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Historia de la educación - anuario

versión On-line ISSN 2313-9277

Hist. educ. anu. vol.9  Ciudad autonoma de Buenos Aires. dic. 2008

 

O desconhecimento de si Reflexões acerca da historiografia da educação na América Latina1

 

José Gonçalves Gondra2

 

Retomo nesta mesa, partes da introdução de um debate promovido no âmbito do IV Congresso Brasileiro de História da Educação, ocorrido na Cidade de Goiânia em novembro de 20063, que contou com a participação dos profs. Dermeval Saviani (UNICAMP- Brasil) e Adrián Ascolani, da Universidade de Rosario (Argentina)4.
De início quero chamar atenção para dois aspectos do título escolhido para designar esta mesa: "Historiografía de la Educación en América Latina:balances y desafíos". Trata-se da própria idéia de articular a realização de balanços da produção com os desafios enfrentados no campo em nosso presente, tomando como referência o que vem sendo feito em termos de história da educação na América Latina.
Inicialmente, gostaria de defender a tese de que a elaboração dos diagnósticos pode ser descrita sob as marcas da incompletude e da provisoriedade. Creio não ser possível um balanço total, tampouco definitivo da produção de um dado campo intelectual, se entendemos que os diagnósticos são perspectivados e os campos de saber são móveis em virtude dos movimentos e das forças que o integram e o redefinem permanentemente, sem que seja possível definir de antemão e de modo pleno o ritmo e a direção a ser assumida em cada domínio5?
No caso particular desta mesa, a incompletude e provisoriedade ficam ainda mais estampadas quando observamos a rarefação dos estudos que procuram examinar o desenvolvimento das pesquisas em história da educação na América Latina. Outro aspecto que reforça os traços de incompletude e provisoriedade é acentuado no nosso caso, já que a unidade da AL, a existência de uma história comum, é apenas suposta, se constitui em grande ilusão, posto que a designação AL descreve povos com experiências culturais ex tremamente diversificadas, o que certamente tem impacto nas experiências educativas desenvolvidas em cada local e nas representações que constróem de si e dos Outros6. Pretendo voltar a este diagnóstico na segunda parte do texto, como forma de demonstrá-lo e defender a necessidade de desenvolvimento de programas de pesquisa comuns que nos liberte do estado atual, ocasião em que apresentarei algumas possibilidades que podem auxiliar na construção de um outro sistema de referências no que se refere ao saber que possuímos acerca da história da educação latinoamericana.

