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Educación Física y Ciencia

On-line version ISSN 2314-2561

Educ. fís. cienc. vol.20 no.3 Ensenada July 2018

http://dx.doi.org/https://doi.org/10.24215/23142561e053 

Artículos

“Eu não desisto fácil”: narrativas de formação e atividade profissional de uma professora de educação física

“I do not give up easy”: formation narratives and professional activity of a physical education teacher

Marcos Godoi1 

Viviani Darolt Rabelo2 

Evando Carlos Moreira3 

1Rede Municipal de Educação de Cuiabá, Brasil

2Rede Municipal de Educação de Cuiabá

3Universidade Federal de Mato Grosso

Resumo

O objetivo deste estudo foi investigar o percurso de formação e atuação profissional de uma professora de educação física no desenvolvimento de projetos extracurriculares de ginástica e de dança nas escolas onde atuou. Realizamos um estudo de caso, com uma professora de educação física de Cuiabá-MT, Brasil, com 19 anos de experiência profissional. Dentre os resultados, identificamos em sua narrativa a influência da sua formação pré-profissional e profissional; a fase de entrada na carreira; a fase da diversificação; de questionamento profissional e o investimento em projetos extracurriculares de ginástica e dança. Além de professora de educação física, ela também atuou como articuladora do programa Mais Educação e como formadora na Secretaria Municipal de Educação, o que denotou envolvimento e diversificação do exercício da docência.

Palavras-chave Formação; Atividade profissional; Professora; Educação Física

Abstract

The goal of this study was to investigate the formation narratives and professional activity of a Physical Education teacher in the development of extracurricular projects of gymnastics and dance in the schools where she worked. We carried out a case study with a Physical Education teacher from Cuiabá-MT, Brazil, with 19-year professional experience. Among the results, we identified in her narrative the influence of her pre-professional and professional training, the entrance phase in the career, the diversification phase, questioning professional and the investment in extracurricular projects of gymnastics and dance. Apart from being a Physical Education teacher, she was an articulator of the More Education Program and a trainer in the Municipal Education Department, which denoted involvement and diversification of the teaching profession.

Keywords Formation; Professional activity; Projects; Teacher; Physical Education

Introdução

No decorrer da carreira, os/as professores/as de educação física desenvolvem diversas atividades profissionais, como por exemplo: o planejamento, o ensino e avaliação de alunos, mas também a participação em reuniões, em conselhos, encontros e cursos de formação continuada, as trocas de experiência formal ou informal com os colegas, reuniões de supervisão com a coordenação pedagógica, a elaboração do projeto político pedagógico da escola, o desenvolvimento de projetos pedagógicos, interdisciplinares ou extracurriculares, e às vezes, em algumas redes de ensino, eles ou elas podem se candidatar à direção da escola. Deste modo, o percurso profissional e tempo de experiência na escola permitem um amplo leque de atuação, mas que depende muito das oportunidades e restrições que os contextos escolares oferecem ao desenvolvimento profissional dos professores.

Nos chama a atenção, neste leque de oportunidades, o envolvimento dos/as professores de educação física em projetos extracurriculares e, por conseguinte, conduzem a algumas indagações: o que leva os profissionais a oferecerem atividades e projetos extracurriculares para seus alunos? Quais são as atividades desenvolvidas nestes projetos? Como a atuação nestas atividades contribuem para o desenvolvimento profissional dos/as professores? Existe relação entre a formação profissional e o ciclo de desenvolvimento profissional docente com os projetos realizados nas escolas?

Com base nestas questões, o objetivo deste estudo foi investigar os percursos formativos e profissionais de uma professora de educação física no desenvolvimento de projetos extracurriculares de ginástica e de danças nas escolas públicas nas quais atuou. Para alcançar este objetivo, realizamos um estudo de caso, qualitativo, descritivo e baseado nas narrativas sobre as histórias de vida e de desenvolvimento profissional docente.

Segundo Alves-Mazzotti (2006), os estudos de casos mais comuns são os que investigam apenas uma unidade ou instância específica, como: um indivíduo, um pequeno grupo, uma instituição, um programa. Porém, existem também os estudos de casos múltiplos, nos quais vários indivíduos ou instituições são estudadas ao mesmo tempo, por exemplo. Para Stake (2000 apud Alves-Mazzotti, 2006), o estudo de caso é uma estratégia de pesquisa e sua característica principal é justamente esse interesse por casos específicos. Além disso, um estudo de caso pode fazer uso de diferentes métodos de pesquisa, tanto quantitativos, quanto qualitativos. De acordo com este autor, um caso é uma unidade específica, um sistema cujas partes são interligadas. Corroborando esta ideia, André (1984), destaca que o estudo de caso não é um método particular de estudo, mas uma forma particular de estudo. Ele tem um valor único, próprio e singular. Sua metodologia é eclética, envolvendo, via de regra, observação, entrevistas, fotografias, gravações, anotações de campo e negociações com os participantes (André, 1984).

Vale notar que não é possível fazer generalizações a partir do estudo de um único caso, que é único e singular. Porém, Stake (2000) elaborou a noção de “generalização naturalística” como alternativa à generalização baseada em amostras consideradas representativas de uma população. A generalização naturalística consiste na descrição da narrativa do caso de uma forma densa e viva, o que permite ao leitor uma experiência vicária, ou seja, levá-los a associarem o que foi observado e narrado naquele caso a acontecimentos vividos por eles em outros contextos, permitindo assim a comparação a outras situações (Alves-Mazzotti, 2006).

A escolha pela referida professora pesquisada ocorreu pela sua representatividade tipológica, ou seja, por se destacar no contexto das escolas municipais de Cuiabá, por desenvolver projetos extracurriculares com a ginástica e com a dança. Esta professora tem 40 de idade, se formou em licenciatura plena em educação física no ano de 1999 e tem 19 anos de experiência profissional. Leciona nas escolas municipais de Cuiabá desde o ano de 1999, sendo que neste ano trabalhou como contratada e em 2000 foi efetivada, depois de passar no concurso público. Fez um curso de especialização na área de Ciência do Movimento Humano pelo Instituto Brasileiro de Pós-graduação e Extensão e, em 2017, concluiu o Mestrado em Educação Física na Universidade Federal de Mato Grosso.

