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Historia de la educación - anuario

versión On-line ISSN 2313-9277

Hist. educ. anu. vol.15 no.1 Ciudad autonoma de Buenos Aires. jun. 2014

 

ARTÍCULOS

Recepção a Lorenzo Luzuriaga no Brasil: reflexões acerca da introdução de Historia de la Educación y de la Pedagogía nos cursos de formação docento do país (1955-2000)

 

Dr. Roni Dias de Menezes1

1 Roni Cleber Dias de Menezes realiza estágio de pós-doutoramento em Educação no ProPEd-UERJ (Convênio PAPD/CAPESFAPERJ). Mestre e Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo, atualmente integra o Núcleo de Ensino e Pesquisa em História da Educação (NEPHE-UERJ) e o Grupo de Estudos História da Educação e Religião (GEHER-USP).
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Brasil)
roni084@yahoo.com.br


Resumo

Embora não extensível automaticamente ao domínio do ensino, a renovação/ampliação do universo de fontes documentais e dos objetos de pesquisa vivenciadas pela historiografia brasileira nos umbrais da década de 1990 trouxe implicações que acabaram também se manifestando na área de produção de livros de História da Educação. Estas devem ser apreendidas, a nosso ver, concomitantemente a uma multiplicidade de fatores, como a organização dos cursos de formação docente, a dinâmica do mercado editorial, a penetração e abrangência de determinadas concepções pedagógicas e também o maior ou menor impacto de certas correntes historiográficas. Atentos a tais condicionantes e com o olhar voltado para o plano internacional da circulação de manuais escolares, pretende-se com este artigo estudar aspectos relacionados à edição e tradução no Brasil do livro História da Educação e da Pedagogia, de Lorenzo Luzuriaga. Observando-se os itinerários trilhados por Luzuriaga na Espanha e na Argentina e os deslocamentos que tais experiências produziram em sua produção, procura-se ainda explorar os regimes de referência que ampararam a confecção do manual referido anteriormente e quais aspectos representados na ou pela obra recomendaram sua publicação no Brasil.

Palavras-chave: Ensino da história da educação; Manuais de ensino; Circulação de impressos; Mercado editorial; Mediação cultural.

Abstract

Although not automatically extend to the domain of education, the renovation/expansion of the universe of documentary sources and objects of research by experienced Brazilian historiography on the threshold of the 1990's that eventually brought implications also manifesting itself in the production of books of History of Education. These must be seized, in our view, concomitantly to a multitude of factors, such as the organization of teacher training courses, the dynamics of the publishing market, the penetration and coverage of certain pedagogical concepts and also the greater or lesser impact of certain current historiographical. Attentive to such conditions and with the eyes on the international circulation of textbooks, it is intended with this paper to study aspects related to the editing and translation in Brazil of the book História da Educação e da Pedagogia, of Lorenzo Luzuriaga. Observing the routes trodden by Luzuriaga in Spain and Argentina and the displacements that produced such experiences in their production, seeks to further explore the reference schemes that bolstered the preparation of the manual mentioned above and which aspects represented in the work or recommend its publication in Brazil.

Word-keys: Teaching of the history of education; Textbooks; Printed circulation; Publishing market; Cultural mediation.


 