A arte de explorar um campo e seu funcionamento

Realizar balanços de um campo intelectual implica conhecer o que nele vem sendo feito. Trata-se de reconhecer os balanços já produzidos, criando condições para diagnosticar o ponto e o estado em que nos encontramos neste tipo de esforço para, então, debater a necessidade de ultrapassagem, as possibilidades para efetivar este gesto de deslocamento, pensando igualmente as direções que o mesmo pode vir a assumir. Trata-se, portanto, parafraseando Walter Benjamin (1987), de agir como o homem que escava, voltando aos fatos, espalhando-os como se espalha a terra, revolvendo-os como se revolve o solo. Escavação que deve seguir planos, sendo igualmente indispensável "a enxadada cautelosa e tateante na terra escura". Trabalhar neste registro, isto é, pensar a necessidade, possibilidade, condição e direção da ultrapassagem exige escavar o solo geral dos balanços, a partir de planos previamente pensados, mas também de enxadadas tateantes. Neste sentido, uma indagação precede o desafio da escavação que pretendi desenvolver: Como descrever a prática dos balanços?
Termos como "estado da arte, inventário, censo, cartografia, diretório, repertório, mapa e panorama" configuram um vocabulário que vem sendo empregado para descrever a ação promovida pelos diversos campos disciplinares para "exumar os seus procedimentos efetivos", como diria Certeau (1982). Este desenterrar dos procedimentos efetivos de uma disciplina consiste, para este autor, no único meio de torná-los precisos, na medida em que põe em cena os produtos, mas também as contingências que os têm produzido. Visibilidade que problematiza a ilusão daqueles que, no gesto de escavar ou tirar da sepultura, promovem apenas o "inventário dos achados", não sabendo assinalar no terreno de hoje o lugar no qual é conservado o velho, como diria Benjamin (1987, p. 239). Com isto, cabe reconhecer "o balanço" como prática canônica do campo científico, desenvolvida em vários domínios da ciência e também no campo da história da educação, no Brasil e no exterior. Esta arte de explorar um campo e seu funcionamento supõe trabalhar com o esforço de reconhecer o velho, o já existente, as tradições neste tipo de reflexão como condição para discutir a necessidade, possibilidade,condição e direção da ultrapassagem.
Pensar uma história dos "balanços" produzidos em um campo bem determinado, como o da história da educação, consiste em ação a ser feita com base no manejo das matérias que compõem o solo deste campo, suas camadas, partículas e produtos. Matérias, cujo contato nos leva a interrogar o velho, o já feito, já escrito, como estratégia para fazer expandir, dilatar e estender a compreensão que temos do hoje e de nossa breve experiência humana. Portanto,é sobre os restos, este humus depositado materialmente na escrita que incidem os balanços produzidos (e a produzir). Como vem sendo afirmado pelos que têm se dedicado a este tipo de prática, o humus com os quais temos trabalhado é heterogêneo. Algumas evidências de suas diferenças são perceptíveis, por exemplo, no tipo de questionário que tem orientado os balanços: uma região, um período, um tipo de documento, uma modalidade de instituição, uma forma educativa ou mesmo da perspectiva que preside a constituição das matérias postas em exame. No entanto, esta observação correria o risco de ser vista apenas como mais um "inventário dos achados", carregando consigo, ainda que alguma luz, os limites do jogo do reconhecimento e da pura e simples enumeração, como já assinalado. O exercício desenvolvido nestes termos parece ser insuficiente para se pensar a polimorfia dos balanços. Trabalho com a hipótese de que a reflexão acerca da diversidade de formas dos "balanços" se torna ampliada quando temos o cuidado de observar a variedade dos critérios empregados na composição dos questionários orientadores dos "balanços" e de suas séries documentais e períodos a que se referem, tanto quanto na institucionalização desta arte, das lentes e ferramentas adotadas pelos produtores deste tipo específico de produto.
Admitir a multiplicação das formas dos balanços supõe considerar uma outra característica deste tipo de prática: a escala. Para tanto, parto da hipótese de que todos fazemos balanços; que todo e qualquer levantamento das coisas ditas a respeito de um determinado objeto pode ser considerado um "balanço". Este se faz de modo mais ou menos extenso em virtude do seu estatuto, função e/ou exigência que pretende atender. Nesta linha de raciocínio, tornar-se-ia possível identificar um gradiente dos balanços, como os trabalhos produzidos em disciplinas, artigos em congressos e revistas, monografias, dissertações, teses, livros, até os textos autodesignados como balanços7. Assim, me parece que o exame de cada produto também deve vir combinado com o estudo de sua destinação, como condição para se analisar sua orientação, finalidade e posição do mesmo na escala em que ele necessariamente se encontra inscrito.
De algum modo, esforços no sentido de se mapear e debater a produção de história da educação já vem se processando no que diz respeito à Europa8 e Américas9, remetendo simultaneamente ao que ignoramos ainda mais, isto é, o que se processa em termos de história da educação nos vastos e desconhecidos mundos do Oriente Médio, África, Oceania e Ásia.
No que diz respeito à América Latina, gostaria de destacar três esforços com características de balanço, desenvolvidos recentemente. O primeiro resultou em um dossiê organizado por Gabriela Ossembach e foi publicado na Revista Paedagogica Histórica em 2000, contendo um texto geral da organizadora e estudos dos casos da Argentina, México, Colômbia e Brasil. O foco é lançado sobre a questão do desenvolvimento da história da educação nos países selecionados. Os dois últimos não incidem precisamente sobre a questão da escrita da história, mas podem ser compreendidos como iniciativas que permitem desenvolver um conhecimento do fenômeno da educação nos casos estudados, dando a ver uma historiografia existente em cada país, ainda que não exaustiva. Considerando este aspecto, o segundo esforço, resultou em dois volumes organizados por Olga Lucia Zuluaga Garcés e Gabriela Ossembach e publicados na Colômbia em 2004. O volume I trata da gênese e desenvolvimento dos sistemas educativos na iberoamérica no século XIX e, o volume II trata da modernização dos sistemas educativos no século XX. As experiências analisadas nos dois volumem abordam seis casos: Espanha, Colômbia, Portugal, Argentina, México e Brasil. O terceiro caso, de 2007, também se refere a uma coletânea, neste caso, organizada por Eugenia Roldán Vera e Marcelo Caruso. Neste volume, o leitor acessa uma reflexão acerca da construção dos Estados Nacionais na América Latina, a partir dos casos do Equador, El Salvador, Peru, Haiti, Colômbia, Brasil, México e a região do Rio da Prata (Argentina, Uruguai e Paraguai).
Ao fazer este comentário inicial, procuro reconhecer algumas iniciativas e deixar indicadas algumas dificuldades deste tipo de exercício e, portanto, os limites do que pode ser dito no ponto em que o campo se encontra e no ponto em que me encontro em relação a esta espécie de reflexão. Deste modo, trata-se de pensar a escrita da História da Educação, desafiando as fronteiras do já sabido para forjar o que ainda não foi pensado, não foi expresso ou que merece ser mais bem discutido e, também, o que ainda precisa ser mantido no horizonte de nossas reflexões. Pela negativa, supõe considerar aquilo que já poderia ser abandonado neste tipo de fazer.
Para trazer uma contribuição relativa aos balanços e desafios da Historiografíade la Educación en América Latina, vou tomar por referência a produção disseminada pela Revista Brasileira de História da Educação10, condição para ser promover um diagnóstico parcial desta produção, a partir do qual podemos pensar em alguns desafios enfrentados pelos pesquisadores de história da educação dos países latinoamericanos. Se a RBHE se constitui em corpus documental fértil, como procurarei demonstrar, este também institui limites à reflexão, posto que recobre uma parte muito reduzida da vasta produção brasileira. Neste sentido, ao trabalhar com a produção disseminada na RBHE reconheço, de antemão, que estou estabelecendo um ponto de observação que possui limites, pois remete a uma fração qualificada, mas reduzida do que vem sendo produzido nacionalmente. Ainda assim, estou trabalhando com a tese de que a série dos artigos da RBHE pode funcionar como um extrato que fornece bons indicadores da direção da pesquisa em história da educação em curso no Brasil. Portanto, estou chamando atenção para o caminho adotado, como um sinal de advertência para os riscos associados ao enquadramento constituído, o que deve ser tomado como um problema, como um perigo que ronda as reflexões que passo a expor acerca dos desafios da historiografia da educação na AL.

