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Pampa (Santa Fe)

versão On-line ISSN 2314-0208

Pampa  no.5 Santa Fe  2009

 

A fronteira binacional (Brasil e Uruguai): território e identidade social

Marta Gomes Lucena de Lima y Roberto Moreira
Doutoranda do PPGCS em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade (Programa CPDA) / UFRRJ.

E-mail:  gomes.marta@hotmail.com

Roberto Moreira (coautoria)

Professor-pesquisador do PPGCS em
Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade (Programa CPDA)/ UFRRJ.

Fecha de recepción: 06 | 10 | 2008
Fecha de aceptación: 11 | 04 | 2009

RESUMO

Este artigo aborda as categorias analíticas Território, Territorialidade e Identidades Sociais, no contexto das zonas fronteiriças imprecisas em constantes disputas territoriais. Aborda certas dinâmicas das relações sociais exercitadas nestas zonas tomando, como perspectiva de análise, a fronteira seca entre o Brasil e o Uruguai no período de constituição dos Estados-Nação (século XIX).
A natureza das categorias supracitadas se vincula com o par indissociável demarcação e emancipação como também apreende sua dimensão simbólica. Já que na experiência da fronteira, área de aproximações e conflitos permanentes, os aspectos relativos ao campo das identidades adquirem uma dinâmica particular, e relaciona-se com caracterizações referentes aos domínios territoriais e os processos de territorialidades. Tais reflexões estendem-se até a contemporaneidade, portanto, encontra-se presente no debate da atualidade.

Palavras chaves: Fronteira; Território; Identidades sociais.

SUMMARY

This article discusses the analytical categories Territory, Territoriality and Social Identities, in the context of inaccurate border areas in territorial disputes. Discusses certain dynamics of social relations in these areas taking, as analysis perspective, the dry border between Brazil and Uruguay in the period of constitution of the States-Nation (century XIX).
The nature of this categories links with the pair inseparable demarcation and emancipation as also attaches its symbolic dimension. Since the experience of the border, area approximations and permanent conflicts, the aspects from the field of identities acquire a particular dynamic, and relate to characterizations related to the territorial domains and the processes of territorialities. Such thoughts extend until today, therefore, is in the debate today.

Key words: Border; Territory; Social identities.

1. Introdução

A finalidade aqui proposta é refletir sobre as categorias analíticas Território, Territorialidade e Identidades Sociais, por considerarmos a pertinência deste referencial teórico para a reflexão sobre as zonas fronteiriças imprecisas em constantes disputas territoriais. Esta abordagem enfoca o período referente ao processo de constituição dos Estados-Nação, no século XIX, decorrente da reestruturação política e econômica de dimensão mundial,1 e trata de explicitar alguns aspectos relativos à dinâmica das relações sociais exercitadas na zona fronteiriça entre o Brasil e o Uruguai. De forma que deparamo-nos com uma postura analítica relativa aos conceitos concernente à fronteira como limite territorial e de seus desdobramentos relativos aos construtos de nacionalidade, tradição e identidade.
Como se sabe, os estudos sistematizados sobre o tema da fronteira datam a partir de finais do século XIX e início do século XX. Autores clássicos da geografia política como Friedrich Ratzel vincularam o conceito de fronteira ao de Estado, sendo a fronteira entendida como princípio para a expansão e crescimento dos Estados; já Frederick Jackson Turner tomou a fronteira como elemento central de sua análise interpretativa da história norte-americana. Neste período, comumente pensava-se a fronteira utilizando a noção de soberania, com enfoque na sua dimensão expansionista. Atualmente, é freqüente a abordagem sob o viés dos processos culturais contemporâneos pautados, em grande medida, nos aspectos econômicos e simbólicos (Mota e Lima, 2007) pela concepção da zona de fronteira, como lócus tanto de integração como de conflitos, fonte de ameaças e incertezas, onde os elementos que se relacionam ao campo das identidades ganham contornos próprios.
Para avançar na análise dos estudos fronteiriços nas sociedades latinoamericanas, é oportuno citar a observação de Ligia Osório Silva2 em relação às idéias de progresso e liberdade constitutivas do modelo interpretativo de F.J.Turner. A autora adverte que devemos reconhecê-las acompanhadas de
seus antagonismos, ou seja, a escravidão e o extermínio das culturas e sociedades nativas, já que estas entravavam a marcha da “civilização”. E prossegue ilustrando que no século XIX, os traços da conquista européia se faziam presentes nestas sociedades de forma que a experiência da fronteira se relacionava tanto à liberdade e a oportunidade quanto contribuía para o estabelecimento de hierarquias sociais duradouras.
Com efeito, a alusão a determinadas conformidades históricas nos permite esclarecer determinados aspectos sobre o estudo da territorialidade da fronteira seca entre o Brasil e o Uruguai, não apenas quanto à delimitação de divisões territoriais, mas também em relação às representações discursivas e imaginárias e práticas sociais que se efetivaram concretamente. Assim, podemos exemplificar, nesta fronteira em particular, atores sociais como os pecuaristas, comerciantes e estancieiros que não respeitaram os limites territoriais que tinham o propósito de delimitar os Estados Nacionais. De fato, as relações comerciais se estendiam continuamente e ampliavam-se os negócios em ambos os lados da fronteira principalmente, enriquecendo o Rio Grande do Sul.
Assim sendo, cabe-nos ressaltar, que o caráter da formação de cada fronteira estimula o seu sistema interpretativo próprio, a categorização da zona fronteiriça depende das relações sociais ali impressas pelos diferentes tempos históricos, ou seja, a ação transformadora dos indivíduos naquele espaço. A fronteira binacional, abordada neste estudo, compreende uma história comum compartilhada, com base em uma cultura e economia bastante próximas, no entanto, também, deve-se considerar a existência de conflitos e ódios recíprocos. Neste sentido, além dos aspectos de ordem geopolíticas3 de legitimação do Estado-Nação (tratados e limites), a fronteira carrega ambigüidades, indefinições, o que leva determinadas literaturas sobre o tema, a tratar do paradoxo entre fronteira histórica e fronteira metafórica.
De forma que, se por um lado, considera-se o estabelecimento de uma delimitação política limítrofe de configuração do Estado-nacional. Por outro, ao pensar a conformação das relações sociais desenvolvidas nesta região, a partir de sua dimensão simbólica, implica, em perceber a identidade social como composta por uma junção de fatores internos e externos; global e local. Abriga “múltiplas ordens relacionais” que constituem variadas facetas da vida social (redes sociais, afetivas, agrupamentos de diversas ordens nacionais e internacionais etc).

