Introdução
O voleibol é um esporte que exige diferentes elementos para sua qualificação, tais como técnica, tática e demandas físicas que favorecem os aspectos do jogo (Dávila-Romero, Hernández-Mocholí & García-Hermoso, 2015; Lopes, Magalhães, Moreira & Albuquerque, 2016; Porath, Collet, Milistetd, Salles & Nascimento, 2016; Trajković, Milanovic, Sporiš, Milic & Stankovic, 2012; Trajković, Krističević & Sporiš, 2017). Dentre tais elementos, o tático-técnico se destaca como essencial para o sucesso (Peña, Rodríguez-Guerra, Buscà & Serra, 2013), bem como é sugerido que os seus treinamentos sejam monitorados para melhor qualificação (Rodríguez-Marroyo, Medina, García-López, García-Tormo & Foster, 2014).
Na literatura os aspectos táticos-técnicos em grande parte são investigados pela forma em que o jogo se organiza, ou seja, em complexos de jogo (Hurst et al., 2016). Portanto, os elementos técnicos do voleibol são organizados em dois complexos, sendo a primeira parte atribuída a estrutura ofensiva (complexo I – side-out: recepção de saque, levantamento e ataque) e a segunda a defensiva (complexo II – contra-ataque: bloqueio, defesa e suas combinações de contra-ataque) (Giatsis, Martinez & García, 2015). Em relação ao primeiro complexo, estudos prévios já detectaram que a excelente recepção de saque, o ataque de primeiro tempo e o ataque potente são decisivos para o sucesso do ataque na zona 4 no masculino (Costa et al., 2017), enquanto que no feminino tanto o oposto quanto o primeiro e o segundo receptores são tão eficazes quanto o oposto, apesar deste último ser o jogador que mais efetua ataques (Millán-Sánchez, Rábago & Espa, 2017). Já nas categorias de formação a qualidade da recepção de saque é considerada preditora para a eficácia do levantamento (González-Silva, Domínguez, Fernández-Echeverría, Rabaz & Arroyo, 2016) e que os coeficientes de performance de ataque se diferem para maior no set vencido no voleibol feminino escolar (Costa, et al., 2017).
No que concerne ao segundo complexo, autores verificaram que os jogadores de alto nível são mais efetivos nesta estrutura do que os jovens nas bolas de terceiro tempo (ataques lentos) (García-de-Alcaraz, Ortega & Palao, 2016) e que o conjunto das ações defensivas permitem a melhor forma para a transição para a efetividade do ataque (Castro & Mesquita, 2010). Vale salientar que outros autores expandem esses complexos pela dinâmica subsequente do jogo em complexo III e IV (Laporta, Thomas & Afonso, 2015; Medeiros, Marcelino, Mesquita & Palao, 2017).
A avaliação do desempenho tático-técnico durante jogos e, consequentemente, em competições como indicador de desempenho é bastante difundido na literatura (Costa, et al., 2017; Šimac, Grgantov & Milić, 2017). No entanto, no ambiente de treinamento para as competições, esses dados são incipientes. Neste sentido, é fundamental que essas observações dos elementos táticos-técnico do jogo também sejam observadas durante os treinamentos como forma de aprimoramento e reflexão desses indicadores para o jogo (Hughes & Bartlett, 2002), o que possibilita melhor estruturação das tarefas e cargas de treinamento (Bartlett, O´Connor, Pit, Torres-Ronda & Robertson, 2017; Ritchie, Hopkins, Buchheit, Cordy & Bartlett, 2016).
Portanto, o planejamento do treinamento se faz necessário para aumentar a qualidade das diferentes demandas do jogo (Bartlett et al., 2017), sendo necessário um controle do programa do treinamento que seja por meio de registros das tarefas durante as sessões pelos treinadores de forma manuscrita, por observações de vídeos (análise de treino ou jogo) (Hughes & Bartlett, 2002) ou percepções subjetivas dos atletas das cargas de treino (Foster et al., 2001), consequentemente este controle poderá ser um mediador entre o desempenho alcançado nas competições no aspecto tático-técnico e o quantitativo de treinamento realizado.
Adicionalmente, faz-se necessário ter esclarecimento sobre o tempo despendido nos treinamentos das ações do jogo, bem como a contribuição desse aspecto no desempenho tático-técnico das equipes durante a competição, visto que se acredita que investigações com essas características poderão subsidiar treinadores no processo de formação de jovens atletas. Dessa forma, o objetivo do estudo foi comparar o tempo de treinamento das habilidades motoras do voleibol despendidos durante 12 semanas em equipes escolares, tendo como objetivo secundário comparar indicadores de performance durante uma competição.
