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Revista de enseñanza de la física

versión impresa ISSN 0326-7091versión On-line ISSN 2250-6101

Rev. enseñ. fís. vol.35 no.1 Cordoba jun. 2023

http://dx.doi.org/10.55767/2451.6007.v35.n1.41389 

INVESTIGACIÓN DIDÁCTICA

Ensino de Física e Ciência Cidadã na compreensão das mudanças climáticas por meio do estudo da vazão de um córrego da Mata Atlântica

Physics Teaching and Citizen Science in the understanding of climate change through the study of the flow of a stream in the Atlantic Forest

Thiago Auer Camilo de Jesus1  * 

Emanuel Giovani Cafofo Silva2 

Laércio Ferracioli1  2 

1Programa de Pós-Graduação em Ensino de Física (PPGEnFis), Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Av. Fernando Ferrari 514 - CEP 29075-910 - Goiabeiras, Vitória, ES, Brasil.

2Instituto Nacional da Mata Atlântica (INMA), Av. José Ruschi, 4 - CEP 29650-000 - Centro, Santa Teresa, ES, Brasil.

Resumo

Estudos em escala global apontam que as mudanças climáticas são uma realidade concreta a ser enfrentada. Dados atuais revelam uma variação em medidas de variáveis hidrológicas em biomas, tal como, o bioma Mata Atlântica. Esses estudos revelam tendências em mudanças acentuadas no padrão de períodos de secas e cheias, com consequente desaparecimento de ecossistemas. Nesse contexto, foi estruturada uma oficina visando levar estudantes de Ensino Médio a refletirem sobre as mudanças climáticas a partir de conceitos da Física, Matemática e Ciências Naturais, com um enfoque na articulação entre pensar e fazer, com o referencial da Ciência Cidadã e da Base Nacional Comum Curricular. Partindo de procedimentos de coleta de dados de pesquisa desenvolvida no INMA - Instituto Nacional da Mata Atlântica, estudantes engajaram na proposta apresentada. A oficina foi realizada tanto em sala de aula quanto em um hotspot de biodiversidade na Mata Atlântica, o Parque do Museu de Biologia Prof. Mello Leitão (MBML), sede do INMA, em Santa Teresa, Estado do Espírito Santo e contou com a participação de 118 alunos de 6 turmas da 1ª série do Ensino Médio da EEEFM José Pinto Coelho que coletaram dados para o cálculo da vazão do Córrego São Pedro que passa pelo Parque do Museu e atrás da Escola. Após as atividades, resultados preliminares revelam que os alunos apresentam dificuldades em realizar matemática básica, média aritmética, equações e conversão de unidades. Em relação às mudanças climáticas, foi possível observar que apresentaram um conhecimento básico sobre a temática.

Palavras chave: Ensino de Física; Ciência Cidadã; BNCC; Ensino Médio; Mudanças Climáticas

Abstract

Studies on a global scale point out that climate change is a reality to be faced. Current data reveal a change in hydrological variable measures in biomes, such as the Atlantic Forest. These studies reveal trends in accentuated changes in the pattern of periods of droughts and floods, with the consequent disappearance of ecosystems. In this context, a workshop was set up to encourage high school students to reflect on climate change based on concepts from Physics, Mathematics and Natural Sciences, with a focus on the articulation between thinking and doing, with the reference of Citizen Science and the Base National Common Curriculum. Based on research data collection procedures developed at INMA - Instituto Nacional da Mata Atlântica, students engaged in the presented proposal. The workshop was held both in the classroom and in a biodiversity hotspot in the Atlantic Forest, the Museum of Biology Prof. Mello Leitão (MBML), INMA's headquarters, in Santa Teresa, State of Espírito Santo and was attended by 118 students from 6 classes of the 1st grade of high school at EEEFM José Pinto Coelho who collected data to calculate the flow of the Stream São Pedro that passes through the park of the Museum and behind the school. After the activities, the results revealed that students have difficulties in performing basic math calculations, arithmetic average, equations e unit conversion. In relation to climate change, it was possible to observe that the students presented a basic knowledge on the subject.