Introdução

Pelo menos desde duas décadas o interesse dos pesquisadores de história da educação tem recaído com significativa frequência acerca dos aspectos e condicionantes em que se tem processado o ensino dessa disciplina escolar1. Aspectos ligados à organização dos cursos, de seus conteúdos, da legislação responsável por normatizar e regulamentar o funcionamento das instituições em que eram oferecidos conteúdos da área, estudos ancorados na história dos intelectuais (de algum modo férteis por indagar dos itinerários, das estruturas de sociabilidade e dos microclimas2 que comparecem nas tentativas de reconstituição de tais tessituras), ou ainda investigações associadas à história das instituições têm sido focalizados pelas pesquisas que se debruçam sobre as contingências e determinações que orientam o ensino de história da educação. Inserido, assim, num campo relativamente cultivado, o presente trabalho elegeu uma problemática como terreno privilegiado de investigação: a análise a propósito da produção, circulação e representações acerca de manuais escolares utilizados nos cursos de formação de professores no Brasil entre os anos 1950 e a década de 1990, a ser realizada, pretende-se, em consonância com elementos ligados aos itinerários intelectuais dos autores e editores diretamente atrelados a essa "economia" dos impressos escolares. Havia necessidade, evidentemente, de operar um recorte, tanto cronológico quanto do conjunto de materiais, instituições e atores a serem observados. A seleção se guiou pela preocupação motivada em função dos esforços envidados em sopesar e reavaliar os significados ou universos de sentido que a escrita e o ensino da história da educação assumem em alguns países da América Latina, investimento que integra uma das vertentes de pesquisa à qual se acopla meu estágio de pós-doutoramento no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro3. Modulada a lente, portanto, de modo a procurar compreender o fenômeno da produção e circulação no plano internacional, realizou-se um levantamento a fim de identificar os manuais escolares estrangeiros que obtiveram maior sucesso no Brasil - do ponto de vista da tiragem, reedições, reimpressões e das indicações para leitura nos programas de ensino da disciplina História da Educação4.
Em sintonia com os critérios adotados5, dentre os manuais mencionados anteriormente optou-se por analisar o livro História da Educação e da Pedagogia, de Lorenzo Luzuriaga, pedagogo espanhol nascido em Valdepeñas6, em 1889. Além da tiragem expressiva (vide nota 5), o livro do pedagogo manchego conheceu no Brasil 19 edições7, todas estampadas pela Cia. Editora Nacional (CEN) no âmbito da Coleção Atualidades Pedagógicas, coleção à qual retornaremos no decorrer deste trabalho. De modo esquemático, amparados na investigação efetuada, supõe-se que o êxito editorial no Brasil do manual de Luzuriaga, além de se correlacionar com o renome internacional do autor - um dos mais importantes teóricos ibero-americanos da Escola Nova -, parece derivar também de questões associadas diretamente à configuração assumida pela disciplina história da educação no país.
Seguindo uma estrutura que até o capítulo VIII (A Educação Medieval) se pauta pela apresentação de uma história das ideias pedagógicas e de sua refração no campo educativo, elencando os pensadores mais significativos e os expoentes do campo pedagógico e/ou educacional tomados no interior de grandes unidades temporais, o compêndio de Luzuriaga passa a "individualizar" a análise acerca do passado educacional e da teoria pedagógica em função do surgimento e/ou consolidação, conforme o caso, de alguns dos modernos estados nacionais (processo que alcança sua culminância apenas na segunda metade do século XIX). Dessa forma, são examinadas pelo autor espanhol as realidades educacionais da Espanha, França, Inglaterra e de reinos, repúblicas e principados que correspondem atualmente a países como a Itália, Alemanha, Holanda e Suíça. Do capítulo XVI em diante, o que equivale a afirmar - os séculos XIX ao XX -, Luzuriaga introduz elementos novos em sua escrita, incorporando à sua mirada territórios do Novo Mundo, como os Estados Unidos e as repúblicas hispanoamericanas, e, o mais relevante, conferindo à sua análise certo matiz sociológico, que logra estabelecer nexos, nos capítulos a respeito das realidades educacionais dos países estudados (Alemanha, França, Inglaterra, Espanha, Estados Unidos, repúblicas hispano-americanas, Rússia e Itália), entre o investimento social no domínio da educação (especialmente o realizado pelo Estado) e o progresso material e cultural das sociedades. Por fim, um dado sui generis presente em História da Educação e da Pedagogia - na comparação com outros manuais estrangeiros em circulação no Brasil na segunda metade do século XX  (precipuamente aqueles cujos autores são de nacionalidade norte-americana, francesa ou alemã) - diz respeito, como já se antecipou acima, à adição da América espanhola (quando Luzuriaga se refere ao período colonial) e das "repúblicas hispano-americanas" (após a emancipação política em relação à metrópole) em três capítulos da obra. Nada obstante, nenhum comentário sequer é feito sobre o Brasil, Portugal ou qualquer das possessões coloniais lusitanas8. Nesse sentido, cabe a pergunta: por que um compêndio de história da educação geral que sequer menciona o passado educativo brasileiro chegou a atingir tamanha divulgação entre nós?
Para tentar encaminhar possíveis respostas a essa indagação, tentar-se-á pôr em conexão duas dimensões do problema: em primeiro lugar a trama de sociabilidade vivida por Luzuriaga desde seu protagonismo na cena educacional escolanovista espanhola; e, em segundo, os caminhos e possibilidades experimentados pelo mercado editorial brasileiro de obras pedagógicas, compreendidos na interface com os dispositivos que estruturavam os cursos de formação de professores e pedagogos no Brasil durante a periodização indicada no início deste trabalho.

Ao invés da fotografia a película: Lorenzo Luzuriaga em movimento

A observação do trânsito do intelectual, editor, periodista, professor universitário, ativista político Lorenzo Luzuriaga requer uma abordagem cruzada com os "microclimas" nos quais se processou a atuação pública do pedagogo espanhol. Embora seu itinerário apresente importantes deslocamentos, arrisca-se, apoiado na regularidade com que esse fato é credenciado pela bibliografia sobre o personagem aqui focalizado, a reprodução de certos princípios doutrinários na transposição realizada por ele da Espanha para a América do Sul. Motivado pelo intenso envolvimento com a Escola Nova, verificado desde meados da década de 1910, Luzuriaga começa a dar consistência teórica à sua prática pedagógica e a dar fundamentação às suas críticas à escola tradicional. Em seus escritos dessa época já se encontram os quatro elementos fundamentais da sua concepção educacional, os quais continuam a referendar sua produção intelectual no périplo argentino: a defesa da escola única, ativa, pública e laica. Todavia, sugere-se que tal defesa foi condicionada por pertencimentos, associações e filiações de múltipla ordem. Em virtude das limitações deste trabalho, optou-se por acompanhar mais de perto cinco eixos e/ou campos em que transcorreu a experiência de Luzuriaga:
1) Vinculação a instituições de ensino e pesquisa;
2) Inserção no movimento da Escola Nova;
3) Atuação no campo editorial;
4) As relações com intelectuais espanhóis exilados na Argentina;
5) Autor de manuais escolares em história da educação.