E se tal abordagem nos remete a utilizar determinado referencial teórico sistematizado por diversas disciplinas das ciências sociais, reafirma que a “realidade” não nos é apresentada de maneira compartimentada, fato este, que nos obriga a lançar um olhar mais apurado, e a levar em conta a relevância de diversos campos de estudo sobre determinado tema (Moreira, 2006). No entanto, se o processo de classificação é atávico à sistematização do conhecimento cientifico, devemos considerar, a partir de um dos fundamentos que permeiam a obra de Moreira (2006), que o processo de instauração de tais classificações contém a luta para a conquista de sua hegemonia. De fato, ao se definir uma determinada identidade (regional, étnica ou de classe, entre outras) se articula, de maneira simultânea e assimétrica, tanto as representações do “real” quanto às das “imagens mentais” o que nos leva a perceber que a “realidade” não é dada, e sim, socialmente construída.
Na realidade ocorre que o processo de legitimação política que acompanha o par indissociável, demarcação limítrofe e emancipação política, imprime uma certa objetividade técnica que não pode ser estendida para o conceito de fronteira e o conjunto de suas relações sociais que estão sob permanente ressignificação. Neste espaço de convivência faz-se necessário articular uma série de funções normativas jurídicas e políticas –como a estratégica adotada pelo Brasil, voltada para defesa nacional, de um espaço interno de 150 Km da linha demarcatória– com a presença de um ideário voltado para a soberania que tenciona essa zona fronteiriça também, em sua dimensão simbólica, ou seja, em sua linha imaginária.

Mapa 1
Zona de fronteira divisão política administrativa

Fonte:grupo retis http://acd.ufrj.br acessado em 2009.

2. Identidades sociais e fronteira

Um dos pontos centrais estabelecidos pelo advento da modernidade se dá a partir da idéia da constituição dos Estados-Nação. O processo de emancipação política do Brasil e das colônias hispânicas leva-nos a considerar a nação como conceito instituidor e referência básica para a reconstrução histórica dos Estados territoriais (Hobsbawn, 1985). Durante do século XIX, a idéia de nação esteve vinculada às concepções de monarquia constitucional e de república, bem como referencial da pesquisa histórica. Passados dois séculos, o campo de atuação do historiador foi ampliado e a nação ressurgiu como tema de tradições inventadas em função do presente que utiliza a história como elemento legitimador e de coesão social. No caso do continente americano, as jovens nações creditavam ao passado colonial as suas origens. Do ponto de vista ideológico, a nação é uma construção social estruturante da realidade, e que também deve ser compreendida na sua dimensão pragmática, já que constituiu um conceito decisivo para a formação dos Estados nacionais.4 Ressalta-se, que a idéia de nação carrega forte apelo ideológico voltado, em termos gerais, para incutir a idéia e o senso de pertencimento a uma comunidade de maior amplitude moldada por uma origem histórica e cultural comum. A este modelo é atribuído ao Estado o poder de regular, produzir e reproduzir as classificações oficiais a serviço deste processo de legitimação. Podemos citar Pierre Bourdieu (1996) quanto à gênese desses Estados, que segundo o autor, está associada ao processo de unificação dos diferentes Campos Sociais. Conforme a classificação proposta por Bourdieu devemos considerar que a noção de Campo Social é também definida pelos tipos de capitais que ali se estabelecem, sejam eles de ordem simbólica, econômica, política ou cultural. Neste sentido, o Estado regula o funcionamento destes diferentes Campos e tem o poder de produzir as classificações oficiais, onde através da “violência” impositiva física ou simbólica adquire a capacidade de legitimação. Os próprios discursos nacionais produzidos por agentes governamentais, gestores institucionais entre outros, reproduzidos nas mais variadas instâncias da sociedade podem ser interpretados como fonte, entre outras conseqüências, de material simbólico.
“Ora, a ciência social, que é obrigada a classificar para conhecer, só tem alguma probabilidade não já de resolver, mas de, pelo menos, por correctamente o problema das classificações sociais e de conhecer tudo o que, no seu objecto, é produto de actos de classificação se fizer entrar na sua pesquisa da verdade das classificações o conhecimento da verdade dos seus próprios actos de
classificação. O que quer dizer que não é possível dispensar, neste caso menos que em qualquer outro, uma análise da relação entre a lógica da ciência e a lógica da prática.” (Bourdieu,1989:111)
Torna-se assim, pertinente refletir sobre a argumentação apresentada por Roberto Moreira em Terra, Podere Território, a partir da reflexão referente às elaborações interpretativas: “Homogeneizar estas elaborações sem situar o contexto histórico distinto no qual falam os autores e sem buscar entender a posição de classe da qual eles falam, pode levar a algumas confusões interpretativas” (Moreira, 2007:25), a preocupação do autor é distinguir categorias interpretativas que correspondam a definições gerais, de um sentido, historicamente específico. Assim, podemos compreender, que as narrativas que se traduzem através dos conceitos, não se estabelecem como um dado divino, a priori, e sim que por meio da representação dos poderes hegemônicos sobre uma dada realidade contextualizada historicamente. Neste sentido, podemos aferir a construção da realidade social –ao considerar os conceitos como determinados socialmente– dentro da lógica de uma conformidade política, que traduzem hierarquias de valores sociais e poderes assimétricos. Ao partirmos da categorização que a “realidade” é construída socialmente cabe evidenciar a classificação de Bourdieu:
“(...) a luta das classificações que é a luta pela definição da identidade ‘regional’ ou étnica com a condição de se passar para além da oposição que a ciência deve primeiro operar, para romper com as pré-noções da sociologia espontânea entre a representação e a realidade, e com a condição de se incluir no real a representação do real ou, mais exactamente, a luta das representações , no sentido  de  imagens  mentais  e  também  de  manifestações  sociais  destinadas a manipular as imagens mentais (e até ,mesmo no sentido de delegações encarregadas de organizar as representações como manifestações capazes de  modificar  as  representações  mentais)”.  (Bourdieu,  1989:113)