Keywords: Physics Teaching; Citizen Science; BNCC; High School; Climate

I. Introdução

O ensino de Física tem um papel crucial na formação de cidadãos conscientes e críticos e, quando alinhado às demandas sociais, pode promover não apenas o desenvolvimento do conhecimento científico como, também, a sensibilização e conscientização sobre questões relevantes da sociedade. Seu método de ensino pode ser repensado com o objetivo de adotar uma abordagem contextualizada e significativa que leve em consideração a vida cotidiana dos estudantes, através da utilização de recursos didáticos variados e adequados, tais como, experimentos, simulações computacionais e atividades práticas (Moreira, 2013). É importante ainda que, em momentos de extremo negacionismo científico como o que vivemos, o ensino seja pautado por uma perspectiva crítica e reflexiva, que leve os estudantes a questionar as concepções simplistas e reducionistas apresentadas como verdades absolutas, estimulando-os a pensar sobre a natureza da ciência e suas relações com a sociedade (Moreira, 2011). Nessa perspectiva, o professor deve buscar estabelecer conexões entre os conceitos físicos e as situações cotidianas vivenciadas pelos estudantes, de modo a tornar o ensino contextualizado e significativo (Moreira, 2002, 2003).A aplicação de uma metodologia ativa de ensino valoriza a participação e o protagonismo dos estudantes, promove o desenvolvimento de habilidades críticas e a aplicação de conhecimentos, promovendo a participação e capacidade de resolução de problemas, revelando-se uma abordagem efetiva para o ensino de Física (Marzano, 2017). Logo, os estudantes são levados a desenvolver habilidades críticas e aplicar conhecimentos para resolver problemas de forma autônoma, contribuindo para sua formação científica e cidadã (Bonwell e Eison, 1991; Freire, 1970). Por meio da compreensão e da ação em relação a questões sociais e ambientais, os estudantes podem se tornar cidadãos conscientes e capazes de contribuir para a construção de uma sociedade equilibrada e sustentável. Assim, o uso de metodologias que trabalhem conceitos de maneira efetiva e problematizadora, tem o potencial de alterar a visão do estudante sobre aulas de Física, em relação às aulas tradicionais. Para isso, é fundamental que o ensino de Física seja repensado, considerando que metodologias ativas, tal como, a ciência cidadã, que tem potencial de preparar os estudantes para enfrentar desafios da atualidade, refletindo, agindo e propondo soluções que possam mudar a realidade em que vivem (Zimmerman, 2008).Nesse contexto, as mudanças climáticas são um dos maiores desafios enfrentados pela sociedade atual e é essencial que os estudantes compreendam sua importância e sejam capazes de tomar ações para enfrentá-las. Segundo a ONU (2021), tais mudanças têm impactos significativos na saúde humana, na segurança alimentar, na biodiversidade e no meio ambiente, sendo que um dos ambientes afetados é a Mata Atlântica, um dos mais importantes biomas do mundo em termos de biodiversidade (ONU, 2021). O aumento da temperatura e a alteração das chuvas provocadas pelas mudanças climáticas têm causado desequilíbrios na fauna e flora, levando à perda de espécies e ao declínio da sua biodiversidade (Global Change Biology, 2019a), escassez de água (Gleick, 2014), mudanças na floração e frutificação (Global Change Biology, 2019b), aumento da incidência de incêndios florestais (Abatzoglou e Williams, 2016) e mudanças na distribuição de espécies (Global Change Biology, 2020). Quando partimos para a perspectiva dos impactos das mudanças climáticas sobre os padrões de precipitação, devemos ter atenção, pois sabemos que o território brasileiro é dotado de uma vasta e densa rede hidrográfica, com muitos de seus rios destacando-se pela extensão, largura ou profundidade. A vazão média anual dos rios brasileiros é de 179 mil m³/s, o que corresponde a aproximadamente 12% da disponibilidade hídrica superficial mundial (PBMC, 2013). Foram detectadas mudanças nos índices de precipitação, evapotranspiração, descarga e umidade do solo nas principais bacias hidrográficas nacionais brasileiras usando downscaling. A avaliação do orçamento médio anual da água, mostra uma redução projetada da disponibilidade de água em até 53% para o período 2071-2099 (Alvarenga et al., 2018). Esse cenário sugere que as mudanças projetadas tem relação direta com as mudanças climáticas e podem afetar o balanço hídrico de diversas maneiras, tais como, teor de umidade do solo, regime de armazenamento e descarga de águas subterrâneas, alterar ecossistemas, desastres naturais, redução da disponibilidade de água, risco de segurança da água doce, bem como afetar os gêneros alimentícios e de eletricidade (Alvarenga et al., 2018). Portanto há uma necessidade de uma avaliação aprofundada do potencial impacto das mudanças climáticas sobre os biomas e ao mesmo tempo sobre os recursos hídricos (Alvarenga et al., 2018). Paradoxalmente, estudos indicam que, em geral, o aquecimento global está causando um aumento da precipitação em regiões úmidas e uma diminuição da precipitação em regiões áridas, embora haja variações locais e regionais significativas (IPCC, 2021). A mudança nos padrões de precipitação, além de mudar os padrões naturais, pode ter graves consequências, incluindo riscos para a segurança alimentar, impactos na saúde pública e danos à infraestrutura e propriedade (Rosenzweig et al., 2018). Partindo desta problemática, a ciência cidadã tem sido amplamente reconhecida como uma forma eficaz de envolver o público na coleta de dados científicos e na tomada de decisões (Bonney et al., 2009). Quando se trata de mudanças climáticas, a ciência cidadã pode desempenhar um papel importante no monitoramento e compreensão dessas questões (Haklay et al., 2013). Por meio da participação da população em geral na coleta e análise de dados, a ciência cidadã pode auxiliar na conscientização sobre os impactos das mudanças climáticas e informar políticas e decisões relacionadas a essas questões. Além disso, a ciência cidadã pode ser uma forma de envolver as comunidades locais na adaptação e mitigação das mudanças climáticas, incentivando a colaboração e a ação coletiva (Wiggins et al., 2011).O ensino de Física, quando baseado na ciência cidadã, pode auxiliar na formação de cidadãos conscientes e engajados em relação às questões ambientais e a questões socioambientais, auxiliando na compreensão e tomada de decisões (Ratcliffe, 2003). Ao proporcionar uma formação que enfatize a reflexão, a compreensão e a ação em relação a essas questões, estudantes podem se tornar agentes de mudanças positivas, contribuindo para a construção de uma sociedade equilibrada e sustentável (Freire, 1970; Ratcliffe, 2003). Portanto, é fundamental propor atividades escolares no contexto da ciência cidadã, para que sejam tomadas medidas para mitigar as mudanças climáticas e proteger a Mata Atlântica, uma floresta vital para o planeta.