Desafios da historiografia da educação na América Latina

Periódico oficial da SBHE, a Revista Brasileira de História da Educação teve seu primeiro número publicado em 2001, contando, até o momento11, com 13 números publicados e um total de 94 artigos12. Neste periódico, é possível evidenciar a presença de autores de várias instituições do Brasil e do exterior. Neste caso, vale observar que todos os artigos do primeiro número são de autores estrangeiros, especialmente convidados para compor o número inaugural do periódico. Quanto ao universo temático da RBHE, observa-se a produção de recortes bem específicos, como a questão da história do livro e da leitura, idéias pedagógicas, profissão docente, disciplinas escolares, debate teórico-metodológico, negros, público e privado, ensino de história da educação, tempos escolares e arquivos, por exemplo. Neste caso, é possível observar um alargamento temático, foco em períodos distintos, o que implica redimensionamento das fonte e recusa às explicações monocausais e geométricas como marcas da produção que vem sendo disseminada neste periódico.
Agregável a esses elementos, como condição para tornar pensável os estudos no campo da educação e da sua história no Brasil, também devemos levar em consideração a expansão e consolidação da pesquisa na área da educação, via programas de pós-graduação, criação de agências de financiamento e associações de diferentes alcances, bem como o assentamento do ensino de história da educação nos cursos de graduação e na pós-graduação. No que se refere à AL, a institucionalização da história da educação e a realização de eventos regulares específicos, dentro e fora do país também podem ser
observadas, consultando-se, por exemplo, a página da Sociedad Argentina de Historia de la Educación13 (http://www.sahe.org.ar). Para os casos espanhol14 e português15, consultar http://www.sc.ehu.es/sfwsedhe/ e http://www.spce org..pt/she/, respectivamente.
O exame do movimento verificado no domínio da história da educação não pode ser apartado dessas condições mais gerais e uma compreensão rigorosa dessa história recente encontra-se associado, portanto, a um compromisso de compreender a vitalidade da área, inscrevendo-a em um campo de forças complexo, móvel e variável de país da país e mesmo dentro de instituições da cada país.
Isso posto, como e em que grau tais elementos podem nos auxiliar na compreensão da produção no domínio da história? Acredito que há um conjunto de indícios que atestam a renovação da pesquisa histórica e da pesquisa educacional, em um quadro de crise dos modelos de inteligibilidade dominantes até então. Crise que vem solapando determinados fundamentos e instituindo uma forma de reflexão que procura compreender o fenômeno da educação inscrito em um ponto, cortado por forças distintas e desiguais, que termina por configurar o próprio campo de modo indeterminado e provisório. Deslocamento que passou a exigir revisão de fundamentos teóricos, com efeitos na definição de objetos, fontes, periodização, bibliografia e na própria escrita, por exemplo. De um fenômeno cuja explicação já se encontrava contida na história econômica e/ou na história política, e daí deduzida, a história da educação passou a reivindicar uma certa autonomia do fenômeno educacional, o que tem feito a tradição historiográfica determinista ceder lugar à problematização dos objetos e aparecimento de novas abordagens e problemas, provocando um deslocamento no campo e fazendo aparecer outros "perigos". Em um plano geral, é este movimento que vem se processando na AL, ainda que se careça de estudos que indiquem e analisem as configurações que tal movimento vem assumindo localmente.
Nesta linha, o movimento de renovação da pesquisa na área de educação e de história da educação tem feito aparecer novos problemas. Um deles certamente remete aos jogos de circulação e apropriação praticados na área. Muitas vezes, o uso de determinados autores se dá de modo esquemático, submetido a uma arte utilitária e pragmática. De outra parte, esta talvez seja até mais comum e mais grave, o emprego de determinados autores e obras na pesquisa educacional se encontra presidido pelo princípio do "argumento de autoridade", especialmente quando se trata de autores "da moda".
Para efeitos deste trabalho, vou enfatizar a questão da circulação de referências para a pesquisa em história da educação, tomando por base aquilo que passo a designar de "biblioteca" dos historiadores da educação que apresentaram e tiveram seus trabalhos publicados na RBHE, ao longo destes seis anos.

A biblioteca dos historiadores da educação na RBHE

A RBHE publicou16 13 números, entre 2001 e 2007, totalizando 94 artigos, 25 resenhas e sete notas de leitura. Para efeito deste texto, vou trabalhar com os 94 artigos. Deste corpus documental, destaquei 3 aspectos para examinar as relações que temos estabelecidos com a América Latina e com o mundo ibérico, de modo mais geral. Neste sentido, em uma testagem primeira, procuro responder a uma tripla indagação: que países, instituições e livros têm estado presente nas páginas da RBHE.
No que se refere aos países e instituições, os quadros 1 e 217 oferecem uma visão geral do pertencimento institucional dos autores que tiveram seus trabalhos aceitos pela RBHE:

Quadro I - Proveniência dos artigos publicados na RBHE

Quadro 2 - Proveniência dos artigos brasileiros publicados na RBHE

Como é possível observar, fora da América, à exceção de um único artigo proveniente dos EUA, o diálogo evidenciado nas páginas da RBHE se faz com alguns países europeus, com destaque para Portugal e França. No primeiro caso, este traço pode ser compreendido por meio de recentes relações de trabalho estabelecidas com grupos de pesquisadores do Brasil e Portugal, cujo acontecimento mais relevante se traduz na organização bilateral dos Congressos Luso-Brasileiros de História da Educação, acontecimento que, por sua vez, tem favorecido a construção de outros programas de pequisa, apoiados em programas especiais que tem aprofundado esta aproximação, como o CAPES-GRICES, os pós-doutorados e doutorados sanduíches, ainda que o fluxo dos brasileiros em Portugal seja amplamente superior ao inverso. Caberia ainda ressaltar que, neste caso, o estímulo a tais iniciativas também se vê beneficiado pela inexistência de uma barreira lingüística20.
No que diz respeito o mundo ibérico, a relação também se faz mais visível pela presença de pesquisadores portugueses que foram subtraídos para efeito deste estudo. Com isto, a Revista conta com contribuições do México, Espanha e Argentina. Neste caso, ainda vale sublinhar que a presença mexicana deve-se, sobretudo, ao dossiê "Tempos sociais, tempos escolares", organizado conjuntamente por Lucía Martinez Montezuma e Maria Cristina Soares de Gouvêa, publicado em 2004, no qual aparecem 4 dos cinco artigos mexicanos disseminados na RBHE. Ainda que a presença de grande parte dos artigos estrangeiros publicados na RBHE pode ser atribuída às relações que brasileiros possuem com a comunidade internacional, sendo o dossiê o único que deriva de ação de pesquisadoras de dois países21. O caso da Espanha também merece uma nota, na medida em que 2 dos 3 artigos foram publicados no número inaugural da revista. No que se refere à Argentina, um dos artigos também foi objeto de publicação no número inaugural, de 2001.
O que estas observações preliminares a respeito das proveniências dos artigos disseminados na RBHE nos levam a pensar? A que atribuir a baixa participação de pesquisadores latinoamericanos na RBHE? Como pensar este fenômeno? Desconhecimento da existência e da possibilidade de se valer desta forma de difusão? Ausência de tradição da pesquisa em história da educação na AL? Falta de legitimidade/credibilidade do periódico brasileiro junto à comunidade da América Latina? Ausência de programas de trabalho conjuntos, que aproxime os historiadores da educação da América Latina? Problemas na internacionalização dos saberes acadêmicos na própria América Latina? Trata-se de um problema decorrente do corpus documental aqui constituído? Ao se operar com outras fontes como, por exemplo, os anais dos Congresos Iberoamericanos e dos periódicos de outros países, seria possível desenhar um quadro distinto? Trata-se do estágio de desenvolvimento da disciplina e organização do campo da história da educação na AL22? Seria isto decorrente de uma estratégia dos historiadores da educação da AL?
Considerando os limites da base documental a partir da qual elaborei as questões que estou apresentando, gostaria de assinalar que trabalho com a hipótese que o diagnóstico da rarefação do diálogo entre pesquisadores de história da educação da AL não deriva de causa única, nem primordial. Quero defender a idéia de que a combinatória dos problemas brevemente enunciados pode ajudar a compreender o quadro que temos em nosso horizonte. Se esta afirmação procede, em alguma medida, cabe indagar os efeitos decorrentes, por exemplo, de iniciativas como a da realização de oito edições dos Congresos Iberoamericanos de História da Educación Latinoamericana. Como o mesmo tem contribuído para o conhecimento mútuo do que vem sendo feito em termos de estudos históricos na AL? Em que medida este conhecimento mútuo tem favorecido novas iniciativas de pesquisa? Como estas pesquisas desenvolvidas por rede de pesquisadores da AL têm sido divulgadas para um público mais extenso? Que impacto tem provocado na expansão do que sabemos sobre cada país e sobre a experiência educativa na AL de modo mais geral? Como tornar a produção dos Iberos acessível para a comunidade acadêmica?
No que diz respeito à America Latina, se as evidências das proveniências e da condição de publicação de autores da AL na revista funciona como recurso para atestar a tese da rarefação do saber e trabalho mútuo no âmbito desta comunidade, elas se vêm reforçada quando examinamos outros extratos da base material com a qual estou trabalhando.
Examinando outra camada dos 94 artigos publicados na RBHE, a coleção de artigos de autores da AL foi publicada em língua materna, o que se constitui em sinal importante da vontade de aproximação entre a RBHE e o mundo castelhano. Ao lado deste primeiro destaque, cabe observar que os autores do mundo iberoamericano que divulgaram seus trabalhos na RBHE ao dialogarem com uma literatura publicada no exterior de seu país, não estabelecem relações com a produção de brasileiros e pesquisadores do mundo lusófono.
Nos 10 artigos publicados em castelhano23, temos uma biblioteca mista no que se refere a orientações teóricas, procedimentos, pertencimentos institucionais e objetos tratados, como era de se esperar. Para se ter uma idéia inicial, estamos falando de uma biblioteca com 149 autores, sendo que destes 115 são da mesma nacionalidade do autor do artigo e 34 de estrangeiros. Neste conjunto, a ausência de autores portugueses merece ser sublinhada, especialmente no caso de brasileiros. Quando há uma referência à livros brasileiros, isto ocorre quando o autor tem um texto em livro organizado por autores brasileiros e publicados no Brasil. Um exemplo é o do nosso amigo Adrián Ascolani que, no artigo publicado no número 1 da RBHE, cita o livro História da Educação - perspectivas para um intercâmbio internacional24. Outro exemplo, fora da AL, consiste no artigo de Jean Hébrard, no qual faz referência ao livro Refúgios do eu25; no qual há um artigo de sua autoria intitulado Por uma bibliografia material das escrituras ordinárias: a escriturapessoal e seus suportes.
Neste registro, é possível afirmar de modo contundente de que os autores brasileiros são citados quase que exclusivamente por brasileiros. Já as referências a autores de outros países remetem, sobretudo, a autores de países europeus, destacadamente aos franceses, o que nos faz indagar acerca desta recorrência e dos efeitos que representa na definição dos problemas de pesquisa e dos procedimentos operatórios.
O que mais podemos pensar com base neste quadro geral? O diagnóstico da expansão da pesquisa e das formas de disseminação, inclusive no exterior, ainda não aparece nos artigos publicados na RBHE, posto que o diálogoé desequilibrado, fato ainda mais forte quando consideramos que os autores estrangeiros ao publicarem no Brasil conhecem a revista, mantém algum tipo de relação com pesquisadores brasileiros e têm acesso a alguma coisa do que se produz no Brasil. No entanto, ainda assim, é possível observar que a expansão da produção vem acompanhada de uma rarefação severa no que se refere ao diálogo dos estrangeiros com autores brasileiros, ainda que o inverso não seja verdadeiro. O que produz tal fenômeno e o que pode ajudar a compreendê-lo?