A técnica de coleta de dados foi a entrevista semiestruturada com a professora e com a diretora de uma das escolas em que a professora atuou, além de consulta de documentos, no caso, fotografias do trabalho desenvolvido pela professora. Realizamos duas entrevistas com a professora, a primeira no dia 07 de fevereiro de 2018, com duração de 43 minutos e a 2a entrevista no dia 2 de março de 2018, com duração de 49 minutos, totalizando1h32 e outra com a diretora da escola no dia 22 de maio de 2018, com duração de 19 minutos. Para resguardar os princípios éticos de sigilo sobre os envolvidos no presente estudo, os nomes das escolas em que a referida professora atuou serão substituídos pelas letras “A”, “B” e “C”.

No que tange ao referencial teórico, nos baseamos principalmente nos estudos sobre o ciclo de vida e de desenvolvimento profissional docente (Goodson, 1995; Huberman, 1995; Nóvoa, 1995; Moita, 1995; Gonçalves, 1995). Vale notar, que no campo de pesquisa da educação física é crescente o interesse pelas histórias de vida de professores. É possível encontrar vários estudos com esta abordagem, seja focalizando os professores iniciantes, a socialização pré-profissional e a entrada na carreira (Costa, Henrique & Freitas, 2011) ou com o foco sobre os professores em diferentes fases da carreira ou experientes (Folle, Faria, Boscato & Nascimento, 2009; Folle & Nascimento, 2010; Santos, Bracht & Almeida, 2009).

Outras pesquisas utilizam as histórias de vida como técnica de pesquisa para investigar outros temas, mas fazendo relação com os percursos de vida, como são os casos das investigações sobre os momentos marcantes na trajetória profissional (Folle & Nascimento, 2009); as estratégias de preservação da saúde e a doença no exercício da profissão (Santos, Bracht & Almeida, 2009); a inovação pedagógica na educação física (Faria et al., 2010); as práticas de desinvestimento pedagógico (Machado et al., 2010); o processo de identização docente (Silva & Molina Neto, 2010); as mudanças sociais e o mal estar docente que influenciam o trabalho dos professores de educação física (Wittizorecki, Molina Neto & Bossle, 2012); os percursos de duas professoras de educação física que atuam com Educação Infantil (Gonçalves, Richter & Bassani, 2017).

No entanto, é importante continuar desenvolvendo estudos dentro desta abordagem, seja para compreender melhor os percursos formativos e profissionais dos docentes em educação física em diferentes contextos do país, seja para associar as suas trajetórias profissionais com outros aspectos que estão relacionados ao trabalho docente. Neste sentido, nosso estudo se propõe a lançar luz sobre a história de vida e profissional de uma professora de educação física, que se destacou na Rede Municipal de Educação de Cuiabá, por desenvolver projetos extracurriculares de ginástica e de dança.

Formação e atuação profissional

Nesta sessão, abordaremos e discutiremos as diferentes fases de formação e atuação profissional da carreira do caso em estudo. Para isso, organizamos a narrativa da professora em cinco partes: a) formação pré-profissional e profissional; b) as fases de entrada na carreira, o projeto de ginástica e a fase de estabilização; c) mudança de escola e de função e a fase de diversificação; d) as experiências escolares e os espetáculos de dança; e) vida cultural, familiar, características pessoais e relação com a prática pedagógica.

a) Formação pré-profissional e profissional

A professora nasceu no estado de Santa Catarina e ingressou na pré-escola aos 4 anos de idade. Ela conta que sempre gostou muito das aulas de educação física no primário, que consistiam basicamente em jogos e brincadeiras. Quando ela tinha nove anos de idade, ela se mudou para o estado de Rondônia. No período da adolescência, suas aulas de educação física na escola eram divididas por sexo, os meninos jogavam futebol e as meninas jogavam queimada. Além disso, participou de aulas particulares em escolinha de natação e de dança.

Segundo a professora, dois professores a influenciaram a seguir a carreira docente:

“[...] quando eu tinha 14 ou 15 anos, tinha esse professor de natação. E ele era um excelente professor. Eu percebi que era um esporte que eu gostava muito, a natação, e comecei a investigar como seria a vida de um professor de educação física. Porque a minha intenção era fazer a faculdade de educação física para voltar para a minha cidade e dar aula de natação. [...]. O meu professor do 3o ano era muito bom, ele fazia um pouco de cada coisa com a gente, ele mexia um pouco com dança, com ginástica [...]. Foram esses dois professores que influenciaram eu escolher a profissão de educação física”.

A sua irmã era professora, seus pais estudaram apenas até o primário, a mãe até a quarta série e o pai até a terceira série (atualmente 5º ano e 4º ano do Ensino Fundamental, respectivamente), sempre moraram na zona rural e sempre apoiaram para que ela continuasse seus estudos, também achavam que se ela chegasse na faculdade, já seria uma doutora. Eles nunca influenciaram suas escolhas, sendo que o fator mais decisivo para a escolha da profissão foi o seu professor de natação. No entanto prestou vestibular em Medicina em Joinville, Santa Catarina, e passou, mas como já estava cursando Educação Física em Cuiabá, Mato Grosso, resolveu permanecer onde estava. Nos estudos de histórias de vida de professores é comum haver um o relato de um professor preferido ou modelo que influenciou significativamente, enquanto jovem aluno (Goodson, 1995). Estudos da área específica também identificaram a influência das práticas esportivas ou a identificação com os professores preferidos na escolha da profissão (Folle, Faria, Boscato & Nascimento, 2009; Santos, Bracht & Almeida, 2009).

No que tange a sua formação profissional, a professora conta que quando ela estava cursando a faculdade, o currículo era mais centrado no esporte:

“Eu acredito assim, que o esporte é importante, mas tinha demasiadamente no currículo. E tinha pouca metodologia científica por exemplo. Aula de dança a gente não tinha, a nossa aula de dança era uma aula mais sobre ritmo [...], mas a gente não aprendeu dança em si. E a questão de estágio supervisionado era muito precário. Fazíamos poucas horas, eram grupos grandes para cada professor... Eu, por exemplo, ministrei uma única aula no estágio! Então a gente procurava anotar o que os outros faziam, o que dava certo e o que não dava, [...]”.