II. Referencial teórico

O estudo foi estruturado no formato de oficinas sobre Física embasadas em competências gerais da Base Nacional Comum Curricular - BNCC e na sensibilização social promovida pela Ciência Cidadã.

A. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC)

A BNCC é uma iniciativa do Ministério da Educação - MEC (Brasil, 2017) que estrutura a Educação Básica no Brasil, visando uma educação de qualidade através de competências e habilidades básicas que permitam aos estudantes alcançarem seu potencial acadêmico e desenvolverem suas habilidades sociais, culturais e profissionais. O conceito de competência incorporado pela BNCC (Brasil, 2017) tem enfoque no que os alunos "sabem" e no que eles "sabem fazer", considerando conhecimentos, habilidades, atitudes e valores (Brasil, 1996). O documento afirma que ao longo da Educação Básica, as aprendizagens essenciais definidas devem concorrer para assegurar aos estudantes o desenvolvimento de 10 competências gerais que consubstanciam, no âmbito pedagógico, os direitos de aprendizagem e desenvolvimento. Dentre as competências gerais definidas pela BNCC relevantes no contexto deste estudo, destacam-se as relacionadas ao conhecimento, pensamento científico, crítico e criativo, argumentação e comunicação que são articuladas à capacidade de resolução de problemas, trabalho em equipe, utilização de tecnologia de informação e comunicação, aplicação dos conhecimentos adquiridos e desenvolvimento de habilidades de cidadania (Brasil, 2017). A BNCC busca, também, fomentar os aspectos de responsabilidade e consciência ambiental (Brasil, 2017) relacionados ao estudo aqui apresentado. A BNCC fornece referências claras para o desenvolvimento dessas competências, com o objetivo de assegurar aprendizagens essenciais para a vida cotidiana, o pleno exercício da cidadania e o mundo do trabalho (Brasil, 2017). No que tange às habilidades específicas relativas à disciplina de Física no Ensino Médio, a BNCC ressalta: (Brasil, 2017): • o desenvolvimento da capacidade de conceber e aplicar modelos para explicar fenômenos físicos; • a compreensão da relação entre a Física e outras ciências, bem como sua importância para o desenvolvimento tecnológico e social; • a análise crítica de experimentos e resultados, buscando a confirmação ou rejeição de hipóteses; • e a utilização de conceitos e ferramentas matemáticas para representar e solucionar problemas relacionados à Física (Brasil, 2017, p. 549 - 562). Além disso, a BNCC destaca a importância de o estudante desenvolver habilidades de comunicação e colaboração, bem como a consciência ética e científica em relação à utilização da tecnologia e à tomada de decisões relacionadas às questões tecnológicas e ambientais. Portanto, se destaca como um documento fundamental para orientar a organização e o desenvolvimento do ensino de Física na Educação Básica brasileira, buscando garantir a formação de indivíduos críticos, capacitados e conscientes.

