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Historia de la educación - anuario

versión On-line ISSN 2313-9277

Hist. educ. anu. vol.21 no.1 Ciudad autonoma de Buenos Aires. jun. 2020

 

Dossier

A EDUCAÇÃO INFANTIL DA ASSISTÊNCIA SOCIAL PARA A EDUCAÇÃO: uma experiência no interior do Brasil Naviraí/MS (1974-2005)

THE CHILDREN’S EDUCATION FROM SOCIAL ASSISTENCE TO EDUCATION: an experience in Naviraí/MS, inland Brazil (1974-2005)

Montiel, Larissa Wayhs Trein1 

Sarat, Magda2 

1 Professora dos Cursos de Ciências Sociais e Pedagogia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, campus Naviraí. Mestrado e Doutorado em Educação pela Universidade Federal da Grande Dourados (2010-2019 respectivamente). Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Prática Educacional e Tecnologia Educacional, sendo líder da Linha de Pesquisa Prática Educacional e Formação de Professores. Membro do Grupo de Pesquisa Educacional e Processo Civilizador. E-mail: larissa.montiel@ufms.br

2 Professor Associado da Universidade Federal da Grande Dourados. Docência na graduação e na pós-graduação (Mestrado e Doutorado em Educação). Mestrado e Doutorado em Educação pela Universidade Metodista de Piracicaba (1999-2004 respectivamente). Pós-doutorado pela Universidade de Buenos Aires (2014). Pós-doutorado na Universidade Federal de Mato Grosso (2019). Pesquisador líder do Grupo de Pesquisa "Processo Educacional e Civilizador" do diretório do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. E-mail: magdaoliveira@ufgd.edu.br

Resumo

No Brasil atual a Educação Infantil é a primeira etapa da Educação Básica. Porém a história da educação da criança está ligada à filantropia e à assistência social. Se considerarmos as origens históricas do atendimento à criança desde as iniciativas do final do século XIX e ao longo de todo o século XX, inúmeras mudanças vão incidir nessa educação, até quando ela se torna direito da criança.Este artigo investiga a trajetória da educação pública da infância no interior do Brasil, considerando especialmente o município de Naviraí, no Mato Grosso do Sul, no período de 1974 a 2005, ou seja, desde a origem da primeira iniciativa de atendimento até o momento em que as instituições passaram da secretaria da Assistência Social para a Secretaria Municipal de Educação. Procuramos indícios das mudanças no atendimento para as crianças em fontes e documentos dos arquivos da Secretaria de Educação, num acervo composto por editais de concurso, planos municipais de educação e planos de cargos e carreiras docentes. Nas fontes verificamos que, em cidades brasileiras localizadas geograficamente longe dos centros urbanos, a educação da criança permaneceu sem a orientação do Estado, e as profissionais que atuavam nas creches ficaram mais tempo sem compreender a educação como direito, conforme a nova legislação propugnava, e ignoraram também os avanços pertinentes aos processos de mudança da assistência para a educação, que ocorreram de modo mais lento e gradual.

Palavras-chave: Educação Infantil; Assistência; História da Educação

Abstract

Nowadays in Brazil, the Children’s Education is the first step from Basic Education. However, the child’s education history is connected to philanthropy and the social assistance. If we consider the historical origins of childcare since the initiatives from the final of XIX century and during all XX century, innumerous changings have occured in this education, until it turns in children rights. This article investigates the children’s public education development inside Brazil, considering specially the city of Naviraí, in the state of MatoGrosso do Sul, from 1974 to 2005, since the origin of the first attendance’s initiative until the moment when the institutions were transfered from the Social Assistance to the Municipal Secretariat of Education. We searched signs of the changings in the children’s attendance in the Education Secretariat’s sources and documents, at a collection made of content’s edicts, municipal plans for education and teaching careers plans. In the sources we verify that at Brazilian cities located geographically far from the urban centers, the child’s education remains without orientation from the State, and the professionals who worked at kindergartens in the beginingstayed more time without comprehending the education as a right, as assured by the new legislation, and ignored the relevant advances concerning the changing processes of assistance to the education, which happened in slower and gradual pace.

Key-words: Children’s Education; Assistance; Education’s History

Introdução

Este artigo demostra os caminhos da educação infantil pública no interior do Brasil, especialmente na região sul do estado, que embora representa uma parte do Centro Oeste do país, também reflete os modos como a história da educação da criança brasileira se constituiu. Podemos apontar que o atendimento às crianças pequenas até cinco anos, se estende desde as iniciativas implantadas pelo movimento higienista, no final do século XIX com a criação das primeiras instituições públicas na cidade do Rio de Janeiro como: o Instituto de Proteção e Assistência à Infância (IPAI) e a criação da primeira Creche instalada junto a fábrica de Fiação de Tecidos Corcovado, ambos no ano de 1889 (Kuhlmann, Jr. 1998), passando ao longo do século XX por diversos tipos de atendimento, até se consolidar nos finais do século XX quando a Educação Infantil, como é chamada no Brasil, foi compreendida como um direito à educação, e primeira etapa da educação básica, por meio de um arcabouço legal composto pela Constituição Federal do Brasil promulgada em 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9394/1996 até o presente momento.

Neste contexto, buscando compreender a importância dos estudos e investigaçõessobre a infância e a criança nas pesquisas historiográficas, e apresentar o movimento ocorrido no município de Naviraí, no Estado de Mato Grosso do Sul1. O Município de Naviraí foi criado no movimento de expansão da região como lugar de ocupação da fronteira na região sudoeste do Estado de Mato Grosso do Sul, tendo sido fundado em 1952.