Quanto ao primeiro eixo destacamos aqui o ingresso e a participação de Luzuriaga na ILE (Instituición Libre de Enseñanza), no Museu Pedagógico, a atividade docente nas universidades de Tucumán e Buenos Aires e, por fim, a condição de professor visitante em universidades estrangeiras na América Latina (Chile e Venezuela). A ILE esteve associada desde sua criação em Madri, em 1876, ao movimento de renovação cultural, pedagógica e intelectual da Espanha. Movimento em muito parecido à prática das intervenções sociais, culturais e políticas de setores da intelligentsia de países ibero-americanos de procurar em modelos europeus de além-Pireneus receituário para a atualização histórica de suas sociedades. Nesse sentido, a ILE representava aos olhos de alguns historiadores espanhóis um dos liames e ponto de inflexão no país dos valores da Europa moderna. Em relação à ILE Luzuriaga experimentou um duplo pertencimento, como aluno e professor, identificação que deixou marcas duradouras no seu itinerário no campo da educação e da pedagogia. Em linhas gerais, o conteúdo principal das preocupações da ILE abarcava o método intuitivo, o princípio da atividade, o valor do trabalho na formação, a formação estética e física, a inserção na realidade, a supressão de exames e a coeducação. (Warde, 1998) Conforme aponta essa autora, a ILE aglutinava o que havia de renovador na intelectualidade espanhola de fins do século XIX e início do XX. (op. cit., p. 77) Mais do que um estabelecimento de ensino, representava para os seus membros uma "comunidade espiritual", consagrada ao cultivo e à propagação da ciência em suas diversas formas. (id., p. 77)
Também por volta de meados da década de 1910 encontramos Luzuriaga no Museu Pedagógico Nacional, na qualidade de responsável pelo setor de publicações, cargo no qual permanecerá por 20 anos. O Museu foi criado por Decreto Real de 6 de maio de 1882, sob a inspiração e obra dos idealizadores da ILE, tornando-se, desde então, um centro vivo de investigação educativa, de formação, assistência técnica, com uma significativa projeção social na Espanha de finais do século XIX e primeiras décadas do seguinte. Desde sua criação e durante muitos anos teve como diretor Manuel Bartolomé Cossío, importante nome do escolanovismo espanhol e a quem Luzuriaga dedicou o livro História da Educação e da Pedagogia. Além de concentrar uma importante biblioteca, detentora de uma gama numerosa de títulos nacionais e internacionais, o Museu contava também com um laboratório de antropologia pedagógica, oferecia cursos de pedagogia geral, de ciências experimentais, organizava ciclos de conferências pedagógicas, publicava monografias e estudos na área e possuía ainda um veículo editorial, o Boletín Pedagógico, o qual se enviava gratuitamente a todos os professores públicos, chegando a ter una tiragem de 30.000 exemplares. Todas essas iniciativas fizeram do Museu um centro de referência no movimento de modernização do magistério. (Barreiro, 1989) A articulação das perspectivas teórica e prática relacionadas ao modo como o escolanovismo frutificou entre os intelectuais da ILE ditou a irrupção de Luzuriaga na cena pública espanhola. Tal impressão pode ser captada em sua profícua colaboração com os jornais e a atuação como publicista. Tais intervenções guardavam as marcas da tentativa de renovação/reformulação dos métodos, ferramentas e mesmo do pensamento pedagógico vigentes na Espanha até a Guerra Civil (sobressaindo-se aí seu papel de promotor da aplicação dos processos relacionados à Escola Nova no país) e, concomitantemente, das propostas de reorganização do sistema de ensino (quando então se debruça notadamente sobre a realidade do ensino primário espanhol), valendo-se para isso do exame das realidades educacionais de países como a Alemanha, a Suíça, a Áustria e a Bélgica. Essa marca, da percepção das dimensões pedagógicas e socioculturais tomadas em sua especificidade, mas como realidades interdependentes, de certa forma também podem ser observadas na escrita de muitos de seus títulos durante o périplo sul-americano. (Barreiro, 1989, p. 15 e segs.)
De 1913 até a partida para o exílio, ocorrida em 1936, Luzuriaga escreveu 21 livros e colaborou com um número significativo de periódicos. Dentre essa colaboração se destaca aquela em prol do Boletín da ILE e os artigos publicados na Revista de la Pedagogía (espécie de plataforma do movimento da Escola Nova na Espanha, além do fato de estar vinculada à Liga Internacional da Educação Nova), criada por ele próprio em 1922 e perdurando até o momento que deixa o país (ela seria reeditada na Argentina pela Editora Losada quando Luzuriaga lecionava em Tucumán).
Saído de seu país natal com a eclosão da Guerra Civil, Luzuriaga se dirige primeiramente ao Reino Unido, permanecendo algum tempo em Londres e depois em Glasgow. Aí ganha a vida lecionando aulas de espanhol (trabalha como "lector" na Universidade de Glasgow) e proferindo conferências por diferentes localidades da Grã-Bretanha. Durante esse tempo já acalentava a vontade de se transferir para a Argentina, conforme indica o exame de sua correspondência pessoal9. A ligação de Luzuriaga com os países hispano-americanos, inclusive, é um universo que requer maiores investimentos. De fato, o interesse de Luzuriaga pela América Latina se manifestara bem antes do exílio, tendo ele feito algumas viagens à região entre o fim da segunda e o início da terceira década do século XX. Como resultado de uma dessas viagens, publicou, em 1921, o livro La enseñanza primaria en las repúblicas hispanoamericanas, editado por J. Cosano, em Madri. Em outra visita, em 1928, conhece Gonzalo Losada, também espanhol, mas não um exilado, que se havia estabelecido em Buenos Aires na década de 1920 e se tornaria uma espécie de irmão d'armas de Luzuriaga, franqueando-lhe sua editora recém-fundada (Editorial Losada10) para que aquele publicasse seus livros, reeditasse sua Revista de la Pedagogía11, fizesse a tradução para a língua espanhola de importantes autores - como Herbart, Dewey e Dilthey - e, o mais significativo, dirigisse a linha editorial pedagógica da Losada. Já residindo na Argentina, publicaria La enseñanza primaria y secundaria argentina comparada con la de otros países, com selo da editora da Universidade Nacional de Tucumán. A ampliação dos laços com intelectuais e instituições latino-americanas inclui ainda o exercício da docência em universidades do Chile e, principalmente, da Venezuela. Além do trabalho na Editora Losada, Luzuriaga escreveu regularmente para, talvez, o periódico mais importante da Argentina no período, o La Nación. Concomitantemente, edita a revista Realidad12 e procura relançar no país platino a versão atualizada de sua Revista de la Pedagogía. No total, publicou 15 livros em sua estada sul-americana, incluindo aí um Diccionario de Pedagogía, publicado postumamente. Será na Argentina que Luzuriaga fundamentalmente incursionará no terreno da história da educação. Nos textos que publica no país platino o itinerário de sua escrita sobre essa disciplina e também acerca da história da pedagogia pode ser apreciado do seguinte modo: por um lado, Luzuriaga ainda se mantém vinculado à meta de compreender e intervir no processo de constituição das redes e sistemas de ensino (sua defesa da escola laica, única, ativa e pública prossegue na Argentina); por outro, no âmbito de sua atuação como responsável pela linha pedagógica da Editora Losada, ajuda a construir (tanto como escritor quanto como na qualidade de editor) um modelo de interpretação da história do passado pedagógico e educativo bastante reducionista, materializado no destaque concedido às ideias e seus "portadores", focalizando, portanto, sua matéria-prima do ponto de vista da manifestação dos espíritos da época e de seus melhores intérpretes. De certa forma a análise de História da Educação e da Pedagogia corrobora esse tipo de visada. A seguir, fornece-se uma interpretação de como os dispositivos que sustentaram a escrita da história da educação em Luzuriaga foram recebidos no Brasil.