B. A Ciência Cidadã

A Ciência Cidadã é definida como uma abordagem interativa e participativa de pesquisa científica que envolve a comunidade na coleta e análise de dados (Smith & Anderson, 2018). De acordo com Roy et al., 2012, a ciência cidadã busca envolver a sociedade em projetos científicos, trazendo cidadãos para que colaborem na tomada de decisões sobre questões relevantes para a comunidade e na solução de problemas locais, construindo assim pontes entre a comunidade local e a ciência desenvolvida e, dessa forma, promovendo o engajamento público da ciência (Ferracioli et al., 2023) através de uma colaboração eficaz e uma compreensão mais aprofundada da ciência e da sua importância para a sociedade. A participação da comunidade na ciência é um aspecto importante desta abordagem, pois permite que cidadãos compreendam a questão básica da pesquisa científica sendo desenvolvida e participem ativamente da coleta e análise de dados (Brown & Wilson, 2020). Além disso, a ciência cidadã fornece dados valiosos aos cientistas sobre fenômenos e questões locais que podem ser de difícil acesso (Smith & Anderson, 2018), além do potencial de expandir nosso conhecimento do ambiente natural, incluindo o monitoramento biológico e a coleta ou interpretação de observações (Roy et al., 2012). A ciência cidadã mesmo que pouco mencionada e recentemente associada ao ensino de ciências, é utilizada em diversas áreas da ciência observacional, tais como, mudanças climáticas, espécies invasoras, biologia da conservação, restauração ecológica, ecologia populacional (Silvertown, 2009), biodiversidade, fenologia, meteorologia (Roy et al., 2012), monitoramento de águas (Brown & Wilson, 2020), identificação de espécies de plantas e animais (Smith & Anderson, 2018), avaliação da qualidade do ar (Brown & Wilson, 2020), astronomia (Lintott et al., 2008; Smith et al., 2011). A ciência cidadã não se limita apenas a estas áreas, em Física Moderna aplicada, por exemplo, existem projetos como o CERN@home, que permite aos participantes ajudarem a processar dados do experimento LHC no CERN, o Einstein@Home, que permite aos participantes usarem seus computadores pessoais para procurar sinais gravitacionais e o @Zooniverse onde os participantes classifiquem dados em vários campos, incluindo Astronomia, Biologia e História. Estes projetos revelam a amplitude da ciência cidadã em diferentes áreas de ciências da natureza e como ela pode ser uma ferramenta valiosa para a descoberta científica e para a compreensão da realidade (Dalziel, 2017) no contexto da Educação Básica. A ciência cidadã tem um grande potencial, pois engajamento e sentimento de controle sobre o processo científico é um poderoso motivador, mas é importante saber que a motivação de cada um pode variar, pois não é trivial projetar e desenvolver um projeto de ciência cidadã que atenda às necessidades de todos voluntários, o que muitas vezes pode tornar o processo falho. Desta forma, os projetos devem ser adaptados aos interesses e conjuntos de habilidades dos participantes e, compreender as motivações e expectativas, é crucial para desenvolver projetos de sucesso (Roy et al., 2012). Há uma série de riscos associados ao uso crescente de tecnologia inovadora na ciência cidadã pois que nem todos são capazes ou estão dispostos a utilizá-las ou muitas vezes têm um alto custo financeiro, de modo que a uso dessas inovações precisa ser avaliada para cada projeto individualmente (Roy et al., 2012). A maior parte da ciência cidadã envolveu uma abordagem contributiva e, geralmente, de observações coletadas em campo ou virtualmente. A participação voluntária em estudos ecológicos tornou-se um dos pilares da pesquisa voltada para a conservação da biodiversidade (Dickinson; Zuckerberg & Bonter, 2010), fato que sugere levar a ciência cidadã para a escola, alinhando os conceitos de Ciências da Natureza à temática mudanças climáticas e impactos ambientais, pode ser uma oportunidade especial para abrir caminhos de reflexão e sensibilização sobre a temática abordada.

C. A BNCC, a Física e a Ciência Cidadã

Considerando a área de Ciências da Natureza e suas Tecnologias, a BNCC propõe a abordagem dos temas gerais, relacionados a Física, Biologia e Química: Matéria e Energia, Vida e Evolução e Terra e Universo (BNCC, 2018, p.538). A Física, como uma disciplina escolar, tem como objetivo apresentar conhecimentos teóricos e promover habilidades práticas relacionadas ao estudo da Física Clássica, Moderna e Contemporânea, podendo incluir abordagens de perspectivas histórico-filosóficas. Por outro lado, a Ciência Cidadã é um movimento que busca envolver a sociedade na produção e difusão do conhecimento científico, tornando-a parte ativa e participante neste processo (Tweddle et al, 2012). A articulação dessas três perspectivas pode resultar em uma educação participativa e engajada, na qual os alunos possam desenvolver habilidades críticas e científicas através da resolução de problemas reais e da participação em projetos científicos (Schroeder et al., 2011). Assim, a Ciência Cidadã busca envolver o cidadão no processo de construção do conhecimento científico através dos passos do método científico. Por outro lado, as competências gerais da BNCC abordadas neste estudo, a saber, conhecimento, pensamento científico, crítico e criativo, comunicação e argumentação, privilegiam a sintonia com o método científico e, por decorrência, com os princípios da Ciência Cidadã. Essa articulação naturalmente se conecta com a abordagem da Física no Ensino Médio na perspectiva de que o Ensino de Física deve promover o pensar e fazer, a partir de uma questão básica e da articulação de aspectos conceituais e metodológicos, produzindo uma resposta à questão original e a avaliação da significância, utilidade e importância dos resultados encontrados (Ferracioli, 2005). Ao se envolver em projetos científicos, os alunos aprendem a colaborar com outras pessoas, a se comunicar de forma clara e objetiva e desenvolver sua autoconfiança (Silvertown, 2009). Ao mesmo tempo, eles também aprendem sobre os processos de investigação científica, desenvolvendo suas habilidades de pensamento crítico e solução de problemas (Kost-Smith et al., 2010). Alguns exemplos de projetos que envolvem estudantes de ensino médio, ensino de física e ciência cidadã incluem a medição da poluição luminosa (Helfert & Haas, 2015), o estudo da biodiversidade urbana e o monitoramento do clima (Silvertown, 2009). Estes são apenas alguns exemplos de projetos que podem ser realizados por estudantes do Ensino Médio, envolvendo Ensino de Física e Ciência Cidadã. É importante destacar que a Ciência Cidadã é uma área em constante evolução e novas oportunidades para a participação da sociedade na produção e difusão do conhecimento científico estão surgindo a todo momento. Em suma, a Ciência Cidadã pode ser usada para tornar o ensino de Física mais atrativo e significativo para os alunos, levando-os a se tornarem cidadãos informados e conscientes do papel da ciência na sociedade (Tweddle et al, 2012), uma vez que permite aos alunos aplicar conhecimentos teóricos em situações reais e desenvolver habilidades científicas de forma, prática, participativa e engajada (Schroeder et al., 2011).