O trabalho tem como objetivo apontar o modo como a educação infantil se constitui historicamente e como se organizou, considerando o atendimento educacional à essa modalidade, especialmente no sentido da consolidação do direito à educação. Para tanto, utilizamos a análise bibliográfica na perspectiva histórica das legislações brasileiras que nos possibilitaram inferir sobre a temática, procurando os indícios, pistas e os sinais, (Ginzburg, 1989) para pensar no processo educativo onde as crianças foram atendidas historicamente em propostas filantrópicas e assistenciais representadas por creches (asilos), escolas maternais, jardins de infância e/ou pré-escolas inicialmente vinculados a Assistência Sociale, posteriormente, no final do século XX, passaram a ser atendidas pelas Secretarias de Educação dos municípios brasileiros por força de lei.

A proposta metodológica de cunho bibliográfico foi representada por legislações que regulamentaram a educação brasileira e os documentos representados por editais e registros de concursos docentes, que apontaram as alterações nas formas de atendimento ocorridas no recorte espacial e temporal da educação infantil proposta, qual seja, o município de Naviraí entre os anos de 1974 e 2005. Buscamos indicar também, por meio de entrevistas, a origem do atendimento no município e o período da transição do atendimento às crianças nas instituições que estavam a cargo da Secretaria de Assistência Social e passaram para a Secretarias de Educação. Tal fato ocorreu não somente no município em foco, mas em todo o país considerando o imperativo da legislação nacional que altera toda a forma do atendimento como a destinação dos recursos financeiros o que causou polêmicas, atrasos e muitos embates pelo país.

Trabalhamos com os arquivos das secretarias de educação e assistência social, considerando especificamente dois editais abertos para contratação de docentes que deveriam atuar junto às instituições, pois após a promulgação da LDBEN nº 9394 (Brasil, 1996) todos os candidatos aos cargos de docentes deveriam ter a formação concluída para exercê-lo conforme Lei que em seu Artigo 62 apontava:

A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio na modalidade Normal.

Tais documentos mencionados em conjunto com a bibliografia permitiram escrever a história da educação partindo do entendimento de que, “[...] cabe ao historiador interrogar sobre as dinâmicas de interdependência presentes a cada tempo e lugar do passado no sentido de dar inteligibilidade a tais mudanças” (Veiga, 2009: 18). Para compreender a história como um processo, adentramos o campo empírico o qual Thompson (1981) ensina que é muito difícil teorizar ou formular uma pesquisa sem versões das fontes empíricas, visto que o processo histórico é indeterminado e permanece sujeito a pressões teóricas como empíricas e desta maneira “[...] a história só pode ser teorizada em termos de suas propriedades peculiares” (Thompson, 1981: 97) e recorremos a história do atendimento à infância.

A educação da criança pequena no Brasil, atualmente é denominada Educação Infantil2, e prevê atendimento a educação da criança de 0 a 5 anos de idade em sistemas municipais de educação (Nunes et al., 2011), a bibliografia nos informa que historicamente ela passou por uma considerável mudança na qualidade dos sistemas municipais de ensino e, tais mudanças foram possíveis pela mobilização dos movimentos sociais, legais e institucionais articuladas pelo governo federal. Apresentamos este artigo em dois momentos: a) aspectos do surgimento das iniciativas de atendimento às crianças pequenas no Brasil, b) as mudanças no processo histórico da legislação sobre a infância na educação brasileira.

O atendimento à infância no contexto brasileiro: aspectos legais e históricos

No Brasil, assim como nos aponta a bibliografia, tivemos dois tipos de atendimento à infância se considerarmos a história da educação da criança, ou uma história do atendimento público para a infância, ou seja, um atendimento para as classes populares, e uma história de jardins de infância e atendimento particular para crianças das classes mais favorecidas. De qualquer modo ambas as formas de atendimento surgem em finais do século XIX, na corte do Rio de Janeiro, pesquisados por autores/as dos quais citamos entre outros: (KuhlmannJr.,1998; Kramer, 1995; Kishimoto, 1988; Merise et.al, 1997; Bazílio e Kramer, 2003; Monarcha, 2000; Lopes, Faria Filho & Fernandes, 2007; Gondra, 2011 etc.). Uma das obras clássicas de referência destes estudos é o “Histórico da proteção à infância no Brasil: 1500-1922”do Dr. Moncorvo Filho (1927).

Portanto, calcada nessa bibliografia pode-se dizer que o atendimento tem como característica a assistência e a educação, marcando de modo diverso as práticas, a organização, a destinação e as legislações que constituem o cenário dos atendimentos, a partir de propostas educacionais como os jardins de infância nos modelos froebelianos e as creches. Tais modelos criados na Europa marcaram uma relação entre Creche, instituição para filhos/as de mulheres trabalhadoras de classes populares, e os jardins de infância para crianças de classes mais abastadas, com propostas de atendimento distintas. No Brasil tais propostas provocam cisões nas formas de atendimento visto que uma destinação “de profunda conotação ideológica, não foram inventados no Brasil, pois, com algumas variações, preexistiram na Europa, mas aqui encontraram as condições para implantar-se e inspirar sentimentos e atitudes das elites intelectuais, profissionais e políticas em relação à infância” (Nunes et al., 2011), em um país de organização social escravocrata e desigual.