Um fator que pode estar contribuindo para esta desigualdade se constitui na condição primeira para a existência do diálogo que é o conhecimento da língua portuguesa ou dos investimentos de tradução dos trabalhos produzidos no mundo lusófono para línguas mais disseminadas, como o inglês e francês. Quero crer que este fator deveria ter um efeito mais agudo no mundo anglófono e francófono, mas as evidências extraídas da RBHE também indiciam o fator lingüístico como uma barreira igualmente presente na comunidade latinoamericana.
Outro elemento que ajudaria a pensar o desequilíbrio no regime de referenciação diz respeito aos objetos. Até que ponto os objetos estudados no mundo lusófono não interessam ao que se passa no exterior deste mundo? Neste caso, me parece que os investimentos incipientes dos estudos comparados no campo da educação ajudam a compreender a restrição no modo de abordagem dos diferentes objetos, via de regra circunscritosà dimensão nacional e, na esfera das experiências nacionais, os estudos têm se voltado para casos cada vez mais particulares, cada vez mais isolados. Há indícios de uma forma de operar cada vez mais recortada, voltada para níveis cada vez mais microscópicos, como forma de dar visibilidade ao local, particular, celular. No entanto, já é possível problematizar alguns resultados da pesquisa em história da educação que têm realizado uma apropriação específica da chamada microhistória, sem considerar as variações de escala e suas complexas relações como condição para tornar pensáveis as experiências ordinárias, como proposto por alguns defensores da microanálise do social. Para enfrentar este problema, vale lembrar que, para Revel (2000), a inteligência de um dado fenômeno não pode ser apreendida apenas no nível local. Para ele, os acontecimentos são, naturalmente, únicos, mas só podem ser compreendidos, até mesmo em sua particularidade, se forem restituídos nos diferentes níveis de uma dinâmica histórica26.
De modo assemelhado aos objetos e a ele diretamente relacionado, temos o problema da periodização, na medida em que o fenômeno educativo, por mais que tenha sido disseminado, ele o foi segundo ritmos e temporalidades específicas. Aqui também, os poucos investimentos no plano da comparação entre as experiências locais parece se constituir em obstáculo para observar as homologias e diferenças no que diz respeito à história da educação nos países da AL.
Por fim, tais obstáculos também se encontram associados à inexistência de equipes de trabalho internacionais que congreguem de modo mais sistemático pesquisadores de diferentes países da AL, ainda que haja iniciativas pontuais e outras mais recentes27.
Outro aspecto que precisa ser considerado diz respeito às condições de trabalho a que os pesquisadores da AL se encontram submetidos. A pressão constante e continuada pela elevação dos padrões de produção e de qualidade, com efeitos na criação e consolidação de redes de pesquisadores no plano internacional precisa ser dimensionada. Via de regra, qualquer esforço nesta direção se constitui em trabalho adicional, sem contrapartidas locais que apóiem e estimulem este tipo de ação. A questão que se põe é como responder às atribuições de ensino, pesquisa e orientação que não foram alteradas e, ao mesmo tempo, atender à nova e crescente pressão existente no campo intelectual?
A combinatória desses fatores certamente tem obstruído a abertura dos canais de conhecimento do que se faz em cada comunidade, as possibilidades de articular os estudos já desenvolvidos e também tem dificultado a elaboração de programas de trabalho comuns e o aprofundamento das reflexões em relação aos princípios operatórios que têm orientado a pesquisa em história da educação na AL.
Para finalizar, gostaria de precisar um pouco mais as evidências gerais acerca do desconhecimento que temos de nós mesmos. Para trazer novos elementos para este debate, para torná-lo visível a partir de outro ângulo, vou explorar a biblioteca dos latinoamericanos que publicaram artigos na RBHE. A biblioteca dos 7 pesquisadores da AL se encontra associada, como era de se esperar, aos objetos e períodos privilegiados por cada um e apresenta a seguinte configuração e distribuição ao longo dos 13 números do periódico.
O primeiro artigo proveniente da AL, como já assinalado, veio da Argentina, publicado no n. 1 da RBHE, em 2001, assinado por Adrián Ascolani, intitulado La historia de la educación argentina y la formación docente: edicionesy demanda institucional. A biblioteca deste artigo é composta por 20 referências bibliográficas, todas elas de autores argentinos, sendo 18 publicações de Buenos Aires, uma de Rosário e outra da cidade de Campinas (Brasil). Neste caso, trata-se da referência a um artigo do próprio autor publicado em coletânea organizada no Brasil. Como era de se esperar, o problema do artigo preside a seleção dos textos de referência e a disposição de se pensar um problema no plano nacional se vê espelhada na biblioteca constituída.
O segundo artigo, publicado no n. 3 da RBHE, em 2002, vem do México, de Lucía García Lopez, intitulado La inspección escolar en México, 1810-1834:el caso del Estado de México. Este artigo apresenta uma biblioteca composta por 10 referências, todas mexicanas, sendo 7 publicações do Colégio de O terceiro artigo procede da Argentina e foi publicado no n. 5 da RBHE, em 2003, escrito por três autores: Pablo Scharagrodsky, Laura Manolakis e Rosana Barroso. O artigo La educación física argentina en los manuales y textosescolares (1880-1930): Sobre los ejercicios físicos o acerca de cómo configurarcuerpos útiles, productivos, obedientes, dóciles, sanos y racionales apresenta uma biblioteca distribuída em dois blocos. O primeiro é constituído de 20 referências bibliográficas. Neste caso, o traço nacional aparece de modo mais diluído, pois há 5 textos publicados na Espanha, dois na Colômbia, dois no Brasil, um dos EUA e um de Bruxelas. Os textos argentinos, por sua vez, ainda que concentrados em publicações da capital, também dá a ver publicações de Rosário e das Universidades de Salta e La Plata. No caso dos textos publicados no Brasil, um é de Mariano Narodowski, coordenador do projeto ao qual os autores se encontram associados e outro é da lavra de uma dos co-autores do artigo, sendo que os dois foram publicados em língua espanhola, em revistas de Campinas e Porto Alegre, respectivamente.
O segundo bloco das referências é constituído por 18 livros ou manuais relacionados à educação física. O maior volume é de manuais da Argentina, mas há um da Espanha e um da Bolívia.
Os outros quatro artigos são provenientes do México e todos foram publicados no n. 8 da RBHE, integrando o dossiê Tempos sociais, tempos escolares, como já registrado. Os artigos, autores e um levantamento preliminar da biblioteca dos mesmos podem ser conferidos no quadro 3.