A partir destas proposições, torna-se relevante atentarmos para o fato da produção social do espaço e, por conseqüência, como os atores sociais se localizam nesse espaço. Tais reflexões nos levam a questionar: como atender as peculiaridades da região aqui analisada, localizada geograficamente entre Estados nacionais em processos de constituição, ou seja, postada em um ponto transnacional? Somam-se a estes fatores os aspectos relacionados aos fluxos imigratórios e as dimensões econômicas, bem como as dinâmicas sociais e simbólicas que se estabelecem em um ponto de cruzamento de permanente ressignificação, considerando-se tanto às especificidades locais quanto a totalidade objetiva no contexto histórico em que estas se inserem.
Esses marcos nos fazem levantar hipóteses secundárias, que abordam as incursões de idéias e crenças que se apresentaram como novidades, em uma zona que permite que essas concepções adquiram grande mobilidade e forjem novas identidades. Como
se constituíram e interagiram essas idéias e crenças em uma zona fronteiriça? Como esse sistema de crenças foi ressignificado, apropriado e gerenciado pela comunidade local? Demarca-se que as fronteiras entre tradições, são fatores que preservam identidades sem fechamentos rígidos. A zona fronteiriça é uma zona híbrida, onde os contatos se pulverizam e se ordenam. Em tal zona, são imensas as possibilidades de identificação e de criação cultural.
De  fato,  algumas  ponderações  se  mostram  pertinentes  para  pensarmos  sobre a condição fronteiriça como um Espaço Social.Uma breve retrospectiva histórica nos esclarece que ao se vincular o período das grandes navegações no século XV como o momento de origem da construção das identidades nacionais americanas (considerando a centralidade européia, a imposição de línguas, instituições religiosas, os processos civilizatórios e mercantis) estabelece-se como fundante novas visões de mundo, a partir da transformação, ou destruição das antigas representações e modos de ser referente aos povos nativos. Nos interessa aqui destacar que, no período do processo de emancipação das nações coloniais americanas, este processo adquire vasta complexidade. Portanto, podemos dizer que o sentimento nacional não foi construído a priori; na verdade, se construiu a partir do nascimento dos novos Estados nacionais latino-americanos. Por outro lado, essa situação é interessante por mostrar que pecuaristas e comerciantes da região não respeitaram as fronteiras entre o Brasil e o Uruguai, promovendo um intercâmbio de costumes e uma união das populações.
Na análise da construção deste Espaço se faz latente a emergência de elementos pertencentes a um significativo imaginário simbólico manifesto na região, não apenas por marcar profundamente sua trajetória social e cultural, mas também por influir na constituição das possíveis formas culturais, como através da produção literária, de diversas ordens, que representam esta região como um mundo violento, rústico e não civilizado.5 Para María Verónica Secreto (2001), ao refletir sobre a condição do viajante, a dimensão fronteiriça, no início do século XIX, reflete a relação entre o civilizado e o selvagem, o conhecido e o desconhecido. Um encontro não de iguais, mas de subordinação e hierarquização sociais. A antinomia entre barbárie e civilização pode ser compreendida como a expressão das expectativas, ambigüidades e conflitos sociais de toda uma sociedade em transformação (Mota e Lima, 2007).
A viagem obriga ao viajante a se posicionar como o outroe este movimento de cruzarfronteiras evidencia a instabilidade da identidade. Conforme Hall (1999), a identidade não é uma essência, um fato, não é fixa, estável, unificada, homogênea, definitiva, é uma construção, um processo de produção, um ato performativo, é instável, fragmentada e está ligada a estruturas discursivas e narrativas. Nesta perspectiva, podemos evidenciar a obra Facundo, de Domingo Faustino Sarmiento, comparando-a, pelo tema da civilização e da barbárie, á obra Sertões, de Euclides da Cunha, ou seja, à consideração da violência como força instituída nas sociedades latino-americanas.
Mas é necessário salientar, que estas lutas de representação nomeiam e caracterizam as Identidades Sociais, bem como se relacionam com as formas que um grupo impõe ou expõe sua visão de mundo, seus hábitos, crenças e valores. O habitus social traduz os comportamentos adquiridos pelos grupos sociais em seus espaços de relações objetivas, como um conjunto de acomodações duráveis que determinam ações específicas, desta forma os atores internalizam princípios normativos e códigos, de maneira a serem percebidos como naturais.6