Neste contexto, vamos ter nos anos de 1875 no Rio de Janeiro e 1896 em São Paulo, o surgimento das primeiras iniciativas educacionais por meio dos jardins de infância, tais instituições são criadas apenas nas principais cidades e destinavam-se às classes mais abastadas. Seguindo as mudanças do final do Império aparece pela primeira vez uma proposta de legislação educacional em 1879 na Reforma Leôncio de Carvalho, a determinação de que em todos os distritos do Império fosse aberto um jardim de infância, com a função de cuidar da formação da criança antes dos 7 anos. Tal aspecto foi considerado importante em aparecer na legislação, mas nunca se efetivou e ficou restrita somente ao texto (Nunes et al., 2011).

No entanto, o cenário do início do século XX propõe iniciativas que partem dos médicos nos moldes de países europeus, seguindo os modelos higienistas e a puericultura, que era ideário em voga no final do século XIX e início do XX e se expressava por toda a América Latina como um modelo de civilidade dos povos que propugnavam pela civilização, melhoramento da raça, educação das crianças, princípio das nações que pregavam o progresso e nestes termos são criadas instituições de proteção à infância com esse caráter assistencialista que se espalha ao longo de todo o início do século XX (Kuhlmann, 1998). Um dos exemplos, o Instituto de Proteção e Assistência à Infância (IPAI) tinha como objetivo o atendimento em creche para as crianças menores de 2 anos, e enfatizava atender às mães nos últimos meses de gestação, e a divulgação das noções de higiene para a população pobre. Posteriormente, as atividades realizadas se ampliaram e se diversificaram por meio de cursos, campanhas de vacinação e combate às epidemias; festas consagradas à infância; à multiplicação de maternidades, creches e institutos de proteção à infância em diversos estados do Brasil; estudos sobre a mortalidade infantil e a participação em congressos, ações que indicavam a preocupação com a saúde e o atendimento à infância.

Esse Instituto realizou e desenvolveu um trabalho que influenciou nas concepções acerca dos modos de pensar as crianças para toda a sociedade brasileira do período, segundo Nunes et al. (2011), os objetivos se efetivavam ao realizarem ações gerais que abarcavam a saúde, a assistência e a educação, promovida e orientada pelo mesmo órgão. Em seu escopo, juntavam-se creches, jardins de infância, atendimento às crianças filhas de famílias empobrecidas, crianças com deficiência, saúde de bebês e infância desvalida, fazendo um trabalho relativamente unificado em diversas frentes. Neste contexto, podemos situar o início do conceito da inter-relação entre assistência, saúde e educação da criança.

Um grande debate a ser enfrentado na educação infantil brasileira é a relação entre assistência e educação já amplamente discutida por (Kuhlmann Jr., 1998; Silva, 1997, 2000; Montiel, 2019; Tavares, 2019), pois esse caráter prevaleceu por muito tempo embora sob várias ‘roupagens’, até culminar no tema deste artigo que é a passagem das instituições de educação infantil para a secretaria de educação saindo do âmbito da assistência social.

Observamos e acompanhamos a histórica falta de compromisso com as crianças e com a unificação de um atendimento para todas as crianças pois, no Brasil as propostas de atendimento educacionais sempre estiveram marcadas por iniciativas distintas, apresentando instituições diferenciadas por idades e classes sociais. Tivemos as creches para as crianças de 0 a 3 anos pensadas a partir da necessidade das mães trabalhadoras, para que não abandonassem seus filhos enquanto estivessem no trabalho. E as escolas maternais ou jardins de infância, para as crianças de 3 a 4 ou de 4 a 6 anos, com uma vertente educativa, embora em algumas propostas assistencialistas nas suas origens.

Quando apontamos que no Brasil teoricamente superamos o debate em pensar as formas de atendimento como educacional e assistencial de modo [...] dicotômico, concordamos com Kuhlmann Jr. (1998) ao defender que as creches, mesmo com características assistenciais, em seus primórdios, remetiam às crianças pobres uma proposta educativa como as escolas maternais e os jardins de infância. No entanto, o que diferenciava as creches dos jardins de infância que estavam pautados em objetivos e propostas pedagógicas, com foco no desenvolvimento cognitivo das crianças, foi seu caráter e sua destinação, ou seja, para o público ao qual ele seria destinado.

Portanto, nas instituições com um caráter mais assistencialistas elas estiveram pautadas na “subordinação” das crianças e das suas famílias, objetivando subordiná-las a um discurso de aceitação de sua condição social, impedindo-as de reivindicar seus direitos como cidadãos, a instituição se mostra como se o atendimento não fosse um direito do cidadão, mas sim um favor que o Estado estaria fazendo, esse é o aspecto perverso de uma proposta que subordina as classes já subalternizadas. Nas instituições cujas propostas são os jardins de infância ou escolas maternais, a proposta pedagógica levaria a “emancipação” por estarem pautadas no desenvolvimento cognitivo buscando ampliar as potencialidades da criança, seus saberes e oportunidades, estas por pertencerem a uma classe mais abastada, tem suas oportunidades aumentadas e a perspectiva de uma pedagogia mais libertadora é maior. Deste modo, o que estaria em debate seria os objetivos das propostas que sendo diferenciados imprimem concepções distintas nas formas de atendimento e subalternizam ou emancipam as crianças, as famílias e os grupos sociais.

Assim, é possível perceber uma concepção assistencialista nas ações e interesses estatais que oferecem serviços e não emancipam os usuários, ao contrário, reforçam sua condição de submissão perante os serviços prestados, na medida em que pautam discursos apresentando o direito do indivíduo, como se fosse um “favor do poder público”, especialmente, no que se refere às políticas públicas, muitas vezes utilizadas de modo arbitrário tornando a população pobre refém de certas ações.