Quadro 3- Autores e bibliotecas dos artigos mexicanos

Quanto a composição da biblioteca destes artigos, em linhas gerais tendem a privilegiar a literatura nacional. No entanto, os artigos de Lucía Martinez Montezuma e o de Antonio Padilla Arroyo contêm alguns elementos que podem ser interessantes para nossa reflexão. No caso do artigo da professora Lucía Montezuma, o caráter misto deu sua biblioteca merece atenção, posto que há referências à artigos de espanhóis, franceses e brasileiros. Vou me deter no caso dos autores brasileiros. Em uma primeira observação, quero retomar a questão da língua, pois os dois textos de brasileiros citados no artigo em questão (Boris Kossoy e Rosa Fátima de Souza) encontram-se referidos em língua espanhola. O livro do Boris Kossoy foi acessado por meio de uma tradução publicada em Buenos Aires e o artigo de Rosa Fátima por meio da Revista de Estudios del Currículum, de Barcelona. Este pequeno sinal reforça a tese da barreira lingüística, como critério de busca e reconhecimento nos estudos desenvolvidos pelos pesquisadores de história da educação da AL. Nesta direção, menos que a nacionalidade dos autores, importa considerar a língua em que o texto é difundido, condição para que determinados trabalhos se tornem conhecidos, lidos e apropriados no âmbito da comunidade latinoamericana de historiadores da educação.
O artigo de Antonio Padilla Arroyo pode ser considerado uma exceção no que se refere à tradição que estamos observando. Chama atenção, neste caso, o fato de constar uma única referência a uma autora mexicana. As outras seis constituem-se em referências a autores franceses (2), alemães (1), ingleses (2) e espanhóis (1). Trata-se de livros e autores importantes e de larga difusão no campo das ciências sociais, como é o caso de Philippe Ariès, (El niño y la vida familiar en el antiguo régimen. México: Taurus, 1998); Norbert Elías, (Sobre el tiempo. México: Fondo de Cultura Econômica, 1997), Michel Foucault, (Las palabras y las cosas. Una arqueología de las ciencias humanas. México: Siglo XXI Editores, 1996), Edward. P. Thompson (Tradición,revuelta y consciencia de clase. Estudios sobre la crisis de la sociedad preindustrial. Barcelona: Crítica, 1984) e Antonio Viñao Frago (Tiempos escolares, tiempossociales. Barcelona: Ariel, 1998)28.
Ainda que se observe um diálogo com uma literatura extra-nacional, a questão da língua também merece ser sublinhada, na medida em que todos os textos se encontram em língua espanhola, sinal e condição para uma difusão internacional de determinados autores/livros. De modo equivalente, cabe sublinhar que a internacionalização flagrada neste artigo se processa exclusivamente com o mundo europeu, o que reforça a Europa como Centro e lugar de saber e poder. Diante deste diagnóstico cabe mais uma vez indagar. Como esta dinâmica vem sendo produzida e reproduzida entre nós? É necessário interferir neste cenário? É possível alterá-lo? Em que direção? Promovendo que tipo de iniciativas? Que novo quadro, do ponto de vista da produção e circulação dos saberes no campo das ciências sociais e da história da educação, desejamos para nós mesmos?
Até aqui experimentei olhar uma direção, procurando observar como os latinoamericanos têm lidado com a produção brasileira. Cabe agora, ainda que rapidamente, inverter a lente para ver como os autores brasileiros que publicaram na RBHE lidam com o que vem sendo produzido na AL no campo da história da educação ou mesmo das ciências sociais, de modo mais amplo. Como já assinalado, totalizamos 68 artigos de brasileiros nos 13 números da RBHE, o que representa cerca de 72% da produção disseminada na revista.
Destes 68 artigos, observamos a referência a autores do mundo iberoamericano em 15 deles29, isto é, cerca de 22% dos artigos dialogam com algum autor deste universo, como se pode observar no quadro 4.

