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Revista de historia americana y argentina

versión impresa ISSN 2314-1549versión On-line ISSN 2314-1549

Rev. hist. am. argent. vol.54 no.1 Mendoza jun. 2019

 

ARTÍCULOS LIBRES DE HISTORIA AMERICANA Y ARGENTINA

A CONSTRUÇÃO DA MULHER EM UMA REGIÃO DE FRONTEIRA: O ÂMBITO LITERÁRIO

 

Fábio Luiz de Arruda Herrig

Universidade Federal de Roraima (UFRR). Boa Vista, Brasil. fabio.herrig@ufrr.br

Recibido: 21-03-2018
Aceptado: 16-04-2019

 

RESUMO

Tomando como prerrogativa a relação entre os processos cognitivos, os modos de representação e, consequentemente, as práticas a eles vinculadas, este trabalho visa observar, no âmbito dos estudos das relações de gênero, como a literatura construiu a imagem da mulher de fronteira na região que corresponde à zona de contato entre Brasil e o Paraguai, mais especificamente na região em que, atualmente faz divisa com o estado de Mato Grosso do Sul. Tomar-se-á como fontes principais para esta análise a obra completa de Rafael Barrett, escrita, essencialmente, no Paraguai, cujo os textos foram publicados entre 1905 e 1910 e o romance Selva trágica: a gesta ervateira no sul este mato grossense, Hernâni Donato, cuja primeira edição foi publicada em 1959, no Brasil. O método comparativo foi a base sobre a qual se assentou a análise.
Palavras chave: Mulher; Rafael Barrett; Selva Trágica; Fronteira.

ABSTRACT
Taking as prerogative the relation between cognitive processes, the ways of representation and, consequently, the practices linked to them, this work aims to observe, in the context of studies of gender relations, how literature has built the image of women in border region that corresponds to the zone of contact between Brazil and Paraguay, more specifically in the region in which it currently borders with the state of Mato Grosso do Sul. This work will take as main sources for this analysis the complete work of Rafael Barrett, written, principally, in Paraguay, whose texts were published between 1905 and 1910 and the novel called Selva trágica: a gesta ervateira no sulestematogrossense Hernâni Donato, whose first edition was published in Brazil in 1959. The comparative method was the basis on which the analyze was done.
Key words: Women; Rafael Barrett; Selva Trágica; Frontier.

 

Os progressos alcançados em relação a como se desenvolve o processo cognitivo, levou as ciências humanas a reconhecerem que o conhecimento do real concreto se faz através de imagens mentais, produzidas através do intelecto ou dos sentidos. Estas se constituem em representações do real e, quando acionadas para a compreensão da realidade objetiva, passam a integrar a própria realidade (Reichel, 1999:58).

Em um livro intitulado Tempos diferentes, discursos iguais: a construção histórica do corpo feminino, Ana Maria Colling, através de um estudo dos discursos construídos e postulados como referências do pensamento ocidental, desde os filósofos gregos até a psicanálise freudiana, demonstrou, de forma clara, como esses discursos tentaram tornar natural a submissão da mulher, criando uma relação de gênero hierárquica, ou seja, como se o fato de ser mulheres estivesse associado estritamente à maternidade e à condição biológica. O livro de Colling defende a ideia de que a mulher foi subjugada por uma série de discursos que definiram seu lugar, o privado, e seu papel na sociedade, mãe e esposa.
Nesse processo, a história, enquanto disciplina, teve um papel importante, pois corroborou com essa construção na medida em que construiu a história dos homens, pois feita por homens: A história foi uma profissão de homens que escreveram a história dos homens, apresentada como universal, na qual o ‘nós’ é masculino e a história das mulheres desenvolve-se a sua margem1. Neste sentido, o que ocorreu é que as mulheres foram ignoradas pela história, sendo construídas e representadas a partir do olhar do outro, que é o homem, e que, consequentemente, enquanto produtor destes discursos, construiu as representações e as práticas femininas, assim como as suas próprias.
Segundo Michel de Certeau, a historiografia

(...) faz uma triagem entre o que pode ser ‘compreendido’ e o que deve ser esquecido para obter a representação de uma inteligibilidade presente. Porém, aquilo que esta nova compreensão do passado considera como não pertinente – dejeto criado pela seleção dos materiais, permanece negligenciado por uma explicação – apesar de tudo retornar nas franjas do discurso ou nas suas falhas: ‘resistências’, ‘sobrevivências’ ou atrasos perturbam, discretamente, a perfeita ordenação de um ‘progresso’ ou de um sistema de interpretação2.

  Assim, o que este texto tentará fazer é observar as franjas e as falhas desses discursos de construção tentando observar como Rafael Barrett3 construiu uma representação da mulher em seus textos, produzidos entre 1905 e 1910, tanto os de caráter crítico social, quanto os literários. Da mesma forma, para estabelecer um diálogo, será analisada a obra de Hernâni Donato4, Selva trágica, de 1959, com o mesmo objetivo.
A relação entre os dois escritores se dá na medida em que a obra de Barrett, precedente, representa a mulher de forma contemporânea, o autor é testemunha dos fatos que representa. Donato, produz um discurso com base em fontes e em pesquisas sobre o período5, dentre as quais é possível encontrar, no conjunto de epigrafes que abrem Selva trágica, um texto de Barrett, El Arreo, publicado em El Diario, em 17 de junho de 1908, que compunha um folheto que ficou conhecido como Lo que son los Yerbales, além de vários trechos, no romance, que remetem aos escritos barrettiano. Ademais vale considerar que a linha de intersecção que fundamenta este diálogo se estabelece a partir do objeto de estudo, que é a mulher, e que está marcado por um espaço, a fronteira6 entre o Brasil e o Paraguai, e em um período, as primeiras três décadas do século XX. Assim, é possível, de forma comparativa, compreender não apenas como se dá a construção da mulher, mas também as influências que perpassam esses escritos.

A IMAGEM DA MULHER NA OBRA BARRETTIANA

Michelle Perrot, em seu texto As mulheres e os silêncios da história, demonstrou que por trás de um grande intelectual, como foi Karl Marx, havia um homem, que, malgrado lutar pela igualdade social, através de sua visão teleológica da história e de suas práticas políticas, como a Primeira Internacional, era, no espaço privado de sua casa, acima de tudo, homem, pai, chefe de família7. Ou seja, mesmo tendo marcado uma cisão importante no pensamento ocidental, em relação a uma perspectiva histórica, assim como em relação à uma perspectiva econômica da sociedade, Marx ainda estava reproduzindo a estrutura social de seu tempo, na qual a mulher ainda era o Anjo do Lar, de Rousseau8. Esse patriarcalismo de Marx foi constatado por meio da análise das cartas trocadas por suas três filhas, que foram as fontes do estudo de Perrot.
A percepção dessa contradição de Marx é interessante porque expõe a complexidade da própria noção de tempo histórico, pois ao passo que uma coisa se modifica a outra permanece, daí a grande insight de Fernand Braudel ao refletir sobre a sobreposição de três temporalidade9. Barrett, não foge a essa regra. Ao mesmo tempo em que apresenta um pensamento avançado para o período, reproduz estruturas de seu tempo estabelecendo a permanência destas.
Como afirma Corral, Rafael Barrett fue en múltiples aspectos un hombre que se adelantó a su tiempo y debido a ello muchos de sus escritos nos resultan hoy extraordinariamente contemporáneos10. Contudo, em relação ao seu posicionamento sobre a mulher, permanece contemporâneo de seu tempo, como quando em um texto publicado em 29 de agosto de 1905, em El Diário, de Asunción, intitulado De estética, escreveu: Las facultades artísticas receptivas y creadoras no se transmiten por herencia. La mujer es particularmente incapaz de sentir una gran obra y sobre todo producirla11.

