste sentido é essencial promover ambientes estimuladores que permitam a crianga explorar possibilidades (Sousa, 2017). E no contexto da crianga DV, devem-se repensar as práticas da ludicidade de maneira que atenda as particularidades que a deficiencia exige, sempre tendo como ponto de partida promover as mesmas experiencias das criangas com visao normal. "É preciso vencer os este-reótipos criados socialmente e possibilitar agoes que permitem a elas as mesmas chances de interagao das criangas sem deficiencia visual. Entretanto, faz-se necessário o processo de adaptagao destinado a cada especificidade." (Sousa, 2017, p. 104). Neste sentido, observa-se que o trabalho lúdico na perspectiva do DV é possível, e promove-las se faz essencial para o engrandecimiento nao só do processo educacional da crianga cega, como sao notórios os pro-gressos no seu desenvolvimento global.

Além disso, investir na sociabilidade é um passo bastante relevante no processo lúdico, é importante que além de brincar com a crianga com DV, o educador estimule que outras pessoas também o fagam. Deste modo o professor promove a interagao, trabalhando melhor a recepgao, o que facilitará nas relagoes interpessoais e na melhor aceitagao de propostas de atividades futuras, em grupo ou com outras pessoas, alheias ao seu ciclo (Silva, 2017).

Para apoiar teoricamente o uso de recursos adaptados, em situagoes de sala de aula que envolva alunos deficientes visuais, um conceito muito importante é o de Zona de Desenvolvimento Proximal - ZDP (Vygotsky, 2001), que aplicado ao presente trabalho, seria a diferenga entre o que o aluno DV consegue aprender sozinho (Nível de Desenvolvimento Real) e aquilo que ele consegue aprender com a ajuda da adaptagao utilizada (AD e braile), do professor e dos estu-dantes da classe (Nivel de Desenvolvimento Potencial).

O DV necessita de uma ferramenta que o auxilie na autonomia e praticidade para a inclusao na sala de aula, pois, se o professor usar uma dinámica diferente, será necessária uma tradugao lúdica e essa tradugao pode ser realizada através de imagens com elementos destacados em relevo/braile e a descrigao dessas adaptagoes através da Audio-Descrigao (AD), além dos recursos computacionais, tratando de materiais viáveis do ponto de vista da Tecnologia Assistiva (TA) (Brasil, 2009).

Na maioria dos casos, os alunos cegos passam a depender da boa vontade de colegas ou monitores para a leitura de textos, das apostilas, livros e de artigos da bibliografia básica das disciplinas cursadas, de forma constante, e principalmente para poder escrever o mínimo do que o professor passa nas aulas. A falta de conhecimento sobre TA, aliado a falta de recursos e conhecimentos sobre adaptagoes curriculares segundo Carvalho (2000), impede que mui-tos docentes auxiliem de modo adequado estes alunos.

Partindo de um grau extenso, considera-se que tudo que auxilia o deficiente visual a melhorar a sua percepgao das coisas é considerada TA, ou seja, qualquer produto, servigo ou sistema, comprado, modificado ou customizado, que amplie, conserve ou melhore as habilidades funcionais de uma pessoa com deficiencia (Moraes, 2012).

Outro recurso utilizado trata-se da AD, que é um recurso de acessibilidade de tradugao intersemiótica que transforma o visual em verbal. A comissao de Estudo de acessibilidade em comunicagao do Comité Brasileiro de Acessibilidade da Associagao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) no ano de 2015 publicou um projeto para consulta nacional sobre: "Acessibilidade na comunicagao - audiodescrigao" (ABNT, 2015). Contudo, mesmo normatizado como um recurso de acessibilidade, nao há nenhuma citagao direta ao uso do recurso no contexto da sala de aula, ou alguma denotagao sobre a utilizagao em imagens com fins didáticos.

No contexto educacional esta ferramenta, muito recentemente, tem sido inserida para inclusao de pessoas DV no processo de ensino-aprendizagem. A AudioDescrigao Didática (ADD), segundo Vergara-Nunes (2016, p. 271), tem por objetivo "dar ao aluno cego condigoes de aprender os conteúdos escolares veiculados por imagens junto com seus colegas em sala de aula em contextos inclusivos". Para dar énfase no esclarecimento da ADD, o autor apresenta os principais aspectos, destaca-se aqui a questao da inclusao, pois Vergara-Nunes relata que esta é uma ferramenta que auxilia o processo de inclusao. Outro ponto chave a ser apontado é que a ADD está ligada ao fato de "Todos terem direito a mesma informagao" (Vergara-Nunes, 2016, p. 241), ou seja, o professor pode incluir ou relevar informagoes significativas a todos os alunos. Neste contexto, destaca-se que a ADD é um instrumento que permeia a inclusao dos alunos com deficiencia, pois ela vai muito mais além de uma imagem estática, esta auxilia no ensino-aprendizagem e na autonomia, facilitando a comunicagao e interagao com os demais alunos e professor.