No entanto, na perspectiva aqui apresentada o conceito de Identidades Sociais, contém como elementos constitutivos os princípios da indeterminação e da incerteza. Neste sentido, tem destaque a idéia de Moreira (2006) de que a multiplicidade e a pluralidade de fatores envolvidos na construção social caracterizam as identidades complexas, percebidas como uma interpretação sobre as identidades sociais. No rastro deste raciocínio, e ainda segundo o autor, vários elementos (valores, crença, saberes etc.) atuam na conformação daquilo que uma identidade representa e se relacionam a um caráter não determinista –nada pode ser explicado por uma só causa, bem como não há uma causa única determinista de um fenômeno socialou de um fenômeno natural– que os qualificam. Nesta perspectiva, a complexidade da identidade social é compreendida pelas variáveis múltiplas que a conformam, de forma que as ações do presente mesclam o escopo do passado e as potencialidades e motivações futuras.
Tal colocação nos incita a seguinte reflexão: a zona de fronteira teria uma certa especificidade identitária pois nela se conformam, independente do período analisado, regiões onde os contatos culturais, econômicos e sociais extrapolam os limites territoriais nacionais. Configura-se como uma zona de significativo dinamismo e complexidade para a análise dos fenômenos sobre as identidades ali tecidas, ao longo do tempo, por suas interações simbólicas, sociais, econômicas e culturais. Ressalta-se também, que nela existe a marca da junção de diferentes nacionalidades que se constituem como um sentido comum para a população que ali vive. Torna-se assim, impositivo questionar
sobre os processos históricos ocorridos anteriormente ao século XIX, através dos quais não só foram instituídos estes limites, como também conformadas essas identidades. Na realidade, os limites da República Oriental do Uruguai começam a ser delimitados em 1830, quando este país se torna independente. Até a culminação da grande guerra em 1851, o território uruguaio ao norte do Rio Negro permaneceu indiviso e carente de controle real por parte do governo de Montevidéu. O controle da região fronteiriça era uma preocupação constante dos governos uruguaios. Antes da guerra (que começou em 1843), os governos nacionais mesmo enclaustrados em Montevidéu, tentavam organizar o norte do Uruguai, criando centros urbanos que geralmente eram replicados pelos riograndenses. Em 1831 o Uruguai fundou San Servando (atual Rio Branco) na frente da cidade brasileira Jaguarão. No ano seguinte, o Uruguai fundou Tacuarembó, a fim de obter domínio da fronteira. Em 1837 o Departamento de Paysandú, que até então compreendia toda a região norte, foi dividido no intuito da obter uma melhor administração, medida que não obteve grande êxito até a nova divisão atualmente vigente, que foi instituída em 1884 (Arteaga, 1989).
A título de ilustração podemos citar alguns dados que nos mostram como ao longo da história fronteiriça os vínculos entre as sociedades e governos tem profundas raízes históricas. As fronteiras entre os países foram se estabelecendo não sem conflitos. Durante o período colonial e as guerras da independência no início do século XIX, houveram conflitos armados, negociações e litígios sobre limites que se mantiveram sem resolução. A exemplo, no ano de 1857 os rio-grandenses possuíam 428 estâncias sobre a fronteira, ocupando 1.780 léguas quadradas, ou seja, 30% do território oriental (Targa, 1996:22; Peregalli, 1984:69) e ainda, segundo o autor, conforme (Piccolo, 1985:47) a envergadura dos investimentos econômicos dos proprietários de terra no Uruguai implicou em intervenções político-militares neste país, motivadas pela manutenção dos interesses desta classe. Tais ocorrências comprovam que a condição de fronteira desencadeou, nestes territórios fatores políticos múltiplos e assimétricos. É a fronteira o exílio dos excluídos do poder (seja por razões econômicas ou políticas) e a base política dos caudilhos uruguaios o que envolveu, de forma contundente, o Rio Grande do Sul (Targa, 1996:22). Já por sua vez, o Rio Grande do Sul, constituiu-se com uma formação social diversa das outras regiões do Brasil7. Estas colocações, nos obrigam a perceber as diferenças entre as estruturas gerais e os processos internos,
no caso, uma especificidade que gravita em função da condição fronteiriça das regiões. É importante ressaltar que se por um lado a existência de conflitos, litígios e negociações foi uma constante na disputa por limites na região, por outro, em termos sociais e culturais esta fronteira tem como características ser porosa, marcada por intercâmbios que tem gerado redes de parentesco, amizade e relações de trabalho. Tais características imprimem vínculos onde à condição fronteiriça, em algumas dimensões na vida cotidiana de grande parte desta população, parece não existir.
Devemos assim, considerar que ao residir na fronteira a população tem que adaptar-
se, constantemente, a  situações  trans-fronteiriças.  Neste  sentido,  a  historicidade da fronteira está presente tanto para a população local vinculada ao processo de construção das identidades, como para um estudo sistemático que busque considerar a relação entre Estado, Espaço e Território.