Em outro texto, El porno-cinematógrafo, o que se evidencia é o lugar da mulher, que deve ser o espaço privado, ao passo que para o homem, ele deve ser público. Barrett atenta para a natureza da luxúria humana e observa a necessidade da moral para moderar os instintos. Em uma citação de Anatole France demostra sua visão sobre a natureza do homem: los hombres, dice, honran la virtud como a una vieja; le dirigen un saludo respetuoso, y se alejan rápidamente12. Entretanto, Barrett, neste texto, aborda duas situações, a nudez como arte, referente à beleza, e a nudez como obscenidade, vulgaridade: (...) si los modelos del cinematógrafo pornográfico fueran Apolos y Venus, vacilaria en condenarlo. Por desgracia, sospecharéis qué tipos lamentables se prestan a semejantes funciones13. E mais a frente, afunila a questão explicando que (...) la belleza no tiene nada a ver con el amor. Las estatuas no se aman. No lo necesitan, pois El amor es individual y secreto: es lo único inadaptable a lo múltiple; es un vértice que avanza solo14. Assim, ao mesmo tempo em que se torna evidente a natureza luxuriante do homem, demonstra que a mulher deve restringir-se ao privado, pois o amor deve estar restrito a este espaço.
Outro texto barrettiano que parece significativo chama-se Artículos de señora, no qual, novamente, a tônica recai sobre o papel e o lugar da mulher na sociedade. Sua publicação data de 9 de dezembro de 1909, no periódico La Razón, de Montevideo, no Uruguai. O próprio título do texto já é interessante para ser observado, já que determina o público para o qual o texto foi dirigido, que não é a qualquer mulher, mas às senhoras. De início, tem-se a impressão que Barrett irá defender o processo criativo feminino criticando Lamartine, para quem a mulher não tem estilo. Contudo, perde a linha de sua defesa quando simplifica o processo criativo feminino a uma demanda específica: manuais religiosos, gastronômicos e revistas de moda15. Ou seja, a mulher tem estilo, mas apenas em relação àquilo que a sociedade lhe determina como próprio: a moral, no caso da religião; e o cuidado da casa, no caso da gastronomia e da moda, pois a mulher deve servir bem e cuidar de seu marido.
  Uma exclamação presente no texto chama a atenção: piel de seda (…) ¡Eso si que es feminismo16. A mulher deve ser bela:

(…)estoy por ver en ellas las representantes del único feminismo indiscutible, el de las reivindicaciones no sociales, sino fisiológicas; en la lucha contra la fealdad y la decrepitud17.

Esse é o papel da mulher. Las reivindicaciones sociales devem ficar a cargo do público, do homem.
Essa separação torna-se efetivamente clara no fim do texto, quande ele apresenta o lado político das mulheres, o que ele chama de um feminismo individualista, hábil en defender la seducción personal del sexo18. Deparado com esse feminismo, Barrett indaga:

(…) ¿son mujeres, ángeles o arpías? ¿Son formas fecundas o son monstruos? ¿Qué replicar a los escépticos, para quienes una creadora en ciencia, en arte o en política es un caso psiquiátrico, cuerpo de mujer con alma de hombre? Fuera del terreno anatómico. ¿Qué es un hombre, qué es una mujer?19

A última questão colocada por Barrett, principalmente, parece querer questionar o status quo na medida em que essas duas categorias de ser no mundo não deixam claras as suas especificidades, no momento em questão. Mas, já na sequência, essa impressão se apaga quando o autor posiciona-se: (...) La mujer completa es la madre, y el feminismo supremo no consiste en defender la voluptuosidad sino la prole20. Portanto, mesmo sendo um homem a frente de seu tempo em algumas coisas como bem apresentado acima, reproduz, em outras, a estrutura desse tempo.
É significativo, porém, considerar que Barrett parece um homem dividido entre dois mundos21. Nascido em 1976 em Torrelavega, na Espanha, veio para a América do Sul em 1903, ou seja, com 27 anos de idade. Viveu, assim, a maior parte de sua vida na Espanha e essa visão sobre a mulher não nega isso, basta observar como Marx, no texto escrito por Perrot, criava suas filhas, circunscritas a uma dimensão patriarcalista, tal qual Barrett deixa entrever em seus textos.
Mas, se por um lado ele reproduz esse discurso, por outro parece considerar um novo espaço à mulher a partir do que viu no Paraguai, país que viveu desde 1904, quando participou22 da Revolução Liberal23. Isso fica evidente devido a dois fatores: o primeiro é a divergência entre os textos apresentados acima e os outros que serão expostos adiante, nos quais a mulher que aparece nas narrativas é desprovida de expectativa, não obedece a ordem do espaço privado, visto que precisa trabalhar e vive em condições precárias; o outro refere-se ao dado histórico referente à Guerra do Paraguai, e como a mulher é vista a partir desta24. É essa segunda mulher que permite a conexão com o texto donatiano, pois trata da generalidade que pode ser encontrada no Paraguai.
E aqui vale uma observação, pois não é possível desvelar essa mulher de fronteira como em Selva trágica, mas ao ler toda a obra de Rafael Barrett, nota-se que o centro de sua produção parte de Assunção, a capital paraguaia, mas transcende esse espaço e se espraiar no espaço rural, nas margens, nas fronteiras e além. A mulher do romance donatiano é oriunda do Paraguai, o país que foi desolado pela guerra, que vendeu maciçamente as terras públicas na década de 1880, que trouxe migrantes, que fez altos empréstimos e que fez o país, ao invés de avançar economicamente, regredir às bases tradicionais de exploração: tabaco, erva mate e madeira. À população pobre, fossem homens ou mulheres, restou o trabalho e um desses trabalhos era o dos ervais, que Donato buscou representar e que Barrett criticou duramente em 1908. Atitude que inclusive, lhe rendeu o exílio em Montevideo, no Uruguai.
  Em El dolor paraguayo, que é um conjunto de textos publicados separadamente em datas diversas, referentes ao Paraguai, que Barrett reuniu sob o título mencionado, o início descritivo configura a mulher paraguaia:

Bajo un sol que la pradera muy verde volatiza matices y penumbras, las mujeres, envueltas en sábanas aleteadoras al viento, parecen una bandada de pájaros blancos que no acaba de posarse. Pero sus cuerpos, erguidos o acurrucados, están inmóviles. Con un noble ademán profético guardan de la luz sus negros ojos, señores de la llanura. Al lado de sus pies morenos, que al correr acarician la tierra, hay cosas humildes y necesarias, huevos tibios, chipa tierno que sirve de pan y de postre, leche, mandioca, maíz, naranjas doradas y sandías frescas como una fuente a la sombra. Apenas se habla. Nadie ofrece, regatea ni discute. Una dignidad melancólica en las figuras y en los movimientos25.