Jorge (2010) afirma que alguns trabalhos discutem o processo de ensino e aprendizagem dos alunos com DV, em componentes curriculares como Física, Matemática, Química e Geografia. No entanto, há poucos trabalhos na literatura especializada, abordando esta temática no Ensino de Ciencias. E ainda assim, focam apenas a importancia dos professores buscarem alternativas e materiais para esses alunos terem acesso ao conteúdo a ser ensinado.

No caso especifico das aulas de física, quando se trabalha o uso de experimentos ou jogos didáticos, de forma a tornar a aula dinámica e com a interagao entre os alunos, ao disponibilizar um único material que esteja transformado para o uso de alunos com e sem DV, promove-se a integragao de todos os estudantes. Ao contrário de optar por trabalhar com dois materiais, um para alunos sem deficiencia e um material adaptado para o aluno deficiente, pois neste caso o estudante DV fica excluído e isolado da dinámica (discussao e troca de saberes entre os pares) que a atividade pode promover.

Neste contexto de promover um ambiente escolar que respeite a diversidade da sala de aula, no caso em que se tenha um aluno DV inserido, o trabalho propoe e utiliza um jogo didático para o ensino de física, sobre os conceitos de estados físicos da água, calor sensível e calor latente; bem como apresenta o relato de experiencia sobre a exposi-gao deste na feira de ciencias da escola e a aplicagao do mesmo, com um número reduzido de alunos, no qual um DV estava inserido entre os participantes da atividade. O jogo apresenta adaptagoes em relevo, braile e a audiodescritas para serem utilizadas por todos os alunos da turma.

O DESENVOLVIMENTO DO JOGO

O trabalho aqui apresentado é resultado de uma dissertagao de mestrado do programa de Pós-Graduagao do Mes-trado Profissional em Ensino de Ciencias e Matemática (MPECIM) da Universidade Federal do Acre (UFAC), no qual a autora é formada em pedagogia e trabalha com adaptagao de materiais para deficientes a mais de dez anos.

Para o desenvolvimento do trabalho foi realizado inicialmente, o contato com o Centro de Apoio Pedagógico para Atendimento as Pessoas com Deficiencia Visual do Acre (CAP-DV-AC), que é o centro pedagógico onde tem catalogado o registro de todos os estudantes cegos e com baixa visao da educagao básica, atendidos no estado. Nesta primeira etapa, foi realizada uma entrevista com a coordenadora, que fez o levantamento do quantitativo de estudantes com DV que estavam cursando o Ensino Fundamental e Médio durante o corrido ano letivo de 2019, residentes e estudante em escolas localizadas na área Central de Rio Branco. Foram encontrados o total de 9 alunos, sendo 6 alunos do Ensino Fundamental II e 3 alunos do Ensino médio. De posse desses dados, a etapa de selegao de qual estudante seria alvo da pesquisa, foi conduzido com o seguinte critério: ser apenas deficiente visual ou baixa visao, pois grande parte dos alunos eram deficientes múltiplos. Com esta restrigao, foi observado a disponibilidade de uma aluna do 9° ano do Fundamental II cega e um aluno do 3° ano do Ensino Médio baixa visao. De posse desta informagao, foi feito o contato com a escola da aluna do 9° ano do Fundamental II, onde foi informado que aluna cega iria morar em outro municipio, portanto o sujeito da pesquisa escolhido foi o aluno com baixa visao, estudante na área central de Rio Branco do 3° ano do Ensino Médio.

Ao ser definido a escola e o aluno DV envolvido na pesquisa, fez-se contato direto com a diregao da escola da Rede Estadual de Ensino, a qual acolheu a proposta de estudo após a apresentagao do projeto de trabalho, e com os possí-veis professores parceiros no trabalho, das componentes de química, física e biologia que lecionavam a este estudante. Optou-se em trabalhar em parceria com o professor de física, pois se mostrou mais disponivel e solicito.

Em seguida, organizou-se como seria realizado o trabalho na escola. A princípio nao estava definido o que seria realmente desenvolvido, apenas estava definido que a mestranda auxiliaria o professor de física em algum conteúdo a ser determinado, para elaborar um material didático adaptado para o estudante baixa visao. Inicialmente foi organizada na escola uma entrevista com o estudante deficiente visual, realizada no ambiente da sala do Atendimento Educacional Especializado (AEE), com objetivo de conhecer o histórico da deficiencia e quais adaptagoes seriam ne-cessárias para atender o estudante assistido no conteúdo ainda a ser definido. Tal entrevista foi gravada. Na oportu-nidade, a mediadora da escola que acompanha o aluno nas atividades escolares, trouxe o estudante até a sala e o sentou na cadeira de frente para a mestranda. Neste ponto, vale destacar o que Lüdke e André (2014) apontam sobre a entrevista, que esse registro tenha uma dimensao detalhada, como por exemplo: a descrigao do sujeito, bem como o seu maneirismo, o modo de falar e agir.