Uma visita frequente e duradoura: mercado editorial e cursos de formação docente brasileiros abrem as portas a História da educação e da pedagogía

O manual de história da educação de Luzuriaga que atrai nossa atenção foi publicado pela primeira vez em Buenos Aires, em 1951, pela Editora Losada, sob o título Historia de la Educación y de la Pedagogía. No livro se percebe uma grande afluência da bibliografia de origem alemã, acompanhada de uma visão linear e evolutiva da história. Para Luzuriaga a história da educação não se apartava da história da cultura: em realidade, o autor espanhol a via como um capítulo da história da cultura, e esta como uma seção da história geral. Quanto às fontes utilizadas no livro (uma gama variada de documentos, nos quais se incluem: Obras religiosas fundamentais; Obras literárias clássicas; Obras mestras do pensamento universal; Obras fundamentais da pedagogia; Biografias e autobiografias dos grandes homens; Leis e disposições legais); elas cedem o passo, no mais das vezes, na tentativa de fundamentar seu raciocínio e legitimar sua escrita, a argumentos de autoridade inseridos no fim das seções em que se organizam os capítulos, especialmente extraídos de obras de Dilthey, Durkheim e Karl Jaspers. A propósito, a cadeia sucessiva de argumentos diltheyanos nos leva a cogitar que teria sido a filosofia da história e a concepção pedagógica do pensador alemão que orientou a percepção do passado educativo em História da Educação e da Pedagogia. O alinhamento a essa percepção diltheyana se traduziu sobretudo na ênfase concedida por Luzuriaga à conexão entre pedagogia, história geral e história da cultura para acessar o conhecimento da realidade educacional. Mas o que teria chamado a atenção da CEN13 nessa experiência de relato e sistematização do passado educacional e da pedagogia para traduzi-la e editá-la no Brasil 19 vezes?
Para Warde (1998) Luzuriaga foi apropriado no Brasil de forma que fosse absorvível ao padrão historiográfico de corte religioso. Tal padrão concebe a História como continuum, o que remete à noção de unidade. Segundo a autora, essa noção está presente na maioria dos manuais de história da educação do século XX. Nesse sentido, o livro de Luzuriaga fornece indícios da formatação de uma história do mundo, uma história da cultura como gostaria nosso autor, segundo uma moral civilizacional de matiz cristã. No entanto, daí não deriva uma associação automática do autor com a defesa dos valores cristãos ou da Igreja Católica, como é nítido em outros manuais publicados pela CEN no período, vide Noções de História da Educação, de Theobaldo Miranda dos Santos. Tal vinculação com o corte cristão, por sua vez, também poderia ser atribuída, de acordo com a autora, ao controle dos principais postos acadêmicos e do mercado editorial por intelectuais de origem eclesial, como padres, ex-padres, exseminaristas e, especialmente, católicos leigos. (Warde, 1998, p. 75) Assim, embora não associado aos meios eclesiásticos nem desenvolvendo uma escrita organizada segundo princípios doutrinários cristãos, a linearidade com que é estruturada sua narrativa combinou-se ou deu azo a que os editores de suas obras no país não o diferenciassem de outros autores do período. Portanto, no entender da autora, deve-se creditar ao programa editorial que o tornou disponível à nossa leitura a criação das condições propícias para tal resultado. (id., p. 81) Fazendo par com o tratamento dispensado pelos editores, Warde localiza como outro ponto nevrálgico da apropriação do manual de Luzuriaga no Brasil a configuração particular assumida pelos cursos de pedagogia e de formação de professores no país desde meados do século XX até pelo menos 1990. O que leva a autora a questionar a adequação da análise centrada única e exclusivamente na obra, fazendo-se necessária a articulação do impresso, sua materialidade e suas condições de produção e circulação com as idiossincrasias relacionadas aos itinerários institucionais e sociais percorridos pela disciplina - no nosso caso a História da Educação - e das suas correlações com o mercado editorial, os arquivos e bibliotecas e as redes de autores e leitores. (Warde, 1998, p. 81)
Como já assinalado, publicado pela Cia. Editora Nacional o manual de Luzuriaga integrava a série Atualidades Pedagógicas, coleção que durou de 1931 a 1981. Ela foi fundada e dirigida por Fernando de Azevedo do início até 1946, assumindo o cargo depois dessa data João Baptista Damasco Penna14. Segundo Toledo (2007), a publicação do livro de Luzuriaga se dá num momento de redirecionamento da política editorial da CEN. Com o convite, em 1931, para Fernando de Azevdo dirigir a Biblioteca Pedagógica Brasileira (BPB), a coleção Atualidades Pedagógicas (AP) inicia a veiculação um modelo de leitura e formação fortemente marcado pelas condições do campo pedagógico brasileiro e pelas opções políticas materializadas no próprio programa de formação de leitor da coleção. Fazendo desta um instrumento de divulgação dos princípios escolanovistas mais caros ao movimento dos "Pioneiros", Azevedo programou para publicação na AP autores e textos oriundos da reforma educacional empreendida por Anísio Teixeira, no Distrito Federal, entre 1931 e 1935, e da sua própria reforma, em São Paulo, em 1933, assim como de autores da ABE carioca. De modo geral,