A configuração descritiva estabelecida pelo texto de Barrett parece querer demonstrar um universo estático, onde as expectativas de um futuro melhor reduzem-se a nada, devido a um passado devastado que as destruiu. Isso fica claro quando ele descreve o olhar das meninas:

Las niñas tienen miradas serias y el reflejo de un pasado sobre su frente vacía. Más tarde abandonarán al emponchado cimbreante de hembras descalzadas, sus senos oscuros y su boca parda, con el mismo gesto silencioso…26.

Hugo Achugar, em um texto intitulado “Culpas e memorias nas modernidades locais: divagações a respeito de ‘O flâneur’ de Walter Benjamin”, faz uma reflexão interessante sobre duas formas de olhar: o olhar ocioso e o olhar falido. O primeiro se relaciona ao flâneur de Benjamin, fruto do perambular, um olhar criador. O segundo se associa a percepção de Bauman, das vidas desperdiçadas. Nesse linha, Achugar propõe que:

Uns têm o olhar como centro, ao passo que outros têm um ‘olhar falido’. Falido de acordo com a sociedade de consumo do presente. Uns são consumidores e cidadãos, enquanto que os outros não. Como afirma Bauman, são ‘consumidores falidos’, ou seja, aqueles indivíduos que estão fora do trabalho, do mercado e que, por isso mesmo, não podem se integrar à sociedade como ‘consumidores’ plenos27.

  Assim, é possível perceber, novamente, a dimensão destes dois mundos: o do flâneur, cujo protagonista é o próprio Barrett, que observa o povo paraguaio28; e o olhar falido, das meninas que veem apenas o reflexo do seu passado sobre sua frente vazia, mas também e novamente, o de Barrett, pois esse olhar das meninas é capitado e revelado por ele.
A evidencia dessa falta de expectativa torna-se muito clara quando observamos o texto La madre, publicado em 1910, em Bohemia, Montevideo. Neste texto, Barrett narra o parto de uma mulher muito pobre que dá a luz a uma criança, de madrugada, e que parece agir a partir desta falta de expectativa:

(...) Estaba solo con su hijo. Porque aquel paquetito de carne blanda y cálida, pegado a su piel, era su hijo (…)Amanecía. Un fulgor lívido vino a manchar la miserable estancia. Afuera, la tristeza del viento y de la lluvia. La mujer miró al niño que lanzaba su gemido nuevo y abría y acercaba la boca, la roja boca, ancha ventosa sedienta de vida y de dolor. Y entonces la madre sintió una inmensa ternura subir a su garganta. En vez de dar el seno a su hijo, le dio las manos, sus secas manos de obrera; agarró el cuello frágil y apretó generosamente, amorosamente, implacablemente. Apretó hasta el fin29.

Assim, parece que a vida no Paraguai da primeira década do século XX, não oferece a possibilidade de uma reação, tal qual o anjo da História, de Walter Benjamin, que não consegue agir frente a destruição do mundo pelo progresso, só lhe é possível observar passivamente, carregado pela força de um vendaval30. Barrett, observando as mulheres que passam registra a condição passiva de suas vidas:

Pasan con la suavidad tenue de un suspiro. Sus grandes ojos negros os miran de par en par, cándida y atentamente. Van serias, quizás graves. Vienen del insondable pasado y están impregnadas de verdad. Graciosas y pasivas, son el sexo terrible en que nacemos y nos agotamos, sagrado como la tierra; son el amor a quien se inclinan nuestros labios sedientos y nuestras almas hastiadas31.

A singularidade da situação da mulher no Paraguai, diferentemente do que pode ser observado na Europa, estabelece-se em partes, como fruto da grande guerra de 1864-1870, que reduziu a população à metade e os homens a um quinto dessa. Assim, El papel de la mujer en la reconstrucción de la república después de la guerra fue fundamental para la pronta recuperación del país32.Todavia, é importante esclarecer que as mulheres já desempenham um importante papel no Paraguai, mesmo antes da guerra:

Las mujeres además tuvieron a su cargo la producción de alimentos, el trabajo agrícola, el mantenimiento de los animales, la reproducción de la especie, la reconstrucción de la familia, y la realización de los más diversos tipos de oficios requeridos por el Paraguay de la postguerra. Estas tareas no fueran nuevas para ellas. En gran medida, esta mujeres sobrevivientes de la guerra grande simplemente continuaron desempeñando roles clave en el mantenimiento de la república que comenzaron a jugar mucho antes de que llegue la postguerra33.

Malgrado a citação acima mostrar um certo protagonismo das mulheres no Paraguai, Florentín atenta para o fato de que, apesar de ser chamado de país de las mujeres, o que se observa é que o espaço delas estava muito bem delimitado: a educação, o campo, a família, mas não o público, não a política: Las mujeres a pesar de cargar con el peso de la reconstrucción del país no tuvieron acceso a los cargos de poder, o participación en igualdad de condiciones en el proceso político34.
Segundo Florentín, os exilados políticos, fugidos do governo de Francisco Solano López, quando perceberam o fim da guerra, atentaram para a possibilidade de retornar ao Paraguai, e dessa forma definir um governo conforme seus interesses. Desta forma, as mulheres foram deslocadas. Uma forma para fazer isso, foi associá-las ao governo lopizta35:

Apenas los exilados volvieron al país ocuparon los principales lugares de poder con total falta de reconocimiento al rol jugado por las mujeres. (…) las mujeres intentaron convertirse en activas participantes de la discusión política, los actores políticos liberales las censuraron recordando el visible rol político jugado por las mujeres en las últimas horas del lopizmo36.

Entretanto, Herib Caballero Campos, demonstrou que elas lutaram politicamente, como nas discussões sobre o casamento civil, em 1869; na solicitação da liberdade de cultos, em 1870, na qual cerca de 200 mulheres se reuniram em frente à Assembleia na qual se realizava a Convenção Nacional Constituinte, além de outros exemplos37. Mas o que importa observar, é que ainda lutando, elas foram subjugadas por interesses que estabeleceram uma hierarquia.
Através dos textos de Barrett é possível observar, ao menos, dois tipos de mulheres: as que pertencem a um mundo de referência europeia, que devem se preocupar com a casa: gastronomia, moral/religião e moda; e outra que é fruto de um passado terrível, que foi a guerra. Diante da análise que se empreendeu, é possível perceber que a mulher da elite, a qual pode se dedicar à moda, à gastronomia se enquadra nos moldes dos estudos de gênero dirigidos aos países de primeiro mundo, como na Europa e nos Estados Unidos, para o qual basta observar os textos de Joan Scott ou Michelle Perrot, por exemplo; e as que pertencem à uma cultura específica, marcada por uma conjuntura local, que desde o primeiro contato conviveu com as complexidades das tentativas de subjugação empreendida pela Coroa espanhola; posteriormente, em 181138, com a independência e os governos autoritário de Francia; depois, dos Lopez; culminando com a Guerra do Paraguai; para, a partir daí, tentar instaurar uma democracia liberal, a qual, também relegou o papel da mulher ao segundo plano.
Segundo Mary Nash, em seu texto Mujeres en el mundo: Historia, retos y movimiento, há uma gama variada de movimentos feministas nos vários países de terceiro mundo, mas cada um apresenta uma especificidade39. Em geral, estão associados às lutas anti-imperialistas, em prol de uma emancipação nacional. Levando em consideração a singularidade desses processos, é importante considerar, no Paraguai, as peculiaridades da atuação feminina, como já mencionado acima, pelo viés barrettiano.
A constatação na década de 1970, de que os discursos construídos sobre as mulheres eram, essencialmente, a respeito de mulheres brancas e ocidentais, abriu espaço para o estudo de dinâmicas sociais muito mais complexas do que as que, até então, haviam sido consideradas pelas primeira e segunda onda do feminismo. A terceira40, abriu espaço para o heterogêneo do feminino.
Dado o período em que Barrett escreveu, torna-se perceptível que ele testemunhou esse universo fraturado, no início do século XX, ao reproduzir os arquétipos europeus do feminino, no qual a mulher verdadeira é a que é mãe; e, concomitantemente, expressar a singularidade da mulher no Paraguai, assolada pela pobreza, fruto de um passado que legou ao Paraguai, apenas41, mulheres, crianças e velhos, incapacitados de lutar, pois os homens foram dizimados pela Guerra da Tríplice Aliança.