No primeiro momento o discente estava com o semblante pensativo e com as maos cruzadas sobre as pernas, fazia movimentos com os dedos polegares, circulando-os um sobre o outro, simultaneamente. O educando inicialmente se apresentou com informagoes de nome, idade e onde reside, entretanto, a identidade do aluno será preservada aqui. Porém, algumas informagoes o caracterizam de forma geral. Configura-se um estudante do 3° ano do ensino médio, do sexo masculino e com 18 anos de idade durante o ano da execugao do trabalho, a saber, 2019. Quanto as questoes relacionadas a deficiencia visual do aluno, as respostas dadas pelo estudante estao descritas no Quadro I.

Quadro I: Resultado da 1° entrevista com o aluno DV. Fonte: Autores.

Com este primeiro contato, além de saber um pouco mais da história e do contexto em que o aluno estava inserido, foi possível estabelecer com o discente um diálogo sobre como seria importante que ele conhecesse as ferramentas educacionais adequadas para esta nova condigao de deficiencia em que se encontrava. Na oportunidade o estudante se mostrou interessado em conhecer a escrita em braile, os materiais em alto relevo e o recurso da audiodescrigao. Ao final deste encontro, após apresentagao da proposta de realizagao de um trabalho de adaptagao de materiais didáticos, especificamente dentro da componente curricular de física, o estudante se mostrou solícito em contribuir com o trabalho.

Logo após a entrevista, teria que ser definido o conteúdo a ser trabalhado. Na oportunidade, a diregao da escola propos a organizagao de uma feira de ciencias na temática "Água", onde cada aluno teria que desenvolver um trabalho diferenciado para expor o tema escolhido. Assim, foi delimitado o tema água para ser abordado, entretanto, sem a especificagao de qual conteúdo de física para esse tema.

O que seria realmente desenvolvido surgiu após participagao da mestranda em uma oficina no Grupo de Pesquisa e Extensao em Ensino de Ciencias (GPEEC) na UFAC sobre jogos, no caso, a proposta de um jogo sobre os estados físicos da água comegou a ser pensada. Além disso, no jogo poderiam ser abordados os conceitos de calor sensível, calor latente, e o estado de agregagao das partículas em tais estados, porém, com uma proposta nova, toda adaptada em braile, alto relevo e audiodescrigao. Vale ressaltar que o professor de física gostou da ideia de desenvolver um jogo e apoiou o desenvolvimento do mesmo.

Em seguida, jogo didático foi minuciosamente elaborado e confeccionado pela mestranda e sua orientadora, tendo corregoes de um consultor cego, antes que chegasse as maos do aluno. Com o jogo adaptado em maos, a mestranda voltou na escola e apresentou este ao aluno DV, para que ele fizesse uma exposigao do jogo para os visitantes da Feira de ciencias da escola, de forma que ocorresse o protagonismo deste estudante.

Desta forma, a problemática inicial de fomentar a participagao do DV na feira de ciencias estava resolvida, entretanto para ampliar o trabalho já desenvolvido, foram propostos como etapas do trabalho: a aplicagao de uma entrevista com o aluno baixa visao após a feira de ciencias, a aplicagao do jogo com um grupo de alunos e uma roda de conversa com os participantes das partidas realizadas.

Para a aplicagao do jogo, o professor selecionou cinco alunos com visao normal do segundo e terceiro ano do Ensino Médio, para jogar e interagir de maneira inclusiva, com todas as adaptagoes no jogo para o aluno baixa visao. Todos os envolvidos usaram o mesmo material adaptado, com braile e alto relevo. Vale ressaltar que as regras e os componentes do jogo já eram conhecidos pelo aluno DV, entretanto seria o primeiro contato para jogá-lo.

Depois da aplicagao do jogo foi proposta uma roda de conversa com todos os participantes, para que os mesmos relatassem suas experiencias, facilidades e dificuldades na hora da aplicagao do jogo. Esta última etapa representa uma avaliagao sobre o jogo, conceitos físicos trabalhados e a questao da inclusao. Os principais resultados sao apresentados na segao seguinte.

A seguir fala-se um pouco sobre o jogo proposto. O jogo com AD e braile sobre calorimetria, traz uma proposta didática e inclusiva, tendo como objetivo principal de promover a interagao entre os alunos DV e com visao normal. Trata-se de um jogo de trilha com casas, com a finalidade de percorrer todas as casas e fechar todo o percurso, no entanto, este trajeto se faz subindo e descendo os andares, até percorrer todo o ciclo que se inicia e termina no mesmo ponto. Quem chegar primeiro no ponto inicial é o ganhador.