Problemas ou experiências negativas na formação inicial também foram identificados em outros estudos, que apontaram a questão dos estágios distantes da realidade, o déficit na relação teoria e prática e a formação tecnicista voltada para a formação de atletas, não condizente com a realidade do trabalho escolar (Almeida & Ferstenseifer, 2007; Folle & Nascimento, 2010). Porém, o estudo de Santos, Bracht e Almeida (2009), encontrou tanto professores que criticaram o modelo de formação tecnicista baseado nos esportes, quanto professores que gostaram desse modelo de formação profissional.

Segundo a professora, neste período do curso iniciou-se as discussões sobre a mudança do currículo de formação. Ela destacou alguns professores que a influenciaram positivamente, justamente por trabalharem com metodologias diferenciadas.

“[...] por exemplo, a minha professora de ginástica rítmica, essa professora, me influenciou muito no que eu sou hoje. Porque a gente conversava muito nas aulas e ela também foi minha professora de estágio. No período de estágio ela aconselhava muito, explicava direitinho. Eu tive uma excelente referência com ela. E outro professor que me marcou muito foi o professor de basquetebol, [...], e foi por causa das metodologias que ele utilizava. E o professor de handebol também me marcou, que é a mesma situação, um professor muito bom, ele conseguiu me marcar muito por causa das metodologias que ele utilizava”.

Interessante observar que professores preferidos podem influenciar não somente no período escolar, mas também no período de formação profissional. Este foi o caso da professora estudada, que relatou ter sido influenciada por três professores que lecionavam na faculdade as disciplinas de ginástica rítmica e estágio, basquetebol e handebol. Vale notar, que um dos projetos extracurriculares desenvolvidos por esta professora e um dos pontos importantes de sua trajetória, importantes no referido texto, é a ginástica.

b) As fases de entrada na carreira, o projeto de ginástica e a fase de estabilização

Antes mesmo de se formar, a professora trabalhou numa escola de natação e, em 1999, conseguiu um contrato como professora de Educação Física numa escola municipal de Cuiabá. Sua entrada na escola foi difícil, pois:

“Isso fez muita falta [a experiência de ensino], porque depois quando eu entrei na escola, eu entrei como contrato por seis meses e eu não tinha experiência nenhuma. Eu tive que correr atrás. Ainda bem que eu tive esses seis meses para treinar, eu vejo pelo lado positivo, (risos) para no ano seguinte me efetivar. Então no ano seguinte eu já estava mais adaptada ao meio escolar. Eu acho que essas disciplinas [no curso de educação física] mais escolares fizeram muita falta”.

Sua intenção inicial era se formar e voltar para Rondônia para dar aula de natação, mas no final de 1999 foi realizado um concurso público para professor das escolas municipais. Ela fez, passou e, em 2000, abandonou o projeto de ensinar natação e foi para escola. De início, tinha 20 horas semanais, mas posteriormente, obteve mais 20 horas como contratada no lugar de uma professora que estava afastada.

Este período também foi particularmente difícil pela deficiência na infraestrutura da escola para as aulas de Educação Física.

“Nesse período, a estrutura da escola não era boa, a gente tinha um pátio que tinha muitas irregularidades e só existia o espaço da quadra esportiva. Era um chão batido e a gente tinha duas árvores que eu dava aula em baixo, duas mangueiras, que no período de frutos, não tinha como dar aula, porque caíam mangas e complicava tudo. Então eu dava aula lá em cima, na terra. Então assim, roupa nova e sapato novo para dar aula, nunca! Eu chegava em casa e batia poeira, de tanta terra que era, um chão vermelho. Materiais eu não tinha praticamente nenhum”.

Apesar destas dificuldades na entrada da carreira, a professora foi mostrando seu trabalho e conquistando a confiança dos professores e da equipe gestora da escola e, progressivamente, começou a conseguir melhorias na infraestrutura e nos materiais pedagógicos para suas aulas. Passou a organizar a festa junina com os colegas e a se responsabilizar pelas apresentações de dança das crianças. No primeiro ano, fez voluntariamente, mas no segundo ano negociou que uma parte dos lucros da festa deveria ser para comprar materiais para a Educação Física, e ela conseguiu.

Porém, ainda havia o problema do espaço adequado. Nesta época não existia a quadra de esportes, somente o terreno de chão batido onde desenvolvia suas aulas. Durante dois anos trabalhou nesse local, mas depois, com recursos financeiros do governo federal, teve início a construção da quadra poliesportiva. Assim, passou a dar aulas no pátio da escola, mas vivia um dilema, pois os outros professores reclamavam do barulho. “[...] a dificuldade maior que eu tinha era essa, eu tinha que fazer silêncio no pátio, como que você dá aula de Educação Física em silêncio? E ao mesmo tempo eu tinha que atingir meus objetivos das aulas”.

De acordo com Huberman (1995), a entrada na carreira se caracteriza pela “sobrevivência” e “descoberta”. A primeira tem a ver com o “choque do real”, ou seja, com o tatear constante, a confrontação com a complexidade do contexto profissional, a distância entre o ideal e o real da sala de aula, as dificuldades com alunos, com o material pedagógico inadequado, os tensionamentos com outros docentes e mesmo com a gestão escolar, dentre outros. Por outro lado, a “descoberta” seria a face positiva da entrada na carreira, pois ela traduz o entusiasmo inicial, a experimentação, a exaltação por ter um emprego, participar de um corpo profissional, ter suas turmas de alunos. A satisfação das descobertas permite suportar as dificuldades e sobreviver ao contexto que não se apresenta, por vezes, favorável.

Foi nesse período que a professora começou a desenvolver, por iniciativa própria, um projeto extracurricular de ginástica rítmica na escola, que funcionava duas vezes por semana, das 17 às 19 horas. A direção da escola e os pais, mães e responsáveis pelos alunos apoiaram a sua iniciativa. As inscrições tiveram início, mas a demanda foi elevadíssima, cerca de 200 inscritos. Como subestimou o interesse dos alunos, viu-se obrigada a realizar uma seletiva e escolheu por volta de 20 crianças. Sobre o que a motivou em realizar este trabalho, ela explicou que:

“[...] no bairro as crianças não tinham nada para fazer. Na época, a escola A, que é do lado da minha casa, ela não tinha fanfarra, então as crianças da nossa escola, do bairro mesmo, não tinham muito o que fazer. Então foi uma forma de dar alguma coisa para essas crianças fazerem, de influenciar a vida delas. (...). Eu sempre pensei no que as crianças podiam fazer de bom. Porque é um bairro, (...) é muito crime, a criminalidade, a vulnerabilidade social ali é muito grande. Então foi uma maneira de manter as crianças dentro da escola mais um pouco e de transformar um pouco a vida delas”.