A MULHER EM SELVA TRÁGICA

A história das mulheres coloca algumas situações emblemáticas ao pesquisador. Entre as várias dimensões envoltas na pesquisa, como: a dimensão teórica ou metodológica, por exemplo, há pontos mais específicos como é o caso da ancoragem da história que se assenta nas fontes. Selva trágica é uma obra literária, portanto, de ficção e nesse contexto o problema se acerca sobre os processos de legitimação da fonte histórica42. Mas a pretensão aqui não é discutir essa legitimidade, mas refletir sobre o fato de que o recorte feito por esse trabalho tem que levar em consideração a diferença e a relação entre as fontes utilizadas para analisar a representações construídas por Rafael Barrett e as construídas por Hernâni Donato, especificamente em Selva trágica.
Apesar da originalidade na análise da mulher na obra de Barrett, o procedimento analítico, em termos de uma metodologia, parece, a princípio, ser mais efetivo que na obra de Donato na medida em que Barrett produz textos de ficção, como é o caso de La muñeca ou Madre, mas fornece uma outra grande gama de documentos que possibilitam um contraponto: como texto críticos para jornais, ou texto referentes às palestras que Barrett dava aos trabalhadores e mesmo as cartas que enviava a amigos, esposa, etc. Portanto, se por um lado essas bases possibilitam o acesso a um seara mais ampla, por outro, criam um maior dificuldade nos processos de análise, que deixam de ser apenas interpretativo, como no caso de Donato, para agregarem uma dimensão conflitiva. Como a obra de Rafael Barrett é cambiante, a análise deve levar isso em consideração, pois ela foi produzida entre 1903 e 1910. Quando ele chegou na Argentina era um republicano, quando foi para França em 1910 em busca da cura da tuberculose, que o acometia, era uma anarquista declarado. Considerados esses pontos, fica evidente porque a obra barrettiana é muito mais densa para ser analisada que o romance donatiano em termos das representações de gênero.
Mas se por um lado o romance oferece facilidade por ser apenas um, já que Donato escreveu apenas um livro sobre a região de fronteira entre o Brasil e o Paraguai, mais especificamente sobre as relações de trabalho na exploração da erva mate. Por outro, oferece sua cota de complexidade por ser ficção, que a priori, está orientada por uma dimensão estética, o que torna o processo de análise histórica mais complexo, já que se estabelece a dificuldade de determinar a conexão desse texto literário com a realidade histórica. Assim, quando possível, lançar-se-á mão de outros recursos que possam ancorar a hipótese em construção sobre a figura da mulher nessa zona de fronteira que Selva trágica configura.
O que marca a trama do romance Selva trágica é a relação de amor entre Pablito e Flora. A tensão estabelece-se pelo fato que Pablito é enviado em busca de novos ervais, a monteada, e Flora fica sem ninguém para protegê-la no rancho, local onde os trabalhadores vivem enquanto o erval tem erva mate para ser cortada. As relações hierárquicas estabelecidas são várias e as mulheres ocupam a margem desta configuração43. Flora, assim como as outras mulheres, estão no rancho como propriedade. Isso fica claro quando um mineiro44 vende sua mulher a outro para diminuir sua conta com a Companhia45:

Os três vinham ressabiados como se a coisa fôsse nova. Mas não era nova nem causava estranheza. Negócio como qualquer outro, naquele mundo de tristes negócios. Só que nesse tipo de negócio entre dois homens a mercadoria – que era a mulher – dava seu consentimento para mudar de proprietário. (...) negócio bom para todos trocar a mulher pela dívida. Negócio que se fazia com freqüência, ali e além46.

Refletir sobre a hierarquia é importante na medida em que o trabalhador do erval vive em uma situação limite, degradado pela estrutura de trabalho que foge dos moldes antes conhecidos por ele. A erva mate faz parte da tradição do povo paraguaio, que trabalharam com a referida planta na região de fronteira, justamente porque contavam com o que Arruda chamou de saber fazer, uma tradição de séculos: A tradição foi legada pelos Guaranis, que já utilizavam a erva mate antes dos conquistadores brancos chegarem e foi difundida, posteriormente, pelos jesuítas e suas missões a partir do sec. XVII47. Assim, a estrutura de trato local da planta foi catalisada no sentido do lucro, abandonado a dimensão simbólica48. A fala do Curê, o administrador do rancho, expressa bem a necessidade da produção:

De Ponta Porã mandaram recado. Querem mais erva49. Ou ainda em outro trecho: Chê!? Resmungou, enfastiado. Andou por aí um portador do escritório central. Veio dizer as asnices do costume. A respeito da quantidade da última remessa. Aquilo de sempre: pouca e ruim50.
Pablito era uma mineiro. Dentro os homens, uma das funções mais baixas e, com certeza, a mais pesada. O mineiro vive uma situação de degradação extrema. Mas a mulher está muito abaixo disso. Ela é colocada como objeto dentro da ordem social, consequentemente, abaixo dele nessa hierarquia. No erval, a visão que o trabalhador experiente tem a respeito da mulher é muito clara: de um ser sem palavra: A quantas mulheres de bailanta ouvi jurar e desjurar (amor e fidelidade)51. Ou ainda quando Pytã, irmão de Pablito se irrita com Flora:

Cuña, (...) nasci faz uma réstea de tempo. Das galantezas e doçuras que me disseram as mulheres, só guardei as da minha mãe. É o que também dizem os que sabem das coisas das mulheres. Palavras de valença só as que dizem pros filhos52.

O baile era uma forma de estratégia utilizada para acalmar o ânimo dos peões. Conforme o tempo no trabalho ia passando, o humor dos trabalhadores ia se modificando, começavam o trabalho calmos, mas conforme trabalhavam, ficavam cada vez mais nervosos, assim, havia a necessidade de acalmá-los para que, dessa forma, voltassem a produzir mais53.
Em relação à mulher, é interessante observar que ela era o elemento chave nesse processo, já que sem ela o baile não ocorria. Novamente as mulheres são tomadas como objetos:

Durante a noite do baile, os mineiros usavam as mulheres como durante o dia serviam-se dos instrumentos de trabalho. Ai da mulher que não comparecesse saudável, doente, velha, feia ou grávida. Durante as horas do baile deixavam de funcionar todos os códigos de honra e de costumes de que se servem os homens e as mulheres54.