Neste contexto, o uso destas estratégias de subalternização das populações não é novo e as instituições jurídicas, sanitárias e de educação popular, denominadas por Kuhlmann (1998: 60) de “Assistência Científica”, por se sustentar na crença no progresso e na ciência, foram substituindo a tradição hospitalar e carcerária e mantendo tal perspectiva. No final do século XIX e início do século XX, foram criadas leis e propagaram-se instituições sociais nas áreas de Saúde Pública, do Direito da Família, das Relações de Trabalho, da Educação.

Surgiram instituições sociais consideradas como um conjunto de medidas não como direito do trabalhador, mas, como mérito aos que se mostrassem subservientes, tendo função de disciplinar as populações mais pobres e “a concepção da assistência científica - previa que o atendimento da pobreza não deveria ser feito com grandes investimentos. A educação assistencialista promovia uma pedagogia da submissão, que pretendia preparar os pobres para aceitar a exploração social” (Kuhlmann, 2000: 8). Essa política vai atender os interesses de governos que não querem investir com gastos em educação para as crianças pequenas e começam ao longo do século XX a serem criadas instituições com qualidade discutível para o atendimento à infância.

Nesse aspecto, a bibliografia nos informa sobre os modos como a legislação começa a buscar alternativas em decretos e normatizações que possam fazer com que o Estado brasileiro se responsabilize. No ano de 1920 é criado o Departamento da Criança no Brasil que tem como responsabilidade realizar um histórico sobre a situação da proteção à infância no Brasil, fomentar iniciativas de amparo à criança e à mulher grávida pobre, publicar boletins e divulgar conhecimentos como promover congressos e concorrer para aplicação das leis de amparo às crianças possibilitando uniformizar as estatísticas brasileiras sobre a mortalidade infantil (Kramer, 1995).

A partir daí se inaugura um período de normatizações visando dar condições ao atendimento à infância, por meio do Decreto nº 16.300 de 31 de dezembro de 1923, uma das primeiras iniciativas do Estado em regular e fiscalizar tal atendimento, propondo inspeções em todos os estabelecimentos da infância: escolas particulares e colégios, lugares de recolhimentos, asilos infantis e creches. Na mesma direção, o Decreto nº 21.417/32 de 1932 previa que nos estabelecimentos em que trabalhassem até 30 mulheres com mais de 16 anos de idade, a empresa teria que proporcionar local adequado para permitir às empregadas “guardar sob vigilância e assistência” (Brasil, 1932) seus filhos em período de amamentação.

Deste modo, podemos considerar estes os primeiros indícios da intencionalidade do estado em garantir algum tipo de assistência às crianças e às mães trabalhadoras. No entanto, a legislação inicial é tímida e pouca coisa se modificou para a infância pobre no Brasil, mesmo as instituições de caridade se adaptando às exigências dos juristas e médicos, as crianças continuaram sem garantia de direitos. Mudanças de concepção embora lentas começam a ocorrer em meados do século XX, nos quais destacamos a organização do primeiro Congresso de Proteção à Infância no Departamento da Criança no Brasil em 1922. Depois de onze anos foi organizado o Segundo Congresso de Proteção à Infância em 1933. A distância entre esses dois congressos (11 anos) demonstra o lugar da proteção à criança na pauta das prioridades estatais (Kramer, 1995).

A partir de 1930 o Brasil começa a trilhar outros caminhos em busca de garantias legais com relação ao atendimento às crianças e a criar órgãos institucionais para atuar nessa função acompanhando movimentos de caráter internacional como a Escola Nova -fundamentado nos princípios da Psicologia do Desenvolvimento‒, que crescia nos Estados Unidos e na Europa e gradativamente possibilitou maior valorização da criança e em 1941 cria o Serviço de Assistência a Menores, destinado a atender menores de 18 anos considerados socialmente como ‘delinquentes’, ou adolescentes em situações de abandono.

A partir destes encaminhamentos em 1942 foi criada a Legião Brasileira de Assistência (LBA) sob inspiração de Darcy Vargas, a primeira dama, esposa do então presidente Getúlio Vargas que na época governava o país em um contexto de ditadura a chamada “Era Vargas” que durou de 1930-1945. A proposta desta instituição teve uma influência na formação dos primeiros locais de atendimento a criança pequena, como as creches e assim a LBA centralizou suas ações no atendimento exclusivo da maternidade e da infância por meio da família constituindo-se um órgão de consulta do Estado.

Nesse bojo do atendimento assistencial, nos anos de 1950, criou-se no Brasil a seção do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), tal instituição iniciou suas atividades em campanhas de distribuição do leite em pó ampliando suas ações em programas de apoio à nutrição, saúde, educação e bem-estar-social. Posteriormente o Unicef procurou estabelecer contato mais direto com o governo, adequando os programas de cooperação às necessidades do país, no entanto sempre programas mais de caráter assistencial.

Importante destacar que nesse inventário geral localizamos a história do atendimento à infância no qual a legislação está presente, mas não garante a educação e o atendimento à todas as crianças de todas as classes e o fato de termos instituições distintas é uma realidade concreta atendendo que a legislação não abarca. Passamos a observar de que modo o que acontecia em âmbito nacional vai se refletir no interior do país no município de Naviraí e na origem de suas instituições.