3. Fronteira e território

Para apreendermos a condição fronteiriça somos obrigados a vincular as noções Território e Espaço ao processo dinâmico de produção, ordenação e delimitação de fronteiras físicas e sociais, ou seja, às ações de determinado grupos sociais que regulam e se apropriam de determinado campo de atuação e como conseqüência da dinâmica de suas lutas sociais define seus limites.
Vários estudos partem da definição de território como um espaço definido por e a partir de relações de poder (Souza, 1995:78) privilegiando o papel do Estado como gestor por excelência do território nacional. Esta abordagem, ao privilegiar a análise a partir da noção das grandes estruturas, onde os poderes internos não são considerados, negligencia a concepção de que o território não se restringe a uma associação necessária com o Estado. O Espaço prenhe de propostas passíveis de serem implementadas traduz-se em projetos que resultam na representação desejada de um Território, nesta perspectiva, é colocada a distinção entre estes dois conceitos por Raffestin (1993). Para o autor, o Território constitui-se como alicerce do espaço, onde a ação apropriatória pelos atores sociais em um determinado espaço se traduz em sua Territorialização.
No rastro deste raciocínio, Moreira (2007) coloca que o Território não se resume em uma variável estratégica político-militar em uma perspectiva geopolítica. Nele também se refletem as construções de hegemonias que se estabelecem ao longo do tempo na territorialidade do Estado-nação. Para uma territorialidade compreendida assim de forma mais crítica e abrangente, o território pode ser interpretado como um campo de forças, uma rede de relações sociais, sendo prenhe de historia, tradição e ideologia. Desse mo
do, amplia-se a discussão do território e o descola de sua visão “estadocentrica” que naturaliza o território e a relação espaço e poder. Neste sentido, cabe o questionamento do autor ao se referir às lógicas assimétricas da relação entre poder e classe social no contexto das hegemonias contemporâneas. “Com tal deslocamento estaríamos em uma outra configuração dos domínios territoriais?” (Moreira, 2007:227).
De fato, Territórios são construídos e desconstruídos em diversas escalas, podendo ter tanto um caráter permanente como cíclico bem como, corresponder à esfera internacional, a um bloco de países, como também se situar no interior de um dado país (Souza, 1995). Nesta perspectiva, respeitando os distintos contextos históricos, interessa-nos destacar o fato de que a conformação de um território não se limita apenas à dimensão territorial. Incorpora os desígnios políticos, econômicos e sociais subjacentes ao processo histórico de cada país, com suas singularidades, sejam elas decorrentes da conquista e colonização, das características de povoamento, das rotas de comunicação e comerciais entre outras determinantes. Para o geógrafo Milton Santos (2002) a análise do Território deve conter proposições jurídico-políticas que levem em conta seu legado histórico, a sua conformação econômica e a regulação política vigente.
Esta postura analítica ajuda a esclarecer aspectos da concepção territorial que vigorava no século XIX no Brasil Império, que marcada por proposições políticas e ideológicas específicas, configurou-se de maneira distinta àquela ‘idéia de auto-determinação popular’ presente no contexto da revoluções burguesas européias. A especificidade imperial brasileira imprimiu uma lógica territorial de acordo com o projeto político da elite estatal e que, por conseqüência, abalizava os critérios do estabelecimento dos limites com o Uruguai. A partir de uma análise comparativa entre esses paises, podemos verificar a existência de fatores em comum que engendraram uma potencialidade econômica subjacente à política territorial: a abundância de terras, a abertura de fronteiras e a conseqüente ocupação dos “espaços vazios”.8 O amalgama entre o avanço dos territórios despovoados e o estabelecimento, tanto prévio quanto posterior, de atividades econômicas nos permite considerar que entre a expansão da fronteira e a delimitação político-jurídica existem tonse variáveis que não são fixas, produzindo conjunturas e estruturas que refletem a conformação (social e política) dos países.
Na realidade, parece possível estabelecer em algum nível, o caráter comparativo da relação Estado/Território no tempo e no espaço, ao considerarmos as demandas impressas pelas necessidades de ordem política do século XIX, com os tempos correspondentes a era da globalização onde o Estado tem uma colocação menos privilegiada.

“O deslocamento analítico da ordem nacional – território da nação (estado nacional) –para a ordem global– território do planeta (ordem política transnacional) –complexificam sobremaneira as questões da sustentabilidade, do direito de propriedade e uso da terra, da natureza e do território ecossistêmico–. O reconhecimento de dinâmicas de uma sociedade global impõe ao analista a busca de elucidações das regulações globalizadas sobre os usos de ecossistemas, legitimadas  e  aplicáveis  ao  território  planeta”.  (Moreira,  2007:160)