Em contrapartida, há que considerar-se que não há passividade das mulheres. Elas resistiam como podiam, mesmo que de forma sutil. Flora, por exemplo, buscava refúgio na casa de Pytã, enquanto Pablito estava fora, na monteada, mesmo que seu cunhado resistisse em lhe dar abrigo. Mas também é possível observar outra forma de resistência, como por exemplo, no caso do baile. Em Selva trágica, as mulheres resistiam à relação sexual até o último momento, de forma a deixar os homens se embriagarem bastante, pois Ultraje de bêbado lhes parece menos ultraje55. A violência não era evitada, mas parecia ser menor.
É importante observar que havia dois tipos de mulheres: as que estavam comprometidas56 e as prostitutas, chamadas de quilombeiras57. Contudo, no baile, todas eram iguais para os homens, o que importava era o sexo: (...) os homens vieram ao baile mesmo por aquelas coisas e exigem aquilo antes do mais58. Mas há um caso especifico onde duas meninas são projetadas a mulheres por necessidade de mais mulheres para cobrir a demanda de homens do erval: O atacador tem duas filhas mas são quase meninas (diz o Casimiro). (...) – Meninas? E quê?! Ficam promovidas a mulheres para o baile! – rugiu alegre o Curê59.
Assim, a violência é permanente, sobrepujando qualquer âmbito de humanidade60 e sendo mais acentuada quando dirigida à mulher.
Na tentativa de esquematizar, é importante observar que, segundo a configuração de Selva trágica, a mulher ocupa, ao menos, três papeis fundamentais, parecendo que os dois primeiro são mais importantes que o terceiro: em primeiro lugar, é possível observar que a mulher serve ao homem, é a cuidadora. A historiadora Teresa María Ortega López observa, sobre as trabalhadoras agrícolas na Espanha: Es decir, el hombre proveedor de sustento y la mujer proveedora de cuidado61. Em Selva trágica encontra-se algo semelhante: As mulheres e os solteiros62 puxavam para fora as trempes, cozinhando o xarque e o milho para a comida da tarde63. O solteiro vive por si, mas o que tem mulher, tem cuidado, pode descansar enquanto a mulher lhe serve.
Em segundo lugar a mulher tem por função acalmar os ânimos dos homens que começam a ficar mais difíceis de controlar conforme aumentam os dias trabalhados no rancho e as perspectivas de saídas se tornam mais distantes, já que havia um controle das dívidas de forma a manter o peão trabalhando pelo maior tempo possível sob o pretexto dessa dívida. Finalmente, em terceiro lugar, e de forma secundária, a mulher aparece como mãe. Essa não é uma função importante no erval e aparece muito pouco em Selva trágica64. Talvez isso se dê exatamente porque a eminência do trágico seja evidente e a relação com a morte muito despreocupada, por parte da empresa65.
Feita esta breve exposição da mulher, a partir de Selva trágica, o foco recairá sobre a possibilidade de diálogo entre a obra barrettiana e o texto donatiano. Estabelecer esta relação é de fundamental importância para iniciar a visualizar, mesmo que ainda de forma esboçada, da figura que o discurso presente nas fontes analisadas construiu sobre a mulher na região supracitada.

UM DIÁLOGO SOBRE A CONSTRUÇÃO DA MULHER NA REGIÃO DE FRONTEIRA ENTRE BRASIL E PARAGUAI

Segundo Ferreira:

(...) o estabelecimento dos juízos estéticos não cabe numa pesquisa histórica. (...) devem interessar à pesquisa histórica todos os tipos de textos literários, na medida em que sejam vias de acesso à compreensão dos contextos sociais e culturais66.

Ferreira ainda complementa que:

É facultado ao historiador (...) procurar compreender como tais avaliações (de juízo) são constituídas no interior das sociedades, de que maneira se formam e disseminam os gostos, como repercutem no coletivo e permanecem ou não historicamente67.

Mas, uma questão que se pode sobrepor a essa afirmação é: como alcançar essas vias de acesso à compreensão dos contextos sociais e culturais? Uma resposta possível parece ser o da contraposição.
O âmbito ideológico, no sentido de um interesse a ser defendido, parece estar presente em todos os campos das atividades humanas68. Assim, as obras literárias representam os interesses de seus autores, mesmo que a preocupação se expresse especificamente no campo da estética; assim como no processo de interpretação estão implicados os interesses do leitor, portanto o leitor também produz sobre a obra69.
Assim, há uma complexidade implicada no processo interpretativo e o campo aberto pelos influxos dos estudos linguísticos70 parecer ter aberto uma via de mão dupla: permitir a ampliação das fontes, mas, concomitantemente, relativizar a verdade implicada nessas fontes. O documento passou a ser monumento71. Assim, os estudos das mulheres, por vezes, implicados no campo do não dito, oferecem um grande desafio ao pesquisador e a contraposição das fontes, enquanto dados, em conjunto com uma teoria da interpretação também conflitiva72, parece fornecer um meio consistente para a análise. Contrapor Selva trágica e a obra de Barrett, será um primeiro passo, que poderá, alhures, abrir espaço para uma ampliação das fontes e da análise.
No primeiro momento deste trabalho, notou-se que Barrett fornece dois estereótipos: o do Anjo do Lar, fruto de sua origem europeia e, ao mesmo tempo, de sua condição social no continente Americano; e o segundo, das mulheres que aguardam passivamente o seu futuro. A representação do feminino que parece, no momento, mais importante, é a segunda, da mulher que é observada por Barrett, a mulher que não faz parte do seu mundo, a mulher rural, que vende melancias e laranjas no centro da cidade. Isso ocorre porque é a que se aproxima da mulher construída no romance Selva trágica, uma mulher que tem, ainda, vivo em sua memória os horrores da guerra e em seu dia a dia as consequências dela, que levaram o Paraguai às antigas bases de produção: erva mate, tabaco e maderia. A mulher do erval é a mesma mulher que tem um olhar sério e o reflexo de um passado sobre sua frente vazia, como descreveu Barrett.
A passividade parece ser um bom ponto de partida para traçar os paralelos. Como apresenta Barrett: Graciosas e passivas, são o sexo terrível de onde viemos, enquanto filhos, e no qual nos esgotamos, enquanto homens73. A mulher enquanto mãe e serva. Esta imagem é muito próxima a que constrói Donato, pois as palavras que valem, vindas da mulher, são apenas as de mãe, pois as outras são todas falsas. Em Selva trágica a mulher está fadada a servir ao filho, fruto de seu ventre, e ao homem, que está sempre acima dela.
Em Selva trágica a passividade fica muito evidente no desfecho da trama. Flora, que tanto buscou Pablito, porque o amava, teve a sina de tantas outras, de ceder ao Isaque, que a amava, mas não era correspondido. Para poder sobreviver na selva trágica do erval:

Ela sabia que êste a amava e faria por ela o que ela mesma fizera pelo Pablito. Não o amava, é certo. Mas o carinho com que fôra cuidada e a atenção que o Isaque punha nos gestos e no olhar lhe diziam que poderia contar com êle. (...) O futuro era o que era – não o que gostaria que fôsse. E se o mundo rodava nesse rumo, asnice era entestar no contra-rumo. Poderia tropeçar e fazer-se mal. Melhor seria acertar o passo com o passo do mundo. Vivia no país da erva e assim era a vida por ali. Sentiu Isaque deitar-se ao lado e procurar a sua mão. Não esquivou74.