Políticas Públicas Nacionais reverberando no município de Naviraí- MS (1975-2005)

Em perspectiva educativa o Brasil levou mais de treze anos de discussões antes de aprovar sua primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a Lei n. 4.024 de 20 de dezembro de 1961. Nesse documento, a educação das crianças menores de sete anos aparece na legislação tratada como “pré-primária”, na mesma lei preconizava que a educação das crianças se iniciaria aos sete anos. Portanto, o texto da lei não garantia a oferta e nem a obrigatoriedade no atendimento, se caracterizando como um atendimento “preparatório” para o nível subsequente que seria o Ensino Primário no excerto abaixo:

Art. 23. A educação pré-primária destina-se aos menores até sete anos, e será ministrada em escolas maternais ou jardins-de-infância. Art. 24. As empresas que tenham a seu serviço mães de menores de sete anos serão estimuladas a organizar e manter, por iniciativa própria ou em cooperação com os poderes públicos, instituições de educação pré-primária (Brasil, 1961: s/p).

Este caminho legal não priorizava diretamente um atendimento de qualidade para as crianças pequenas, o Brasil vive a partir de 1964 um período de Ditadura Militar e entre as ações deste governo estava o debate por uma nova legislação educativa alinhada ao ideário pragmático e tecnicista que priorizava acordos internacionais feitos entre os militares e os governos norte-americanos, os quais fomentavam e sustentavam as ditaduras por toda a América Latina. Assim, em 1971 foi aprovada a segunda Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional/Lei nº. 5.692/71 em 11 de agosto de 1971, alterando o ensino de 1º e 2º Graus da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional anterior.

Neste momento esperávamos que o atendimento às crianças menores de sete anos estivesse presente, mas isso não ocorreu e a normativa assim expressou em seu parágrafo, art.19-§ 2º -“Os sistemas de ensino velarão para que as crianças de idade inferior a sete anos recebam conveniente educação em escolas maternais, jardins de infância e instituições equivalentes” (Brasil, 1971: s/p), ou seja, tratou a educação apenas como uma recomendação propondo que o Estado deveria “velar”, “convenientemente” sem responsabilizar ou definir o lugar do Estado ao tratar a educação das crianças menores de 7 anos. Freitas e Biccas (2009) afirmam que essa lei foi “uma tragédia” para a educação infantil, uma vez que retirou dos governos quaisquer obrigações educacionais relacionadas às crianças em todo o país.

Neste contexto, sob a ditadura do governo militar foi criada em 1975 uma Coordenação de Educação Pré-Escolar para minimizar a ausência da legislação e assegurar o lugar da educação da criança, tal coordenação se propôs a desenvolver pesquisas sobre a temática, buscou identificar o número de matrículas na Pré-escola, às necessidades de atendimento em cada região, o perfil do corpo docente, os currículos desenvolvidos e os recursos materiais para instituições de atendimento às crianças menores de 6 anos e mapeou o contexto brasileiro. No mesmo período foi criada a Fundação Legião Brasileira de Assistência executando um projeto chamado “Projeto Casulo”, inserido no programa de assistência que objetivava “com poucos recursos” atender o maior número possível de crianças. Tal projeto transformou-se no principal programa brasileiro de atendimento às crianças menores e em fins da década de 1980 (Campos, Rosemberg e Ferreira: 1995).

O projeto criado no governo militar dentro do contexto político de controle da concepção que o regime tinha sobre a população pobre e investir na criança apresentava um sentido de segurança, como aponta Rosemberg ao falar da política de “[...] segurança nacional, pois os pobres poderiam ameaçar a integração nacional. [...] investir na criança significa investir na segurança nacional.” (2006: 148-149). Tal Projeto Casulo foi implantado em Naviraí /MS para crianças que não eram atendidas na pré-escola da rede estadual de ensino como proposta da assistência social vinculado ao Clube de Mães.

O Clube de Mães foi uma iniciativa de atendimento à população pobre, especialmente mulheres e, começou junto à Igreja Católica com recursos da Assistência Social (Tavares, 2019). Segundo o documento de criação do Clube de Mães:

O Clube de Mães, fundado em 1974, com base no seu Estatuto, foi criado com a finalidade de atender especialmente mães gestantes e carentes da comunidade, a fim de desenvolver nas mulheres o compromisso de tarefas do lar, manutenção do elo entre a família e ainda auxiliar na educação dos filhos (Naviraí, 1974).

O Clube de Mães era constituído por senhoras da elite local liderado por Maria José Silva Cançado. Foi organizado em 9 de março de 1974, segundo a documentação, e realizava atendimento filantrópico às mulheres de famílias necessitadas, ofereceriam cursos de formação como: corte costura, culinária, manicure e etc. (Montiel, 2019). Tal iniciativa considerada a gênese do atendimento às crianças pequenas no município de Naviraí, ocorreu de um modo curioso mais em função da necessidade dos adultos do que das necessidades das crianças, segundo pesquisa realizada com fontes orais, entrevistando as gestoras da instituição, pode se depreender o seguinte relato sobre o motivo da criação do Projeto Casulo: “[...] as mães traziam as crianças para os cursos. Não tinham com quem deixar! Muitas vezes, elas traziam e atrapalhavam, tiravam a atenção da mãe, transtornava o curso! Muitas vezes traziam por causa da comida que ganhavam [...]” (Cleuza, 2018, apud Tavares, 2019: 87). Diante desta situação o Clube de Mães criou a primeira sala de atendimento, na qual as crianças ficavam aos cuidados de monitoras, enquanto suas mães realizavam os cursos. A partir de 1979 a instituição passou a atender crianças de 4 a 6 anos. Em 1982 abriu salas para atender a faixa etária de 0 a 3 anos (Montiel, 2019).