De acordo com Linck (2006), as exigências impostas pela globalização quando pensadas sob  o  ponto  de  vista  da  organização  do  território,  exige  a  ponderação de comoenlo que procede de las resistencias que se expresan en la escala de losterritorios.Interessa-nos evidenciar que: Em ambos contextos, cobra relevancia lanecesidad de rechazar el corte que el fatalismo o las ilusiones neoliberales han erguidoentrelo económico y lo político. (Linck, 2006:115).
Cabe assim destacar o papel regulador estatal como presença constante nos processos dinâmicos de ordenação territorial. Na atualidade nos cumpre destacar, de um lado, a presença dinâmica de diversas territorialidades (gênero, raças, culturas regionais), permitindo-nos questionar se estariam, esses movimentos, identificando novos processos de utilização do território? Novas formas de construção social dosespaços territoriais?(Moreira, 2007:227) e, de outro, com a mundialização própria deste início do século XIX, seria ainda adequado se falar em uma identidade nacional relacionada ao território? Ou seria melhor pensarmos em identidades regionais em construção? A disputa territorial no espaço fronteiriço seria um dos fatores responsáveis por esta indagação analítica. Podemos citar, em torno desta disputa, o estabelecimento de estâncias, e sua associação aos poderes dos caudilhos, e a participação dos que ali fixaram moradas ou postos militares.9 O advento destas estâncias que marcaram a região de fronteira entre o Brasil e o Uruguai no século XIX permite-nos perceber a instituição de um forte militarismo, devido a constante disputa pelo território entre as Coroas Portuguesa e Espanhola. De acordo com SANTI (2004) é preciso, no entanto, frisar que são diferentes as estratégias das estâncias portuguesas das espanholas10. As estâncias portuguesas utilizavam o trabalho escravo negro, tinham forte característica militar, e o índio se inseria como trabalhador Santi (2004). Já a estância missioneira espanhola é voltada para o indígena, com propriedades comunais. Os proprietários das estâncias são de fundamental importância para se entender esse processo. Foram eles agentes de transformações históricas ocorridas na região. A estância pode ser entendida como um estabelecimento rural, de criação de gado, militarista, relacionada com a consolidação da fronteira entre Brasil e Uruguai. A análise sobre as estâncias pode revelar muito sobre a economia, a organização social e cultural da fronteira no século XIX entre os territórios do Rio Grande do Sul e Uruguai. Primeiramente elas tiveram caráter militar sendo posteriormente necessário povoar a região para garantir a posse e tornar as terras produtivas. Com isso iniciou a criação de gado e a vida nas estâncias passou também a ter um aspecto doméstico e familiar.11 Fato este que reafirma que por mais que diversos tratados e acordos diplomáticos tivessem sido firmados, geralmente não eram respeitados e era com violência que se estabeleciam os espaços ora pertencentes a Coroa Portuguesa ora a Coroa Espanhola. Não obstante, a os esforços bélicos depreendidos e as pulsões expansionistas de ambos os lados (portugueses e espanhóis), os habitantes da fronteira mantiveram-se alheios às especulações territoriais travadas em terras longínquas. Conforme a bibliografia sobre o tema observa, sistematicamente, as fronteiras culturais resistem às delimitações geopolíticas, de forma a produzirem ambivalências e ambigüidades de cunho social e existencial. Assim, é que se caracteriza a fronteira como um espaço ambíguo, violento e perigoso, costumeiramente em litígio e em permanente construção.