O jogo proposto (figura 1) possui tres andares de tabuleiros, no formato retangular. Destaca-se aqui que o jogo foi desenvolvido para ser disputado entre dois competidores ou duas equipes adversárias, por isso a trilha de casas é duplicada, uma para cada competidor. Na figura 1 é apresentada apenas a trilha de um jogador para facilitar a com-preensao de como é o percurso do jogo. O primeiro andar representa o estado sólido, o segundo andar o estado líquido e o terceiro andar o estado gasoso. Em particular, optou-se por tomar como substancia que compoem o sistema: a água. Assim, o primeiro andar representa o gelo; o segundo andar a água; e o terceiro andar o vapor d'água. O primeiro andar é a base da estrutura, e sobre ele, quatro hastes localizadas nas extremidades apoiam o segundo andar. E sobre o segundo andar, outras quatro hastes, localizada nas extremidades, apoiam o terceiro andar.

FIGURA 1: Esquema do tabuleiro do jogo sem adaptagao. Fonte: Autores.

A "trilha de casas" para serem percorridas em cada andar sao buracos vazados. O total de casas para cada jogador percorrer e fechar o caminho completo da trilha é formado por 12 casas: 1 ponto de partida, 6 casas numa trilha vermelha subindo os andares, e 5 casas numa trilha azul descendo os andares. O objetivo do jogo é percorrer o caminho vermelho subindo os andares, e descer os andares percorrendo o caminho azul. O jogador que passar por todas as casas do caminho e retornar ao ponto inicial primeiro, é o vencedor.

Os andares do jogo foram confeccionados em MDF. E as adaptagoes para manuseio do estudante DV foram feitas com materiais de fácil acesso e inclusivos. As orientagoes para a construgao e adaptagao do jogo em alto relevo, braile e AD, bem como os conceitos físicos trabalhados no mesmo e as respectivas regras para a dinámica das jogadas, estao detalhados no Produto Educacional, disponível no repositório de materiais educacionais da Coordenagao de Aperfei-goamento de Pessoal de Nivel Superior -Capes, pelo link: <http://educapes.capes.gov.br/handle/capes/581364>. NaFigura 2 está apresentado o jogo confeccionado com as adaptagoes.

FIGURA 2: Jogo confeccionado já com as adaptagoes. Fonte: Autores.

De forma resumida, o jogo trabalha os seguintes conceitos físicos:

(I) Cálculo do calor necessário para variagao de temperatura, sem que o estado físico da substancia mude. Ou seja, o cálculo do calor sensível: Q = m.c.AT, onde m é a massa da substancia, c é o calor específico e AT = Tf -T¡ é a variagao de temperatura do sistema, temperatura final menos temperatura inicial.

(II) Cálculo do calor necessário para mudar o estado físico da matéria, mantendo a temperatura constante. Ou seja, o cálculo do calor latente: Q = m.L, onde m é a massa da substancia e L é o calor latente envolvido na transformagao.

(III) A forma como as partículas (átomos ou moléculas) compoem a substancia em cada estado físico: organizadas, agregadas e movendo-se com pouca facilidade (sólido); menos organizadas, estado de agregagao menor e movendo-se mais facilmente (líquido); e muito pouco organizadas, completamente livres e movendo-se com muita facilidade (gasoso).

(IV) O conceito de que a temperatura é a medida da energia térmica dos corpos e está associada ao estado de agitagao das partículas de um corpo.

(V) Conceito de que calor é a energia em tránsito entre o sistema e o ambiente.

Alguns destes conceitos sao abordados por meio de perguntas ou durante a dinámica do jogo. Porém, o estado de agregagao das partículas em cada estado aparece também na adaptagao por meio de alto relevo por uma fina camada de textura. Algumas migangas colocadas bem próximas umas das outras representam o estado do gelo; uma camada lisa de slime, material maleável, representa o estado líquido; E o algodao representa o vapor d'água. Além disso, todos os lugares do jogo com partes escritas em tinta apresentam a linguagem em braile para ser tateada.

A dinámica do jogo ocorre da seguinte forma. Inicialmente cada um dos jogadores deve sortear as temperaturas em aberto no seu respectivo tabuleiro: na posigao 1 entre as cartas triangulares disponíveis com temperaturas negativas; na posigao 4 e 10 entre as cartas retangulares disponíveis com temperaturas maiores que 0°C e menores que 100°C; e na posigao 7 entre as cartas pentagonais disponíveis com temperaturas maiores que 100°C. Cada competidor no início do jogo dispoe de 12 bolinhas para colocarem nas casas, conforme avangam na trilha do jogo. Para que a partida ocorra de forma justa é importante ter um juiz, que pode ser um aluno ou o próprio professor. Destaca-se aqui que o formato das cartas temperaturas foi elaborado de forma proposita!, para diferenciá-las para ambos os públicos, os estudantes com e sem deficiencia.