Entendemos, que logo na entrada na carreira, a professora em estudo experimentou novas atividades além das aulas de educação física escolar, quando teve a iniciativa de desenvolver um projeto extracurricular de ginástica, um conteúdo da educação física que tem afinidade. Sua motivação inicial parece ter sido a preocupação com a formação de seus alunos e o fato de não haver opções culturais ou esportivas no entorno escolar.

Em 2003, quando a escola em que a professora atuava já tinha a quadra de esportes e, percebendo os resultados do projeto, esta passou a receber maior apoio da direção da escola e assim, verbas para comprar uniforme, sapatilhas e arranjos de cabelo das crianças que participavam do projeto.

Segundo a professora, com o passar do tempo, este grupo de ginástica coordenado por ela passou a ser uma referência na rede municipal de educação e a Secretaria Municipal de Educação – SME sempre convidava o grupo para apresentações em eventos, por isso, a necessidade de um incremento nas vestimentas das crianças.

Para Tardif e Lessard (1999), a personalidade do professor permite que ele crie projetos especiais e estratégias educacionais de acordo com seus interesses e conhecimentos e, neste sentido, eles “colam” o currículo (ou no caso estudado, um projeto extracurricular) ao que eles gostam de fazer. Este projeto de ginástica durou 5 anos. Entendemos que este período de ensino e de realização do projeto extracurricular com a ginástica, pode ser caracterizado com a fase de estabilização profissional e consolidação do repertório teórico obtido, conforme define Huberman (1995).

Segundo este autor, esta é uma fase de independência do professor (o que ela demonstrou, propondo, por exemplo, o projeto de ginástica) e de um sentimento de competência pedagógica crescente. O professor sente-se pertencente ao corpo de professores e, aos seus olhos, torna-se professor. Por sua vez, Gonçalves (1995) entende que o momento de estabilização ocorre quando o professor demonstra confiança e satisfação pelo ensino, o que foi perceptível com a proposição do projeto de ginástica e com o seu engajamento e preocupação com os/as alunos/as do projeto e suas necessidades formativas.

Nesta época, a SME não apoiou o projeto financeiramente, mas a professora não desistiu do mesmo em respeito às crianças. Depois, houve um período que o projeto passou a não ser mais apoiado. Além disso, a professora pretendia concorrer à coordenação do programa Mais Educação, mas a escola indicou outra professora. Isto desmotivou a professora, levando-a à se questionar sobre continuar ou sair da profissão.

“Em 2010 eu quis desistir. Primeiro, porque eu não tinha mais o que eu queria que era o grupo de ginástica. A escola que tanto me apoiou em um período, chegou numa fase, era um pouco assim, de rixa pessoal, a diretora tinha um pouco de medo que eu me candidatasse. Aí ela parou de apoiar e [...] esse período foi muito triste para mim. Eu resolvi fazer outro curso, eu fiz Biomedicina [...]. Eu já estava decidida. Eu ia sair e ia trabalhar no setor de saúde, já estava certo. Só que em 2013 houve essa reviravolta, me tornei articuladora do Mais Educação1 (em outra escola), depois me chamaram para trabalhar na SME e era uma experiência nova. [...]”.

Segundo Huberman (1995), entre os 7 e os 25 anos de carreira, as pessoas se colocam em questão, pois tem uma ligeira sensação de rotina, até uma “crise” existencial face à continuação ou saída da carreira. Pode ocorrer ainda, certo desencanto por parte de alguns professores, provocado pelos fracassos, desencadeadores de crises. Elas fazem um balanço da sua vida profissional e encaram a possibilidade de seguir outras profissões, enquanto isso ainda é possível. Para Gonçalves (1995), o período dos 8 aos 15 anos de carreira é marcado pela divergência, ou seja, existem professores que investem na profissão, enquanto outros manifestam sentimento de saturação e cansaço. Este é o caso da professora estudada, pois a falta de apoio para seu projeto de ginástica, que era uma atividade investida e que a professora gostava muito, desencadeou a possibilidade de sair da profissão.

No final de 2012 a professora solicitou remoção da escola. Ela gostaria de assumir a articulação do programa Mais Educação na escola A, mas outra pessoa foi indicada pela direção da escola para assumir esta função. Neste período não havia referendo e consulta do perfil de profissional para assumir a articulação deste programa, como acontece atualmente, foi então que surgiu um convite para a professora ir para a escola B e assumir a articulação do Programa Mais Educação nesta unidade de ensino. No estudo de Wittizorecki, Molina Neto e Bossle (2012), a mudança de escola foi também a estratégia utilizada por uma professora para atender seu desejo de trabalhar com a dança e, por conseguinte, manter-se no exercício da profissão.

c) Mudança de escola e de função e a fase de diversificação

Em 2013, já na escola B, a professora assumiu a articulação do Programa Mais Educação e segundo ela, sempre realizava um trabalho em parceria com a Educação Física.

“Eu desenvolvi um trabalho lá, por um ano com o Programa Mais Educação. Só que era sempre em parceria com a educação física, o tempo todo. A gente fazia muitas atividades juntos. Porque lá tem um campo de futebol, atrás tem um espaço pequeno, atrás da escola, onde era usado para a educação física. Daí nos fundos tem um campo de futebol, porque é uma associação que é alugado para ser a escola. E também tinha um galpão, então o Programa Mais Educação acontecia nesse galpão. A gente tinha uma sala de dança. Então na sala de dança eu consegui que colocassem espelhos, barras, ar condicionado, tatame para as aulas de judô. Então tudo assim, muito rapidamente, coisa de dois meses, eu consegui equipar, equipar a sala de informática. Então foi muito rápido”.

