INTRODUÇÃO
Estudos têm demonstrado grande variação na prevalência de sobrepeso e obesidade na infância, com variações de 7,6% a 44,4% em diversos países (Cadenas‐Sanchez et al., 2016; Greier, Riechelmann, & Burtscher, 2014; Silveira, Barbosa, & Vieira, 2015; Smetanina et al., 2015; M. C. C. d. Souza et al., 2014) . Além disso, o sobrepeso e obesidade são mais frequentemente observados nas meninas (Wang et al., 2007) e apresentam considerável impacto negativo no desempenho motor (Marramarco et al., 2012; Zanella, Bandeira, de Souza, & Valentini, 2015).
A obesidade infantil, além de repercutir negativamente no desempenho motor, está associada a fatores genéticos hereditários (hiperfagia e disfunção hipotalâmica) (Waalen, 2014) e ao ambiente e estilo de vida sedentário. E isto pode implicar em sérios riscos para saúde física, bem estar e persistência do excesso de peso na vida adulta (Marramarco et al., 2012). Segundo Pelozin et al., (2010), o aumento dos níveis de obesidade na escola tem sido explicado pelos crescentes níveis de sedentarismo e inatividade física de crianças e adolescentes. O sedentarismo por sua vez, pode impactar negativamente na coordenação motora repercutindo no aumento do Índice de Massa Corporal (IMC) (Melo & Lopes, 2013).
A relevância da relação entre o nível de competência motora e o status de peso em crianças e adolescentes tem sido demonstrada em inúmeros estudos (M. S. d. Souza & Spessato, 2014; M. Souza, Spessato, & Valentini, 2014; Zanella et al., 2015) . Segundo Marramarco et al., (2012), o estado nutricional das crianças é um fator que está associado ao desempenho das habilidades motoras, indicando que crianças com excesso de peso e obesidade tendem a apresentar desempenho motor pobre ou muito pobre.
Neste ínterim, em estudo longitudinal de D’hondt et al., (2013), os autores verificaram que o status de peso aliado com a não participação de atividades esportivas, atuou como preditor negativo do nível de coordenação motora ao final de um período de dois anos. Além disto, Lopes et al. (2012), verificaram correlações negativas entre o nível de coordenação motora e o IMC em crianças de oito a dez anos de ambos os sexos e que aquelas com sobrepeso e obesidade, apresentaram piores desempenhos nas tarefas do Körperkoordination Test für Kinder (KTK) comparadas aos seus pares eutróficos.
Além da associação do status de peso e desempenho motor, pesquisadores têm associado à coordenação motora na infância com o envolvimento de práticas motoras (Haga, 2008; Santos, Ribeiro, Pellegrini, Rocha, & Hiraga, 2012) e atividade física. A associação positiva entre estas variáveis pode melhorar o desempenho motor (Laukkanen, Pesola, Havu, Sääkslahti, & Finni, 2014) e desempenho acadêmico de crianças (Ericsson & Karlsson, 2014; Okuda & Pinheiro, 2015).
Com relação aos testes que se propõem a mensurar o desempenho motor, o teste de coordenação corporal para crianças e adolescentes, KTK, tem sido o mais utilizado na literatura para avaliar a coordenação motora nesta população. Vários desses estudos destacam-se por associar o desempenho motor no KTK com o IMC (D'Hondt et al., 2014; Luz et al., 2015). No entanto, tem-se observado carência de estudos que possam identificar em quais tarefas crianças com sobrepeso e obesidade apresentam mais dificuldades.
Com a finalidade de compreender melhor o desempenho das habilidades e capacidades motoras em crianças com diferentes status de peso o presente estudo objetivou comparar o desempenho nas tarefas motoras da bateria KTK de crianças de oito a 10 anos com diferentes status de peso.
MÉTODO
Participantes do estudo
Participaram do estudo 350 escolares com idades de oito a 10 anos, de ambos os sexos (164 meninos e 186 meninas). As escolas que fizeram parte da pesquisa foram selecionadas de acordo com a disponibilidade de participação das mesmas. Foram escolhidas três escolas, localizadas na cidade de Manaus-AM, sendo duas escolas públicas e uma escola privada. A amostragem foi do tipo não probabilística intencional. Os pais ou responsáveis das crianças foram informados do procedimento da pesquisa e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - TCLE, autorizando assim a criança a participar. Como critérios de inclusão foram considerados: possuir idade de oito e dez anos; estar devidamente matriculado e frequentando a escola. Foram excluídas as crianças com deficiências física e/ou intelectuais verificados a partir de dados informados pelos professores e equipe diretiva da escola. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa em Seres Humanos da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), sob o parecer nº 159.196/2012, respeitando os preceitos da experimentação com seres humanos e todos os participantes permaneceram anônimos.
