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Historia de la educación - anuario

versión On-line ISSN 2313-9277

Hist. educ. anu. vol.21 no.1 Ciudad autonoma de Buenos Aires. jun. 2020

 

Dossier

MISSÃO DE ESTUDOS AO URUGUAI: O QUE DIZEM OS PROFESSORES ACERCA DO JARDIM DE INFÂNCIA1

Caroline Braga Michel1 

Eduardo Arriada2 

Gabriela Medeiros Nogueira3 

11(Universidade Federal do Rio Grande). Contacto: caroli_brga@yahoo.com.br

2 Doutor em Educação e Professor Associado da Universidade Federal de Pelotas (UFPel): earriada@hotmail.com (Universidade Federal de Pelotas)

3 Doutora em Educação e Professora Associada da Universidade Federal do Rio Grande (FURG): gabynogueira@me.com. (Universidade Federal do Rio Grande)

Resumo

Este artigo tem como objetivo analisar as impressões de um grupo de professores acerca da organização e funcionamento do jardim de infância de Montevidéu, no Uruguai. Cabe ressaltar que esse grupo integrou a missão de estudos ao Uruguai, no ano de 1913, designada pelas autoridades gaúchas, e tinha como intuito qualificar o sistema de ensino do Rio Grande do Sul que estava em fase de consolidação e expansão. Nesse momento histórico, o Uruguai era o espelho para o Rio Grande do Sul, uma vez que era visto como uma próspera república com um processo acelerado de modernização, em que a educação tinha alcançado níveis elevados de eficiência. Fato percebido por muitos, incluso pelo político francês Clemenceau, que em sua viagem pela América do Sul (1910), pôde perceber o alto grau de escolarização da sociedade uruguaia. Trata-se, portanto, de uma pesquisa de cunho documental, cuja fonte principal de análise foi o Relatório de viagem, escrito pelo grupo de professores que integrou a missão. As impressões contidas nesse documento tratam, especialmente, sobre aspectos relativos à cultura material escolar e à formação de professores. Além disso, possibilitaram evidenciar que, na perspectiva dos comissionados, essa instituição, que atendia crianças de 3 a 6 anos de idade, honrava sobremaneira a sua fundadora e as orientações de Froebel.

Palavras-chave Jardim de infância, Uruguai, Missão de Estudos

Abstract

This study aims to discuss a group of teachers’ perceptions on the organization and operation of Kindergarten in Montevideo, Uruguay. It should be noted that such a group of teachers was part of a study mission to Uruguay, in 1913, nominated by the authorities of the State of Rio Grande do Sul (Brazil). The mission was intended to qualify the State’s educational system, found under a consolidation and expansion process. At that time, Uruguay was a mirror for Rio Grande do Sul, historically seen as a prosperous Republic with an increased modernization process where education had reached high levels of efficiency. This was a well-known fact: including the French politician Clemenceau, on his travels through South America (1910), pointed to the high level of schooling in Uruguayan society. Therefore, the main source of analysis for this documentary research is the Travel Report written by the group of teachers who were part of the mission. The impressions contained in the document deal especially with aspects related to school material culture and teacher training. In addition, they made it possible to show that, from the commissioners’ perspective, such an institution, which served 3- to 6-year-old children, greatly honored its founder and Froebel’s guidelines.

Keywords: Kindergarten; Uruguay; Study Mission

Introdução

No final do século XIX, assim como nas primeiras décadas do século XX, havia a prática por parte das autoridades brasileiras, de enviar missões educacionais ao estrangeiro. O anseio em conhecer o funcionamento e os padrões de ensino de países mais adiantados caracterizou-se pela crença de que as sociedades com um sistema de ensino mais estruturado e avançado, serviriam como modelos de referência para aqueles que estavam em fase de consolidação de um sistema nacional. Por serem considerados exemplares e eficientes diversos aspectos educacionais desses países, tidos como mais civilizados e desenvolvidos, foram reconhecidos e avaliados como positivos e dignos de serem seguidos (Nóvoa e Schriewe, 2000). Assim, por oportunizarem olhares de familiaridade e estranhamento que tentavam “inspirar e legitimar mudanças” nos contextos próprios daqueles que realizavam as travessias (Mignot e Gondra, 2007, p. 9), por vezes, as viagens de estudo foram patrocinadas pelo poder público.

Seguindo essa perspectiva, as autoridades do Rio Grande do Sul, na figura do presidente de Estado, Antonio Augusto Borges de Medeiros2, designaram uma missão de estudos ao Uruguai com o objetivo de conhecer o sistema de ensino público uruguaio a fim de identificar possibilidades modernas que contribuíssem para a melhor estruturação do sistema educacional do Rio Grande do Sul. A referida missão foi constituída por duas viagens. A primeira, realizada no ano de 1913, e composta por um grupo de dois professores e quatro professoras, permaneceu por três meses em Montevidéu. Durante a estadia no país vizinho visitaram escolas de ensino primário, as instituições consideradas no país como modelares por atenderem as especificidades de ensino como, por exemplo, crianças surdas e propensas à tuberculose, o Instituto Normal de Señoritas3 e a escola de aplicação anexa, o jardim de infância, o asilo maternal, a biblioteca nacional e o museu pedagógico. A segunda viagem, realizada em 1914, foi integrada por um grupo de seis professoras, sendo que três delas permaneceram até o ano de 1917 no Instituto Normal de Señoritas para aprimorar suas práticas e seus conhecimentos.