III. Materiais e métodos

O estudo foi desenvolvido com o objetivo de promover a compreensão das Mudanças Climáticas e foi estruturado no formato de oficinas que foram realizadas tanto em sala de aula quanto no Parque do Museu de Biologia Prof. Mello Leitão (MBML), em Santa Teresa, Estado do Espírito Santo e contou com a participação de 118 alunos de 6 turmas da 1ª série do Ensino Médio da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio José Pinto Coelho que coletaram dados para o cálculo da vazão do Córrego São Pedro que passa pelo Parque do MBML e atrás da Escola.

A. Os Loci do Estudo

Localizada em meio aos 12,5% que restam da Mata Atlântica, um hotspot de biodiversidade, o município de Santa Teresa está a 80 km da capital do Estado do Espírito Santo, a 682 metros de altitude, na região Sudeste do Brasil. Fundada em 1875 por imigrantes italianos, é uma cidade de turismo de montanha e tem uma população de cerca de 24 mil habitantes (IBGE, 2021) e Índice de Desenvolvimento Humano Municipal - IDHM de 0,714, considerado elevado pela classificação do PNUD (2021). O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica - IDEB mais recentes, referentes a 2019, mostra que Santa Teresa atingiu a nota 6,4 no Ensino Fundamental II, superando a meta estabelecida pelo Ministério da Educação. Já no Ensino Médio, a nota foi de 4,8, ficando abaixo da meta estipulada (INEP, 2019). A Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio José Pinto Coelho (EEEFM JPC), fundada em 1970, está localizada na sede de Santa Teresa. Atualmente atende alunos do Ensino Fundamental II, do Ensino Médio, ensino técnico integrado, técnico em informática, educação de jovens e adultos e modalidade de tempo integral com ênfase em guia turístico. A escola é reconhecida por promover projetos educacionais inovadores e ofertar atividades extracurriculares complementares à formação dos alunos e é considerada uma das principais instituições de ensino da região tendo grande importância histórica para a cidade de Santa Teresa. O Museu de Biologia Prof. Mello Leitão (MBML) localizado no centro de Santa Teresa, possui 7,7 ha cobertos em grande parte por vegetação nativa da Mata Atlântica (Passos & Passamani, 2003) e abriga várias espécies de animais desse bioma. O acervo do MBML conta com 54 mil registros botânicos e 225 mil exemplares zoológicos (INMA, 2023). Neste espaço são desenvolvidas ações educativas visando sensibilizar as pessoas sobre a importância da preservação e conservação da natureza e da biodiversidade. Estas atividades têm o enfoque tanto em visitas escolares quanto no grande público que podem vivenciar exposições, oficinas e trilhas ecológicas. O MBML foi fundado em 1949 pelo agrônomo de formação e naturalista Augusto Ruschi (1915-1986), pesquisador de beija flores e orquídeas, consagrado como ativista ambiental e reconhecido nacional e internacionalmente na conservação e preservação da fauna e flora brasileira, especialmente da ameaçada e biodiversa Mata Atlântica (Gonçalves, 2021) o que lhe rendeu o título post mortem de Patrono da Ecologia no Brasil (Gonçalves, 2019). Atualmente o MBML é a sede do INMA - Instituto Nacional da Mata Atlântica que tem a missão de realizar pesquisa, promover a inovação científica, formar recursos humanos, conservar acervos e disseminar conhecimento nas suas áreas de atuação, relacionadas ao bioma Mata Atlântica, propiciando ações para a conservação da biodiversidade e a melhoria da qualidade de vida da população brasileira (INMA, 2021). A instituição é reconhecida por sua importante contribuição para a proteção da Mata Atlântica e para a sensibilização da população sobre a importância da conservação ambiental, sendo frequentada por cerca de 90 mil visitantes/ano, constituído de públicos escolares e grande público, além de visitas técnico-científicas (INMA, 2023).

B. A Oficina

Partindo de procedimentos de coleta de dados de pesquisa sobre Mudanças Climáticas desenvolvida no INMA - Instituto Nacional da Mata Atlântica (Silva, 2023), as oficinas foram desenvolvidas em três etapas ao longo de dois meses com 118 alunos da 1ª série do Ensino Médio da EEEFM José Pinto Coelho conforme apresentado na tabela I.

Tabela I Organização das etapas da Oficina de Vazão do Córrego São Pedro. 

Etapa Descrição Local Período
1 Avaliação dos conhecimentos prévios dos estudantes à respeito do tema mudanças climáticas EEEFM JPC 15/03/22 a 18/03/22
2 Coleta de dados da vazão do Córrego São Pedro MBML 22/03/22 a 31/03/22
3 Cálculo da vazão do córrego EEEFM JPC 04/04 a 08/04

C. Etapa 1 - Avaliação dos conhecimentos prévios dos estudantes

Entre os dias 15/03/22 e 18/03/22, em sala de aula, foi aplicado um questionário com o objetivo de diagnosticar o que os alunos entendiam sobre o tema Mudanças Climáticas. Em um dia os estudantes responderam as perguntas, em outro houve a resolução das questões e considerações sobre a atividade. Esta etapa teve duração de duas aulas por turma, sendo realizada em 3 dias por todas. Participaram desta etapa 118 estudantes de 6 turmas através de atividades acessadas via Google Formulários.