Metodologia
Trata-se de uma pesquisa de caráter descritivo com delineamento longitudinal. O estudo foi dividido em dois momentos: o primeiro momento considerado como pré-competitivo (PC) ocorreu durante 12 semanas, no qual foi coletado o tempo despendido nos treinamentos tático-técnico diários. No segundo momento, foi analisado o desempenho em uma competição escolar da Paraíba-Brasil, sendo filmados 16 jogos (37 sets) e analisados 1.445 saques, 1.308 recepções de saque, 1.133 levantamentos, 1.014 ataques, 271 bloqueios, 739 defesas, 489 levantamentos de contra-ataque e 446 ataques de contra-ataque. As equipes participantes do estudo foram a campeã (A), a vice-campeã (B), a terceira colocada (C), a quinta colocada (D) e a sexta colocada (E) da competição. Para definição das melhores equipes que iriam participar da competição, recorreu-se aos resultados da competição anterior. A partir deste momento, foram selecionadas as dez melhores equipes para participar do estudo.
Participaram do estudo cinco equipes, totalizando 50 atletas masculinos, com faixa etária entre 15 a 17 anos, que foram incluídas na pesquisa pelos seguintes critérios: aceitar participar do estudo assinando as fichas de avaliação no período PC; e estar inserido em alguma equipe participante da competição. Duas equipes foram excluídas por desistência no decorrer da competição e três por preenchimento errado nas fichas de avaliação durante o período PC. Aos treinadores e atletas que concordaram e autorizaram em participar do estudo, foi entregue um termo de consentimento livre e esclarecido e de assentimento. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Paraíba (Protocolo 441/14) e seguiu as normas da resolução 466/12.
Durante 12 semanas (período pré-competitivo) foi acompanhado o tempo despendido das sessões de treinamento por uma ficha que continha cinco eixos. O primeiro eixo consistiu-se no registro das habilidades motoras (saque, recepção, levantamento, ataque, bloqueio e defesa) (Palao, Manzanares & Ortega, 2015); no segundo eixo foi o registro das atividades de complexo de jogo, que foi caracterizado quando o treinamento era realizado com exercícios tático-técnico (Lima, Martins-Costa & Greco, 2011) com base nos complexos 1 e 2 do jogo (Palao, Santos & Ureña, 2004); no terceiro eixo continha as combinações dos fundamentos entre os atletas, denominado de domínio de bola (Lima et al., 2011); o quarto eixo estava relacionado às atividades de coletivo (jogo entre atletas da equipe) ou jogo amistoso (Ritchie et al., 2016); por fim, o quinto eixo serviu para registro do tempo total de treinamento da sessão ou volume total, que foi definido pelo somatório do tempo despendido na sessão. Todos os dados foram registrados em minutos (min).
A ficha era composta por um cabeçalho que continha informações para preenchimento sobre nome da equipe, semana treinada e nome do responsável da equipe. Em seguida, o responsável da equipe preenchia o tempo em minutos dos cinco eixos.
Para analisar o desempenho tático-técnico utilizou-se uma escala adaptada de Eom & Schutz (1992). Em seguida, as ações do jogo foram distribuídas em ações de continuidade (recepção, levantamento e defesa) e terminal (saque, ataque e bloqueio), sendo as ações de continuidade avaliada numa escala de quatro pontos e terminal de cinco pontos (Palao, Manzanares & Ortega, 2009). Ação de continuidade: 0= erro, ponto direto; 1= não possibilita uma organização defensiva; 2= organização ofensiva limitada; e 3= ação ofensiva organizada com todas as opções de ataque. Ação terminal: 0= erro, perda do ponto para o adversário; 1= a execução não permite o ponto direto, mas permite uma organização ofensiva para o time adversário; 2= ação que permite ofensiva limitada, enquanto a equipe oponente de posse da bola organiza o contra-ataque limitado; 3= boa execução. Mas não permite o ponto direto da equipe executante, não possibilita ação ofensiva do adversário; e 4= ponto, execução perfeita.
Logo após, os dados supracitados foram calculados a performance das equipes por meio de indicadores de rendimento tático-técnico (coeficientes e eficácia). O coeficiente foi calculado pelo somatório total das ações multiplicado pelo seu valor correspondete na escala e subdividido pelo total de tentativas das ações, enquanto para a eficácia foi utilizado o total de ações ponto/excelente subtraído dos erros, sendo multiplicado por 100 e subdividido pelo total de tentativas (Coleman, 2005). As filmagens foram realizadas utilizando uma câmera filmadora da marca GoPro (CHDHN-302, EUA), posicionada atrás da quadra, no alto da arquibancada, sendo checados, anteriormente, o posicionamento e a visualização da filmagem na câmera, a fim de eliminar possíveis erros.