Nacionalmente o país começa a mudar a partir da abertura política após 1984, com os movimentos a favor do atendimento à criança de 0 a 6 anos, fortalecendo a ideia da educação como direito, a partir da luta pelas creches por parte dos movimentos feministas, movimento dos profissionais das instituições e movimentos sociais que cobravam do Estado a elaboração de uma legislação sobre a criança e sobre a educação. Deste modo, a pré-escola começa a crescer no país e ser objeto de políticas nacionais pautando as reivindicações da sociedade civil organizada.

Em meio as disputas e os ajustes do processo democrático, foi promulgada a Constituição Federal do Brasil no ano de 1988, e permitiu ampliar a percepção sobre a criança e suas necessidades, como apontam Sarat e Cruz (2018), a criança passou a ser concebida como pessoa, sujeito e cidadão de direitos, indivíduo completo que demanda atendimento integral nas instituições educativas e na família, pois a “[...] a Constituição foi um dos grandes instrumentos legais na garantia do direito à educação infantil” (Pinto & Flores, 2017:241).

A partir da Constituição Federal outras legislações beneficiaram o atendimento à infância e a Educação Infantil no Brasil como, o Estatuto da Criança e do Adolescente/Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 que será um marco no país considerado uma legislação que garante o direito à educação e o exercício da cidadania, como condições necessárias para o desenvolvimento da criança e do adolescente, como indica o art. 53 “A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se lhes: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola” (Brasil, 1990: s/p).

A Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), Lei nº. 8.742 de 7 de dezembro de 1993, foi muito importante pois determinava mudanças na política de assistência social estabelecendo descentralizar suas ações e prevendo as transferências de responsabilidade pela execução dos serviços, programas e projetos para os municípios, devidamente acompanhados do correspondente repasse de recurso (LOAS, 1993). Ou seja, a partir desta ação os níveis da Educação infantil e do Ensino Fundamental em todo o país passaram a ser responsabilidade dos municípios, todas as instituições públicas da Educação Infantil (0 a 6 anos) e Ensino Fundamental (6 a 14 anos) passaram pelo processo de municipalização.

Os desafios que se impunham nesse momento de efervescência política e administrativa de um nova reorganização política no Ministério da Educação (MEC), nos anos posteriores articulou estados e municípios, no caso da educação infantil a discussão buscou constituir uma política nacional criando uma Comissão Nacional de Educação Infantil, formada por representantes de estados, municípios, órgãos federais, como o Ministério da Saúde e a Secretaria de Assistência Social, universidades, organizações não governamentais, Unesco e Unicef para debater a educação infantil no país.

A comissão foi instituída pelo MEC para discutir os desdobramentos da política e apoiar a Secretaria de Educação Básica, por meio da Coordenação Geral de Educação Infantil (COEDI), em sua implementação entre os anos de 1992 a 1994 e foram elaborados dois documentos sobre a educação infantil como: “Política de Formação do Profissional de Educação Infantil” (Brasil, 1994 a), e “Política Nacional de Educação Infantil” (Brasil, 1994 b). Tais documentos serviram de referência para as discussões da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) que será promulgada posteriormente em 1996 e tratará da especificidade sobre a Educação Infantil em seus Artigos 29 e 303 o que é considerado um avanço na legislação sobre a educação da criança no país.

Diante das iniciativas legais no município de Naviraí/MS, foi inaugurado em setembro de 1992, o primeiro “Centro Integrado de Educação - Escola Municipal de Pré-Escola e 1º Grau” que, posteriormente, ficou conhecida como Creche “Mamãe Zezé” ‒ a instituição destinou o atendimento às crianças de pré-escolar na rede municipal. Conforme mencionamos, todo esse aparato legal mudou a forma de atender à criança e a profissionalização docente no país, embora no caso da educação das crianças menores de três anos em número majoritário era de responsabilidade da assistência social e de projetos ligados a fomentos vindos das secretarias de assistência social em parcerias com os estados.

Outro aspecto importante a ser considerado na história da educação infantil nacional é que reverbera no município de Naviraí, nesta pesquisa, é que a política de formação docente a partir de 1994, do Ministério da Educação estabeleceu diretrizes para a educação infantil, em conformidade com a legislação vigente e definiu que o adulto para atuar com crianças deveria ser reconhecido como profissional, ter valorização do trabalho, plano de carreira, remuneração e formação. O Estado passou a ser cobrado no sentido de criar condições para qualificar seus quadros em um prazo de 8 anos, para todos os profissionais que fossem atuar nas instituições de atendimento que tivessem formação mínima do curso de nível médio. Portanto, foi preciso formar o profissional que já atuava em creches e pré-escola para se adequar à legislação pois, a maioria não tinha formação qualificada.

Embora fosse norma legal e nacional, segundo os documentos, no município de Naviraí, não se concretizou esta ação e em 1995 a prefeitura municipal abriu o Edital de concurso para provimento de vagas com vistas a selecionar “monitores de creche” para atuar com as crianças. Pediu como requisito mínimo de escolaridade o curso de 1º Grau completo, ou seja, sem formação específica. As monitoras de creche foram nomeadas para exercer o cargo em caráter efetivo, por meio da Portaria nº 312 de 1996, e foram convocadas pelo Edital nº 013 de 12 de março de 1996. (Montiel, 2019). Todas as monitoras tomaram posse do cargo no dia 12 de abril do mesmo ano, “[...] prometendo cumprir com fidelidade as atribuições inerentes ao cargo para qual foi nomeada” (Naviraí, 1996).