D. Etapa 2 - Coleta de dados da vazão do Córrego São Pedro no Parque do MBML

Os alunos iniciaram a coleta de dados da vazão do Córrego São Pedro no Parque do MBML no dia 22/03/22, Dia Mundial da Água, e foi encerrada no dia 31/03/22 com a distribuição das turmas nos turnos matutino e vespertino conforme a organização da tabela II.

Tabela II Organização dos dias de visitação ao MBML. 

Dia Turma(s) Horários
22/03 01M1 Chegada: 7:20 Saída: 9:20
01V2 Chegada: 13:10 Saída: 15:10
24/03 01M2 Chegada: 7:20 Saída: 9:20
01V1 INT e 01V1 GUI Chegada: 13:10 Saída: 15:10
31/03 01M3 Chegada: 7:20 Saída: 9:20

Inicialmente foi realizado um tour pelo Museu passando pelos principais pontos. Em seguida os estudantes foram para a ponte mais a montante do trecho do Córrego São Pedro que corre dentro do MBML. Foi executada a coleta de dados otimizando as características do local de estudo e a quantidade de alunos (Camilo de Jesus & Ferracioli, 2022). O procedimento utilizado para estimar a vazão foi o método do objeto flutuante (EPA, 1997; Palhares et al., 2007; FAO, 2023). A figura 1 mostra a organização da coleta de dados no trecho do Córrego São Pedro. As silhuetas cinzas representam alunos responsáveis por colocar o objeto flutuador à montante, as silhuetas escuras os alunos responsáveis pelo registro do tempo de deslocamento do objeto flutuador localizados em cada margem e, sobe a ponte, a silhueta cinza tracejada o aluno responsável por coletar o objeto flutuador à jusante. Os alunos que não atuaram nas ações demonstradas nas figuras realizaram registros de vídeo e foto com seus smartphones.

Figura 1 Esquema da coleta de dados no trecho do Córrego São Pedro, silhuetas cinzas, escuras e cinza tracejada representam os estudantes que participaram da coleta de dados. Tracejados em vermelho indicam área amostrada em ângulos distintos. 

Foram realizados 5 lançamentos utilizando limões como objetos flutuadores e preenchida uma tabela previamente elaborada com os valores de tempo de cada lançamento. Por fim, foram feitas medidas relativas ao perfil de profundidade e largura do leito do riacho.

E. Etapa 3 - Cálculo da vazão em sala de aula

Os alunos receberam instruções sobre como calcular a área média da seção transversal do córrego e como utilizar o resultado desta operação em conjunto com tempo médio em que o limão percorreu a extensão de 6 metros para estimar a vazão (figura 2). A atividade foi realizada em três aulas, onde cada estudante foi orientado a determinar o fluxo médio em litros por minuto. Foram envolvidos os conceitos de Mecânica de Fluidos da Física, Geometria Espacial e Estatística da Matemática (Camilo de Jesus e Ferracioli, 2022).

Figura 2 Recorte do roteiro de atividade disponibilizado aos estudantes para cálculo da vazão do Córrego São Pedro. 

IV. Resultados e discussão

Durante as etapas houve três momentos de atividades: o questionário diagnóstico, a participação na coleta de dados e o cálculo da vazão do córrego.

A. Questionário diagnóstico

O questionário diagnóstico apresentou 5 perguntas de múltipla escolha e uma discursiva, sendo que na primeira pergunta “Você já ouviu falar em Mudanças Climáticas?”, 112 dos 118 alunos responderam que sim e os outros 6 responderam talvez. Nenhum aluno respondeu que não. Diante dos resultados pode-se concluir que a maioria dos alunos já tinha algum conhecimento sobre mudanças climáticas, o que demonstra que o assunto tem tido divulgação significativa, o que é desejável dadas as severas perspectivas decorrentes. A tabela III mostra as outras 4 perguntas, de múltipla escolha presentes no questionário.

Tabela III Questões de múltipla escolha e o percentual das respostas certas. 

Questão Resposta certa Resposta errada mais frequente % acertos
(Brasil Escola) As mudanças climáticas estão ocorrendo e já é possível notar algumas modificações que provavelmente relacionam-se com a ação do homem na biosfera. Assim sendo, são necessárias ações urgentes para que nosso impacto no meio ambiente seja reduzido. Analise as alternativas abaixo e marque aquela que NÃO indica uma forma de deter o avanço das mudanças climáticas. Aumentar o uso de combustíveis fósseis Realizar frequentemente a regulagem dos carros 68%
(Brasil Escola) Muitas pessoas acreditam que as mudanças climáticas afetam exclusivamente a temperatura do planeta, provocando o aquecimento global. Entretanto, muitas vezes, essas pessoas esquecem que, ao aumentar a temperatura, uma série de organismos e ecossistemas são gravemente afetados. Observe as alternativas abaixo e marque a única que NÃO é uma consequência do aquecimento global. Aumento da frequência de terremotos Diminuição da biodiversidade 68,02%
(Enem 2009) Reunindo as informações contidas nas duas charges, pode-se inferir que: a destruição das florestas tropicais é uma das causas do aumento da temperatura no planeta os regimes climáticos da Terra são desprovidos de padrões que os caracterizem 69,4%
(Enem 2006) Com base em projeções realizadas por especialistas, prevê-se, para o fim do século XXI, aumento de temperatura média no planeta entre 1,4 ºC e 5,8 ºC. Como consequência desse aquecimento, possivelmente o clima será mais quente e mais úmido, bem como ocorrerão mais enchentes em algumas áreas e secas crônicas em outras. O aquecimento também provocará o desaparecimento de algumas geleiras, o que acarretará o aumento do nível dos oceanos e a inundação de certas áreas litorâneas. As mudanças climáticas previstas para o fim do século XXI poderão interferir nos processos do ciclo da água que envolvem mudanças de estado físico vão induzir o aumento dos mananciais, o que solucionará os problemas de falta de água no planeta 72%