Antes de iniciar as análises foram utilizados treinamentos com os avaliadores para garantir consistência nos resultados (Anguera & Hernández-Mendo, 2013; Luis & Estero, 2009; Medina & Delgado, 1999). Para testar o grau de concordância intra-avaliador nas análises observacionais, foi utilizado o coeficiente de Kappa. Inicialmente 20% dos dados foram avaliados nos primeiros 15 dias para não comprometer as avaliações seguintes (James, Taylor & Stanley, 2007). A confiabilidade do avaliador (intra) mostrou os seguintes valores de Kappa: saque= 0,99, recepção= 0,99, levantamento= 0,99, ataque= 0,98, bloqueio= 0,97; defesa= 0,98; levantamento de contra-ataque= 0,96; e ataque de contra-ataque= 0,97. Entre avaliadores “inter” os resultados encontrados foram superiores a 0,8 em todas as análises.
A estatística descritiva é apresentada por meio de média e desvio padrão. Após os dados apresentarem normalidade através do teste de Kolmogorov-Smirnov, foi utilizada a Anova one-way para comparar o tempo despendido nas habilidades motoras durante o PC e o desempenho tático-técnico na competição entre as equipes. As diferenças significativas encontradas foram identificadas pelo teste de post-hoc de Tukey. O nível de significância adotado foi p≤ 0,05.
Resultados
Na Tabela 1 é comparado o tempo despendido nas habilidades motoras no treinamento durante 12 semanas entre as equipes de voleibol masculino. A equipe “A” campeã da competição apresentou maior tempo despendido durante os treinamentos no saque e ataque quando comparada com as demais equipes, como também na recepção do saque com a equipe “C” e “E”. Além disso, a equipe “A” foi diferente no complexo de jogo e domínio de bola quando comparado com as demais equipes, enquanto a equipe “D” treinou mais complexo de jogo do que a equipe “E”.
Fonte: Min= Minutos; Recep.= Recepção de saque; Levant.= Levantamento; Comp.= Complexo de jogo; Domínio= Domínio de bola; Vol. total= Volume total; Diferença significativa entre A vs. B a; Aº vs. Cº b; Aº vs. Dº c, Aº vs. Eº d; Dº vs. E e; Classificação das equipes na competição: A= campeão, B= Vice-campeão, C= 3º lugar, D= 5º lugar e E= 6º lugar.
Na Tabela 2 é apresentada a comparação do indicador de performance da eficácia das habilidades tática-técnica entre as equipes de voleibol escolar durante a competição. A equipe “A” foi melhor do que “E” na recepção do saque (p= 0,006), no levantamento (p= 0,006) e no ataque (p= 0,003), e também foi melhor do que “C” no levantamento (p= 0,018) e melhor do que “D” no ataque (p= 0,032), enquanto “C” foi melhor do que “E” no ataque de contra-ataque (p= 0,011).
Fonte: Min= Minutos; Recep.= Recepção de saque; Lev. = Levantamento; Lev. ca= Levantamento de contra-ataque; At. ca= Ataque de contra-ataque; Diferença significativa entre A vs. B a; A vs. C b; A vs. Dc, A vs. Ed; D vs. E e. Classificação das equipes na competição: A= campeão, B= Vice-campeão, C= 3º lugar, D= 5º lugar e E= 6º lugar.
Na Tabela 3 são reportadas as comparações dos coeficientes de performance entre as equipes de voleibol escolar durante a competição. A equipe “A” apresentou melhor rendimento no CPS (p= 0,050), no CPR (p= 0,040), no CPL (p= 0,000), no CPA (p= 0,002) e no CPLC (P = 0,032) quando comparada com “E”, e também foi melhor do que a “C” no CPL (p= 0,006), no CPA (p= 0,007), no CPB (p= 0,013) e no CPD (p= 0,036), enquanto “B” foi melhor do que “E” no CPL (p= 0,018).
Fonte: CP= Coeficiente de performance; Recep.= Recepção de saque; Lev.= Levantamento; Lev. ca= Levantamento de contra-ataque; At. ca= Ataque de contra-ataque; Diferença entre A vs. Ca; A vs. Eb; B vs. Ec. Classificação das equipes na competição: A= campeão, B= Vice-campeão, C= 3º lugar, D= 5º lugar e E= 6º lugar.
Discussão
O presente estudo comparou o tempo despendido nas habilidades no voleibol masculino escolar durante 12 semanas de treinamento na fase pré-competitiva, enquanto na fase de competição foi avaliado o desempenho tático-técnico das equipes. Os principais resultados sugerem que o tempo despendido nos treinamentos influenciou positivamente na equipe campeã e, consequentemente, contribuiu para o desempenho dos elementos táticos-técnicos do jogo.