Além do tabuleiro; das cartas temperatura (Figura 3 - parte a) para serem sorteadas antes do inicio do jogo e preencherem as lacunas do tabuleiro; e das bolinhas para preencherem a trilha; o jogo ainda possui um dado e cartas perguntas, como exemplificados na Figura 3, parte (b) e (c), respectivamente. Os competidores em todas as rodadas, quando estiverem na sua vez de jogar, devem primeiramente usar o dado. Ao ser tirado o ponto de interrogagao, o competidor deve responder uma carta pergunta. Por outro lado, se for sorteado um valor de massa, este deve calcular a quantidade de calor necessária para a transformagao entre o estado inicial e o próximo, na trilha do tabuleiro. Ao responder o desafio da rodada, a pergunta ou o cálculo do calor, o competidor avanga uma casa na trilha.

FIGURA 3: (a) Cartas temperaturas, (b) modelo do dado e (c) da carta pergunta do jogo. Fonte: Autores.

A trilha a ser percorrida inicia-se na casa central do primeiro andar (Ponto 1, veja a Figura 1); este local de inicio representa que o sistema está no estado sólido (gelo) a um certo valor de temperatura negativa. Os dois competidores iniciam o jogo com uma bolinha colocada neste ponto, nas suas respectivas trilhas. Ao lado direito do Ponto 1, tem-se o caminho vermelho, indicado por um sinal de "+" e em seguida uma outra casa (Ponto 2), onde está fixado o valor da temperatura de 0°C; representando que o gelo variou da temperatura do Ponto 1 e alcangou a temperatura de 0°C (no Ponto 2). O caminho vermelho, iniciado nesta etapa, representa situagoes em que o calor é fornecido para o sistema, por isso a cor vermelha a qual indica que o sistema está esquentando e o sinal de "+" entre as casas denota o ganho de calor no sistema. Para fornecer a resposta, caso o estudante sorteie um valor de massa, deve-se fazer o cálculo de Q = m.c.AT, observando o valor do calor especifico envolvido (do gelo: cg = 0,55 cal/(g°C)); a variagao de temperatura envolvida.

Dando continuidade na trilha, a próxima casa a ser preenchida no caminho vermelho sobe o andar. Nesta rodada, para fornecer a resposta, caso o estudante sorteie um valor de massa, deve-se fazer o cálculo de Q = m.L, observando o valor do calor latente de fusao envolvido (L = 80 cal/g). E assim por diante até completar a trilha, subindo os andares pelo caminho vermelho e descendo os andares pelo caminho azul. Vale destacar que o caminho azul, representa situagoes em que o calor é retirado do sistema, por isso a cor azul a qual indica que o sistema está esfriando e o sinal de "-" entre as casas denota a perda de calor no sistema.

Durante o jogo, o estudante deve estar atento aos calores específicos que variam conforme o estado físico: para o gelo (cg = 0,55 cal/(g°C)); a água (ca = 1,00 cal/(g°C)); e o vapor d'água (cv = 0,50 cal/(g°C)). Além disso, nos processos isotérmicos, o estudante deve estar atento ao calor latente envolvido: para liquefagao/solidificagao (L = 80 cal/g) e evaporagao/condensagao (540 cal/g). Ressalta-se ainda que algumas cartas perguntas apresentam premiagoes bonus, como por exemplificado na Figura 4. Maiores detalhes sobre as regras e a confecgao do jogo, bem como as adaptagoes estao disponíveis no link <http://educapes.capes.gov.br/handle/capes/581364>.

FIGURA 4: Exemplo de carta pergunta com premiagao bonus. Fonte: Autores.

A EXPERIENCIA

No dia 8 de junho de 2019 foi realizada na escola uma feira de Ciencias com o tema "água", no qual foi elaborado um jogo didático sobre calorimetria que abordava os estados físicos da água. O jogo todo adaptado em alto relevo, braile e AD para DV foi apresentado pelo estudante baixa visao (Figura 5) para os alunos da escola e comunidade externa no dia da feira. Com o auxilio das ferramentas de adaptagao, ele conseguiu manusear todo o jogo, como mostra a Figura 6.

FIGURA 5: Apresentagao do jogo na Feira de Ciencias da escola. Fonte: Autores.

FIGURA 6: Manuseio das adaptagoes no jogo pelo aluno DV. Fonte: Autores.