4. Considerações finais

Uma incursão que vise verificar as estratégias de territorialização destes espaços fronteiriços, a forma de ocupação do solo, bem como as articulações voltadas para um projeto de extração de recursos e expansão do território, obriga a utilização de um referencial teórico (embora tematizado habitualmente) que considere no exercício analítico as suas várias dimensões, periodizações e contextos diversos. No caso, a implementação do Estado- Nação e a redefinição das relações fronteiriças se relacionam a noções analíticas que acompanham pares como: Fronterira/Território, Região/Nação, que trazem no seu bojo, o principio de que as hegemonias desta época histórica não são fixas, como não eram as dos tempos precedentes. E ainda, ao evidenciar as relações assimétricas referentes às alianças regionais entre, por exemplo, estancieiros e comerciantes, como também considerar as relações que envolvem os agentes sociais (proprietários, peões, escravos) em espaços diversificados. De forma que somos obrigados a direcionar tais noções para um determinado espaço prenhe de modelos culturais de significação, composto por identidades coletivas e atores sociais que praticam ações coordenadas, ou seja, nos levam a considerar que também os territórios são socialmente construídos.
Os processos de ocupação das terras disponíveis ocorridos no século XIX de parte do território brasileiro e uruguaio foram aqui abordados, sumariamente, na dimensão teórica relativa aos aspectos de sua reprodução social. A intenção principal foi estabelecer alguns parâmetros teóricos, iniciais, que possam servir de base para o estudo dos agentes sociais e suas relações constitutivas da zona fronteiriça desta região. Assim sendo, com ênfase em um processo mais amplo, procuramos evidenciar algumas características singulares regionais que  caracterizaram  tanto  a  apropriação de riquezas, como as tensões e conflitos referentes ao domínio territorial. Nesta perspectiva, o enfoque privilegiou captar a dinâmica de diferentes atores que imprimem suas lógicas a partir de diferentes usos do espaço já que, de tais atuações, resultam: diferentes projetos de organização territorial; diferenciadas relações sociais; distintas identidades que se estabelecem de acordo com a apreensão de cada território, no caso, das ruralidades12  locais.
Estes fatores adquirem uma perspectiva própria por se contextualizarem em uma zona de fronteira, interessando-nos pontuar, a complexidade que se expressa em torno da dinâmica social e do processo de construção das Identidades Sociais que se configuravam na região. A fronteira seca que “une” e “separa” o Brasil e o Uruguai tem 1068,10 Km de extensão e é o maior limite internacional em extensão da República Oriental do Uruguai. Todavia, demarca-se que cada localidade, ao longo da fronteira, carrega necessidades distintas, características próprias que definem as especificidades das redes de ocupação, de gestão e dimensões sociais e culturais, de indivíduos e de grupos sociais.
Neste sentido, ganha destaque à mobilização das relações de poderes locais (estancieiros, comerciantes, criadores de gado) entre os países abarcados que, independentemente das estratégias definidoras de limites territoriais estatais, mantiveram o caráter tensor da zona fronteiriça. Podemos citar, como exemplo, o fluxo constante das trocas comerciais através do estabelecimento de contrabando a revelia das diretrizes políticas e administrativas impostas pelo poder central. Permitindo-nos assim, qualificar o caráter constitutivo de uma região fronteiriça, ou seja, a fronteira tem vida própria.
Desta forma, a esfera social foi aqui privilegiada sob o prisma das representações
da sociedade em questão, sempre considerando sua esfera mais global, ou seja, os centros de poder político administrativo. Esta articulação se faz necessária já que compreendemos, que a construção social estabelece a articulação entre dinâmicas internas e externas, globais e locais. Uma análise aprofundada desse espaço fronteiriço binacional da região requer atenção especial às conexões históricas, à análise dos contatos, trocas e redes construídas pelos atores sociais em contexto denso  de relações ambíguas e de alteridades, tanto em relação ao contexto platino como em relação à nação, ao mesmo tempo em que sedimenta uma coesão social e simbólica regional, que denominamos de identidade fronteiriça.
Neste ponto de vista, procuramos abarcar os processos endógenos referentes ao espaço social em estudo, bem como os exógenos ao considerar o papel político em torno do imperativo hegemônico, do processo de demarcação territorial.
Nesta dimensão simbólica, devemos salientar que a percepção atribuída à noção de fronteira no período colonial, era a idéia de nomadismo, limítrofe da civilização. Já durante o século XIX, a representação daquele espaço ganha outros contornos, mostram-se presentes, de antemão, a integração de alguns elementos civilizatórios a esta noção. Este fato se apresentará como fator determinante no processo de formação dos Estados nacionais no período, já que passam a ser atribuída àquela zona, as noções de extensão territorial, potencialidade econômica e hierarquização social, estando assim em constante processo de revitalização e transformação também, a noção de fronteira.
Nos dias atuais, suas lógicas representativas estão inseridas dentro de um parâmetro de políticas de integração, que são traduzidas em termos de demandas sociais, e que podem determinar alterações na relação entre os processos de governabilidade e formas concretas de vivência daquelas populações. Neste sentido, a complexidade relacionada à identidade social, integra o conjunto de fatores indissociáveis para a percepção deste fenômeno. No caso, a identidade social não será tratada somente a partir da concepção recorrente de que no mundo homogeneizado pela globalização a identidade é pensada como um elemento de diferenciação, também cumpre percebê-la em sua complexidade como socialmente construída por suas relações em constantes ‘ressignificações’ nesta territorialidade fronteiriça’,bem como com o conjunto mais amplo da sociedade. Esta proposta analítica busca considerar a relação entre o local e o global na conformação desta identidade e sobre o estudo da territorialidade. Assim, ponderando sobre o prisma da territorialidade da fronteira, dos processos em curso na região, podemos citar a formal de marcos de atividades do Mercosul que assinalam negociações, acordos coexistência e conflitos entre diversos agentes sociais. Enfim, somos levados a refletir sobre as concepções e ações políticas, local e global e as identidades sociais e territorialidade na contemporaneidade. A concepção de poderes assimétricos torna-se assim parte do esclarecimento das múltiplas ordens relacionais, tanto internamente como externamente, entre o local e o global, nos permitindo pensar
sobre a emergência de novas conformações dos domínios territoriais pelos novos usos globalizados. “Fala-se em multifuncionalidade do território e em territorialidades no mesmo momento histórico em que há reconstrução das identidades culturais, nacionalidades e etnias, e movimentos de integração de espaços nacionais em megamercados (...) (Moreira, 2007:155).
Ou seja, conforme o questionamento de Canclini (2008), quais são as conseqüências políticas ao se passar de uma concepção vertical e bipolar para outra descentralizada, multideterminada, das relações sociopolíticas (Canclini, 2008:345). O que nos leva a considerar tanto os sistemas de idéias ali impressos como as mudanças na estrutura do sistema de poder internacional já que sem esses elementos estaríamos alijados de auxílios explicativos dos principais fatores intervenientes para este estudo. De fato, a permanente transmutação e ressiginificação deste espaço nos revelam um dos motivos do permanente interesse pelo tema por pesquisadores da atualidade, ao considerar que este fenômeno, através dos tempos, de forma diversa e multifacetada, mantém sua influência no desenvolvimento dos países em questão. È a partir desta perspectiva que a condição fronteiriça se apresenta como constitutiva para a análise, compreendendo que o estudo da territorialidade no período se articula com as representações e práticas sociais e simbólicas que ali se efetivaram concretamente.

Notas

1Podemos neste contexto destacar, entre outros aspectos, a influência política e ideológica da Revolução Francesa (século XVIII), que tinha em seu bojo o ideal de autodeterminação nacional e o surgimento dos direitos de cidadania, bem como o ciclo de expansão do capitalismo, o processo de instabilidade da hegemonia britânica e a necessidade do fortalecimento do Estado para o enfrentamento de ordem política e, em particular, os desdobramentos das Guerras Napoleônicas sobre os poderes dos Impérios Espanhol e Português nas Américas.

2Ver Ligia Osório Silva, “Fronteira e Identidade Nacional”, Instituto de Economia, UNICAMP em trabalho que integra o projeto A política de ocupação de terras públicas e a construção do Estado: um estudo comparado da “fronteira móvel” na Argentina,  Brasil  e  Estados Unidos, com apoio da Fapesp em 1999/2001. Disponível em www.abphe.org.br/congresso2003. A autora, nesta abordagem, cita: C. Reboratti, “Fronteras Agrárias em América Latina”, Geo-crítica, Nº 87, Mayo 1990, 59págs. (Reproduzido em ScriptaVetera http//:www.ub.es/geocrit/geo87.htm).