Outro paralelo interessante de ser apontado diz respeito à falta de perspectiva, já evidenciada em Barrett e que se torna clara também em Donato, a partir da citação acima. Aceitar Isaque é saber que o futuro não reserva nada. É interessante observar que Flora é uma espécie de alegoria, pois é todas as mulheres. Há em Selva trágica uma dimensão cíclica75 que também ecoa na figura de Anaí, uma menina nova que começava uma relação com Aguará, menino conhecido como huayno, que ajudava o uru, que fazia o sapeco da erva mate. Ambos jovens:

Esta é a Anaí. Veio fazer vida comigo76, disse o Aguará para o Curê, que Não tirava os olhos de Anaí e Anaí não lhe fugira ao olhar. Êle sabia que seria assim. Sempre assim, em todos os ervais. A princípio ela se recusaria. Acabaria entendendo que no erval a sorte de todas elas era a mesma77.

Anaí reforça a estrutura que em todo o romance é configurada por Flora, da passividade e da falta de perspectiva em relação ao futuro, pois seria assim. Sempre assim.
A violência é uma constante também. Donato deixa-a muito clara em relação às mulheres, mas Barrett a configura de forma mais sutil. Em Selva trágica a mulher comprometida, quando violentada por outro homem, mineiro ou chefe, ainda era abandonada ou espancada. O Curê queria uma mulher para lhe satisfazer os desejos, descobriu que Morocho tinha uma mulher nova e bonita. Solicitou que alguém lhe mandasse contornar a mina de erva e, nesse tempo, aproveitou-se de sua mulher. Quando descobriu o ocorrido a reação de Morocho foi violenta: - Bati na mulher até os ossos dela estranharem a carne78.
Barrett, de forma mais sutil também atenta para essa violência, que segundo ele era fruto da ambição humana. Culpava por isso o Estado, que se vendia por cobiça: (...) que esperar de un Estado que restablece la esclavitud, con ella lucra y vende la justicia al menudo79. Em relação à mulher, a primeira forma de violência que aparece, de forma muito próxima a que é exposta por Donato, é a da prostituição, das quilombeiras. Aqui é interessante notar que ele não está falando da prostituta, mas da infelicidade do peão. É possível notar que até mesmo na denúncia a mulher é colocada em segundo plano:

Y el niño enfermo sobre el cual va a cerrarse la verde inmensidad del bosque, donde será para siempre la más hostigada de las bestias, reparte su tesoro entre las chinas que pasan, compra por docenas frascos de perfume que tira sin vaciar, adquiere una tienda entera para dispersarla a los cuatro vientos, grita, ríe, baila - ¡ay, frenesí funerario! –, se abraza con rameras tan infelices como él, (…) hembra roída por la sífilis, he aquí la postrera sonrisa del mundo a los condenados a los yerbales80.

A denúncia não é sobre a mulher que é explorada, mas sobre os condenados aos ervais que as exploram. Assim a mulher estava abaixo do mais subjugado, que segundo Barrett, nem homem era: Aquello no es ya um hombre; es todavia um peón yerbatero81. Mas em outro trecho, Barrett comenta de forma mais clara sobre a condição da mulher nos ervais:

El 90% de las mujeres de la mina son prostitutas profesionales; a pesar del hambre, de la fatiga, de la enfermedad y de la prostitución misma, estas infelices paren, como paren las bestias en sus cubiles. Niños desnudos, flacos, arrugados antes de haber aprendido a tenerse en pie, extenuados por la disentería, hormiguean en el lodo, larvas del infierno a que vivos aún fueron condenados82.

Para evidenciar essa violência, Barrett afirma que De 15 a 20 mil esclavos de todo sexo y edad se extinguen actualmente en los yerbales del Paraguay, de la Argentina y del Brasil83.

A partir das duas fontes analisadas, foi possível perceber que há uma diferença entre as mulheres que estão nos ervais e as mulheres que estão nos povoados e nas cidades. Barrett expõe que todos os códigos de conduta eram abandonados no erval em prol da ganância e da cobiça, o que importava era o lucro:

Cuando en plena capital la policía tortura a los presos por ‘amor al arte’, ¿creéis posible que no se torture al esclavo en la selva, donde no hay otro testigo que la naturaleza idiota, y donde las autoridades nacionales ofician de verdugo, puestas como están al servicio de la codicia más vil y más desenfrenada?84.

Donato, em uma das falas do Curê também configura essa diferença, tomando por base a semana santa:

- Pois sim, está aí a Semana Santa! Vão tirar a forra. Vivi um tempão nas cidades lá de baixo e lá de cima. Lugares onde os homens vivem como homens, sim senhor! Em paz com sua iguala e de bem com Deus! Mas aqui?! O sujeito põe o pé num erval e já fica só meio homem, que a outra metade é de bicho encafuado. Pois lá em baixo e lá em cima, nas cidades, a Semana Santa85 é coisa séria. A gente muda o jeito de viver. Quase só reza! Fecham as casas de jôgo, não fazem música nem amor. Agora, veja você como são as coisas aqui no erval!86.

Assim, a mulher no erval estava em condição de objeto, que podia ser até mesmo vendida ou trocada, mas em geral associada à prostituição e à violência sexual, fadada a servir, passiva e sem expectativa. Mas as mulher da cidade, da zona de fronteira, trabalhavam. Isso fica claro no texto El mercado, de Barrett, onde as mulheres são as que vendem chipas, melancias, ovos, por exemplo. Mas também é perceptível em outros textos de Barrett, como La muñeca87, no qual, além de mulher, a coadjuvante era doente e criança ainda.
O panorama para a construção da figura da mulher na região de fronteira entre Brasil e Paraguai pode ser, efetivamente, ampliado, na medida em que a obra de Barrett é muito vasta e foi analisada apenas em partes. Além disso, há uma gama de obras literárias que podem ser acrescidas no sentido de possibilitar uma análise mais robustas, como as obras de José de Melo e Silva, com Canaã e Fronteiras Guaranis e a vasta obra de Hélio Serejo, para citar apenas duas possíveis fontes.
Outro fator a ser considerado é que este trabalho considerou de forma privilegiada a mulher paraguaia, na medida em que a região sul de Mato Grosso tinha uma densidade demográfica muito baixa e que a principal figura que estava presente na região era a mulher paraguaia, mas a qual há que se considerar transitava por essa fronteira. Contudo, não foi levada em consideração, por exemplo, o papel da mulher gaúcha, fugida, em geral da Revolução Federalista, ou o papel das mulheres indígenas em suas várias etnias. Portanto este trabalho, em termos de uma síntese, com base no desenho construído pelas fontes pôde privilegiar apenas as mulheres paraguaias não integrantes das elites sociais e que devido a isso, atravessaram as fronteiras e como Flora, por vezes, fizeram o necessário para sobreviver.

 

NOTAS

1Colling, 2014: 12.

2Certeau, 2013: XVII.

3Rafael Barrett, segundo as informações biográficas, nasceu em 1876, em Torrelavega, na Espanha, filho de mãe espanhola e pai britânico. Aos 26 anos de idade, devido um desentendimento com um advogado em Madri, se mudou para Buenos Aires, decidido a começar uma nova vida. É essa nova fase, que interessa a este trabalho, visto que é a partir desta mudança que Barrett inicia a parte mais significativa de seus escritos. Segundo Corral, o grosso de sua produção está circunscrito em sete anos, de 1904 a 1910, quando morreu em Arcachon, na França, em 17 de dezembro de 1910. Para mais informações, ver Corral (s.f.).