Considerando a missão de estudo anteriormente citada, buscou-se neste artigo, identificar as impressões de um grupo de professores acerca da organização e funcionamento do jardim de infância, situado no Uruguai. Esta opção deve-se ao fato de percebermos que há poucas produções do campo da história da educação uruguaia sobre a temática dos jardins de infância. Para tanto, a análise pautou-se no Relatório de viagem que foi redigido pelo grupo de professores que viajou a Montevidéu no ano de 1913 com o intuito de manter o governo do Rio Grande do Sul informado sobre o trabalho que estava sendo desenvolvido no Uruguai4. Todo o documento está datilografado com letra de imprensa e redigido em português, com exceção dos anexos que apresentam os horários de cada ano escolar das instituições de ensino visitadas que está em espanhol. Vale destacar que o Relatório de Viagem é composto por 12 documentos independentes, os quais possuem em torno de meia página, excetuando o que contém as observações referentes ao jardim de infância, que ocupam praticamente duas páginas, sendo este, portanto, o relatório analisado para a produção deste texto. Além deste documento, foi considerada, também, o Anales de Instrucción Primaria (1907), que é uma revista criada no ano de 1903 pela Direção Geral de Instrução Pública do Uruguai, em substituição ao Boletim do ensino primário, objetivando sanar tanto uma necessidade de “[...] funcionamiento interno, como en sus relaciones exteriores.” (Anales De Instrucción Primaria, 1903, p. 1).

Trata-se, portanto, de uma pesquisa de cunho documental, a qual considera que os documentos não mostram o passado vivo como se algo estivesse lá esperando para ser descoberto. Pelo contrário, ao investigar os documentos mencionados foi preciso compreender que a escrita do grupo de professores, especialmente, está “[...] tratando de uma das versões sobre os fatos, de uma das histórias possíveis, vista sobre determinado ponto de vista e a partir dos indícios que o passado nos apresenta [...]” (Fischer, 2002, p. 8). Assim, o Relatório de viagem apresentado pelos comissionados no ano de 1913, é entendido como um documento que não é neutro, uma vez que a escrita é uma atitude reflexiva transposta ao papel (Mignot e Silva, 2011). Vale ressaltar, desse modo, que por tratar-se de um documento oficial exaurido por um grupo de professores do Rio Grande do Sul, sob a chancela do poder público, ele se coaduna nas justificativas e defesa da proposta apresentada e depois executada. Esse grupo fala em nome de um coletivo (o Governo Estadual). Além de buscar justificar, havia o intuito de propagandear a atitude ousada, coerente e pragmática das autoridades públicas de buscarem qualificar o ensino gaúcho. Logo, o registro não se esgota no que foi selecionado, visto e observado, mas está circunscrito às diferentes interpretações do grupo de professores, às distintas crenças, valores e experiências que estes carregavam consigo e que, consequentemente, permearam as reflexões tecidas.

Diante do exposto, salienta-se que este artigo está organizado em duas seções. Na primeira, levando em consideração o grau de distinção do Uruguai e a vigência de um modelo político partidário, tanto no Rio Grande do Sul como no Uruguai, estruturado no positivismo, apresenta-se o contexto de modernização em que este país se encontrava no início do século XX. Na segunda, são abordadas as impressões dos professores acerca da observação realizada no jardim de infância de Montevidéu, as quais possibilitaram evidenciar a relevância de um trabalho pautado nas orientações de Froebel, para atender, institucionalmente, de maneira diferenciada a infância. E, ainda, o pioneirismo do jardim de infância de Montevidéu vinculado a ações do Estado.

Uruguai: seu processo de modernização

Procurar no estrangeiro, em países tidos como referência, o que era considerado novo e/ou avançado para o setor educacional foi uma prática reincidente no início do século XX, pois se acreditava, como se destacou anteriormente, que o moderno estava situado em outras nações. Assumindo essa compreensão, o Rio Grande do Sul também procurou subsídios para reorganizar seu sistema de ensino público nas práticas desenvolvidas em outras nações.

Em suas pesquisas, Werle (2008) demonstra que não foram poucos os registros, nos documentos oficiais do Estado no período imperial, de viagens realizadas a países como a Holanda, a Bélgica, a Inglaterra, os Estados Unidos, a Prússia, a França, a Suécia, entre outros. Ao analisar Relatórios posteriores aos investigados pela autora, é possível perceber a menção a diferentes países dos Estados Unidos e da Europa no que tange à construção de prédios, aos métodos de ensino, as disciplinas ministradas no ensino primário, ao mobiliário e espaços utilizados e a organização da inspeção escolar, entre outros. Assim, evidenciou-se que as autoridades gaúchas não só tiveram as experiências desses países como base para suas ações e decisões como incentivaram e financiaram o intercâmbio de estudantes e professores em missões de estudos a esses locais durante o século XX. Dessa maneira, é interessante questionar: Por que o Rio Grande do Sul organizou uma viagem pedagógica ao Uruguai, em um período em que as tradições européia e americana eram mais significativas?