Buscou publicar textos que versassem sobre as "ciências bases da educação" e os frutos das pesquisas desenvolvidas por essas novas perspectivas. Para isso, propôs a tradução dos textos e autores do movimento internacional do escolanovismo, programando-os de modo que autores brasileiros e estrangeiros conformassem uma coesa cultura pedagógica projetada como renovação. (Toledo, 2007, p. 5)

As traduções empreendidas na AP durante a direção de Fernando de Azevedo seguiram, nesse sentido, a lógica do impacto exercido pelos títulos estrangeiros na estruturação do pensamento pedagógico brasileiro. Desse modo, foram as referências encontradas nas obras de autores brasileiros que ditaram a escolha das traduções. Durante o período, portanto, em que Azevedo esteve à frente da BPB, foram editados textos de Jonh Dewey, Claparède, Pieron, Wallon, Kandel e Aguayo entre outros (sendo 8% dos textos traduzidos provenientes dos Estados Unidos, 16% da França e 10% de outros países como Cuba, Inglaterra e Alemanha). (Toledo, 2007, p. 5) Em resumo, de 1931 a 1946 a AP torna-se espaço de difusão das concepções educacionais do grupo de Azevedo, cujo programa político comum era o de reforma da cultura pela reforma da educação e da escola. (id., p. 7)
Essa situação começa a se transformar no final dos anos trinta, com a acirrada oposição oferecida pelos católicos a Fernando de Azevedo e a seu projeto político-educacional. As mudanças têm raízes nos acontecimentos vinculados aos insucessos políticos de Azevedo e da plataforma de reformas das quais participou ou emprestou apoio. Tal refluxo pode ser sintetizado tomando-se em consideração os seguintes empreendimentos: derrota em parte da reforma de Anísio no Distrito Federal, da reforma do Instituto de Educação da USP e das alterações efetuadas no desenho inicial ideado para a Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da USP. Com essas derrocadas o prestígio constituído por Fernando de Azevedo no mundo editorial sofre forte abalo, a rede de autores por ele montada se dissolve com a derrota política de parte do projeto. (Toledo, 2007, p. 8) Tais acontecimentos guardam relação com o acirramento da política varguista durante o Estado Novo, responsável em grande parte por minar as bases de sustentação do projeto azevediano e de outros intelectuais escolanovistas do período. Concomitantemente, Azevedo sofre severas críticas de núcleos católicos, como o Centro Dom Vital. (id., p. 8) Exatamente nessa época integrantes das forças católicas logravam alcançar maior espaço na formulação de políticas do Ministério da Educação e Saúde. Um dos reflexos mais desconcertantes para Azevedo e a política editorial da BPB é que com a oposição dos grupos católicos, fortalecidos na ditadura de Vargas, assiste-se à debandada de boa parte dos autores interessados em ver seus títulos lançados ou reeditados pela CEN: isso se explica pelo fato de que um número significativo das instituições de formação pedagógica e docente estava nas mãos de ordens ligadas à Igreja Católica e aos seus apoiadores (havia, inclusive, uma recomendação para que professores do grupo católico não comprassem ou usassem em seus cursos os títulos da editora). (Toledo, 2006, p. 2) Como consequência, Fernando de Azevedo opta por deixar a direção da série Atualidades Pedagógicas e investe seu capital político no fortalecimento de sua posição na USP. Com isso, os setores católicos passam a dominar o campo editorial. (id., p. 2)

Presencia-se, a partir de então, um redirecionamento das características da AP, agora ditadas por regras de mercado. O novo editor, João Baptista Damasco Penna, põe em cena um conjunto de estratégias para dissociar os títulos publicados sob sua gestão da anterior (tais expedientes passam por questões ligadas à materialidade e apresentação dos títulos, até para deslocar o campo de sentidos no qual estavam inseridas as obras mais importantes do projeto político azevediano). A morte do projeto anterior revela-se já na mudança radical do projeto gráfico da Coleção: capas, quartas-capas, textos explicativos foram substituídos e rearranjados de modo que a velha Atualidades - política e polêmica - não se confundisse com a nova - apolítica e consensual. (Toledo, 2006, p. 3)

Ditada então por razões de mercado, a nova AP revê seu programa de tradução, favorecendo o aproveitamento de obras estrangeiras que se ajustassem em maior medida às demandas dos cursos de pedagogia e de formação de professores, ao invés de primar pela montagem de uma plataforma de intervenção política, característica da gestão de Azevedo.