4“Hernâni Donato nasceu 1922, na cidade de Botucatu-SP e faleceu no ano de 2012, na cidade de São Paulo. Sua Obra reflete um compromisso com a cultura brasileira, pois se dedicou a vastos campos da produção intelectual: foi escritor, historiador, jornalista, professor, tradutor e roteirista, além de colaborar com a produção cinematográfica e televisiva, como a coautoria no roteiro de Chão bruto e a participação em emissoras televisivas, como a TV Tupi e a TV Record” (Herrig, 2015: 132).

5Herrig, 2017: 64-65.

6É importante considerar que a fronteira com a qual se trabalha neste artigo tem, em primeiro lugar, um caráter geográfico, mas que se observados por um viés mais detalhado, perceber-se-á que há uma implicação de caráter cultural que perpassa este conceito de fronteira. Neste artigo, a fronteira é entendida mais como zona de contato do que como divisão. Assim, implica uma cultura própria que se projeta no alheio e que produz a partir deste contato. Dois textos parecem interessante para pensar essa questão: Bhabha, 1998: 198-238; Carvalhal, 2003: 125-152.

7Sobre o assunto ver Perrot, 2005: 55-87.

8Colling, 2014: 26.

9Sobre o assunto ver Braudel, 2013: 41-78.

10Corral, s.f.

11Barrett, 2010b: 479.

12Barret, 2010a: 133.

13Ibídem: 133.

14Ibídem: 133-134.

15Barret, 2010b: 59.

16Ibídem: 60.

17Ibídem.

18Ibídem.

19Ibídem: 61.

20Ibídem.

21Em sua escrita, pode-se notar dois momentos: o primeiro, já na América, voltado para os problemas da Espanha: ‘España está presente donde haya un corazón sincero que la ame. No porque la distancia y los años nos aparten habitamos menos en ella de que cuando jugábamos de chicos a la sombra feliz de sus árboles’; e o segundo, marcado pelo interesse na América e no ser humano, como ficará evidente mais adiante. Superada a nostalgia da terra natal, tornou-se evidente que o interesse de Barrett não tinha uma coloração nacionalista, fechado na Espanha, mas que incorporava a índole do universal, do humanitário e do ecológico. Torna-se claro, portanto, que as inquietações modernistas e revolucionárias da Europa foram o adubo para a escrita de Barrett, isso o motivará a escrever sobre o povo paraguaio: ‘(...) vemos reflejado el profundo amor que sentía hacia el pueblo paraguayo; ese amor, esa preocupación por la gente del pueblo, es una constante plenamente noventayochista’ assim como sobre a humanidade em geral, com sua crítica ao progresso técnico e sua esperança no futuro (Herrig, 2016: 238-239).

22Corral, 2010: 698.

23Nesse período havia dois partidos no Paraguai, o Colorado e o Liberal. Desde a fundação de ambos, em 1887, o Colorado estava no poder e se caracterizava por ser um partido conservador. A chamada Revolução Liberal de 1904 foi a ação dos liberais para derrubada dos colorados. Para mais detalhes, ver Souza, 2006.

24La pérdida demográfica para Paraguay después de la guerra probablemente estuvo en el orden del cincuenta por ciento de la población total. La relación entre los géneros fue posiblemente de un hombre por cada cinco mujeres. El resultado no deja de ser desolador. Un cálculo estimativo resulta en la pérdida de aproximadamente doscientos mil habitantes de los cuatrocientos mil que existían en Paraguay al momento de comenzar la guerra (Florentín, 2010: 16).

25Barrett, 2010a: 211.

26Ibídem.

27Achugar, 2009: 23.

28É importante observar que Barrett, apesar de ter essa possibilidade do olhar ocioso, não ficou apenas na observação e escrita, partiu ao campo de batalha, como por exemplo quanto pegou em armas para lutar contra o regime de Bernardino Caballero, na Revolução liberal de 1904, no Paraguai: Tomé un fusil; estábamos en guerra, esperando el ataque de un instante a otro. No me arrepiento ciertamente de haber simpatizado con la causa liberal, pero me felicito más aún de no haberme visto obligado a disparar un solo tiro. (Barrett, 2010b: 649); Ou quando começa a dar palestras ao trabalhadores: Da conferencias para los obreros y crea la revista Germinal, órgano de denuncia y de expresión para las organizaciones gremiales. Su lucha le lleva a ser encarcelado y desterrado, primero al Matto Grosso, luego a Montevideo donde conecta enseguida con la vanguardia intelectual: Rodó, Vaz Ferreira, Zum Felde, etc. (Corral, 2005: s/p). O pensamento barrettiano muda de 1904 a 1910, ano de sua morte, de um republicanismo para uma anarquismo declarado, cujo sua maior referência estava em Tolstói.

29Barrett, 2010a: 427.

30Há um quadro de Klee intitulado Angelus Novus. Representa um anjo que parece preparar-se para se afastar de qualquer coisa que olha fixamente. Tem os olhos esbugalhados, a boca escancarada e as asas abertas. O anjo da história deve ter esse aspecto. Voltou o rosto para o passado. A cadeia de fatos que aparece diante dos nossos olhos é para ele uma catástrofe sem fim, que incessantemente acumula ruínas sobre ruínas e lhas lança aos pés. Ele gostaria de parar para acordar os mortos e reconstituir, a partir dos seus fragmentos, aquilo que foi destruído. Mas do paraíso sopra um vendaval que se enrodilha nas suas asas, e que é tão forte que o anjo já não as consegue fechar. Esse vendaval arrasta-o imparavelmente para o futuro, a que ele volta as costas, enquanto o monte de ruínas à sua frente cresce até o céu. Aquilo a que chamamos o progresso é este vendaval. (Benjamin, 2012: 14).

31Barrett, 2010a: 212.

32Florentín, 2010: 141.

33Ibídem.

34Ibídem: 142.

35(...) en la última etapa de la guerra, las mujeres hicieron la guerra suya y salieron a combatir al campo de batalla detrás de los hombres. (Ibídem).

36Ibídem.

37Sobre o assunto, ver Campos, 2013: 81-83.

38Sobre o assunto, ver Chesterton y Florent{in, 2011/2012: 433-468.

39Kamuri Jayawardena acredita que os movimentos de mulheres em países colonizados, ou seja, não ocidentais, estão associados aos processos de consolidação das identidades nacionais. Mas Nash considera que deve-se acrescentar a isso a necessidade de se considerar as múltiplasexpressões do feminismo, como as transformações estruturais associadas ao âmbito político e religioso, quando ligados aos processos de modernização dos países de terceiro mundo. Assim, Contemplar el movimiento de las mujeres del Tercer Mundo de forma exclusiva por su lucha anticolonial independentista sería una perspectiva demasiado restringida. Se trata, al contrario, de un movimiento complejo con múltiples ramificaciones, expresadas según el contexto de cada país (Nash, 2004: 261).

40Sobre a terceira onde feminista, ver Cruz 2007: 1-14 y Pocahy, 2011: 18-30.