Dentre os elementos que respaldaram a determinação das autoridades gaúchas em designar uma missão de estudos ao Uruguai cita-se como exemplo: a distinção do Uruguai; o caráter internacional que configuraria a viagem, uma vez que à época era atribuída certa relevância às viagens internacionais; a localização geográfica do Uruguai que torna os povos rio-grandenses e uruguaios mais próximos, a ponto de se identificarem como “los hermanos”; a similaridade entre o português e o espanhol, que facilitaria a compreensão do grupo de professores; o baixo investimento financeiro com a missão que, em virtude da proximidade geográfica, provavelmente, reduziria os custos da viagem; as relações culturais, políticas e econômicas estabelecidas entre o Rio Grande do Sul e o Uruguai e a vigência de um modelo político partidário, tanto no Rio Grande do Sul como no Uruguai, estruturado no positivismo (Michel, 2017).

Tendo em vista a distinção do Uruguai no momento em que foi realizada a missão de estudos, passa-se a mencionar alguns aspectos do contexto sócio-político e educacional do Uruguai. Assim, destaca-se que foi durante as primeiras décadas do século XX, em parte pela política engendrada pela administração do governo de José Batlle y Ordóñez, que o Uruguai implantou efetivamente uma configuração e uma ideologia de classe média, procurando erigir uma modernização do país, a qual estaria assentada no predomínio do mundo urbano, no desenvolvimento industrial, e na secularização das relações sociais.

Diversas reformas políticas foram encaminhadas durante o seu governo. Em 1905, Carlos Roxlo e Luis Alberto de Herrera, formulam um projeto de lei do trabalho, que entre outras coisas estabelecia: fixação da jornada de trabalho, limitações ao trabalho de mulheres e de crianças, acidentes de trabalho, organização e higiene das oficinas. Posteriormente agudizadas por projetos de 1911, ficou determinada a jornada de 8 horas de trabalho, proibição do trabalho de menores, licença para as mulheres no período do parto, e semana de trabalho de 40 horas, melhorando, desse modo, as condições de trabalho da classe trabalhadora (Devoto, 1956; Machado, 1973; Bouret; Remedi, 2009; Nahum, 2013).

Para José Pedro Barrán e Benjamin Nahum (1977, 1983), entre 1860 e 1910, foi construída uma estrutura moderna de Estado, uma vez que expandiu-se e organizou-se a pecuária dentro de novos conceitos de produtividade (afinal, era o principal produto das exportações do país), estabelecimento das primeiras indústrias. Por sua vez, outros historiadores (Pacheco e Sanguinetti, 1957; Machado, 1973), entendem que Batlle y Ordóñez aproveitou a não existência de uma classe hegemônica, para defender os interesses dos pequenos capitalistas e trabalhadores. Articulando uma política redistributiva baseada no poder de Estado, colocou-se como o fiel da balança nas disputas entre as classes sociais.

Reafirmando o que parcialmente Barrán e Nahum diziam em relação ao moderno estado estruturado nessa época, Caetano e Rilla (1994, p. 108), consideram:

El batllismo nació en el Estado, dueño a esa altura de una incontrastable fuerza militar confirmada en 1904 y agente de una práctica interventora en lo económico y social. Nació también en un partido de larga tradición, una de cuyas piezas claves era el ejercicio mismo del gobierno (desde hacía cuatro décadas), que a su vez lo había identificado con el Estado, su burocracia y el grupo de políticos que había hecho de la actividad política su profesión.

Do ponto de vista do Estado, havia uma proposta que privilegiava nitidamente a fusão de identidades, sobre um eventual intento de harmonizar as diversas tradições preexistentes. Fundamentalmente buscavam uma supremacia do público sobre o privado; uma matriz democrático-pluralista ancorada numa base estatizante; a reinvindicação de um caminho reformista se sobrepondo simbolicamente a antinomia conservadora e/ou revolucionária; uma primazia do urbano sobre o rural; um cosmopolitismo eurocêntrico; e a exaltação de um legalismo, entendido como o respeito irrestrito às regras do jogo (Caetano, 2001).

Em relação à educação, a grande pergunta era a quem cabia a responsabilidade de ministrar conhecimento às novas gerações. Até esse momento, havia quase um consenso que a responsabilidade era da Igreja Católica. Essa concepção claramente liberal apontava para o Estado o papel de tutelar e fiscalizar os direitos do cidadão, não intervindo diretamente nas relações de ofertas desse ensino, como procuram deixar claro os representantes da Igreja. Apesar das diversas articulações, protestos, conferências e pregação por parte do clero, o Estado leva adiante os projetos apresentados ao Poder Executivo pelos Senadores Francisco Simón e Ricardo J. Areco no ano de 1918. Esse projeto, em seu artigo 10, estabelecia “que en ningún establecimiento privado de enseñanza podrá enseñarse religión”. Na exposição de motivos desse projeto, os autores assinalavam o seguinte: “los intereses colectivos están por encima de los intereses individuales. El niño debe ser educado teniendo en cuenta los intereses sociales” (Caetano, 2011, p. 223).

Estes projetos representaram a versão radical do espírito monopolizador imperante do batllismo. De todo modo, esse debate não se exauriu nesse período, durante décadas o Estado e a Igreja manterão acirradas disputas sobre a quem cabia educar os jovens.

Porém, mais além desse debate incessante e fundamental entre os defensores da escola laica, e os defensores da liberdade de ensino, importa registrar como se procurou plasmar nos centros educativos públicos a noção e práticas específicas da ‘moral laica’. O papel de alguns inspetores do ensino ilustra a árdua luta em prol de uma maior qualidade do ensino. É o caso de Abel J. Pérez, sem dúvida um dos grandes pedagogos do governo de Batlle y Ordóñez.