Nestas questões que demandam aprofundamento, foram observados mais acertos, de 68% a 72%, do que erros. Contudo, fica evidente que 25% dos alunos responderam equivocadamente as questões. Este resultado implica que entre 28% a 32% das respostas não refletem adequadamente conhecimentos básicos que deveriam ter sido consolidados em etapas prévias da Educação Básica. As respostas equivocadas nos exercícios de múltipla escolha podem refletir a necessidade de ajustes no processo educativo, visando entendimento adequado de dinâmicas relevantes. Dentre as possíveis explicações para este cenário, é válido considerar as facetas do analfabetismo científico e negacionismo científico relacionadas às mídias sociais. Neste contexto, o alinhamento entre Ciência Cidadã e o ensino formal é fundamental não só para elucidar aspectos do entendimento científico, mas, também, para propor ações visando maior qualidade na compreensão de assuntos científicos relevantes a todos. Na questão discursiva os alunos foram solicitados a escrever 6 palavras ou expressões relacionadas a mudanças climáticas. Os resultados estão presentes na tabela IV.

Tabela IV Palavras e expressões escritas pelos alunos e suas respectivas frequências. 

Expressão chave Contagem Porcentual absoluto
Aquecimento Global 54 45,76 %
Chuva 46 38,98 %
Frio 42 35,59 %
Efeito Estufa 37 31,35 %
Calor 35 29,66 %
Secas 28 23,72 %
Desmatamento 25 21,18 %
Enchentes 19 16,10 %
Sol 17 14,40 %
Queimadas 17 14,40 %
Derretimento das geleiras 16 13,55 %
Furacão 13 11,01 %
Temperatura 11 9,32 %
Poluição 10 8,47 %
Chuva ácida 9 7,62 %
Raios 8 6,77 %
Massas de ar 6 5,08 %

A atividade discursiva oferece uma oportunidade de avaliar tópicos que, embora apropriados pelos alunos, demandam maior atenção. Isto pode ser constatado a partir de palavras ou termos pouco recorrentes, com frequência absoluta menor que 5 %: Desastres, Vento, Granizo, Combustíveis Fósseis, Terremotos, Gás Carbônico, Umidade, Frente Fria, Reflorestamento e Biodigestor (Camilo de Jesus & Ferracioli, 2022). Estes termos pouco frequentes, além de indicarem conceitos que poucos alunos os consideram no contexto de mudanças climáticas, refletem confusões no entendimento de tópicos não relacionados, como é o caso do uso da palavra Terremotos, que sintomaticamente, também foi fonte de erros na atividade de múltipla escolha. Por outro lado, termos mais frequentes refletem conceitos que por motivos variados aparentam estar mais assimilados pelos alunos. As três palavras ou expressões mais recorrentes na atividade discursiva, em termos absolutos foram: Aquecimento Global, Chuva e Frio. Para além de investigar o quão coerente o entendimento destes conceitos se dá para os estudantes, é valioso e oportuno considerar o quanto o contexto regional influi nessas escolhas, uma vez que localmente, existe a chance que o aspecto turístico de cidade montanhosa, alinhado com a forte tradição agrícola de muitas famílias pode ter caráter significativo na escolha destas palavras.

B. Coleta de dados no parque do MBML e cálculo da vazão

Foram realizadas medidas de deslocamento no córrego pelas turmas envolvidas conforme tabela V, assim como as medidas relativas ao leito do trecho do riacho utilizado na atividade apontada na figura 3.

Figura 3 Dimensões aproximadas do trecho do riacho utilizado para medir a vazão. Pequenos números correspondem às profundidades mensuradas em centímetros. 

Tabela V Amostra dos dados de deslocamento do objeto flutuador: Compilado obtido por estudantes de uma das turmas do dia 22/03/2022. 

Divisão das equipes Responsáveis Lançamentos dos alunos
Lançamento do limão Aluno 01 Aluno 02 Aluno 03 Aluno 04 Aluno 05 01 02 03 04 05
Medição do tempo de cima ponte Aluno 06 11,12 12,48 13,43 12,32 12,84
Aluno 07 11,10 10,88 12,98 11,05 12,95
Aluno 08 11,07 11,49 12,85 11,22 13,40
Aluno 09 10,64 11,09 12,33 11,15 12,26
Aluno 10 10,29 11,15 12,46 10,97 12,48
Medição do tempo da lateral esquerda Aluno 11 11,31 11,10 10,69 11,63 12,27
Aluno 12 11,70 10,86 11,86 10,82 12,33
Aluno 13 10,77 11,76 11,57 11,54 12,18
Medição do tempo Da lateral direita Aluno 14 11,50 11,84 13,11 11,56 13,32
Aluno 15 11,44 11,56 12,93 12,05 13,34
Aluno 16 11,79 11,84 13,33 11,88 12,27
Coleta do limão Aluno 17
Registro de imagens Alunos restantes

A figura 4 nos mostra como ocorreu a atividade de coleta de dados, 5 estudantes estão posicionados às margens da montante, os demais em cima da ponte à jusante, o professor responsável na margem próximo a ponte e o orientador dentro do riacho, exemplificando como funciona o método do objeto flutuante.