De acordo com Huberman (1995), as pessoas uma vez estabilizadas começam a se lançar ao ataque às aberrações do sistema e entram numa fase de diversificação, que pode compreender uma série de experiências pessoais de diversificação do material didático, da maneira de avaliar, de fazer o agrupamento dos alunos, as formas de organizar o currículo, dentre outras. Nesta fase, os professores estariam mais motivados, dinâmicos e empenhados nas equipes pedagógicas e nas comissões de trabalho oficiais ou “selvagens”, “marginais”, “alternativas”, ou seja, iniciadas por iniciativa pessoal ou de um grupo de professores, mas sem o apoio oficial da escola. No caso estudado, notamos que o projeto de ginástica nasceu de uma iniciativa pessoal, mas depois passou a receber apoio da escola. Além disso, a fase de diversificação também se caracteriza na ambição pessoal e na procura de mais autoridade, responsabilidade e prestígio, através de postos administrativos (Prick, 1986 apud Huberman, 1995; Folle & Nascimento, 2010), ou o desejo de diversificar o trabalho desenvolvido (Santos, Bracht & Almeida, 2009). Por sua vez, Gonçalves (1995) afirma que nesta fase, professores investem na profissão, ou seja, ampliam as possibilidades de intervenção, enquanto outros manifestam sentimento de saturação e cansaço.

Na escola B, a professora, na condição de articuladora do Programa Mais Educação, desenvolveu um projeto sobre circo e organizou um espetáculo na escola, no dia das crianças. De acordo com a professora: “[...] nós ficamos meses ensaiando os movimentos ginásticos. Nós trouxemos uns colegas meus para ensinar malabares para eles, fizemos muitas séries de ginástica, foi bem legal! Nós compramos roupas para as crianças, fantasias, foi bem bonito mesmo”.

No que se refere aos aprendizados da professora enquanto articuladora deste Programa, ela disse que:

“Primeira coisa, eu aprendi que criança é movimento. A criança precisa desse movimento, dessas atividades extra-classe para ela se desenvolver melhor. Depois eu aprendi que o currículo pode casar muito bem com as atividades [do programa], basta que a articuladora esteja consciente do que está sendo trabalhado com as outras faixas etárias. Outra questão também, a comunidade abraça a escola quando você tem atividades diferenciadas e você mostra isso para a comunidade, a comunidade vem para dentro da escola”.

No final de 2013 aconteceu o referendo para a articulação do Programa Mais Educação em 2014 e a professora foi referendada, mas neste mesmo período, recebeu um convite para trabalhar na SME. Em princípio, trabalharia na equipe de acompanhamento do Programa Mais Educação, mas depois foi convidada para assumir um posto na equipe de formação continuada para acompanhar a formação dos professores de Educação Física, realizada em parceira com a Universidade Federal de Mato Grosso desde 2009. A professora trabalhou na Secretaria Municipal todo o ano de 2014 e segundo ela, neste período:

“As experiências foram maravilhosas. É claro, eu tive que estudar mais, até porque você é um formador, não pode falar qualquer coisa, nem fazer qualquer coisa. Você tem que seguir a linha que já estava sendo seguida. Eu procurei seguir a linha [de formação] que tinha antes, o que estava sendo feito anteriormente. Ouvir muito os professores, foi um período que a gente fez muitos levantamentos, [...]”.

Porém, um fator marcou negativamente este período, segundo a professora, houve uma mudança de espaço físico na Secretaria Municipal, com isso o computador com os dados levantados nas formações foi perdido. Ela contou que no segundo semestre daquele ano tinha realizado levantamentos das necessidades formativas dos professores de Educação Física, mas teve que se ausentar um mês para cuidar do seu pai que havia passado por uma cirurgia. Quando retornou, seu computador com todos seus documentos não estavam mais acessíveis. Ela quis mudar de setor e ir trabalhar na equipe de Programas e Projetos, pois era mais o seu perfil. No entanto, manteve-se até o final do ano e, em 2015, iniciou o trabalho de articuladora do Programa Mais Educação na escola C.

d) As experiências escolares e os espetáculos de dança

A professora iniciou o trabalho na escola C em 2015, na função de articuladora do Programa Mais Educação Participou da semana pedagógica e quando começaram as aulas e as inscrições para o Programa Mais Educação, começou a interagir com os professores. Com aqueles que deram mais abertura, foi desenvolvendo pequenos projetos como: alimentação saudável com as professoras da Educação Infantil; depois um projeto de literatura infantil que tinha contação de histórias, teatro de fantoches e leituras em sala de aula; a noite do pijama, sendo este último cancelado devido a briga de gangues no bairro em que a escola situa-se.

O espetáculo de 2015: “O sítio do Pica-Pau amarelo”

Depois das férias do meio do ano, na semana pedagógica, a professora propôs um projeto diferenciado para o segundo semestre, integrando as turmas regulares com as turmas do Programa Mais Educação.

“Em agosto de 2015 a gente ia fazer uma festa do folclore e aí quando terminaram as férias, nós retornamos para as aulas e eu vim com uma proposta de integração entre as turmas regulares e as turmas do Mais Educação. Nessa proposta a gente ia desenvolver atividades diferenciadas na sala de aula como teatro, contação (sic.) de história, apresentação de danças, apresentação de músicas, é receitas. Aí a gente fez as receitas de bolinho de chuva e bolo de fubá, distribuímos para as crianças. E a proposta era o quê? Trabalhar o folclore dentro do tema do Sítio do Pica Pau Amarelo. Porque como era um tema juvenil, infanto-juvenil, tinha essa questão do folclore que ia ser apresentado em agosto nas salas de aula e no Mais Educação, daí a gente começou a organizar um professor, depois mais um, depois outro e quando viu já estavam todos os professores envolvidos no projeto”.

Ela e a monitora de balé leram para as crianças a obra “O Sítio do Pica Pau Amarelo no Reino das Águas Claras”, as crianças gostaram e decidiram desenvolver uma apresentação de dança a partir desse tema. No entanto, a apresentação foi apresentando potencial a ponto de utilizarem alguns recursos do Programa Mais Educação para produção das roupas de balé. Por sua vez, os pais assumiram a compra das meias-calças e das sapatilhas. Segundo a professora, a apresentação foi tomando uma proporção maior e decidiram então que a apresentação seria num teatro da cidade e convidariam alunos de outras escolas públicas para assistirem.

Os alunos que não participaram do espetáculo também foram envolvidos nas atividades:

“Eles construíam jogos, fizeram as oficinas de contação (sic.) de histórias, fizeram as receitas do bolinho de chuva e do bolo de milho e a gente levava para o grupo. Então esses que não dançavam, a gente não deixou sem fazer nada. Eles ficavam fazendo outras atividades, com outro monitor. A gente conseguiu organizar os monitores para que os ensaios acontecessem no período de agosto e setembro, porque o espetáculo foi em outubro e a gente casava as coisas para que todos ficassem ocupados”.