Herdeiro do laicismo e do republicanismo francês, Abel ocupou o cargo de Inspetor Nacional da Educação de 1900 a 19165, grande parte da legislação escolar de caráter reformista foi aprovada durante a sua gestão. Criaram-se numerosas escolas públicas, cursos noturnos para adultos, escolas de surdo-mudo, elaboraram-se programas, instalaram-se inspeções regionais, escolas de experimentação (idealizadas por Vaz Ferreira), estabeleceu-se a Inspeção de Ensino Privado, o Corpo Médico Escolar, e foram construídos inúmeros prédios escolares.

Em seu detalhado e minucioso trabalho intitulado “Memoria correspondiente a los años 1911 a 1914, inclusive presentada a la Dirección General de Instrucción Primaria”, bem como em diversos artigos escritos na revista pedagógica “Anales de Instrucción Primaria”, deixou assinalado o empenho de renovar alguns aspectos da Reforma Vareliana6 e aprofundar outros que se haviam começado a implementar. Era consciente sobre as demandas modernizadoras que surgiam das mudanças que estavam ocorrendo no país. Em sua perspectiva, a escola devia ser como no modelo vareliano, uma usina produtora de ‘patriotas’. Os próprios edifícios escolares deveriam estar em sintonia com essa nova ordem, devendo destacar-se antes que nada por sua “sencillez absoluta y elegancia de sus líneas generales” (Caetano, 2011, p. 226).

Ressaltados, ainda que em linhas gerais, os aspectos do contexto sócio-político e educacional do Uruguai que lhe renderam, no referido período, o status de ‘Suíça latino-americana’ passa-se, na próxima seção, a apresentar as impressões dos professores rio-grandenses acerca do jardim de infância visitado.

O jardim de infância uruguaio sob o olhar dos professores gaúchos

As distintas observações realizadas pelo grupo de professores rio-grandenses ao sistema uruguaio durante o tempo que permaneceu no país vizinho, no ano de 1913, foram registradas em um documento, o qual foi denominado Relatório de viagem. Assim, as análises aqui apresentadas pautaram-se principalmente no Relatório específico sobre a visita realizada ao jardim de infância, de Montevidéu.

Nesse sentido, é válido ressaltar que assim como o relatório independente das outras instituições observadas, o registro acerca do jardim de infância possui uma estrutura padrão, na qual inicialmente são apresentadas informações gerais sobre a instituição, tais como, identificação da mesma, grau de ensino que atende, nome da diretora responsável e aspectos gerais da infraestrutura. Posteriormente, são descritos o funcionamento das escolas e as respectivas impressões dos professores e professoras. É importante, destacar, ainda, que o Relatório de viagem sobre o jardim de infância é um documento produzido por professores em uma missão de trabalho e, portanto, deve ser considerado que o “sujeito escreve para um determinado fim, a partir de efeitos que quer provocar” seja no sentido de afirmar, criticar ou negar o que foi observado (Cardoso, 2011, p. 86). Desse modo, não é improvável que a escrita dos professores apresente tanto formalidades e protocolos quanto aspectos que interpelavam suas práticas e seus contextos de atuação.

Conforme consta no Relatório produzido, o jardim de infância foi observado por todo o grupo de professores, a saber, Alfredo Clemente Pinto, Affonso Guerreiro Lima, Georgina Godoy Moritz, Ondina Godoy Gomes, Florinda Tubino Sampaio e Marietta Freitas Chaves. A visita foi realizada por três dias, de 10 a 12 de novembro de 1913.

Segundo essa comissão de estudos, tratava-se do estabelecimento mais atraente, simpático e alegre de todos os visitados em Montevidéu, atendendo, geralmente, às crianças das classes pobres, que tinham entre 3 e 6 anos. Além disso, há o destaque de que ele servia de base, como uma estação intermediária entre o lar e a escola primária, sendo “incalculaveis os benefícios que prestam a um cem número de criaturinhas nascidas e criadas num meio de privação e miséria, quando não de vícios e corrupção” (Relatório de Viagem, 1914, p. 220). Assim, a finalidade do mesmo não era tanto “instruir como educar'': - educar o corpo, educar o espírito, educar o coração da criança; ensiná-las a ver com os seus olhos, a ouvir com seus ouvidos, a servir-se de duas mãos para observar, a comparar, a falar. Ali a criança prepara-se para se instruir” (Ibidem). Compreensão e objetivo esses que não fugiam da tendência da época observada em outros estabelecimentos do mesmo gênero já instituídos, a partir da metade do século XIX, em outros países da Europa e dos Estados Unidos, que eram postulados como novidade por suas propostas modernas e científicas (Kuhlmann Jr., 2007).

Ancorados nos pressupostos positivistas, tanto Alfredo Clemente Pinto, Diretor da Escola Complementar de Porto Alegre, quanto Afonso Guerreiro Lima, Diretor da Instrução Pública, viam a educação como um investimento que a sociedade faz para colher os frutos mais adiante. Eles compreendiam a necessidade de preparar, desde a mais tenra idade, as futuras gerações que estariam potencialmente capacitados a assumirem as lideranças da nova sociedade. Ao Estado cabia o papel de provir o sistema escolar dos recursos necessários para que essa realidade se efetivasse.