Quadro IV - A presença do mundo ibérico nos artigos de autores brasileiros


O que este quadro, com alguma imprecisão que possa apresentar, ajuda a pensar em matéria do saber que a comunidade brasileira que publica na RBHE possui em termos dos estudos de história da educação do mundo iberoamericano.
No que se refere à AL, a única presença é de autores da Argentina. No que se refere ao mundo ibérico, sem considerar às referências ao mundo lusófono, a Espanha se constitui na outra presença. Neste caso, o desequilíbrio também deve ser objeto de nossas reflexões, visto que os estudos dos brasileiros remetem há 18 textos de espanhóis e a 4 de argentinos.
No que se refere aos argentinos indicados na biblioteca dos brasileiros, cada um aparece uma única vez, em artigos distintos. Já no caso dos autores espanhóis, é possível observar uma recorrência maior a António Viñao Frago, com 7 remissões a textos de sua autoria, sendo um artigo referido duas vezes. Há ainda duas referências a um livro escrito em co-autoria com Augustín Escolano, livro este traduzido e publicado no Brasil. As outras referências encontram-se dispersas no conjunto de artigos, como pode ser conferido no quadro IV.
Este levantamento preliminar nos ajuda a perceber que lemos e legitimamos o que se produz do outro lado do Atlântico, com escassas referências ao universo latinoamericano, o que ajuda a pensar o regime de leitura e de apropriação perceptível nos estudos disseminados pelo periódico oficial da Sociedade Brasileira de História da Educação. Afinal, o regime observado na RBHE nos faz interrogar: que saberes estamos legitimando nos estudos de história da educação desenvolvidos na AL? Quais os efeitos da apropriação dos saberes produzidos na Europa na pesquisa em história da educação por nós realizada? A que tipo de crítica temos submetido os estudos provenientes da Europa?
Ao mesmo tempo, como pensar esta positividade em um registro mais otimista? Inicialmente, merece registro a presença regular do mundo iberoamericano nas páginas da RBHE, o que se eleva consideravelmente ao se agregar os estudos desenvolvidos por colegas portugueses ao conjunto das referências. Um segundo aspecto, diz respeito ao consumo na língua materna dos autores por parte dos brasileiros, já que 70% dos textos do mundo ibérico são referidos em língua espanhola. Este índice nos leva a trabalhar com a hipótese de que a língua espanhola não se constitui em barreira importante na comunidade brasileira de historiadores da educação. Já a questão do acesso deve ser tomada como uma questão, pois mais da metade dos textos foi acessada em veículos publicados no Brasil.
É necessário, igualmente, considerar a necessidade de se pensar os critérios e motivos que terminam por promover a eleição de um determinado autor como uma questão. Que relações são estabelecidas com o conjunto dos autores selecionados entre si e com os demais autores da área? Que relações tal seleção guarda com o pesquisador e com sua posição no campo da Educação? Como a coleção de autores é articulada com os demais domínios do saber? Por meio de que suportes e segundo que regras a bibliografia vem sendo lida/apropriada? Inventário de questões que provavelmente concorreriam para tornar mais densa a reflexão acerca dos rumos que a pesquisa em educação tem tomado, bem como dos efeitos daí derivados. No entanto, dado os limites deste texto, gostaria de assinalar que este questionário ao não ser enfrentado, funciona como um sinal da complexidade do debate a que estamos procurando dar seguimento, chamando atenção para outras camadas, de modo a dar a ver outros aspectos do problema da produção historiográfica e da arte de tornar a mesma objeto de nosso pensar.
Para encerrar, gostaria de registrar que a elaboração deste trabalho acompanhada por uma canção brasileira intitulada "Querelas do Brasil", composta por Maurício Tapajós & Aldir Blanc, gravada por Elis Regina e "Quarteto em Cy", dentre outros. Nesta canção, os compositores defendem a idéia de que o Brasil não conhece o Brasil, de que o Brasil nunca foi ao Brasil. Para sustentar a tese central, listam coisas do Brasil, tais como tapir, jabuti, liana,alamandra, alialaúde, piau, ururau, aqui, ataúde, piá, carioca, porecramecrã, por exemplo. A escavação realizada por Tapajós & Blanc procura chamar atenção para a diversidade do Brasil e a necessidade de conhecê-la sob o risco do "Brasil matar o Brasil". Enfim, a canção pretende funcionar como um "SOS do Brasil para o Brasil".
Já a escavação de uma parte do que temos legitimado como resultados de pesquisa no campo da história da educação também trás alguns indícios de que precisamos conhecer mais e melhor a produção latinoamericana de história da educação, praticando o necessário exercício de autonomia e de crítica intelectual. Esta atitude, quem sabe, pode ser um bom antítodo contra as formas de dominação, colonização e de imposição cultural, ajudando a nos afastar da larga tradição que forjou a AL como unidade, mas uma unidade separada entre si, sem laços de solidariedade, sem saber comum, marcada por um longo e prolongado desconhecimento de si no que diz respeito aos vários domínios do saber. Lamentavelmente, há fortes indícios de que a história da educação não se constitui em exceção. Atualmente, dado a inúmeros esforços em curso, talvez seja possível afirmar que no campo da história da educação, atualmente, o Brasil conhece um pouco mais o Brasil, mas ainda ignora muito o subcontinente ao qual deveria estar mais integrado. Para ultrapassar este estado, se faz necessário conhecer Cabuçu, Cordovil,Caxambi, Madureira, Olaria, Bangu, Cascadura, Água Santa, Acari, Ipanemae Nova Iguaçu; como assinalado na provocativa metáfora de "Querelas do Brasil" e que a voz de Elis Regina nos ajuda a lembrar. De modo análogo, precisamos conhecer ainda mais Brasília, Quito, Lima, Bogotá, Santiago, Montevidéo,Assunção, La Paz, Caracas, Caena, Paranaribo, Georgetown, Panamá,São José, Manágua, Guatemala, Belnopam, Cidade do México, Havana, Jamaica,Porto Rico, San Domingo e Buenos Aires.

Notas

1 Texto apresentado no Simpósio "Historiografía de la Educación en América Latina: balances y desafíos" durante o VIII Congreso Iberoamericano de Historia de la Educación Latinoamericana ocorrido em Buenos Aires de 30/10 a 2 de novembro de 2007.

2 Professor na UERJ. Pesquisador do CNPq e da FAPERJ.

3 Evento bienal organizado pela Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE), fundada em 28 de setembro de 1999.