Após o término da feira de ciencias, realizou-se a segunda entrevista com o discente DV na sala do AEE. O estudante já estava esperando a entrevista sentando em uma cadeira, com um semblante relaxado, com maos soltas sobre as pernas. Durante a entrevista, o estudante expressou suas ponderagoes acerca das questoes sobre a adaptagao de materiais, a importancia da professora mediadora e a aplicagao da proposta do jogo didático, conforme apresentado no Quadro II.

Quadro II:Resultado sobre a 2° entrevista com o aluno DV. Fonte: Autores.

Observa-se que o aluno demonstra uma satisfago quando expoe o fato dos andares trazerem uma semelhanga com os estados físicos da água de maneira "realista", pois, em cada andar foi feito um trabalho minucioso e detalhado, de forma, que o aluno DV, pudesse fazer ou ter uma percepgao tátil de cada estado da matéria. No caso, o gelo, a água e o vapor, respectivamente indicados pelas: migangas, slime e algodao. Todas estas representares táteis para os estados físicos da água utilizados sao importantes para trazer referencias sobre o estado de agregagao das partículas. Como o aluno DV envolvido tem memória visual (Cantanhede e Amorim, 2017), pois já enxergou antes, ao tatear os tabuleiros, rapidamente consegue fazer esta associagao com a própria memória visual do gelo, água e vapor. Entretanto, ao utilizar o material proposto com o aluno que é cego de nascenga, o professor deve tomar o cuidado de mencionar que se trata apenas de uma representagao. E no momento em que o aluno que nunca enxergou tiver contato com o jogo e as adaptagoes dos estados físicos da água, de forma paralela o professor pode levar o em recipientes separados: uma porgao de cubos de gelo, um pouco de água, e uma porgao de água bem quente "soltando vapor"; para o estudante ter a percepgao mais real para as representagoes utilizadas.

Na entrevista, o estudante salienta a importancia de o material estar adaptado (Silva, 2011), e da independencia e autonomia que esta ferramenta propicia ao entendimento, no entanto, a produgao de materiais na área das exatas é bem detalhista. Destaca-se a importancia da TA como um auxílio para facilitar o entendimento e a interagao do DV na hora da explicagao para os demais alunos e comunidade externa da escola durante a feira de ciencias (Figura 7). Além disso, Vygotsky (2001) destaca que para que de fato acontega a aprendizagem, deve existir o relacionamento com outras pessoas mais experientes. No caso da feira de ciencias, o Aluno DV tinha o conhecimento da proposta do jogo, e ao interagir com os visitantes da feira o discente teve subsídios para mediar o conteúdo abordado, esclarecer dúvidas e reafirmar os conceitos por ele apreendidos.

FIGURA 7: Interagao do aluno DV com os demais na feira de ciencias da escola (a esquerda) e o registro da participagao do aluno na feira de ciencias (a direita). Fonte: Autores.

De forma geral, a feira de ciencias teve um resultado positivo, pois o principal objetivo era de trazer uma inclusao de fato, fazendo com que o aluno DV pudesse desenvolver a autonomia, com as ferramentas adaptadas, apresentadas e expostas por ele durante a feira. Oliveira (1997) afirma que para Vygotsky o signo fundamental para o desenvolvimiento é a linguagem, pois quando se aprende a linguagem específica da cultura onde se está inserida, transforma-se radicalmente o desenvolvimento. Neste sentido a principal ferramenta para a mediagao da explicagao da proposta do jogo foi o uso da AD e dos materiais adaptados em alto relevo.

Além da exposigao do jogo na feira de ciencias, no dia 4 de dezembro de 2019 foi realizada na biblioteca da escola, a aplicagao do jogo com quatro alunos, tres sem deficiencia e um com baixa visao. As cinco partidas disputadas foram duelos entre as duplas de competidores (Figura 8). Uma das duplas era composta por duas alunas do 2° ano do ensino médio sem deficiencia e a outra com dois alunos do 3° ano, um com baixa visao e o outro sem deficiencia.

FIGURA 8: Momentos da aplicagao do jogo com alguns alunos da escola. Fonte: Autores.

Na primeira partida, os alunos tiraram na sorte quem comegaria a jogar, usando par ou impar por um representante de cada dupla. Saiu na frente a dupla em que participava o aluno com baixa visao, logo este foi o primeiro a jogar o dado para saber se sorteava o valor da massa e nesse caso teria que calcular o calor ou se tirava a carta pergunta e teria que responder a questao. Durante o primeiro momento a dupla adversária estava ganhando, no entanto com o passar da partida, o aluno com baixa visao deu sorte de tirar cartas perguntas e acertar todas as ques-toes, ganhando assim a partida. Vale ressaltar que em todas as rodadas foi dado um tempo de 1 min para cada dupla que estivesse na vez de jogar dar a resposta.