Como diretora responsável pelo jardim de infância de Montevidéu estava Enriqueta Compte y Riqué7 que havia viajado à Europa, no ano de 1889, a fim de estudar a Pedagogia de Froebel e a organização dessas instituições. Nessa viagem, conheceu os jardins de infância de países como Bélgica, Holanda, Alemanha, Suíça e França e aprofundou seus conhecimentos sobre os estudos de Froebel. Ao regressar de sua viagem, inaugurou em 1892, seguindo a organização belga, o primeiro Jardim de Infância de Montevidéu8 (Relatório de Viagem, 1914). Segundo a diretora, essa opção deu-se em virtude de se ter, nesse modelo, mais autonomia frente às orientações de Froebel, o que implica na ressalva de defesa, por parte da diretora, de uma adaptação dos modelos observados à realidade uruguaia. Além disso, é interessante notar a vinculação do pioneirismo do jardim de infância de Montevidéu estar diretamente vinculado a ações do Estado, uma vez que nesse período, como mostrou Kuhimann Jr (2007) em suas pesquisas, era frequente a constituição de jardins de infância pela iniciativa privada em outros países.

O estabelecimento inaugurado por Enriqueta Compte y Riqué, foi o primeiro Jardim de Infância na América Latina, e apresentava, portanto, uma nova concepção para essa instituição, não mais apenas um local de acolhimento, mas sim um espaço adaptado para os processos de ensino e de aprendizagem das crianças. Por meio de jogos, cantos e outras atividades orientadas por uma professora especializada, buscava-se compreender a psicologia da infância, vista agora como uma idade criativa e onde era possível lançar as “sementes da personalidade futura do homem e que, portanto, deve ser enfrentado com forte consciência teórica e viva sensibilidade formativa” (Cambi, 1999, p. 427).

Em seus escritos, Riqué (2010) frisaba: “Creemos haber tratado a los niños como plantas de jardín y no de invernadero. Ellos están expuestos a todas las impresiones del exterior que sufren y combaten bajo nuestra dirección, pero con sus propios esfuerzos” (Riqué, 2010, p. 24).

Posteriormente, em outros textos9, Riqué (2010, p. 85) enfatiza a necessidade de incorporar-se a formação do magistério o ensino da psicologia experimental e a psicologia da infância, “Debe hacerse propaganda para conseguir que la enseñanza profesional del maestro, introduzca en su programa la Psicología Experimental por el método de observación, estudiando al niño en distintas fases de su desarrollo, como individuo y como elemento del conjunto que se llama clase o grupo escolar”.

Em diversos momentos ela salienta a importância desse componente. Ao tratar da leitura, por exemplo, registra:

He encontrado niños rebeldes para el fonético-analítica-sintético, preconizado y adoptado en nuestros tiempos […] la lógica del razonamiento no siempre está en relación con la aptitud de oír bien un sonido, descomponer los que entran en determinada palabra y unir los que se oyen separadamente. Niños que siendo pequeñitos, llamaron la atención por su precocidad para razonar, para descubrir relaciones de forma, de número o de color al iniciarse la enseñanza de la lectura, no siempre quedan comprendidos en el grupo adelantado. Cuando nuestras inclinaciones en esos casos, nos han llevado a probar otros métodos, hemos visto triunfar algunas veces, al antiguo llamado de silabeo (Riqué, 2010, p. 83).

Seguindo essas premissas, no ano de 1913 funcionavam no jardim de infância de Montevidéu10 dois cursos, com um total de 370 matrículas. Um era o jardim de infância propriamente dito, que atendia, em classe mista, e com duração de três anos, crianças com idade entre 3 e 6 anos. E o outro era de ensino primário, que possuía uma aula preparatória e os 1º, 2º e 3 º anos, frequentados somente por meninos (Relatório de Viagem, 1914). Contudo, essa configuração tomou forma a partir de 1899, quando as autoridades uruguaias autorizaram, em caráter avaliativo, o acréscimo de matrículas para o 5º ano. Até esse período funcionavam nessa instituição 5 classes, a saber, a 1ª (de 3 a 4 anos), a 2ª (4 a 5 anos), a 3ª (5 a 6 anos), a 4 (6 a 7 anos) e a preparatória, destinada aos ensinamentos ministrados nas demais classes regulares do sistema de ensino. De acordo com informações apresentadas em documentos uruguaios, diferentes argumentos foram elencados à Direção Geral de Ensino do Uruguai, pela direção do jardim de infância, para esse aumento no número de classes ofertadas. Dentre eles, salienta-se o plano concebido de transformar a instituição em uma escola froebeliana que atendesse as necessidades das crianças, uma vez que se considerava que o programa escolar das demais escolas não estava preparado para receber as crianças que concluíam o jardim de infância em nenhuma de suas divisões. Segundo a referida documentação, até esse término, a infância transcorria risonha em um ambiente de fraternidade cujas recordações não se apagariam jamais (Anales, 1907).

Ao todo, atuavam na instituição, em 1913, além da diretora, 8 professoras. No que diz respeito ao horário de funcionamento do jardim de infância, ressalta-se que no período do inverno, as atividades eram desenvolvidas das 12 às 16:30 da tarde e, no verão, das 8h ao meio dia.