O espetáculo aconteceu no teatro da escola Liceu Cuiabano, em outubro de 2015, sendo uma mistura de dança e de teatro, quase um musical, com 14 coreografias dentro do tema do Sítio do Pica-Pau Amarelo. A SME arcou com o transporte, o lanche para as crianças, o som e a iluminação. Aconteceram duas sessões, a da tarde para as crianças da escola e convidados de outras escolas e da noite para os pais das crianças. Na sessão da noite, o secretário de educação estava presente, chamou a professora para parabenizá-la e se comprometeu a patrocinar o projeto para o ano de 2016.

Esta produção cultural com as crianças também desencadeou outras experiências. Segundo a professora, a escola é afastada do centro da cidade e a comunidade se assemelha a uma comunidade rural. As crianças não têm acesso fácil a teatros e cinemas e com o projeto eles tiveram acesso: “durante o projeto a gente levou eles no teatro, no cinema, nos museus do centro da cidade, no SESC Arsenal. Foi um projeto que nasceu de uma discussão do que a gente ia fazer para um evento especifico e ele acabou tomando corpo”.

A Diretora da Escola C mencionou em entrevista que:

“E quando nós assumimos [a direção da escola], a [professora] veio em 2015 para cá e ela tem essa facilidade de estar articulando esses trabalhos extracurriculares, ela veio com essa proposta, quando ela chegou ela veio com o projeto que em outra unidade ela foi, digamos assim, podada. Ela não teve essa abertura para estar fazendo esse trabalho. Nós sentamos, conversamos e eu falei: “Vamos tentar!” Recursos financeiros nós não temos muito, mas a gente pode “correr” atrás. E foi o que nós fizemos. Começou com o projeto e foi um projeto para toda escola, não foi um projeto isolado”.

O sentido de integração escolar, de interdisciplinaridade, de transcendência dos espaços e conteúdos predeterminados foi incorporado a rotina da escola, permitindo a todos os sujeitos escolares conferirem significado as ações propostas, de maneira a favorecer a aprendizagem de toda comunidade escolar.

Espetáculo de 2016: “Riqueza brasileira”

No ano de 2016, houve um corte de verbas e o Programa Mais Educação encerrou suas atividades na escola. No entanto, o espetáculo foi produzido com recursos da SME. A professora estava afastada, de licença para qualificação profissional (mestrado), mas ia para a escola para ensaiar os alunos. Além disso, com a verba da SME, contratou a monitora de balé novamente. Neste ano, com a experiência acumulada do ano anterior, o espetáculo foi desenvolvido mais alinhado com o tema gerador da escola. Segundo a professora:

“O tema gerador da escola era ‘A riqueza brasileira’, nas salas de aula foi estudado por região, todos os outros aspectos. A questão da comida, dos costumes, religião, geografia, história, toda essa questão teórica foi estudada na sala de aula com eles, enquanto nós ensaiávamos a parte prática do espetáculo. Que daí nós fizemos a mesma coisa, teve as contações (sic.) de história, teatralização, teve o momento que a gente sentou com as crianças que iam dançar e contou como que seria a história [do espetáculo]”.

Sobre os projetos pedagógicos que abordam as danças na escola, Figueiredo (2013) defende a realização de trabalhos e projetos integrados e transdisciplinares, que iniciem dialogando com a realidade social e cultural, valorizando as produções artísticas regionais, mas que experimentem novas relações culturais a partir das experiências com o corpo e o movimento, entendendo o corpo como um fenômeno histórico, cultural e artístico. Além disso, a dança deve ser considerada um elemento integrador e mediador dos diferentes saberes, não sendo apenas uma expressão teórica, prática ou técnica, mas que possibilita trabalhos transdisciplinares.

O enredo do espetáculo foi criado pela professora. Resumindo, era a história de um menino nordestino, cansado da miséria, dor e tristeza causados pela seca, que sai pelo país procurando soluções para o problema de sua cidade. Nessa busca pelo país, ele e seu cachorro passam por vários locais e encontram pelo caminho as danças folclóricas regionais. Além disso, segundo a professora, realizaram um amplo trabalho de pesquisa e procuraram ser o mais fiel possível, tanto nas roupas das crianças, quanto nas coreografias. As coreografias de danças realizadas neste espetáculo foram: a seca, o pesadelo de Luiz, frevo, carimbó, congada, fandango, pomerana, e o siriri (dança típica de Cuiabá), e a chuva chega no sertão. Para isso, convidou um grupo e um professor de outra escola para participar.

Vale destacar aqui o que a Diretora da Escola C entende como contribuição deste projeto para escola pública, desenvolvido na escola por intermédio da referida professora:

“[...] é a prova de que para você fazer não depende do que te oferecem para você fazer. Se você quer, você corre atrás e você consegue. Porque assim, olhando para a nossa unidade, é precária de infraestrutura, mas os recursos humanos que nós temos é que é muito valioso. Que vai atrás, que corre atrás, que quer fazer, não fica esperando que tragam pronto. E esse é o grande diferencial, se você quer, se você faz com amor, se você faz com prazer”.

Sobre a professora, a Diretora da Escola C afirma que:

“É uma pessoa, é uma profissional de referência, que está sempre em movimento, sempre estudando, sempre indo atrás de melhorias enquanto profissional e pessoa também. E é uma excelente parceira, que você atribui à ele alguma coisa e ela vai sozinha. Ela não fica esperando você guiar, você falar faz isso ou faz aquilo. Não, ela sabe o que tem que fazer e ela vai lá e faz. Então é o tipo de profissional que toda equipe gestora gostaria de ter no seu quadro como aliado, dentro da unidade”.

Frente ao exposto, entendemos que a professora pesquisada ainda se encontra na fase de diversificação, pois após uma vivência das atividades da sala de aula como professora de Educação Física, e da profissão em geral, partiu em busca de novos desafios, desenvolvendo projetos temáticos extracurriculares, como coordenadora do Programa Mais Educação. Segundo Cooper (1982 apud Huberman, 1995, p. 42), na fase de diversificação, “o professor busca novos estímulos, novas ideias, novos compromissos. Sente a necessidade de se comprometer com projectos de algum significado e envergadura; procura mobilizar esse sentimento, acabado de adquirir, de eficácia e competência” (sic.).