Variáveis Investigadas
Para a seleção das tarefas motoras utilizadas na pesquisa levou-se em consideração a elevada quantidade de estudos que utilizaram o instrumento Körperkoordination Test für Kinder (KTK), no cenário nacional e internacional (Bustamante, Lopes, da Silva, & Ribeiro, 2010; D'Hondt et al., 2013; D’Hondt, Deforche, De Bourdeaudhuij, & Lenoir, 2009)
O KTK abrange quatro testes: a) equilíbrio em marcha à retaguarda; b) saltos monopedais; c) saltos laterais; d) transposição lateral. O teste de coordenação engloba crianças e adolescentes de 5 a 14 anos de idade. Após a aplicação dos testes, o resultado de cada tarefa foi comparado com os valores normativos (tabelas elaboradas pelos autores do KTK). Para cada tarefa do teste é atribuído um quociente motor (QM), e a soma dos quatro quocientes motores gera o somatório dos quocientes motores (SQM). Este pode ser apresentado em percentil e em valores absolutos. A partir desses valores as crianças foram classificadas conforme sexo e idade nas seguintes categorias: (1) perturbações da coordenação (QM < 70); (2) insuficiência coordenativa (71≤ QM ≤ 85); (3) coordenação normal (86≤ QM ≤ 115); (4) coordenação boa (116≤ QM ≤ 130); (5) coordenação muito boa (131≤ QM ≤ 145). Para as análises foi utilizada apenas a pontuação do quociente motor (QM) em cada tarefa.
Para a obtenção dos dados antropométricos os procedimentos foram padronizados seguindo as orientações de Alvarez e Pavan et al., (2003). Neste caso, as crianças usaram roupas adequadas para a prática de Educação Física, e não utilizaram calçados. Para a obtenção dos valores de massa corporal, foi utilizada balança digital da marca LAICA, com plataforma, escalonada em quilos e intervalos de 200 gramas, com registro mínimo de 12 kg e máximo de 136 kg. A estatura foi mensurada utilizando uma fita métrica com escala de 0,1cm, fixada a parede sem rodapé. Para aferição da estatura o aluno foi posicionado em pé com o peso igualmente distribuído, tomando a posição ortostática. A partir dos dados antropométricos coletados foi determinado o índice de massa corporal (IMC = massa corporal (kg) / estatura2 (m²)). O status de peso foi classificado por meio do IMC, no qual o critério utilizado foram os valores de referência propostos por Cole et al., (2000) e Cole et al.,(2007) que classifica em baixo peso, eutrófico, sobrepeso e obeso.
Tratamento de dados
A análise dos dados foi feita a partir do programa estatístico Statistical Package for Social Sciences (SPSS) versão 20.0. Para análise descritiva foram calculadas as médias, desvios-padrões e distribuição de frequências. Para verificar a normalidade dos dados foi utilizado o teste de Kolmogorov-Smirnov. Os dados não apresentaram distribuição normal e em virtude disto, recorreram-se a análises não paramétricas.
Em relação à estatística inferencial, para a associação das variáveis categóricas: sexo e status de peso foi utilizado o teste de associação qui-quadrado. Utilizou-se o teste U de Mann Whitney para verificar as diferenças das variáveis numéricas de idade, IMC e pontuações das tarefas do KTK entre meninos e meninas. Para verificar a diferença entre médias nas tarefas do KTK e status de peso (baixo peso, eutrófico, sobrepeso e obeso) utilizou-se o teste de Kruskal- Wallis. Foi adotado intervalo 95% de confiança (p<0,05).
RESULTADOS
Na Tabela 1 foram apresentadas as estatísticas descritivas (média, desvios-padrões ou percentuais) das variáveis avaliadas. A média de idade dos participantes foi 8,94 (0,78) anos. Os meninos apresentaram médias superiores às meninas na pontuação total do KTK (p<0,001). Nas tarefas de saltos monopedais, saltos laterais e transposição lateral, as meninas obtiveram pior desempenho comparadas aos meninos (p<0,001). Na amostra geral, 16,3% das crianças apresentavam sobrepeso e 8,0% obesidade.
Na Tabela 2, por meio da análise de Dunn, foi verificado que as crianças obesas apresentaram menores pontuações nas tarefas de marcha à retaguarda e saltos monopedais quando comparadas às crianças eutróficas e com baixo peso (p<0,001).
De acordo com a Tabela 3, verificaram-se diferenças significativas em algumas tarefas do KTK tanto para o sexo masculino como para o sexo feminino. Os meninos obesos apresentaram menores pontuações nas tarefas de equilíbrio em marcha à retaguarda (p=0,001) e saltos monopedais (p<0,001) quando comparados aos meninos com baixo peso, eutróficos e com sobrepeso. Com relação ao sexo feminino, verificou-se que as meninas obesas apresentaram menores pontuações na tarefa de equilíbrio em marcha à retaguarda comparadas as meninas com baixo peso e eutróficas (p<0,001).
Além disso, foi verificado que à medida que o IMC aumentava, menores eram as pontuações das crianças nas tarefas de marcha à retaguarda (r=-0,271 p<0,001).