Quais as impressões que os professores rio-grandenses tiveram acerca do sistema educacional uruguaio e, em especial, do jardim de infância?

A primeira observação registrada pelo grupo de docentes foi que, assim como as demais instituições visitadas, o jardim de infância estava instalado em um edifício magnífico, construído ad hoe, “com salas alegres, hygienicas, bem iluminadas e ventiladas, satisfazendo cabalmente a todas as exigências de um estabelecimento de tal natureza”. (Relatório de Viagem, 1914, p. 230). A respeito da edificação escolar imponente, é válido mencionar que a instituição recebeu um prédio próprio e que estava em fase de conclusão de suas obras no ano de 1913. Anteriormente, a instalação da instituição era antiga e formada por dois edifícios interligados, tendo um terreno central destinado ao jardim. Provavelmente, essa construção em fase de conclusão trata-se do projeto do proprietário de terreno, Sr. Vilaró, pois há registro de existência do mesmo desde 1907 (Anales, 1907). A imagem do novo prédio pode ser visualizada na figura exposta a seguir:

Figura 1: Vista exterior do edifício do jardim de infância. Fonte: Memória de Abel J. Pérez, 1916, p. 97. 

As edificações escolares, por meio de sua arquitetura, materializavam e davam a ver as projeções políticas e culturais que se queria imprimir nesse período. Além disso, a construção de prédios escolares monumentais representava não só a possibilidade de seguir as orientações higiênicas e pedagógicas (tais como luminosidade, ventilação e espaço) como também contribuía para aferir “o grau civilizatório de uma sociedade” (PossamaiI, 2009, p. 149).

Nesse sentido, ressaltam-se as palavras do Inspetor uruguaio Abel J. Pérez de que:

La escuela sencilla y elegante, constituye el patrón permanente a que el alma del alumno que a ella concurre, asocia sus primeras emociones artísticas surgidas de esa escuela, que es bella, que es suya, y que desde entonces queda a ser como la unidad comparativa para juzgar y apreciar otras bellezas. (Memoria Abel J. Pérez, 1916, p. 36).

Sobre o mobiliário escolar, o grupo de professores observou que no jardim de infância eram utilizados, assim como no Rio Grande do Sul, as carteiras americanas que eram importadas dos Estados Unidos da América. Entretanto, nessa instituição, os bancos e as carteiras eram proporcionais aos tamanhos das crianças. Assim, desde o início das atividades da instituição “En las clases A, B, C y D, las mesas y los bancos son froebelianos, sin cuadrícula (sistema Bruselas). En E, F, G y H son Varela reformados (Uruguay).” (Anales, 1907, p. 296). Contudo, nas classes atrasadas, “sentam-se estas em rodas de mesas à sua altura, ficando assim umas voltadas para as outras.” (Relatório de Viagem, 1914, p. 220).

O material de ensino utilizado “...compõe-se de todas as séries dos dons de Froebel. O piano é indispensável; não se concebe um jardim de infância sem esse instrumento [...]” (Ibidem). O fornecimento de materiais, de acordo com o número de estudantes, foi muito elogiado na escrita dos professores rio-grandenses. Nesse sentido, salienta-se que o registro sobre a diversidade de materiais escolares e o fornecimento dos mesmos pelas autoridades uruguaias no Relatório de viagem além de evidenciarem, para o grupo de comissionado, o investimento financeiro do Uruguai, denotam uma compreensão acerca do ensino e do modo que o mesmo deveria ser desenvolvido no período republicano: o mais prático possível. Da mesma maneira, enfatiza-se sobre os artefatos da cultura material que não existem “materiais soltos, sem gêneses e, consequentemente, sem valor social e político”, ou seja, “os materiais só adquirem uma existência, enquanto tais, porque estão diretamente ligados à produção de determinado conhecimento escolar” (Felgueiras, 2005, p. 159).

Vale frisar sobre esses registros, que os aspectos mencionados acerca da diversidade de materiais escolares e do fornecimento dos mesmos evidenciam o olhar estrangeiro de admiração e encantamento dos professores rio-grandenses em relação ao seu país de origem. Segundo Peres (1999), o fato de a comissão ter registrado a diversidade de materiais existentes nas escolas uruguaias visitadas e o contínuo fornecimento dos mesmos mediante a simples solicitação das diretoras das escolas à Direção Geral é um indicativo de que no Rio Grande do Sul, provavelmente, a realidade fosse bem diferente. Certamente, mesmo sendo distribuídos os mesmos tipos de materiais (Michel, 2017), pela ênfase da comissão rio-grandense no Relatório de viagem a este aspecto, é possível inferir que a carência de objetos nas escolas gaúchas fosse significativa.

Seguindo a perspectiva de um trabalho diferenciado com a infância, nas aulas do jardim de infância não existiam horários fixos, nem as professoras tinham diário de classe; “qualquer incidente, um quadro, uma gravura, um chromo fornecem assumpto para as lições”, uma vez “o fim do jardim não é tanto instruir como educar” (Relatório de Viagem, 1914, p. 220-221).