3De acordo com Tau Golin (s/d) na Obra A Fronteira: governos e movimentos espontâneos na fixação dos limites do Brasil como Uruguai e a Argentina o termo geoplítica foi motivo de ampla discussão na ciência social. Uma corrente historiográfica sobre a presença brasileira no Prata associa o conceito de geopolítica ao de imperialismo. O autor demonstra que “a gênese dessa interpretação encontra-se em um dos mais festejados historiadores  de  esquerda” (Golin, s/d) e assim, cita em nota, trechos da obra de Werneck Sodré (1987) ‘A Geopolitica. Introduçao à gegografia. Geografia e Ideologia. Petrópolis’: “A geopolítica representa a culminância da trilha ideológica”, “oriunda da geografia da etapa imperialista”, “nao passa de construção ideológica”, “com papel no plano político somente”(Golin:s/d10; Sodré:83).

4Ver Mota e Lima (2007) no artigo “Rio de Janeiro, Buenos Aires e Montevidéu nas guerras cisplatinas. A consolidação de um território transnacional no século XIX” que integrou o 1er Congresso Latinoamericano de História Económica 4ªs Jornadas Uruguayas de História Económica. Montevidéu. Uruguai.

5Viagens e paisagens constroem imagens e tradições artísticas. Pedro Figari pintou as ruas de Montevidéu repletas de carruagens conduzidas por escravos, o candombe nos pátios dos cortiços, os espaços abertos do Pampa (Argul, 1966). Outro exemplo é o do pintor inglês Emeric Essex Vidal, que acompanhava a esquadra inglesa enviada ao Prata em 1816, autor de grandes panoramas marinhos. Vidal levou-se a fazer as “vistas” da cidade e a retratar o cotidiano dos moradores urbanos e rurais, principalmente o modo de vida do gaúcho (Prado, 1999:211; Belluzzo, 1994:50). Essas imagens era difundidas no exterior também para fomentar a imigração. Esses artistas estrangeiros deixaram-se impressionar pelo pitoresco, pelo exótico e contribuíram para fixar uma imagem romântica do fim da sociedade colonial. O mundo rural rio-platense, marcado pelo isolamento do gaúcho em relação à sociedade, das “terras vazias”, da fronteira aberta, também foi cenário das pinturas e reflexão por parte dos letrados liberais comprometidos com a interpretação da nação que se consolidava.

6Ver Roberto Moreira (2006) em Identidades Complexas no Conhecimento científico sobre Comunidades Costeiras, onde o autor apresenta uma perspectiva histórica voltada para as jovens nações americanas.  Esta  obra,  que  analisa  as  Identidades Sociais  no  contexto das comunidades costeiras, por conter um caráter mais genérico de análise, se mostrou pertinente para pensarmos sobre a condição fronteiriça como um Espaço Social.

7Destacamos que o Rio Grande do Sul, no século XIX, teve sua estruturação ligada a sua situação de fronteira. Da fronteira e da guerra, consolidou-se neste estado uma formação social particular em relação ao restante do Brasil, posto que, a condição fronteiriça produziu uma classe de pequenos proprietários rurais. De maneira que a diversificação social compõe o quadro social, econômico e político do estado. Em resumo, foi engendrado no território, mediante necessidades políticas, uma experiência inédita no Brasil: a existência de uma nova classe social rural baseada no trabalho familiar livre, que coexiste, com o latifúndio pecuário e sua classe dirigente detentora de poder privado armado. Ver Fialho (2005), em especial o Cap. I.

8Ver Silva e Secreto (1999). No período colonial, as colônias ibéricas se submetiam a políticas reguladoras de concessão de terras, ou seja, domínio territorial, que mesmo distintas (regime de sesmariasna América portuguesa e mercedes na América espanhola), obedeciam à lógica da doação condicional. Tal regulamentação, apesar de não encontrar no seu bojo o principio da propriedade plena não foi capaz de impedir a formação de latifúndios improdutivos. Desse modo, podemos avaliar que a incorporação de terras novas, e o seu monopólio pela classe proprietária nesses paises obedeceram, em diferentes períodos e contextos, tanto aos instrumentos jurídicos e políticos, disponibilizados pela estrutura vigente, quanto às necessidades internas, políticas e econômicas, de gestão das terrasvazias.

9As estâncias que se estabeleceram no século XIX são uma estratégia da Coroa Portuguesa para consolidação da posse de terras, visando demarcar assim os limites. No entanto, não são originárias do século XIX. Elas datam do século XVII, a partir dos jesuítas espanhóis, agentes responsáveis pela organização das reduções guaranis.

10Segundo (Santi, 2004:2) A estância portuguesa é caracterizada pela complementaridade com a fronteira, ou seja, há uma relação entre os proprietários de terras e a organização das estâncias com a consolidação da Fronteira Oeste. Nesse período é necessário fixar pessoas nesses locais, pois a Coroa espanhola está tentando avançar sobre esse território. Nota-se que Estanciar significa o ato de permanecer, ficar, fixar-se em algum lugar.

11O Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas (LEPA), da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) realiza pesquisas na Estância Velha do Jarau, localizada no atual município de Quaraí, (Sítio Arqueológico RS Q 17) que faz fronteira com Artigas no Uruguai. Segundo as análises do LEPA foi demonstrado que o estudo da cultura material (vidros, louças, metais, ossos etc.) pode fornecer muitas informações a respeito das estâncias e dos costumes dos habitantes da fronteira. Muitas vezes essas informações não condizem com a visão consagrada na historiografia. Por isso as pesquisas na região prosseguem, visando novas interpretações sobre a formação das fronteiras sul-riograndenses.

12Para os conceitos de identidades rurais ver Moreira (2005).

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