DISCUSSÃO
A proposta do estudo foi comparar o desempenho nas tarefas motoras da bateria KTK de crianças de oito a 10 anos com diferentes status de peso. Os principais achados do presente estudo demonstraram que meninos e meninas obesos apresentam de forma geral baixo desempenho motor em tarefas específicas da bateria.
Os resultados encontrados com o quociente motor de cada tarefa do KTK demonstraram que nos meninos, as pontuações das tarefas de equilíbrio em marcha à retaguarda e saltos monopedais foram diferentes entre os status de peso, sendo que os meninos obesos obtiveram pontuação menor do que os eutróficos e com baixo peso. Nas análises das meninas apenas na tarefa de equilíbrio em marcha à retaguarda foi verificada diferença considerando o status de peso, sendo que os piores resultados foram verificados nas meninas com sobrepeso e obesidade.
Esses resultados podem ter interferência de uma série de mudanças ocasionadas por características antropométricas, estruturais e de composição corporal do ser humano, durante a vida. Essas mudanças se relacionam de forma direta com o desempenho motor, sendo influenciadas por experiências vividas, como oportunidade e interesses diferenciados entre meninos e meninas, especificidades individuais e complexidade de tarefas (Camargo & Pereira, 2012).
Segundo Camargo e Pereira, (2012) crianças obesas apresentam geralmente má postura e produzem maior tensão sobre as estruturas e a base de suporte, e ainda, apresentam uma maior concentração de gordura na região abdominal, deslocando o centro de gravidade do corpo para frente, acarretando em aumento da lordose e anteversão pélvica, fatores estes, responsáveis pela ocorrência de problemas no equilíbrio (Aleixo, Guimarães, de Walsh & Pereira, 2012). Além da explicação anatomo-funcional, déficits de equilíbrio em crianças com excesso de peso ou obesas podem ser devido à baixa participação de atividades que envolvam esta e outras capacidades físicas relacionadas à baixa autoestima e sentimentos de inferioridade motora perante seus eutróficos (Spessato, Gabbard, Robinson, & Valentini, 2013).
Na análise geral (sexo masculino e feminino) as crianças com sobrepeso e obesidade apresentaram dificuldades significativas apenas nas tarefas de equilíbrio em marcha à retaguarda e saltos monopedais. Estes resultados podem relacionar-se com a natureza das tarefas. Essas tarefas exigem equilíbrio e deslocamento, podendo ser influenciadas pelo centro de gravidade. Corroborando com esses resultados Lopes et al., (2012), verificaram que crianças com alto IMC apresentaram menores pontuações nas tarefas do KTK.
No estudo de Deforche et al., (2009), os autores verificaram que meninos com idades de oito a 10 anos com sobrepeso, demonstraram menor capacidade em testes de equilíbrio estático e dinâmico quando comparados com seus pares de peso normal. Além disto, D’hondt et al., (2009), também verificaram correlação inversa entre coordenação motora e IMC em crianças de cinco a 10 anos na tarefa de equilíbrio (r=-0,20) (estático e dinâmico) e habilidades com bola (r=-0,46) com escore z do IMC ajustado para sexo e idade. De forma similar D’hondt et al., (2008), encontraram que crianças de cinco a 12 anos com sobrepeso e obesidade apresentaram maiores prejuízos nos testes de controle e organização postural do que crianças eutróficas. Estes resultados reforçam as diferenças encontras no presente estudo relacionadas à maior dificuldade de equilíbrio estático e dinâmico em crianças com sobrepeso e obesidade. Deste modo, supõe-se que alternativas para reverter este quadro estão intrinsecamente ligadas à intervenção motora especifica e melhora nos níveis de atividade física para a perda de peso e consequentemente uma possível melhora do equilíbrio destas crianças.
O fato de crianças com sobrepeso e obesidade apresentarem piores desempenhos em tarefas específicas pode ser justificado pela influência de hábitos sedentários nessas crianças e consequentemente reduzidos níveis de desempenho motor (Melo & Lopes, 2013).
A limitação relacionada a presente pesquisa está em não ter sido realizado cálculo amostral a fim de se buscar representatividade da população investigada. Sugerem-se novos estudos que investiguem a relação das tarefas com outros indicadores antropométricos e estudos de cortes longitudinais buscando entender melhor a relação entre essas variáveis.
CONCLUSÃO
Conclui-se que crianças com sobrepeso e obesidade apresentaram piores desempenhos nas tarefas de equilíbrio em marcha à retaguarda e saltos monopedais da bateria KTK, quando comparadas com seus homólogos eutróficos e com baixo peso. É, portanto necessário que os professores de educação física que atuam com esta população possam entender a importância de oportunizar mais experiências motoras para as crianças com alguma dificuldade devido seu maior IMC. Estas crianças podem apresentar piores desempenhos em determinadas tarefas, sendo papel do professor de educação física auxiliar no desenvolvimento dessas crianças, juntamente com os pais e a escola. No sentido de que a tríade (professor de educação física, pais e a escola) possa trabalhar juntos para reverter os casos de crianças com sobrepeso e obesidade.