41A inclusão do adverbio de exclusão apenas é importante na medida em que possibilita refletir acerca da posição que a mulher ocupa no Paraguai, pois não tendo homens para assumir o leme do barco, o que resta é exatamente a frente vazia e o reflexo do passado. Portanto, esse adverbio parece ser importante na medida em que evidencia essa hierarquia, onde apenas o homem pode guiar e às mulheres cabe apenas esperar a vida passar ou o retorno da liderança masculina, como ficou exposto nos texto apresentados acima.

42É importante considerar que a literatura como fonte não é novidade, mas, em contrapartida, há que se considerar uma série de questões que não cabem ser discutidas nesse texto, mas devem ser referenciadas, como as apresentadas por Antonio Celso Ferreira em um texto intitulado “Literatura: a fonte fecunda”: Afinal, como o historiador concebe a fonte literária e a distingue das outras? Como a literatura interage nos contextos sociais e culturais e que papéis lhes foram atribuídos historicamente? Como se constituíram e se modificam suas formas? De que maneira se relaciona com outras linguagens? Quais são as metodologias apropriadas a tal modalidade de pesquisa e interpretação? E a essas questões acrescenta-se outra de maior alcance, que envolve o conhecimento das semelhanças, diferenças e relações entre a narrativa histórica e a narrativa literária: o que é História e o que é literatura? (Ferreira, 2013: 61).

43Sobre o assunto, ver Herrig, 2012: 68.

44Mineiro é o homem que trabalha na mina de erva.

45A forma de trabalho estabelecida no erval era servil. Assim tudo o que consumia era anotado na caderneta e descontado do peão. Além disso, ele já ia devendo para o erval pois recebia o antecipo, um valor recebido antecipadamente que também seria acrescido à sua dívida, no ato da contratação, o conchavo. Essas questões implicam em estratégias de imposições e resistências, que em outro momento foram discutidas em: Herrig, 2010: 1-26.

46Donato, 1959: 117-118.

47Arruda, 1997: 86.

48A erva mate tinha uma relação simbólica com o sagrado. O processo de exploração econômica fez com que houvesse uma fratura nesse processo, pois de uma dimensão qualitativa, de ordem social, ela passou a uma dimensão quantitativa, como afirma Lucien Goldmann: Na vida econômica, que constitui a parte mais importante da vida social moderna, tôda a relação autêntica com o aspecto qualitativo dos objetos e dos sêres tende a desaparecer, tanto das relações entre os homens e as coisas como das relações inter-humanas, para dar lugar a uma relação mediatizada e degradada: a relação com os valôres de troca puramente quantitativos. (Goldmann, 1976: 17).

49Donato, 1959: 38.

50Ibídem: 152.

51Ibídem: 19.

52Ibídem: 32.

53Sobre a importância do baile para o controle: O mayordomo primeiro e o Isaque depois garantiram que era chegado o tempo de dar um baile pois o mau humor dos homens ia de subida. Já precisavam de usar pulso e isso era ruim e muito. (Ibídem: 33). Mais adiante, sobre a importância do baile para o aumento na produção: Pois você já os têm aliviados (após o baile). Agora é fazer render (Ibídem: 38).

54Ibídem: 35.

55Ibídem: 36.

56Os que já não aguentam dançar, os maridos e os arranchados com as dançarinas, estão por terra ou ausentes. Beberam logo tudo quanto podiam para cair no sono da embriaguez e não ver nem ouvir o que os outros faziam com suas mulheres. O baile fora feito mesmo para aquilo. (Ibídem: 37).

57Quilombeiras são mulheres, não são? Até que num baile as públicas são de maior valia. (Ibídem: 34) e ainda Não fôsse por elas e o comêço do baile seria uma tristeza! Entusiasmadas, vão convidar os homens, dançam sem parada, bebem, riem, arrastam os mineiros para o bosque e voltam de lá como se tivesse havido apenas mais uma contradança. Tantos homens as procurarem, tanto será a sua paga. Antes que comecem a apertá-las, ela os apertam, levam-nos a beber mais e mais, riem, vão com eles de bom grado para onde queiram ir, gritam para os músicos chamando-os vadios e desafinados (Ibídem: 36).

58Ibídem.

59Ibídem: 33

60A indiferença em relação ao ser humano refere-se, efetivamente, à estrutura do mundo de exploração da erva mate. Isso fica claro no trecho no qual Isaque questiona a dureza do Curê para com todos no rancho: Nunca ouvi você sentir pena ou gôsto por homem ou mulher, bicho ou planta. De que você é feito Curê (pergunta Isaque) ao que o Curê lhe responde: - De erva mate. Disso é que sou feito. Estou recheado dela. Não sou branco, nem preto, nem bugre. Minha pele é côr de erva cancheada. Maldita erva! O que me dói mais e assusta é que se a erva acabasse eu teria que morrer. Não sirvo pra mais nada! Sei que não sirvo pra mais nada. (Ibídem: 77-78).

61López, 2013: 182.

62Havia peões solteiros porque alguns consideravam que as mulheres aumentavam a dívida. Um personagem que exemplifica muito bem isso é Pytã, que relutava em aceitar Flora, sua cunhada, em seu rancho, pois ele pretendia pagar tudo o que devia e ir embora.

63Donato, 1959: 19.

64Mais especificamente no caso em que o administrador do rancho não deixou a mãe de uma menina que havia acabado de morrer avisar o seu marido que a filha havia falecido para não atrapalhar a produção: – Aquele atacador, sabe? O mais velho? Tinha uma filha. A filha morreu esta tarde. O administrador não deixou que a mulher viesse contar. Pra que não prejudicasse o ataqueio. (...) Fôsse do que fôsse a menina estava morta. Não foram contar logo ao pai para que êle completasse o ataqueio das trinta bolsas (de erva mate) diárias (Ibídem: 105). Neste caso em específico se dá destaque ao papel da mãe, mas muito superficialmente, o que denota a maternidade como uma papel secundário no erval.

65Sobre a eminência do trágico, ver Herrig, 2014: 141-154.

66Ferreira, 2013: 71.

67Ibídem.

68Uma obra interessante para refletir acerca das ideologias é: Ricoeur, 2008.

69Aqui se faz referência à teoria literária conhecida como Estética da recepção, representada por Hans Robert Jauss. Sobre o assunto, ver Figurelli, 1988: 265-285.

70Sobre os efeitos do Linguistic turn no campo da história, ver Roiz, 2012: 11-105.

71Sobre o assunto, ver Le Goff, 2003: 525-541.

72Aqui se faz referência ao conflito das interpretações de Paul Ricoeur (1978).

73Barrett, 2010a: 212.

74Donato, 1959: 236.

75Sobre a dimensão cíclica de Selva trágica ver, Herrig, 2013: 28-41.

76Donato, 1959: 230.

77Ibídem: 230.

78Ibídem: 222.

79Barrett, 2010a: 314.

80Ibídem: 316.

81Ibídem: 320.

82Ibídem: 322.

83Ibídem: 315.

84Ibídem: 322.

85Sobre a Semana Santa, em Selva trágica, ver Herrig, 2010: 18-19.

86Donato, 1959: 140.

87Conta a história de uma princesa que, querendo ser caridosa, decide doar uma boneca sua a uma criança pobre. Faz todo um cerimonial para o momento da entrega do presente, mas quando chega na casa de uma menina pobre e doente, constata que os acabamento da boneca que ia doar eram feitos pela mesma menina doente que ia receber o presente. O que revela, ao final, uma grande contradição social.

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