No que se refere ao impacto destes espetáculos no comportamento dos alunos, a professora destacou que percebeu muita mudança em relação a presença nas aulas e nas atividades escolares. De acordo com ela:

“A questão da presença é muito séria, que a gente não leva muito em consideração, mas quando a gente verifica os índices de faltas que essas crianças tinham e que passaram a não ter mais, a gente vê a importância. Nós tivemos alguns casos específicos assim de mau comportamento que mudou totalmente a visão do menino na escola, de adolescentes mesmo, porque como a gente tem até o 6o ano, eles chegam a ficar aqui até 13 ou 14 anos, se ficar retido, e a gente tinha alguns casos assim, tanto de meninos, quanto de meninas. [...]”.

Além disso, segundo a professora, a autoestima dos alunos melhorou bastante e os alunos que participavam da sala de apoio também passaram a frequentar mais as aulas no contra turno, pois tinham os ensaios do projeto e eles estavam motivados.

“Em relação aos alunos, parece que os olhinhos deles brilharam! Não só depois do projeto, mas no decorrer você vê assim a responsabilidade porque eles tinham que vir para fazer os ensaios. Ninguém precisava ir lá na casa deles para buscá-los. [...], mas vinham com gosto, porque todo mundo estava unido por um objetivo final. E isso foi indo no decorrer do ano foi sendo aquele movimento, a escola ficou movimentada, com dança, com músicas, coreografias. E assim, nós não temos espaço adequado para isso, então o professor regente tinha que ter o mínimo de compreensão com isso, porque o som estava um pouco alta, as vezes incomoda, então se você não tem essa compreensão ficaria bem difícil. O pessoal abraçou, virou o projeto da escola, não da [professora] sozinha”.

Para a Diretora da Escola C, a realização do projeto: “[...] trouxe visibilidade, porque até então a escola só existia no papel, sabia-se que era da regional oeste, mas não tinha muito conhecimento. Hoje não, onde a gente chega, principalmente na SME, eles sabem que é a escola, através da arte, do teatro, possibilitou bastante [...]”.

Vale destacar ainda que nesta fase de diversificação a referida professora ingressa num Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu, em nível de mestrado, demonstrando o desejo em buscar outras possibilidades de estudo e aprofundamento profissional, ou seja, paralelamente ao exercício da docência e das intervenções pedagógicas surge a professora pesquisadora, acadêmica, cientista, que busca respostas que alimentam sua prática pedagógica, que por sua vez nutre o exercício da pesquisa.

e) Vida cultural, familiar, características pessoais e relação com a prática pedagógica

No que tange a sua vida cultural, a professora destaca que gosta muito de teatro, de espetáculos de dança e de ginástica. Quando se realizam festivais e apresentações nos teatros e centros culturais, costuma ir com a sua família. Também costumam ir ao cinema e já praticou e foi professora de dança do ventre. Em relação as músicas, considera seu gosto musical bem eclético, mas que seleciona um pouco e gosta de trabalhar com música brasileira, em geral. Além disso, a professora explicou que as ideias para sua prática pedagógica surgem justamente desta sua participação em eventos culturais: “As ideias que eu tenho em relação aos espetáculos muitas vezes são de outros espetáculos que eu fui e eu falava: ‘Ah, isso aí eu acho que dá para a gente fazer lá!’ Daí a gente tenta e se der certo a gente faz! É assim!”.

A professora contou que sua família apoia seu trabalho e que o único trabalho que ela leva para casa são os bordados das roupas e que a filha ajuda a fazer. Seu marido também é professor de Educação Física, mas não exerce a profissão, mas trocam muitas ideias.

“Eu confesso que eu tenho ajuda do meu marido. A gente troca muita ideia. [...]. Então ele fala assim: ‘Você já fez tal coisa?’ ‘Ah, já fiz!’ ‘E tal coisa?’ ‘Não, não tinha pensado nisso!’ Então as vezes ele dá as ideias dele. Ele fala: ‘Olha, faz isso que vai dar certo!’ Daí, muitas vezes eu experimento”.

Além disso, relatou que procura reservar os finais de semana para se dedicar a família, pois entende que é um momento de descanso e de curtir a casa, os filhos e o marido.

Segundo Moita (1995), os outros espaços da vida, especialmente o familiar e o social, podem ser um “limite”, um “contributo” ou um “acessório” em relação a vida profissional. Estes papéis podem ainda ter um caráter dominante em algumas etapas da vida, ou um caráter compensatório ou equilibrante, pode ser um recurso e ter um lugar central na vida e vir até mesmo a ser seu “motor”, mas eles nunca são exclusivos ou unidimensionais. Além disso, Faria e colaboradores (2010) destacam que nos casos dos professores inovadores, o enriquecimento propiciado pela vida cultural (como poesias, músicas, literatura, teatro) é um fator diferenciador para pensar em elaborações metodológicas distintas da cultura tradicional da Educação Física. Segundo os autores, este resultado reforça a ideia de que não é possível desvincular a trajetória pessoal dos professores da sua prática pedagógica. Folle e Nascimento (2010), constataram no seu estudo, uma professora de educação física que teve sua trajetória docente marcada pelas atividades rítmicas, expressivas, dança, teatro e isto fez com que ela suportasse frustrações e descontentamentos em seu ambiente de trabalho.

Em relação as suas características pessoais, a professora destacou que se considera determinada, insistente, criativa e que sabe escutar as pessoas e esperar o momento certo. Ela estima que tais características influenciam nos resultados do seu trabalho.

“[...], eu sou teimosa, muito teimosa, eu não desisto fácil. Isso é preciso porque nesse tipo de atividade se você não tiver persistência, você não consegue. Eu fiz os projetos de 2015 e 2016 e levei para várias empresas para ver se eles patrocinavam alguma coisa, qualquer coisa que fosse. [...], eu nunca consegui patrocínio de ninguém. Se eu fosse depender das portas que foram fechadas, eu não teria conseguido fazer, principalmente os espetáculos que são coisas maiores. Então eu acredito que tem tudo a ver, porque se eu fosse uma pessoa muito tranquila, eu não conseguiria realizar essas atividades. Tem toda relação”.

Vale destacar que saber escutar e esperar o momento certo nem sempre foram características da professora, mas surgiram em decorrência da experiência e maturidade.