4 Cf. artigos de Ascolani, Gondra e Saviani, In NEPOMUCENO, Maria & TIBALLI, Elianda (orgs), 2007.

5 De acordo com VIDAL et ali. (2005) os autores que têm se ocupado dos balanços da produção historiográfica no Brasil vêm destacando a variedade e a profusão de títulos na área e ressaltando a progressiva constituição de uma certa identidade dos investigadores em História da Educação Brasileira, multifacetada e plural, proveniente da criação e consolidação de Programas de Pós-Graduação em Educação, surgidos no final da década de 1960; da constituição de grupos de trabalho, como o próprio GT da ANPEd (1984) e o Grupo de Estudos e Pesquisas "História, Sociedade e Educação no Brasil" (HISTEDBR/1986), apenas para citar os mais antigos; da proliferação de instituições de guarda e produção de documentação; da formação de Sociedades Científicas, como a Associação Sul-rio-grandense de História da Educação (ASPHE/1996) e a Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE/1999); da ampliação dos fóruns de socialização das pesquisas, como os Congressos Brasileiros de História da Educação (2000, 2002, 2004 e 2006), os Luso-brasileiros (1996, 1998, 2000, 2002, 2004 e 2006) e os Iberoamericanos (1992, 1994, 1996, 1998, 2001, 2003, 2005 e 2007) e os Seminários HISTEDBR (1991, 1992, 1995, 1997, 2001, 2003 e 2006); além da publicação de periódicos dirigidos especificamente à área como a Revista História da Educação (ASPHE/1996), a Revista HISTEDBR On-line (2000), a Revista Brasileira de História da Educação (SBHE/2001) e os Cadernos de História da Educação (UFU-Uberlândia/2002).

6 A esse respeito, cf. a coletânea organizada por NOVAES, 2006. Particularmente interessante, o artigo de Carlos Altamirano analisa um quadro da produção intelectual argentina, no qual evidencia a construção de representações móveis acerca da própria Argentina e de suas relações com os demais países da AL. (2006, p. 147-176)

7 Em 1999, ASCOLANI atestava, para o caso argentino, um desenvolvimento mínimo na elaboração dos balanços historiográficos. Ao lado disto, o que existia se limitava a breves levantamentos sobre temas específicos, com uma evidente finalidade pragmática, como a de introduzir uma determinada temática. Em 2007, o diagnóstico parece se manter inalterado, ainda que o mesmo autor reconheça a possibilidade de tal procedimento ser feito com mais facilidade para os casos da Argentina e México, dado o volume dos trabalhos de história da educação produzido nestes dois países. O caso brasileiro é objeto de outras ponderações. A este respeito, cf. ASCOLANI, 2007.

8 Cf. COMPÈRE (1995).

9 Cf. ASCOLANI (1999), CRUZ (1999), FREITAS (1998), JABLONKA (2001) e VEIGA & FONSECA (2003).

10 Veículo oficial da Sociedade Brasileira de História da Educação. Para conhecer mais detalhes da sociedade e da revista, consultar o sítio http://www.sbhe.org.br

11 O presente levantamento considerou os números das revistas publicados até abril de 2007.

12 Aqui só foram computados os artigos, sem considerar as "apresentações" dos quatro dossiês publicados na revista (Negros e história da educação, O público e o privado na educação brasileira, Tempos sociais, tempos escolares e Arquivos escolares: desafios à prática e à pesquisa em história da educação), resenhas e notas de leitura. A respeito da RBHE, o artigo de SANFELICE (2006) desenvolve algumas reflexões e indicações para o desenvolvimento de estudos apoiados na estrutura da revista (artigos, resenhas e dossiês), publicados até 2004.

13 Fundada em 10 de novembro de 1995.

14 Fundada em 2002.

15 Fundada em 1990.

16 Para a RBHE, esforço assemelhado pode ser conferidos no estudo de SANFELICE (2006) e, para a Revista História da Educação e Revista HistedBr On-line, conferir o artigo de BASTOS (2006).

17 Cf. Anexo 1.

18 Estes números decorrem do fato de que um dos artigos é de tripla autoria e seus autores vinculados ao projeto coordenado pelo prof. Mariano Narodowski na Universidad Nacional de Quilmes, sendo um deles professor na Universidad Nacional de La Plata.

19 Artigo em co-autoria com uma professora brasileira.

20 A este respeito, cf. ADÃO (2007) e GONDRA (2007).

21 No entanto, não há qualquer artigo na RBHE escrito conjuntamente por pesquisadores provenientes de países distintos da AL. A única exceção consiste em um artigo de dupla autoria, envolvendo uma brasileira e um autor português.

22 Uma reflexão geral e rica a respeito da organização do campo da história da educação na AL pode ser conferida no estudo de ASCOLANI, 2007, com destaque para os casos do México, Brasil e Argentina.

23 Para efeito deste comentário, não estou considerando os textos dos autores de Portugal.

24 Livro organizado por SANFELICE, José, SAVIANI, Dermeval & LOMBARDI, José e publicado no Brasil em 1999.

25 MIGNOT, A.C.V & BASTOS, M.H.C. & CUNHA, M.T.S., orgs. Refúgios do eu: educação, história, escrita autobiográfica. Florianópolis: Mulheres, 2000.

26 Para aprofundar o debate, cf. REVEL, 1989, 1997, 1998 e 2001.

27 Um único exemplo. Trata-se do projeto A constituição e reforma dos sistemas educativos no Brasil e na Argentina: histórias conectadas (1820-1980), cooordenado no Brasil por Diana Vidal (USP) e na Argentina por Adrián Ascolani (Universidad de Rosário). Contando com apoio CAPES/ SECyT, o projeto pretende analisar historicamente a constituição e reforma dos sistemas educativos nos dois países, de 1820 a 1980, percebendo as relações sociais, culturais e educacionais entre as nações no âmbito de uma história conectada, com atenção aos seguintes eixos de interpretação: historiografia da educação sobre a temática nos dois países; circulação de pessoas, objetos culturais e modelos pedagógicos; culturas escolares e processos de escolarização; e reformas educativas e conflitos sociais.

28 Menos conhecido é o texto mexicano de María Dolores Illescas Nájera e o inglês WHITROW, Gerald. J. (El tiempo en la historia. La evolución de nuestro sentido del tiempo y la perspectiva temporal. Barcelona: Editorial Crítica,1990)

29 Neste caso, não estou considerando a remissão aos autores portugueses e brasileiros/

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