Penna transforma a Coleção em um projeto editorial bem montado, propondo-se a oferecer textos de reflexão sobre o problema fundamental da atividade educativa, em todas as suas formas; com conhecimentos efetivos para o professor leitor (Penna, 1950). Daí a fórmula eficaz do compêndio ou manual traduzido, composto com visões panorâmicas dos diferentes âmbitos da pedagogia, em linguagem fácil, oferecendo ideias "utilizáveis" pelos educadores e estudantes na sua atividade educativa. As traduções ofertavam o sentido universal dos saberes compendiados: o saber que vence os limites das nações, válido para todas elas. (Toledo, 2006, p. 3)

É com esses ingredientes que o manual de Luzuriaga ingressa na Coleção Atualidades Pedagógicas, potencializado pelo programa editorial de Damasco Penna. Num período de forte controle e censura, as diretrizes da AP da década de 1950 em diante primaram por alargar cada vez mais o mercado para suas publicações, angariando, como parcela importante dessa estratégia, a extensa base das instituições de formação do professorado de matiz católico, conquista, por seu turno, propiciada pela tradução de obras que apresentavam uma linguagem de fácil compreensão, eliminando diferenças e apresentando os conteúdos em seqüência harmônica e evolutiva. (Toledo, 2006)

À guisa de encaminhamento

Como apontado anteriormente, a análise da produção escriturária de Luzuriaga acena para a constituição do intelectual em duas frentes, as quais, todavia, transcorrem interligadas: uma apresenta a faceta do reformador, preocupado com a instituição da escola única, ativa, laica e pública; a outra se vincula ao pensador de temas pedagógicos e das interfaces entre história, cultura e formação humana. Cotejando essa hipótese de categorização dos itinerários do pedagogo espanhol, conclui-se que, conquanto a AP tenha publicado 5 de seus títulos e aí estejam contemplados temas associados ao Luzuriaga reformador, foi a segunda frente a que foi incorporada com maior intensidade no Brasil por intermédio das subsequentes reedições de História da Educação e da Pedagogia. Tal característica, associada ao conjunto de regularidades que marcou o campo disciplinar da história da educação no país, contribuiu para que Luzuriaga fosse apropriado em terras brasileiras de forma que fosse absorvível ao padrão historiográfico de corte religioso, da história como continuum. Conectado a esse aspecto figura a função desempenhada pelo mercado editorial e pelos responsáveis pelas linhas pedagógicas. Em profunda inter-relação com os domínios disciplinares, a figura do editor ganha relevância como ator que intervém na conformação do campo para o qual o impresso é destinado (no caso analisado, o campo pedagógico), na medida em que é ele quem seleciona, organiza e põe em circulação materiais adaptados a leitores específicos, segundo as representações que tem do próprio leitor e do campo de destino. (Toledo, 2007, p. 3)
Amparados nessa diagnose cruzada, assinalamos ainda uma possível vereda frutífera para os estudos sobre o ensino de história da educação: ela corresponde aos dispositivos de comunicação e/ou experiência compartilhada vivenciados por autores, editores e proprietários de casas editoras, revistas e demais veículos em que circulam materiais aproveitados nos programas de ensino da disciplina. A consulta à comunicação epistolar, pessoal ou institucional, ou àquela efetuada através da imprensa, pode acionar elementos que venham enriquecer ou reposicionar o conhecimento até então sobre a apropriação dos manuais escolares e as representações neles contidas.
A indagação a seguir serve, inclusive, como um convite ao prosseguimento da pesquisa ora apresentada: o que a análise da troca de missivas entre Gonzalez Losada e Luzuriaga15 seria capaz de nos apontar? Ou, mais hipoteticamente ainda, existiria correspondência entre editores brasileiros e argentinos no período aqui estudado? Damasco Penna e Luzuriaga, ambos editores de coleções pedagógicas, estabeleceram algum canal de contato a fim de discutir o aproveitamento de títulos de autoria do segundo (os quais também compunham uma coleção na Biblioteca Pedagógica da Editora Losada) na série dirigida pelo primeiro?

Notas

1 Um índice relevante - ainda que bastante incompleto - dos trabalhos que se têm debruçado sobre a questão engloba Gatti Jr. (2007; 2009; 2011), Roballo (2012), Saviani (2003), Toledo (2001; 2006; 2007) e Warde (1998).