O tempo despendido no treinamento é considerado um fator importante para o sucesso no desempenho (Gabbett, 2008), e isso foi confirmado nos achados do estudo com o sucesso da equipe campeã “A”. Apesar disso, é fundamental que este tempo despendido no treinamento seja realizado de forma planejada por meio de uma periodização que envolva os elementos táticos-técnicos, pois treinamentos periodizados alcançam resultados melhores do que treinamentos não periodizados (Williams, Tolusso, Fedewa & Esco, 2017). Além disso, salienta-se que nem sempre o quantitativo significa qualidade no treinamento.
Nesta perspectiva, treinar com qualidade é fundamental para as habilidades táticas-técnico no voleibol (Palao & Ortega, 2015), o que refletirá diretamente para o sucesso do set (Costa, Barbosa, Freire, Matias & Greco, 2014; Marcelino, Mesquita, Sampaio & Moraes, 2010) ou do conjunto de sets (Rodriguez-Ruiz et al., 2011). Assim, os achados do presente estudo apesar de não ter realizado o controle da qualidade das ações das equipes, percebeu-se que pelo menos no quantitativo a equipe vencedora da competição foi superior nas habilidades durante os treinamentos, seja de forma estatística ou pelo valor bruto, sobretudo em variáveis preditoras para o sucesso do jogo como a recepção de saque e do ataque (Costa et al., 2017).
Durante o jogo a utilização de indicadores de performance são fundamentais para avaliação dos atletas ou equipes (Hughes & Bartlett, 2002), bem como que esses indicadores possam ser analisados conforme a organização ofensiva (complexo I: side-out) e defensiva (complexo II: contra-ataque) (Giatsis et al., 2015).
Partindo desse pressuposto e tomando como elemento norteador a equipe campeã, observou-se que nas habilidades que compõem a organização ofensiva a equipe “A” foi superior em valores brutos do que as demais equipes, e ainda estatisticamente em relação a algumas equipes, tanto na eficácia quanto no coeficiente de performance. Salienta-se que esses indicadores são importantes mesmo sem apresentar diferença estatística, pois a eficácia representa o ponto conquistado nas ações terminal e a qualidade foi realizada das ações de continuidade para as ações subsequentes no jogo (Palao et al., 2004).
Já nas habilidades da organização defensiva, a equipe campeã não apresentou homogeneidade em superioridade em relação a todas as equipes no indicador de eficácia, contudo no coeficiente de performance a campeã voltou a demonstrar superioridade.
Utilizando o indicador de performance de posição final no ranking na competição (Hughes & Bartlett, 2002), percebeu-se que os achados nos aspectos táticos-técnico vão de encontro com os resultados encontrados por Porath et al. (2016) que encontraram que o desempenho tático-técnico está relacionado com o rendimento na competição em atletas em formação participantes de um campeonato estadual na região Sudeste do Brasil em 2010.
Em outro estudo com atletas espanhóis, que foi analisado não pelo ranking na competição, mas pelo nível de desempenho da equipe, verificaram-se nas ações terminal diferenças para maior para as equipes de maior nível nos aspectos táticos-técnicos, mas quando comparado entre o mesmo nível as diferenças aconteciam mais no ataque (Palao, Manzanares & Valadés, 2015). Em uma pesquisa com participantes masculinos nos Jogos Olímpicos de Sydney 2000, verificaram-se que nos coeficientes as diferenças entre os níveis acontecem principalmente no bloqueio (Palao et al., 2004).
Algumas limitações do estudo precisam ser destacadas. Primeiro, o fato de não ter sido realizadas as filmagens durante o período pré-competitivo para avaliar o desempenho técnico-tático durante os treinamentos. Segundo a não participação no estudo da equipe classificada em quarto lugar. Terceiro, a subjetividade dos atletas quanto às questões norteadoras do jogo.
Conclusão
Conclui-se que o tempo despendido nos treinamentos é fundamental para o sucesso da equipe, contudo desde que ele seja utilizado com qualidade. Além disso, a qualidade das ações pode ser determinante para o sucesso na competição, sobretudo na organização ofensiva da equipe. O estudo é relevante para técnicos e treinadores de voleibol na perspectiva da quantidade e qualidade de treinamento. O estudo mostra claramente que a quantidade de treinamento é fator decisivo na competição, ou seja, treinar mais é sinônimo de sucesso na competição. Futuros estudos são importantes para avaliar se o desempenho tático-técnico nos treinamentos pode influenciar no desempenho do jogo e consequentemente na competição. Questões qualitativas e subjetivas também devem ser avaliadas em outros tipos de estudo, visto que o subjetivo sempre influencia no desempenho. Aspectos de tomada de decisão, de “o que fazer” e “como fazer” durante os treinamentos são fundamentais para compreensão do jogo como um todo.