Assim, os exercícios e as atividades desenvolvidas acompanhavam as leis do desenvolvimento psíquico da criança e os dons de Froebel, que desempenhavam a primeira e principal concepção de trabalho. “No se ven ninguna parte carteles de enseñanza analítica, porque no corresponden á la índole de nuestro programa, la presentación ni la representación de cosas por fragmentos.” (Anales, 1907, p. 296). Nesse contexto, ocupa papel relevante atividades como historietas, contos animados com alguma gravura ou um desenho feito a traços vivos e rápidos no quadro-negro, as atividades de dança, música, jogos, o desenho livre, os trabalhos manuais de papel, os exercícios rítmicos de ginástica, entre outras. “São, em summa, exercícios physicos aliados a exercícios intellectuaes, todos de uma forma attraente e agradavel” (Relatório de Viagem, 1914, p. 221).

Tinha-se por orientação para o trabalho pedagógico, portanto, os dons de Froebel. Sobre essa perspectiva, cabe ressaltar que o sistema de ensino froebeliano influenciou significativamente o ensino das crianças pequenas nesse período. Segundo Arce (2014), Froebel foi um dos primeiros educadores a se preocupar com a educação de crianças pequenas. Para ele, a infância, assim como uma planta, deveria ser objeto de cuidado atencioso: receber água, crescer em solo rico em nutrientes e ter a luz do sol na medida certa. Para Froebel, a atividade da criança é uma lei natural e o uso do material concreto, dos brinquedos, era fundamental “para o despertar da faculdade criadora” da criança. Sendo assim, criou materiais didáticos, que chama de dons, que ao serem utilizados com exercícios graduais, permitem desvelar “a inteligência que toda criança já tem, isto é, são meios para descobrir o que já existe e no momento adequado” (Bastos, 2011, p. 106).

A fim de elucidar o trabalho com os dons de Froebel, os professores da missão de estudos registraram que o 1º dom consta de uma caixinha de forma retangular, contendo 6 bolinhas de borracha, cobertas de malha de lã, sendo cada bola de cor diferente. Pendente da bola encontra-se um cordão com 25 centímetros de comprimento, sendo esse cordão da cor da respectiva lã. Tem-se por objetivo com esse material desenvolver os sentidos da vista e do tato, fixar a atenção da criança em um objeto determinado, fazê-la observar as principais propriedades do mesmo, sendo também de grande vantagem para os exercícios da linguagem. O 2º dom, por sua vez, igualmente consta de uma caixinha contendo, no entanto, uma esfera, um cilindro e um cubo de madeira. Com este dom tem-se por intuito despertar a atenção das crianças, dando-lhes noção de som, exercitá-la na análise e comparação de formas, desperta-lhe o espírito de observação e investigação (Relatório de Viagem, 1914).

A figura apresentada a seguir, demonstra o trabalho em classe, provavelmente, com o quinto exercício do 4º dom de Froebel que consistia em realizar construções com sete prismas:

Figura 2: Exercício de construção em uma classe do Jardim de Infância de Montevidéu. Fonte: Memória de Abel J. Pérez, 1916, p. 61. 

Para desenvolver esse trabalho, pautado nas orientações de Froebel, os professores rio-grandenses registraram que desde a fundação da instituição se adotou o sistema de rotação. Ou seja, nenhum aluno

[...] repite el curso, de modo que los niños que ingresan á los 3 años de edad entran al salón B; van pasando sucesivamente, con la misma maestra por C, D, E, F, G y salón de H. La maestra, después de despedir á los alumnos cuya educación dirigió durante 7 años, si permanece aún hecho conocer y vuelve á recomenzar después (Anales, 1907, p. 296).

Além disso, a diretora da instituição, Enriqueta Compte y Riqué, ministrou um curso especial do método froebeliano às professoras. Ressaltaram, ainda, o quão sólida precisa ser esta formação, uma vez que

É mister que esta tenha um preparo pedagogico todo especial, além de possuir múltiplos conhecimentos de physiologia, de hygiene, de psychologia infantil, deve ella estar familiarizada com os dons ou mimos de Froebel, ter-lhes compreendido perfeitamente as suas razões psycholocias, a sua importancia e o alcance educativo; deve conhecer o desenho, saber canto, tocar piano e, o que é mais, deve ter um grande tino pratico e o condão de attrahir as creanças [...] (Relatório de Viagem, 1914, p. 220).

Observa-se, pelo excerto, que dentre as características atribuídas à figura da professora está, por exemplo, saber tocar piano, amar as crianças, ser generoso, paciente, dedicada, possuir o hábito de estudo e conhecimento das orientações froebelianas. Entendimento esse articulado a tendência da época que redimensionava o papel da mulher do âmbito privado para o público, o que acabou contribuindo para criar características fundamentais à profissão em âmbito mundial (Bastos, 2011). Além disso, identifica-se a compreensão da época de que para desempenhar a função de professora de um jardim de infância necessitava-se ter “aptidões, qualidades e dotes especiais” (Relatório de Viagem, 1914, p. 220), por isso, eram admitidas na instituição, como professoras ou auxiliares de ensino, aquelas estudantes que tinham realizado suas práticas de ensino no jardim de infância. O que reforçava a relevância e o reconhecimento da prática no processo de formação docente no Uruguai, uma vez que uma boa preparação pedagógica se fazia, principalmente, com o treino, com a prática, com a imitação de modelos.

É importante frisar, nesse sentido, que a prática de ensino era um dos componentes da organização curricular dos cursos que preparavam os futuros professores para os demais níveis de ensino também, pois conforme defendia Vaz Ferreira11, por meio dessas experiências as alunas poderiam ampliar seus conhecimentos, uma vez que os fazeres docentes variavam de acordo com a infraestrutura e a realidade das escolas (Palomeque, 2012).