2 Microclimas como espaços em que se desenvolvem as relações de sociabilidade intelectual, o que engloba também as relações pessoais e profissionais dos que habitam tais espaços. Todavia, conquanto os microclimas atinem, à partida, para uma dimensão geográfica, simultaneamente também se aplicam aos laços de ordem afetiva, neles se podendo captar não somente os vínculos da dicotomia amizade/cumplicidade e competição/hostilidade, como também os sinais de determinada sensibilidade produzida e estimulada por eventos, personalidades ou compromissos de natureza vária. Em consonância com o apresentado por Sirinelli (1986) e Gomes (1999), trata-se de pensar numa espécie de "ecossistema", onde amores, ódios, projetos, ideais e ilusões se chocam, fazendo parte da organização da vida relacional. (Gomes, 1999, p. 20).

3 Dentre algumas das iniciativas voltadas a examinar os regimes de referência que presidiram a produção e a disseminação de manuais de história da educação - responsáveis por (re)ativar importantes circuitos culturais entre o Brasil e outras partes da América - e ainda inquirir a respeito da apropriação dos saberes e das representações veiculadas por esses manuais em países como Chile, Uruguai, México, Venezuela, Colômbia, Brasil e Argentina, tomando por escopo sujeitos e temporalidades distintas, sublinha-se o livro História da Educação na América Latina: ensinar e escrever, organizado por Gondra & Silva (2011).

4 De acordo com Roballo (2012), a tiragem total do livro História da Educação e da Pedagogia - de autoria do pedagogo espanhol Lorenzo Luzuriaga e publicado pela primeira vez na Argentina pela Editorial Losada em 1951 - apresentou em suas 18 edições brasileiras (na pesquisa realizada para este artigo identificamos 19 edições) a cifra de 80.000 exemplares, número expressivo, perdendo em termos absolutos, a se considerar apenas as traduções constantes do catálogo da coleção em que foi publicado no Brasil (a Coleção Atualidades Pedagógicas, uma das séries que compuseram a Biblioteca Pedagógica Brasileira da Cia. Editora Nacional, iniciativa sobre a qual retornaremos na sequência do texto) para o livro História da Educação, do educador norte-americano Paul Monroe. Já Gatti Jr. (2011), em pesquisa que objetivou levantar os manuais escolares indicados para leitura em 55 cursos de graduação em Pedagogia no país, no período compreendido entre 2000 e 2008, deparou-se com um total de 10 indicações do compêndio de Luzuriaga nos programas de ensino das disciplinas de História da Educação, tendo sido um dos quatro mais representativos nessa categoria. Levando-se em consideração ainda a antiguidade da produção do impresso - o livro é traduzido e publicado pela primeira vez no Brasil 4 anos após vir a lume em Buenos Aires - torna-se mais relevante a reiterada menção a História da Educação e da Pedagogia nos cursos de pedagogia e formação docente nacionais.

5 Aqui se afigura necessária uma advertência: embora se reconheça a impossibilidade de, nessa fase da pesquisa, desdobrar a investigação a fim de acessar o "consumo" ou usos feitos dos manuais escolares, é importante sinalizar que tal dimensão não foi ignorada, podendo a execução de tal empreendimento trazer à tona um conjunto de questões de destacada relevância para os estudos na esfera do ensino da História da Educação. "Consumo", neste trabalho, é apreendido na acepção tomada de empréstimo a Michel de Certeau, na qual o mesmo é percebido também como uma modalidade de produção. A propósito, consultar Certeau, M. A invenção do cotidiano, vol. I, "As artes de fazer", Petrópolis, Vozes, 1994, especialmente pp. 92-94.

6 Província de Ciudad Real, na comunidade autônoma de Castilla-La Mancha. Nessa região desenrolou-se a maior parte das ações contadas na novela D. Quijote de la Mancha, de Miguel de Cervantes.

7 Roballo (2012) lista 18 edições de História da Educação e da Pedagogia vindas a lume pela da Cia. Editora Nacional, respectivamente publicadas em 1955, 1963, 1967, 1969, 1971, 1972, 1973, 1975, 1976, 1977, 1978, 1979, 1980, 1982, 1983, 1984, 1985, 1987. (Roballo, op. cit., p. 43-44) No levantamento realizado para a elaboração deste trabalho encontramos uma 19ª edição, datada de 1990 (a qual ganhou uma reimpressão em 2001).

8 Assim está organizado o livro História da Educação e da Pedagogia:
Introdução
Cap. I - História da Educação e da Pedagogia XI - A Educação Religiosa Reformada (Católica)
Cap. II - A Educação Primitiva XII - A Educação no Século XVII
Cap. III - A Educação Oriental XIII - A Pedagogia no Século XVII
Cap. IV - A Educação Grega XIV - A Educação no Século XVIII
Cap. V - A Pedagogia Grega XV - A Pedagogia no Século XVIII
Cap. VI - A Educação Romana XVI - A Educação no Século XIX
Cap. VII - A Educação Cristã Primitiva XVII - A Pedagogia no Século XIX
Cap. VIII - A Educação Medieval XVIII - A Educação no Século XX
Cap. IX - A Educação Humanista XIX - A Educação Nova
Cap. X - A Educação Religiosa Reformada (Protestante) XX - A Pedagogia Contemporânea