Analisamos que embora tivessem avanços em termos de regulamentação, na prática em relação à qualificação profissional as crianças ainda ficavam à mercê de um adulto sem formação, para a municipalidade era mais rentável ter um funcionário sem qualificação, pois poderia se pagar salários menores e custaria menos aos cofres públicos. Neste aspecto podemos dizer que o direito da criança à uma educação de qualidade estava sendo ferido.

Após a realização do concurso assumiram o trabalho na instituição “Creche Mamãe Zezé” um número de 14 (quatorze) monitoras para atuar junto às crianças, contrariando o preconizado na política nacional de formação docente e tudo o que estava proposto nos documentos da Coordenação Geral de Educação Infantil (COEDI), “Política de Formação do Profissional de Educação Infantil” (Brasil, 1994 a), ou seja, a formação em serviço não se efetivou e não se realizou para as monitoras de creche no município de Naviraí.

Posteriormente, no ano de 1999, estas monitoras de creche foram enquadradas em outro plano de cargos e carreira do município, sendo realocadas de seus postos, retiradas da creche e enviadas para outros setores da administração municipal para serem funcionárias administrativas da Educação e exercerem funções nas secretarias de escola, nas bibliotecas e outros órgãos segundo o documento: “[...] em 16 de dezembro de 1999,foi aprovada a Lei Complementar nº 019/99 que dispõe sobre o Plano de Cargos, Carreiras e Remuneração do Grupo de Servidores da Educação Básica do Município de Naviraí” (Naviraí, 1999).

Neste contexto, o município de Naviraí para garantir às crianças seu direito a uma educação de qualidade, a partir da formação do profissional, conforme já mencionamos, preconizado em lei no Artigo 62 da LDBEN nº 9394/96 aprova no ano de 2005 um novo concurso e abre outro Edital para selecionar profissionais para as instituições, conforme o documento indica como requisito para realizar atividades “educadoras de creche” que os/as candidatos/as deveriam ter a formação de nível médio com habilitação de Magistério e/ou Normal, conforme o documento o Edital para Concurso Público em agosto de 2005, o Edital nº 001/2005 destinado a selecionar candidatos ao provimento de cargos do quadro de pessoal efetivo da prefeitura municipal de Naviraí (Montiel, 2019). Este edital prevê o cargo de “[...] Educador de Creche que pertence ao Administrativo Educacional e visava a aprovação de 30 vagas com carga horária de 08 horas diárias e remuneração salarial de R$ 777,00, exigindo habitação específica em magistério” (Naviraí, 2005). Considerando a legislação aprovada em âmbito nacional e os avanços na formação o concurso tenta garantir a lei, nesse caso, só se habilitam ao cargo mulheres mantendo o histórico índice feminino no magistério com crianças.

Ao nos remetermos as primeiras iniciativas da educação infantil pública, nosso objeto de análise neste artigo, consideramos a experiência vivenciada pelas monitoras de creche no município de Naviraí/MS e a passagem da creche da Assistência para a Educação como um dos marcos do debate que vai incidir sobre a educação infantil no país inteiro de modo crucial, mudando a concepção de educação para crianças pequenas. Optamos neste artigo debater a partir da experiência da formação das docentes no município, além de outros inúmeros aspectos dos quais não foi possível abordar somente em um artigo. Mas à medida que a municipalização avança outros debates se acirram e novas demandas são aventadas às quais a administração municipal precisa se adequar, não somente aos recursos humanos mas também aos espaços físicos, em um fragmento de entrevista uma das coordenadora aponta este aspecto da transição ao relatar sobre a divisão do espaço físico:

A parte baixaera a Creche da Assistência Social. Era um espaço, com duas funções: uma da assistência e outra da educação. E foi mudando [...] municipalizou as escolas e foi fazendo a transição. Lá em cima, a Pré-escola sempre teve duas salinhas. Depois tirou o 1º e o 2º ano e mandou para as escolas. Ficou só a Pré-escola! Começou a Pré-escola com o Jardim III, depois ampliou para o Jardim II e foi até o maternal. As crianças ficavam tempo integral lá em baixo! Os bebês e até 5 anos ficavam o dia todo. (Cleonice, 2018, coordenadora).

O processo de transição envolveu todas as instituições no país e foi feito com conflito e discussão, mesmo porque envolvia grandes repasses de verbas entre as secretarias de assistência e educação, além das concepções filosóficas e ideológicas de ambos os campos de conhecimento dos seus profissionais. Essa não foi uma transição simples, mas necessária, e percorreu um longo caminho para se efetivar no país, assim como a municipalização da educação básica, portanto somente em 2007, sob a nova política de Assistência Social, o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) autorizou os municípios que transferissem da Secretaria de Assistência Social para a Secretaria de Educação o atendimento das creches.