O aspecto da prática de ensino na formação docente e o desenvolvimento de um trabalho pedagógico diferenciado com a infância, sendo este o mais prático possível, sem horários fixos e acompanhando as leis do desenvolvimento da criança chamaram a atenção dos professores rio-grandenses, uma vez que até o momento do envio da missão de estudos ao Uruguai, a Escola Normal do Rio Grande do Sul apresentava uma formação bastante precária e totalmente desatualizada quanto aos métodos de ensino, vigorando basicamente o modelo arcaico da tradição humanista. Assim, em síntese, ressalta-se a partir dos registros analisados que a missão de estudos ao Uruguai oportunizou aos professores rio-grandenses conhecerem uma realidade diferente da que era recorrente no Brasil.

Conclusão

O objetivo deste artigo foi analisar as impressões de um grupo de professores acerca do jardim de infância de Montevidéu, no Uruguai, em 1913. Assim, foi possível identificar, em linhas gerais, que a comissão de docentes enfatizou aspectos referentes ao funcionamento da instituição, da edificação e do mobiliário escolar, da concepção pedagógica de Froebel como orientadora do trabalho pedagógico desenvolvido e a formação das professoras que atuavam com crianças de 3 a 6 anos de idade. Do mesmo modo, observou-se, que a comissão pedagógica reiterou em suas escritas, o quanto estabelecimentos desse gênero contribuem para qualificar a educação de um país, permitindo a ele, à época, a exaltação de progresso. E, ainda, a relevância de um trabalho pautado nas orientações de Froebel, para atender, institucionalmente, de maneira diferenciada a infância. Além disso, foi possível evidenciar o pioneirismo do jardim de infância de Montevidéu vinculado às ações do Estado.

Assim, se por um lado, ao observar o portentoso prédio, a diversidade de materiais de ensino e alguns elementos referentes à formação docente, os professores rio-grandenses entenderam e destacaram no relatório de viagem, os aspectos considerados positivos e inovadores em relação a sua realidade, por outro lado, ainda que com ponderações, este material possibilita identificar as perspectivas de criança, infância e prática pedagógica que passaram a configurar o jardim de infância de Montevidéu à época.

Vale enfatizar que esses distintos elementos elencados pelos professores rio-grandenses, ainda que com ponderações, contribuem para compreender não só aspectos da cultura escolar e da cultura material dos jardins de infância, mas também problematizar as relações sócio-políticas que permitiram suas constituições, assim como as concepções que subsidiaram as práticas cotidianas desenvolvidas nesses espaços e tempos com a infância no início do século XX.

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1 Pesquisa financiada com recursos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

2Nasceu em Caçapava do Sul, no Rio Grande do Sul, Brasil, no ano de 1863 e faleceu em 1961. Borges de Medeiros diplomou-se em Direito no ano de 1885, na Faculdade de Recife. Integrou a bancada gaúcha na Assembleia Nacional Constituinte de 1890/1891. Em 1898 foi indicado por Julio de Castilhos para sucedê-lo na chefia do governo estadual, permanecendo no poder por mais de duas décadas. Seus mandatos tiveram somente um intervalo entre os anos de 1908 a 1913, quando assumiu Carlos Barbosa Gonçalves.

3Instituição estatal responsável pela formação de professores no Uruguai. Foi criada em 1882 em caráter de internato, passando, a partir de 1900, a ser externato e denominada Instituto Normal (Palomeque, 2012).

4Este documento foi disponibilizado no Relatório da Secretaria dos Negócios do Interior e Exterior do Rio Grande do Sul do ano de 1914.

5Sobre o tema consulte-se Palomeque (2012).

6Sobre o tema podem ser consultados: Lasplaces, Alberto. Vida admirable de José Pedro Varela. 2º edición. Montevideo: Palacio del Libro, 1944; Manacorda, Telmo. José Pedro Varela. Montevideo: Impresora Uruguaya, 1948; Demarchi, Marta; Rodriguez, Hugo. José Pedro Varela. Recife: Fundação Joaquim Nabuco/Editora Massangana, 2010.

7Nasceu em Barcelona, 1866, e faleceu em Montevidéu, 1949.

8Inaugurado em 10 de março de 1892, funcionava na Rua Agraciada nº 421 com 5 classes, de 3 a 7 anos.

9Proyecto sobre la creación de una Facultad de Pedaggía (1918).

10Em 31 de março de 1913, o “Jardín de Infantes” passa a funcionar em novo edifício na Rua Gral. Luna.

11A partir de 1903, a figura de Vaz Ferreira passa a ter relevância no cenário uruguaio no que diz respeito aos conhecimentos pedagógicos defendidos à época. Segundo Marelanes e Figueredo (2002), suas ideias começaram a ganhar impulso e influenciar a pedagogia, principalmente a partir do final da década de 1910 e 1920. Os pressupostos defendidos por esse intelectual partiam do positivismo, mas buscavam superá-lo. No que diz respeito às implicações de seu pensamento sobre os conhecimentos pedagógicos que deveriam estar articulados à organização curricular do ensino normal, cabe salientar a defesa de uma valorização da prática profissional no processo de formação docente.

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