9 Dois trechos da correspondência trocada por Lorenzo Luzuriaga com amigos e interlocutores espanhóis exilados dão um pouco a medida desse movimento planejado pelo homem de letras manchego: Lo de Tucumán sería para el año que viene, según me dice Morente, que me escribió desde allí, muy afectuoso y satisfecho. "Carta a Américo Castro, 1º de março de 1938"; Dentro de tres semanas saldremos para la Argentina. Me han hecho ya el nombramiento en firme de Tucumán : dos cátedras (...) por dos años prorrogables por otros dos y después indefinidamente (...) Amado Alonso se ha portado como un buen amigo... "Carta a Américo Castro, 16 de janeiro de 1939". In: Seijas, s/d, p. 6-7. O hispanoamericanismo de Luzuriaga é reforçado pelas relações com intelectuais da região e espanhóis que veem na aproximação com as antigas colônias uma plataforma de ação política e cultural, movimento que se desdobra tanto em inclinações potencialmente conservadoras - identificadas com o regate de uma glória perdida com a derrocada definitiva do império espanhol em1898 -, ou como uma alternativa de reposicionamento das alianças no tabuleiro político de então - foi plataforma de ação de importantes intelectuais espanhóis em sua luta anti-franquista, bem como instrumento de propaganda de grupos letrados latino-americanos em seu confronto contra a hegemonia cultural e política exercida já pelos Estados Unidos na região. Em que pese o fator político não estar ausente de outras modalidades em que tenha se manifestado, o hispano-americanismo também apresentou ancoragens em campos como a literatura, as artes, a crítica histórica, o pensamento econômico, entre outros, formas de expressão que, todavia, suplantam em muito o horizonte analítico divisado por este trabalho. Apenas para corroborar a hipótese da configuração de redes intelectuais entre os exilados espanhóis, Américo Castro, o destinatário da carta de Luzuriaga indicada acima foi, como seu interlocutor, um republicano liberal, inspirado pela orientação krausista que fundamentou a criação da ILE e entusiasta da cultura germânica. Exilado político como Lorenzo Luzuriaga, seguiu para os Estados Unidos em 1938, donde permaneceu como professor em várias universidades até bem próximo do fim da vida (Wisconsin, Texas, Princeton, Califórnia e San Diego). Ganhou o título de professor honorário em universidades da América Latina, Universidad Nacional de La Plata, de Santiago de Chile e Nacional Autónoma de México. Estudioso do hispanismo, interessou-se também pela manifestação desse tema no que se aplica ao Novo Mundo, tendo publicado em 1941 Ibero-América, su presente y su passado. A comunicação de Luzuriaga com Américo de Castro aponta, a nosso ver, para a ampliação da escala de atuação das redes intelectuais espanholas em meados do século XX, englobando críticas que se produziam, no que se refere à América, tanto na periferia representada pelos países formados após a desagregação do império espanhol quanto no centro nervoso da política e da economia internacional, os Estados Unidos. Para o aprofundamento do tema, consultar Bonardi (2004).

10 Fundada em agosto de 1938 por Gonzalo Losada, a casa Losada não tarda a acolher em seu comitê editorial Luis Jiménez de Asúa e Lorenzo Luzuriaga. Ela oferece aos exilados uma fonte de trabalho quase inesgotável. Rafael Alberti se refere a Gonzalo Losada nestes termos: "Nuestro editor lleno de genio e iniciativas, un verdadero adelantado quien nos resolvió nuestra tan incierta situación". O próprio Gonzalo Losada sublinha que: "La editorial nació ante todo por un afán de imperativo de libertad [...] Quería además dar empleo a los exiliados republicanos que por esos años llegaban a Argentina". Durante a década peronista, a casa Losada se afirma como uma caixa de ressonância do espírito republicano e publica as obras interditadas por Franco. Isso lhe valeu o sobrenome de "la maison d'édition des exilés" e seu catálogo foi proibido na Espanha. Bonardi, 2004, p. 57. (tradução livre)

11 Foi na Revista de la Pedagogía, a qual abrigava a Coleção Biblioteca Pedagógica, que saiu publicado o livro Historia de la Educación y de la Pedagogia.

12 Fundada por Lorenzo Luzuriaga e Francisco Ayala, a revista Realidad foi publicada entre janeiro de 1947 e dezembro de 1949, totalizando18 números. Francisco Ayala desejava fazer dessa revista: "Una revista de ideas, un sesgo marcadamente ensayístico y crítico, excluyendo de sus páginas los textos de pura invencion poética, verso o prosa". Bonardi, 2004, p. 57. (tradução livre)

13 No total foram publicados cinco títulos de Lorenzo Luzuriaga na série Atualidades Pedagógicas: A pedagogia contemporânea, 1951 (vol. 53); Pedagogia, 1953 (vol. 56); História da educação e da pedagogia, 1955 (vol. 59); História da educação pública, 1957 (vol. 71) e Pedagogia social e política, 1960 (vol. 77). O único que recebeu reedições além de História da educação e da pedagogia foi o vol. 56, Pedagogia.

14 João Batista Damasco Penna se formou na Escola Normal Caetano de Campos, em São Paulo. Anos depois foi convidado por Lourenço Filho para fazer parte da equipe de revisão paulista dos testes Simon - Binet e também para lecionar nas classes iniciais do Liceu Rio Branco. Substituiu Lourenço Filho na Escola Normal no período em que este se ausentou para assumir a Diretoria da Instrução Pública do estado, em 1930. Damasco Penna atuou também como secretário particular de Fernando de Azevedo em 1933, quando este foi empossado no cargo de Diretor da Instrução Pública paulista. Para maiores informações, consultar Toledo (2001), especialmente pp. 240-1; e Roballo (2012), p. 159.

15 Entre 1943 e 1958 Gonzalo Losada e Luzuriaga trocaram 58 cartas. A propósito, consultar Seijas, s/d.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Recibido el 30 de junio de 2013.
Aceptado el 1 de noviembre de 2013.

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