Dando sequencia as partidas, a dupla do aluno com baixa visao, continuou a ganhar, no entanto nao teve a "sorte" do sorteio do dado cair nas cartas perguntas, no entanto ele tinha grande facilidade de fazer os cálculos mentalmente e acabou se sobressaindo entre os demais, ganhando assim mais uma partida. Na terceira e quarta partida, a dupla adversária contou com sorte do dado e sempre caia nas cartas perguntas com premiagao bonus, o que facilitou elas avangarem no jogo e ganharem.

Na última partida, a dupla das meninas nao conseguia acertar em tempo hábil os cálculos, como o aluno com baixa visao tinha uma prática de fazer cálculos mentalmente de maneira mais eficaz, a dupla na qual ele participava ganhou a partida, sendo a dupla vitoriosa.

Ao final das cinco partidas, foi proposta uma roda conversa para que alunos relatassem de maneira espontanea suas impressoes sobre o jogo e a experiencia da inclusao. Durante a roda de conversa, os alunos estavam bem relaxados e com semblantes alegres.

Ao decorrer da entrevista, os alunos respondiam bem entusiasmados, o semblante do aluno com baixa visao era nítido de satisfagao, pois ele se destacou no desenvolvimento das partidas e respondia sempre as perguntas quando o dado caia no ponto de interrogagao. As respostas fornecidas pelos participantes sao apresentadas no Quadro III e estao identificadas através de nomes ficticios. Assim, as alunas do 2° ano serao chamadas de "Morango" e "Laranja"; o aluno sem deficiencia do 3°ano será chamado de "Jambo"; e o aluno com baixa visao será chamado de "Cupuagu".

Nas falas dos alunos sobre o jogo, foram destacadas as adaptagoes em alto relevo como ponto positivo, quanto ao visual e ao tátil. Vale ressaltar que tais falas sao dos alunos sem deficiencia, neste caso o material produzido traz beneficios quanto a percepgao e motivagao para participagao da atividade para todos os discentes, com e sem deficiencia. Além disso, destacou-se o fato deles conseguirem jogar sem empecilho algum com o estudante baixa visao. Carvalho e outros (1992, p. 28) ressaltam que "O ensino absorvido de maneira lúdica, passa a adquirir um aspecto significativo e afetivo no curso do desenvolvimento da inteligencia da crianga...". A dinámica do jogo também foi mencionada nas falas dos participantes, pelo fato de instigar os alunos a subirem e descerem a trilha de forma a querer vencer a partida. Outro ponto enfatizado por todos os estudantes relaciona o fato do jogo possibilitar o entendimento do conteúdo que nao foi compreendido durante a disciplina anteriormente.

Sobre os conceitos trabalhados no jogo, os estudantes comentaram as fórmulas utilizadas que estavam no próprio tabuleiro, fato que facilitou o andamento das partidas e trazer a memória os conceitos envolvidos. Quanto ao estado de agregagao das moléculas, foi perceptivel nas falas que as texturas ajudaram a identificagao dos estados sólido, liquido e gasoso. Quanto a inclusao, destaca-se a fala do Jambo que fez dupla com o aluno deficiente, ao mencionar o fato da adaptagao possibilitar ele jogar a partida normalmente sem diferenga ou dificuldade em relagao aos demais que enxergavam.

De forma resumida, os alunos relataram que o formato do jogo contribuiu para que os conteúdos fossem mais fáceis para serem assimilados e de fato aprendidos. Já para o aluno com baixa visao, a adaptagao foi de suma importancia para o sucesso da aplicagao do jogo adaptado, pois em sua reposta as perguntas da entrevista, menciona:

Bom... É a primeira vez que eu estou tendo essa experiéncia, eu fiquei muito feliz e agradego pela ideia, porque aprendí o conteúdo e tive meu primeiro contato com as texturas, sendo cada uma mais criativa que a outra. Tipo as cartas, estava de maneira que eu enxergava, o manual em áudio, porque as vezes dá preguiga de ler quando a apostila está ampliada porque fica muito volumoso (risos), entao é mais prático escutar. Enfim eu gostei de tudo, eu consegui jogar, ajudei meu parceiro e ainda ganhei algumas partidas (risos). (Cupuagu, em dezembro de 2019)

Góes (2002, p.105-106) relata que para a crianga com deficiencia "se desenvolver e se educar, ela precisa de certas condigoes peculiares (...) os caminhos alternativos e recursos especiais nao sao pegas conceituais secundárias na com-preensao desse desenvolvimiento", ou seja, a adaptagao de um jogo para a especificidade do aluno com baixa visao, fez com que as partidas tivessem mais dinámicas fornecendo autonomia para que ele jogasse cada partida. E um dos beneficios cruciais da adaptagao foi proporcionar de fato uma inclusao com os demais colegas.