E por fim, quanto ao aspecto da formação docente podemos dizer que no Município de Naviraí evidenciou-se que aquilo que estavas previsto nos encaminhamentos das legislações nacionais, foi considerado pela administração municipal no intuito de adaptar às novas demandas legais, mas não levou em consideração as necessidades dos grupos que já atuavam em serviço, nem as condições de formação que o município possuía, ou os contextos locais nos quais estas pessoas estavam inseridas. Ocorreu que o município encerrou as carreiras profissionais das mulheres que atuavam com as crianças abruptamente e as retirou da creche mandando-as para outros tipos de trabalho, por não terem a formação e não concluírem no tempo previsto em lei, elas foram enquadradas em outro plano de carreira e saíram do lugar onde atuavam. Numa entrevista realizada na pesquisa percebemos que tal transição gerou problemas e conflitos pessoais e profissionais relatados por estas professoras e monitoras de creche que se ressentem de não ter tido a oportunidade de concluir seus estudos e continuar trabalhando com as crianças em salas de educação infantil ao dizer: “Até me emociona falar. Foi muito bom! É porque foi gostoso, quando a gente gosta do que faz a gente se emociona! Eu gostava muito do que eu fazia. Tiraram, arrancaram da gente e dói! (Sandra, 2017, monitora de creche).

Nos municípios pequenos onde as demandas por formação são grandes e os processos de adequação legais tornam-se necessários, como foi o caso de Naviraí esta formação foi realizada sem planejamento ou discussão coletiva, para que o direito de toda a comunidade da instituição estivesse sendo garantido, tanto para crianças como para adultos. No entanto, estes caminhos estão sendo trilhados, visto que a legislação por um lado aponta em suas normativas legais de elaboração a aprovação instrumentos importantes na garantia do direito à educação para todas as crianças brasileiras, enquanto por outro lado expressa muitos desafios a serem enfrentadosquanto a melhoria dos atendimentos nas instituições públicas; a formação de qualidade para os profissionais; o acesso e a permanência das crianças na educação infantil; os recursos destinados a esse nível da educação básica, entre outros. Tais desafios se fazem presentes em todas as regiões do país, embora não sejam atendidas considerando as extensões territoriais em seus diferentes contextos e realidades.

Considerações Finais

O texto buscou, a partir dos documentos legais e fontes, representadas por editais e atas de concurso docente, apresentar o município de Naviraí/MS no interior do Brasil mediante o objetivo de evidenciar as garantias e os percalços na consolidação do direito à educação para as crianças da educação infantil, considerando especialmente as origens da primeira instituição, em 1974 bem como a transição das instituições que passaram da secretaria da Assistência para a secretaria de Educação no decorrer do ano de 2005.

Os marcos legais representados pela legislação brasileira em âmbito nacional reverberam por todos os municípios de modo a serem implementados e levam em conta as condições de cada um. Foi possível verificar na bibliografia histórica que o Brasil por muito tempo teve suas ações voltadas para a criança pobre e necessitada, previstas em perspectivas médico-higienista de melhoria da população a partir de políticas assistencialistas. As políticas de atendimento à criança começam a se constituir ao longo do século XX no Brasil e o Estado começa a assumir um compromisso em debater ações desse atendimento a criança a partir da segunda metade do século, de modo que tais processos se materializam e se consolidam ao final do século XX com a aprovação da legislação.

Representada pela Constituição Federal Brasileira de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional em 1996 tal arcabouço legal, tais iniciativas de avanço refletiram em sua gênese uma educação que acentua as desigualdades, em que os movimentos sociais devem estar atentos na luta para garantir a educação das crianças pequenas, que ainda não está nas pautas prioritárias dos governos, conforme priorizado na letra da lei, mas que não se efetivou nas práticas.

No interior do Brasil vai reverberar as políticas nacionais, os programas e iniciativas vinculadas a esse ideário. Portanto apresentamos na gênese das instituições do município de Naviraí a ação da Legião Brasileira de Assistência que focalizaram atividades com poucos recursos e um atendimento filantrópico realizados pela liderança local, vinculada a grupos ligados à fé cristã e a caridade para populações pobres. Foi criada uma instituição para atender as mães de baixa renda, o Clube de Mães, que depois de um tempo implanta o Projeto Casulo, visando atender as crianças, a partir da demanda das mães.

Outro aspecto a ser considerado é que a ação proposta em Naviraí não refletiu as orientações nacionais da legislação ao apontar a necessidade de formação em serviço e o direito da criança em ser atendida por um profissional qualificado, ou seja, assim como Naviraí todos os municípios brasileiros tinham que se adequar aos novos trâmites da municipalização da educação básica, pois o direito à educação levou um tempo maior de adequação nas instituições de atendimento no interior do Brasil, fazendo com que as mudanças de ordem legal não se efetivassem na qualidade do trabalho na instituição.

Concluindo, a transição da assistência para a educação foi um processo lento e conflituoso pois envolveu prioritariamente o repasse de verbas, além de distintas concepções sobre atendimento e educação entre seus profissionais e tal mudança legal provocou em todo o país o debate sobre formação e qualidade de atendimento aos critérios mínimos nas instituições para às crianças com o fim de garantir seu direito à educação de modo a incluir todas as crianças e minorar as desigualdades sociais no país.

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1 Estado é uma das 27 unidades federativas do Brasil. Está na Região Centro-Oeste e limita-se com outros cinco estados brasileiros: Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais, São Paulo, Paraná e dois países sul-americanos: Paraguai e Bolívia.

2Atualmente a Educação Infantil é para as crianças de 0 a 5 anos a mudança ocorreu com a incorporação do Ensino Fundamental de nove anos pela Lei nº 11. 274, de 6 de fevereiro de 2006.

3Art. 29. A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até 5 (cinco) anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, completando a ação da família e da comunidade. Art. 30. A educação infantil será oferecida em: I - creches, ou entidades equivalentes, para crianças de até três anos de idade; II - pré-escolas, para crianças de quatro a cinco anos de idade.

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