“Eu sou uma pessoa que escuta bastante. Eu não escutava, eu era uma pessoa assim... como eu sou agitada, as pessoas mais velhas, com mais experiência falavam algumas coisas para mim e eu não levava em consideração. Eu vou ser realista. Mas hoje, agora eu já estou com 40! (risos), a gente já vai aprendendo escutar. Então assim, de 2013 para cá, eu passei a ser uma pessoa que ouve mais, espera o momento certo, tem mais paciência com as coisas. Eu não me revolto com as coisas, mas antes eu era uma pessoa bem mais revoltada, quando não dava certo. Agora não, eu mudei bastante nesse sentido e eu acho que isso influencia também”.

Entendemos que o percurso profissional dos professores é o resultado de três processos de desenvolvimento: o crescimento individual (capacidades, personalidade e capacidade pessoal de interação com o meio); a aquisição e aperfeiçoamento de competências de eficácia do ensino e de organização do processo de ensino aprendizagem; a socialização profissional (em termos normativos ou de adaptação ao grupo profissional a que pertence e à escola em que trabalha) (Gonçalves, 1995). Além disso, Tardif e Lessard (1999, p. 352) enfatizam que o trabalho docente é um trabalho investido, ou seja, que o professor “deve se envolver e se investir neste trabalho o que ele mesmo é como pessoa”. De acordo com esses autores, o trabalhador como pessoa é o meio fundamental pelo qual o próprio trabalho é realizado. Sua personalidade se torna uma tecnologia de trabalho, um meio para os fins pretendidos. Por exemplo, o calor, a empatia, a mente aberta, o senso de humor, a perseverança, o engajamento com as questões sociais, a criatividade dos professores, constituem recursos inegáveis ​​da profissão.

Ora, um/a profissional, ao longo da sua carreira amadurece e pode mudar seus comportamentos e características ou reforçar outras. Assim, a professora pesquisada destacou a sua persistência, determinação e criatividade no decorrer de sua carreira para desenvolver suas atividades, mas também a mudança de ser mais paciente ao longo do tempo e da experiência.

Considerações finais

Nosso objetivo foi investigar os percursos formativos e profissionais de uma professora de educação física e o desenvolvimento de projetos extracurriculares de ginástica e de danças nas escolas nas quais atuou. Para isto, desenvolvemos um estudo de caso, de natureza qualitativa e descritiva.

Ao longo deste trabalho, identificamos sua trajetória de formação pré-profissional e profissional, e as fases de entrada na carreira, a estabilização, o questionamento e a diversificação. Especialmente, demos destaque ao trabalho e as funções que ocupou nas escolas em que ela trabalhou e os projetos extracurriculares desenvolvidos, que estavam relacionados aos conteúdos de ginástica e de dança. Verificamos as influências da sua vida cultural, familiar e suas características pessoais sobre sua prática profissional.

No que se refere as fases do desenvolvimento profissional, propostas tanto por Huberman (1995) como por Gonçalves (1995), é perceptível que a professora adentra a carreira docente e, de certa maneira, passa pelas experiências que chocam, causam impacto, mas que moldam o “ser professor”. Na fase seguinte, a estabilidade e a consolidação se apresentam como uma decorrência da primeira fase, tendo em vista que as proposições e as criações são notadas e identificadas pelas convicções no fazer pedagógico.

Obviamente, os questionamentos, as dúvidas, a motivação e a opção pelo lançar-se ao novo, características próprias da fase diversificação foram notadas na trajetória profissional da docente, que a partir de iniciativa pessoal e do convencimento dos atores escolares, comprovado pela realização do trabalho, apresentaram frutos muito significativos, tais como o aprendizado, o ensinamento, o engajamento, a coletividade, a corresponsabilidade, o sentimento de pertença, dentre outros valores essenciais ao processo de formação humana e pessoal dos alunos e também de professores, coordenadores e diretores de escola.

Por fim, identificamos o envolvimento e dedicação da professora no exercício da docência, bem como pressupomos que as fases futuras da carreira profissional serão vivenciadas e, quiçá sejam transformadas, visto que a serenidade e a renovação do interesse, propostas por Gonçalves (1995) e Huberman (1995) pode se caracterizar, tanto pela renovação de interesse como pelo desencanto, impaciência, cansaço e desejo de aposentadoria, o que entendemos seja um caminho “natural” da carreira profissional, mas que precisa ser vivenciado com a seriedade e a dignidade da e na docência.

Estimamos que se os professores compreenderem o ciclo de vida profissional e adotarem atitudes de enfrentamento das dificuldades da profissão, desde as fases de entrada, até a saída da carreira, o balanço final da carreira seja vivido e sentido de maneira mais serena e com o sentimento de dever cumprido. Sabemos que nem sempre isto é fácil, pois fatores contextuais, sociais e políticos incidem, muitas vezes de maneira negativa, sobre a profissão docente. Todavia, cabe a nós, professores e professoras, procurarmos as possibilidades e alternativas para que o nosso percurso profissional seja menos sofrido e mais prazeroso. Uma das alternativas para isto, pressupomos seja, o de investirmos na melhoria da nossa prática pedagógica como um ato de resistência, de coragem e ousadia – tal qual sintetiza o excerto discursivo destacado no título deste trabalho: “Eu não desisto fácil” –, e, também, no desenvolvimento de atividades pedagógicas, festivais da cultura corporal (de ginástica, jogos, lutas, atividades circenses, etc.) e projetos pedagógicos que deem sentido, satisfação e alegria, tanto para nós, como também para nossos alunos e alunas.

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Notas

1“O Programa Mais Educação, criado pela Portaria Interministerial nº 17/2007 e regulamentado pelo Decreto 7.083/10, constitui-se como estratégia do Ministério da Educação para indução da construção da agenda de educação integral nas redes estaduais e municipais de ensino que amplia a jornada escolar nas escolas públicas, para no mínimo 7 horas diárias, por meio de atividades optativas nos macrocampos: acompanhamento pedagógico; educação ambiental; esporte e lazer; direitos humanos em educação; cultura e artes; cultura digital; promoção da saúde; comunicação e uso de mídias; investigação no campo das ciências da natureza e educação econômica” (Fonte: Portal do MEC).

Recebido: 29 de Maio de 2018; Aceito: 29 de Junho de 2018

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