Figura 4 Oficina de coleta de dados no riacho que passa dentro do parque do MBML. 

Os cálculos utilizando os dados obtidos em campo - tabela V e figura 3, resultaram em estimativas de vazão ao redor de 15 mil litros por minuto. Dos 118 alunos, 78 executaram as operações e concluíram a atividade, sendo que os 40 alunos que não fizeram, não seguiram o roteiro ou não se interessaram em realizar a atividade. Dentre os 78 que concluíram, 43 realizaram adequadamente e chegaram a uma resposta de vazão próxima de 15 mil litros por minuto, já os 35 restantes conseguiram finalizar, mas erraram nas unidades de medidas e chegaram a uma resposta incorreta. Uma vez que quase metade dos alunos realizaram cálculos incorretos, observa-se dificuldades em seguir o roteiro explicativo, realizar cálculos de matemática básica, média aritmética, equações e conversão de unidades: estas constatações apontam conteúdos que demandam enfoque especial. Por outro lado, percebeu-se que a prática da ciência cidadã estimulada por atividades de pesquisas dentro do Museu de Biologia propiciou aos alunos uma visão ampla e significativa dos conteúdos de Ciências da Natureza e Matemática, talvez pelo fato de que a teoria e prática estavam devidamente articuladas e o estudante conseguiu observar, empiricamente, uma utilidade naquilo em que está fazendo (Camilo de Jesus & Ferracioli, 2022). Além disso, as asserções de valor, aquilo que o aluno aprende de mais importante, podem ser considerados os pontos que mais relevantes na oficina (Ferracioli, 2005).

V. Considerações finais

A realização de uma oficina de Física em um curso d'água dentro de um Museu de Biologia em um instituto de pesquisa com enfoque em ciências naturais de um bioma ameaçado, ofereceu uma oportunidade ímpar para que os estudantes empregassem conceitos de Física a situações do mundo real. Além disso, propiciou uma experiência ao procedimento científico e na vivência com um pesquisador em ação, permeado pela investigação prática utilizando conceitos que estão aprendendo teoricamente, o que pode auxiliar no engajamento efetivo nas atividades relacionadas à Física em direção a uma aprendizagem significativa (Ausubel, 2003). Além da experiência prática e imersiva, a oficina pode oferecer aos estudantes uma oportunidade de se envolverem em uma atividade no contexto da ciência cidadã, onde os estudantes foram levados a vivenciar os passos do processo de construção do conhecimento científico e a importância da ciência na sociedade (BNCC, 2018). Esta experiência pode favorecer uma conectividade e engajamento com as questões científicas que afetam suas vidas cotidianas e aprender a contribuir ativamente para a solução de problemas da sociedade contemporânea (Tweddle et al, 2012), como as mudanças climáticas. Concomitantemente aos aspectos relativos à ciência cidadã, esta investigação mediou a assimilação de conceitos de Física no estudo da relação entre a velocidade da água e a seção transversal do córrego. Os resultados da Oficina Vazão do Córrego São Pedro apontam para o fato de que, em atividades experimentais dentro de um ambiente diferente da escola, partindo da perspectiva da ciência cidadã podem oferecer uma oportunidade para um maior engajamento na ciência da escola quando comparado a uma aula expositiva tradicional, talvez pelo fato do aluno vivenciar um ambiente diverso ao da escola. Atividades como esta devem ser planejadas com maior frequência e cuidado como aponta Roy et al. (2012), partindo do princípio que é importante que o estudante esteja envolvido de forma explícita com o método científico e que esteja fora do ambiente da sala de aula. Além disso, diante das mudanças no clima e ecossistemas, esse tipo de oficina parece constituir em uma ferramenta relevante para o desenvolvimento tanto intelectual quanto experimental. Portanto o projeto em geral, buscou através da coleta e análise de dados, uma porta de entrada para conscientizar jovens sobre a necessidade de buscar medidas que possam reduzir os danos antrópicos acumulados durante anos, visando melhorar a qualidade de vida desta e das próximas gerações (Camilo de Jesus & Ferracioli, 2022). Por fim, os resultados deste estudo revelam que a articulação de conteúdos da Física na perspectiva das diretrizes da BNCC e articulados aos princípios da Ciência Cidadã pode ser promissora na medida em que se desenvolvam novos estudos abrangendo distintas temáticas relacionadas à Física da Educação Básica.

Agradecimentos

Trabalho parcialmente financiado pelo CAPES, CNPq & MCTI. Agradecimento especial à Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio José Pinto Coelho e ao Instituto Nacional da Mata Atlântica (INMA) pelo lócus de realização deste trabalho.

Referências

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Recibido: 14 de Marzo de 2023; Aprobado: 06 de Abril de 2023

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