Além disso, Mello e Castro (Aviani, Erceg & Mesic, 2015) afirmam que: "As brincadeiras e os jogos fazem parte da vida das pessoas. Brincar e jogar sao fundamentais para o desenvolvimento mental, pois despertam a criatividade e sao fontes de pra-zer." Sendo assim, o jogo adaptado estimula a inteligencia e a interagao com os demais, e isso é nítido no relato dos alunos sem deficiencia e do aluno com baixa visao.

Gonzaga (2012, s/p) destaca que "Ampliar as potencialidades cognitivas do aluno com necessidades educacionais especiais (NEEs) é um dos grandes desafios do trabalho de inclusao na sala de aula. Mas, mesmo com poucos recursos é possivel oferecer boas alternativas para atender as peculiaridades dos educandos adaptando materiais pedagógicos." Logo, o jogo com as adaptagoes curriculares auxilia a metodologia de ensino dos professores no momento das interagoes sobre a temática do jogo, conforme mostra o relato de um professor de Física envolvido no relato de experiencia aqui apresentado:

Achei o jogo interessante! Depois que vocé entende a regra, ele se torna bastante envolvente do ponto de vista da ludici-dade, mas sem perder o caráter didático de facilitar a assimilagao do conteúdo. Uma outra questao: há poucos materiais adaptativos para nós usarmos no dia a dia na prática docente com relagao á física, e esse jogo contribui para incluir os alunos de baixa visao em uma atividade prática. (Prof. de Física envolvido no relato de experiencias, em fevereiro de 2020)

Observa-se que no relato do professor o jogo é descrito como meio facilitador para compreensao e o entendimiento do aluno com baixa visao, dando oportunidade para este poder interagir com os demais alunos. Além disso, o professor destaca a igualdade de condigoes que o jogo oferece, possibilitando ao estudante baixa visao desenvolver sua capacidade de interpretagao dos conteúdos da componente curricular de Física presentes no jogo.

CONCLUSOES

O trabalho abordou a temática de inclusao de alunos com deficiencia visual, com objetivo de possibilitar a interagao entre os estudantes através do jogo produzido e transformado para fornecer garantias de igual competitividade entre alunos com e sem deficiencia. A questao da inclusao, considerada uma tarefa muito complexa e delicada, foi tratada cuidadosamente segundo as especificidades do aluno envolvido.

A TA foi utilizada para fazer as adaptagoes necessárias ao jogo. Contudo, vale ressaltar que a efetividade dessa dependerá de uma série de fatores, nos quais as relagoes de interagao social entre professor, aluno sem deficiencia e o aluno com deficiencia é de suma importancia. Nesta diregao, as adaptagoes táteis (as adaptagoes em alto relevo, braile e as texturas: slime, migangas e algodao) e audíveis (audiodescrigao), na prática educacional pode facilitar a aprendizagem do aluno, para que o mesmo tenha autonomia para seguir as instrugoes do jogo adaptado.

Verificou-se que o jogo obteve um resultado satisfatório, pois promoveu a independencia e autonomia do DV, gerando assim, uma boa interagao entre o grupo que participou das partidas. O resultado positivo foi reforgado diante da opiniao dos alunos sem deficiencia que estavam envolvidos no jogo, principalmente ao mencionar os recursos adaptados e utilizados por eles de maneira indireta, pois mesmo sendo pessoa sem deficiencia os mesmos usufruíram das mesmas adaptagoes. Assim, com as ferramentas apropriadas em maos, o aluno com baixa visao pode participar da partida com autonomia e independencia, demonstrando satisfagao por ter conseguido jogar e ajudar a dupla o qual participava.

Além disso, o problema inicial a ser resolvido que se tratava de garantir a participagao do estudante DV na feira de ciencias da escola para apresentar um trabalho sobre o tema água foi amplamente resolvido, pois o jogo adaptado pode além de expor os conceitos sobre os estados físicos da água, calor latente e calor sensível; ele ainda representa um recurso didático viável para o ensino de física a ser experimentado na sala de aula.

De forma geral, verificou-se que o lúdico no contexto educacional traz benefícios para facilitar a interagao entre os discentes, e promover situagoes de aprendizagem mais prazerosas. No entanto, quando existe um aluno com deficiencia visual na sala de aula, este recurso pode ser desprezado pelo professor que nao conhece as ferramentas para proporcionar a inclusao de todos. Em muitos casos, pode representar um empecilho para o docente diversificar as metodologias por ele utilizadas. Todavia, a presente pesquisa mostrou que com as ferramentas corretas, respeitando as especificidades de cada aluno, é possível o uso de jogos na componente curricular de física, inclusive em ambientes a primeira vista desafiadores para os educandos, como o caso de alunos com deficiencia visual. Logo, incentiva-se o uso de jogos para o ensino de física, bem como o uso de TA para inclusao de deficientes visuais.

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